sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Feliz ano novo







Não, não vou desejar-lhe um próspero ano novo. A idéia de prosperidade sempre me trás à mente a triste figura do burguês gordo, sovina, o terno um pouco apertado. Prefiro desejar que você ande folgado em uma camisa branca de algodão.
Não espero que todos os seus desejos se realizem, que lhe sobrem vontades para deixar seu passo ligeiro e seu olhar vivo sobre as cabeças que vão baixas.
Saúde sim, que tenha muita, mas se acaso algum achaque o surpreender, meus sinceros votos são para que não haja greve de médicos e que a fila seja curta.
Espero que se houver muito dinheiro no seu bolso nesse próximo ano, que ele seja mais dividido que poupado e que haja alegria nisso.
Um ano repleto de felicidades é pedir muito. Mas não se acanhe de dar uma gargalhada de vez em quando.
Desejo de coração que janeiro não traga dengue para que em fevereiro sua elegância seja de mestre-sala e você, minha amiga, tenha um sorriso de porta-bandeira.
Que as águas de março não alaguem sua cidade e que no primeiro de abril, seja você o autor do trote.
Para que seu maio seja aproveitável, não vá comemorar o dia primeiro onde haja músicos sertanejos e sorteio de automóveis. Fique de pé e lembre-se dos que caíram.
Se junho o encontrar gripado, não economize no quentão pois julho tem trabalho dobrado com as crianças de férias.
Quando agosto soltar seus cachorros loucos, durma juntinho dela esperando a primavera.
Em outubro não vá à Aparecida.”Boa romaria faz quem fica em sua casa em paz”
Vote direito em novembro. Nem que seja em branco se sua cabeça assim determinar. O menos ruim é sempre ruim.
E enfim, desejo que seu time escape do rebaixamento na última rodada do campeonato para que você não fique falando de juízes no resto do mês de dezembro.
Feliz ano novo. São os votos sinceros do Manuel e os meus também.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Frases







Em 1988, Carlos Menem concorria com Antonio Cafiero pela indicação de seu partido para disputar a presidência da República Argentina. Foram prévias renhidas com simpatizantes exaltados e grandes frases no melhor estilo grandiloqüente dos políticos daquele país. Num dos últimos atos públicos de sua campanha, Menem proferiu discurso no qual expunha os motivos que o levavam a querer disputar a Casa Rosada e por quem lutaria caso fosse eleito presidente. Disse o homem das costeletas:_”Por los niños pobres que tienen hambre, por los niños ricos que tienen sed de amor”. Pois é, ele não deixava escapar ninguém. Mas se esse discurso é risível, em outra fala, o filho de La Rioja resolveu citar o prócer de seu partido e mandou essa:_ “Como dijo Perón, nunca tantos hicieram tanto por tan pocos”.Isso ninguém me contou, eu mesmo ouvi ambos os discursos transmitidos pela Rádio Del Plata, presente nos comícios com seus microfones.
Mas se trocar o nome do autor ao citar uma frase já é pecado, o que dizer de quem cita, como se sua fosse, a frase de outro? Indesculpável. Mas há pior.
Outro dia, corria os olhos por um sítio informativo quando me deparei com a reprodução da coluna que Luis Felipe Pondé escreve na Folha de São Paulo. O filósofo, em seu texto áspero, fazia considerações sobre essa mania tão caipira de nossas classes médias de enaltecer a Europa em tudo. Eu, ainda que com certo receio, ia concordando com o pensador da Avenida Paulista quando encontro a frase:_”Eu não sou patriota, patriotismo é para canalhas”. Tive a certeza de estar diante de uma adulteração.A frase fora corrompida, deturpada, mas ainda estava lá., reconheci-a. “O patriotismo é o último refúgio de um canalha”
Quando o Samuel Johnson cunhou o dito, me parece óbvio que quis dizer que esgotados todos os recursos de canalhice, o sujeito de pouco caráter usa o artifício de um patriotismo postiço para perpetrar seu derradeiro golpe. De maneira nenhuma afirma que o patriotismo é coisa de canalhas, pois qualquer um olhando em volta, encontra patriotas dignos. Homens e mulheres que através da história fizeram do seu amor à terra em que nasceram, fonte de inspiração dos mais altos e desinteressados ideais. Basta lembrar o Tiradentes e os outros componentes da conjuração mineira. Ou, no século seguinte, toda a geração de literatos que instauraram o romantismo no Brasil. Claro que entre estes houve um grande número de canalhas e postiços, mas creio que não se pode mencionar Paula Brito, Teixeira e Souza ou Gonçalves Dias, nesses termos. Estes homens que iniciaram a puberdade à época da independência, tinham no amor à pátria nascente, algo mais que a pose ou o trejeito de alguns contemporâneos seus. E não vou mais alem nos exemplos para não começar a citar os vivos que poderiam me desmentir no futuro.
Mas como sabemos, Pondé ama as câmeras e, diga-se a verdade, por elas é amado. Talvez, as horas gastas maquiando-se para suas aparições na televisão ou sua ida a jantares e lugares finos o tenha impedido de pesquisar para citar corretamente.e com a cabeça na sua nutrida agenda, não foi capaz de meditar no que escrevia. Saiu-lhe o monstrengo em forma de oração.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Impunidade







Esta semana faz 10 anos que forças policiais argentinas dispararam contra a multidão que se manifestava em repúdio às medidas do governo daquele país, então encabeçado por Fernando De La Rua. Da brutal repressão resultaram 40 mortos e muitos feridos. O presidente, que pouco depois renunciou e fugiu da Casa Rosada de helicóptero, ordenara a ação policial e os superiores do aparato repressivo entregaram aos subordinados balas de chumbo e não as de borracha que normalmente são usadas nesse tipo de operação.Mesmo depois de uma década, ninguém foi indiciado pelos crimes.
Na França, Jaques Chirrac foi enfim condenado por crimes cometidos quando era prefeito de Paris entre 1992 e 1995. Aquele que viria a ser presidente da república francesa, criou vários cargos fictícios na prefeitura que comandava. Como a condenação o encontra octogenário, o ex-presidente não cumprirá um só dia da pena na prisão. Uma decisão judicial proferida quase 20 anos depois do cometimento do delito.
De janeiro a dezembro do ano passado foram cometidos mais de 50 assassinatos de mulheres na Espanha. Todas mortas por seus maridos e namorados. Esses crimes, que o noticiário da televisão pública espanhola trata pelo eufemismo de “crimes de gênero”, estão se tornando um esporte nacional no país das touradas. Os dados deste ano não estão sendo divulgados.. Hoje pela manhã houve mais um desses crimes mas a jornalista que narrava a notícia não mencionou nenhum número como foi comum a cada caso ocorrido no ano passado. Em caso recente, um jovem seqüestrou, estuprou e matou uma menor de idade. O juiz que instruía o processo decretou que o assassino não vá a júri popular pois o assassinato teria sido um crime praticado em conseqüência do crime originário de estupro. Será julgado e condenado por decisão monocrática de um homem togado. A decisão do juiz instrutor sugere a futuros assassinos que antes de matar uma mulher deve-se estupra-la evitando assim ser julgado pela sociedade. Júri popular é, em geral, muito severo com assassinos estupradores, resta saber que sentença será dada pelo juiz ao estuprador assassino.
Foi pronunciada a sentença do jovem português que matou a mãe enquanto essa dormia. Segundo o noticiário da SIC, eles tinham um péssimo relacionamento. A mãe, médica, pressionava o filho para que esse concluísse o curso de medicina. O juiz considerou que o réu do homicídio duplamente qualificado, não mostrou sequer sincero arrependimento e condenou-o a 17 anos e meio de prisão. A defesa vai recorrer da sentença alegando que algumas das acusações não foram suficientemente provadas. Se mantida a sentença inicial, em seis anos o matricida estará nas ruas e poderá desfrutar da herança da mãe chata.
O ministério da saúde francês conclamou as mulheres que fizeram implante de silicone nos seios para que procurem o serviço sanitário e removam as próteses produzidas por um determinado fabricante que teria usado silicone industrial na confecção das mesmas. O sistema de saúde concluiu que vários casos de câncer mamário estavam relacionados ao uso das próteses fornecidas pela empresa de produtos médicos. A saúde pública fará gratuitamente a remoção, mas só fará novo implante nos casos em que a cirurgia foi de caráter reconstrutor e não apenas estético.
Em nenhuma das reportagens que assisti, mencionou-se qualquer medida punitiva contra o fabricante das próteses.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Adeus







Morreu Joãozinho Trinta e com ele uma página do carnaval carioca.
Sua trajetória como carnavalesco é uma das mais vitoriosas na história do carnaval..Depois de iniciar como assistente no Salgueiro onde foi campeão em 65, 69 e 71, trabalhou em 73 ao lado de Maria Augusta e 74, já como solista, conquistou o título para a escola da Tijuca, bisando no ano seguinte.
Em 1976 levou a Beija Flor ao topo no desfile das escolas e depois repetiu o feito em 77 e 78. Conquistou também, pela “orgulho da baixada”, os títulos de 80 e 83. Sua passagem pelo carnaval de Nilópolis foi tão vencedora quanto polêmica. Criticado por sambeiros, politicólogos e outros palpiteiros, pelo luxo que sua escola colocava na avenida, em contraste com a realidade das comunidades das quais as escolas eram oriundas, o maranhense da baixada fluminense foi categórico ao afirmar que “pobre gosta é de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”. Faltou dizer que intelectual gosta de miséria dos outros. Também bateu de frente com a igreja católica quando vestiu uma imagem do Cristo redentor de mendigo no seu enredo “Ratos e urubus, larguem a minha fantasia” Foi impedido e teve que cobrir a alegoria com um plástico preto mas não deixou por menos e sobre a veste que a censura eclesiástica impôs, escreveu os dizeres:_”Mesmo censurado, rogai por nós”.
Pela Acadêmicos da Rocinha foi campeão nos grupos 1D, 1C e 1B em 89, 90 e 91. Também venceu o acesso pela Império da Tijuca em 76. Voltou a conquistar o título do grupo especial em 97 pela Viradouro. Entre o carnaval carioca e o paulistano somou também 6 vice-campeonatos.
De Joãozinho Trinta guardo uma história contada pelo Neguinho da Beija Flor que ouvi numa entrevista há alguns anos. Contava o cantor que estava à porta de sua casa um domingo de manhã quando Joãozinho Trinta,.que ia para a feira, parou para uma conversa e disse ao compositor que tem a escola no nome e na história:_Olha Neguinho, todas as grandes escolas têm um samba que as exalta e nós não temos esse samba. Você, como um dos compositores mais famosos da escola, deveria fazer algo a respeito.  Despediu-se e foi comprar limões à feira.
Neguinho da Beija Flor entrou em casa e encontrou a lira e a musa e naquele mesmo instante começou a escrever o samba exaltação que lhe cobrara o carnavalesco.Voltou ao portão e quando Joãozinho Trinta retornava de suas compras, mostro-lhe o samba recém composto. Cantava olhando para o papel onde estava a letra ainda cheirando à tinta. Quando levantou os olhos para colher a aprovação de Joãozinho Trinta os olhos deste estavam cheios de lágrimas.
Sobre todas as glórias conquistadas e polêmicas causadas, para mim essa história define mais Joãozinho Trinta que qualquer outra.

Detonando o Japão







Enquanto esperava pelo jogo Santos e Barcelona, que assisti com o som da tv desligado, fiquei rememorando as últimas informações que os jornalistas esportivos nos deram em suas entradas ao vivo, desde o Japão,e nas transmissões dos jogos anteriores. Eu disse “informações”?  Já comecei mal.
 Não são fatos o que trazem esses jornalistas e sim uma enciclopédia de estereótipos já consagrados. Por eles só fico sabendo da educação estremada do povo japonês, da sabedoria oriental, do respeito aos mais velhos que aquela cultura exalta, da limpeza das ruas, da enorme tecnologia presente até em seus vasos sanitários. Sobre episódios recentes da vida japonesa, nada. Fukushima jamais existiu no imaginário de nossos patrícios que exercem a crônica esportiva.
Quando em setembro de 1945 os japoneses assinaram a rendição na segunda grande guerra, seu imperador Hirohito foi obrigado a fazer uma aparição pública e renunciar à sua divindade.Pela primeira vez na milenar história daquele país, o povo pode ver a face de um imperador. Imagino a decepção. O líder que por anos os fizera lutar em nome das tradições japonesas e repúdio ao domínio ocidental no oriente, apareceu num palanque de madeira sem adornos, mais parecendo um patíbulo que outra coisa. Trajava uma ridícula casaca que o fazia parecer-se a um besouro anão e seria motivo de riso até para a barata do Kafka, no rosto levava um bigode mal aparado em nada parecido às extravagâncias capilares dos samurais e shoguns e na cabeça um chapéu mais ocidental que o rebolado de Rita Hayworth. Ainda por cima vinha dizer que não era deus na terra e, com a graça dos americanos, seria apenas chefe de estado. Seus generais já haviam sido enforcados por crimes de guerra em seu lugar. Ele, que até o fim dizia que a rendição seria inaceitável, a aceitara em troca de seu pescoço imperial e divino. E é claro, devido à evidência que “fat man” e “little boy” mostraram.
Entre Hiroshima e Fukushima, o Japão tornou-se potência tecnológica e econômica e nos é mostrada como uma espécie de shangri-lá com terremotos pela televisão tupiniquim. Mas o que os olhos vêem o estereótipo apaga e nossos “enviados especiais” sequer enxergam que a simpatia reservada aos turistas é tão universal quanto à coca-cola. De Xerém a Kobi o gringo é bem recebido porque traz a grana. Que o respeito aos mais velhos é na verdade um respeito aos mais ricos.Lá e cá. Velho pobre tem que se valer da segurança social que sempre se mostrou mais evidente nos países ocidentais.O convívio de várias gerações sob o mesmo teto nada tem a ver com respeito à sabedoria e sim com falta de aposentadorias dignas que tornariam os velhos independentes da chatura de noras e netos adolescentes.
Mas para nosso espanto, ficamos sabendo que nas ruas do Japão não se encontra nem um fio de cabelo no chão e que poucos dias após o tsunami, estradas inteiras haviam sido reconstruídas.Pouco importa se crianças comeram carne contaminada inspecionada e liberada pelo governo e que a demora de um mês em ampliar a área a ser evacuada em torno da usina atômica avariada, fez com que milhares de pessoas ficassem expostas, desnecessariamente, à radiação. Tudo para evitar a desordem que uma fuga em massa dos locais contaminados provocaria. Os japoneses odeiam a desordem.  Sofisticados equipamentos de detecção de radiação diziam o contrário mas o governo japonês ordenou que ficassem em casa. Uma simples dose de iodo poderia ter evitado a contaminação radioativa.(O iodo não radioativo ingerido antes ou pouco tempo depois do contato com isótopos radioativos de iodo impede que a radiatividade seja absorvida pela tireóide) Em poucos anos saberemos os resultados dessa conduta governamental.
A ordem com que se comportam os japoneses também é motivo de admiração para os jornalistas esportivos brazucas que visitam aquele país. Quem os ouve tecer tantos elogios ao comportamento ordeiro, pensaria que essas pessoas jamais jogaram lixo na rua ou estacionaram seus carros em local proibido. Para eles é digno de nota que até para se suicidar os japoneses são ordeiros e respeitam as tradições. Mas como o Japão é o recordista mundial em suicídio infanto-juvenil, algum deslize deve-se esperar dos que praticam a milenar tradição do harakiri em tenra idade. Má influência ocidental, de certo.
No entanto se há algo em que o Japão se destaca é na tecnologia, e não só na tecnologia inútil dos jogos de vídeo e outros que tais. Os japoneses são bons em máquinas e equipamentos e no mundo das telecomunicações encontram poucos concorrentes.Como isso é fato inconteste, muito me surpreendi quando vi no canal japonês por ocasião do desastre nuclear de Fukushima, que durante as reportagens de rua e nos estúdios apareciam cartazes escritos que eram manipulados por algum ajudante do repórter. Mesmo durante as entrevistas coletivas com os responsáveis pela usina nuclear acidentada, que sempre vestiam uniformes muito grandes para seus corpos diminutos, havia os tais cartazes. Se a cena já era patética pelas caras de passarinhos tristes que todos ostentavam e pelos uniformes comprados, de certo, pelas mães dos diretores da usina nuclear, (as mães sempre compram roupas um número maior pensando no rápido crescimento dos filhos mesmo que estes já tenham 32 anos) os gráficos e dizeres, mostrados dessa maneira tão rudimentar, davam ao todo um aspecto de pobreza tecnológica da televisão dos anos 60 e me fazia lembrar da TV Tupy, da propaganda do sabão Rinso e, claro, do National Kid.
Talvez o problema dos japoneses é que apesar de terem contribuído para o mundo com muitas coisas realmente geniais, o ocidente cisma em destaca-los por suas bobagens. Assim é com seus “anime”. O nome não disfarça o que é, mas pelo menos não temos que dizer “desenho animado” para algo tão desanimado. São desenhos que nada têm de movimento, pelo contrário, são figuras estáticas cujo único esboço de animação fica por conta de uns olhos enormes que abrem e fecham a cada quadro.(Os japoneses crêem que possuem olhos como aqueles) Mas se visualmente são feios, o que se pode dizer dos enredos?  São dramalhões que fazem novelas mexicanas parecerem um baile gay de carnaval. Quem sabe aí não esteja um dos fatores que levam tantas crianças ao suicídio naquele país?
Parentes dos “anime”, os “mangá” também são uma febre no Japão. Certa vez li que 50% do papel para impressão japonês é usado para editar essas histórias em quadrinhos. O número me parece exagerado, mas se estiver correto, livros, jornais, revistas, folhetos, cartões de visita, notas fiscais e propagandas em geral, dividem a outra metade. Dessas publicações há para todos os gostos. Infantis, juvenis, adultas, cômicas, trágicas, eróticas e históricas. Na terra de Mishima e Kenzaburo Oe, quem manda é Gocu.
 O fascínio pelos heróis mascarados talvez baste para explicar porque sempre vemos, em cenas filmadas nas ruas do Japão, pessoas usando estúpidas máscaras cirúrgicas. Esse infantilismo contagiou outro ser pouco amadurecido e a figura de Michael Jackson usando uma máscara na cor preta sempre me vem à mente quando assisto as notícias referentes ao julgamento do médico do “rei do pop”.
   Porém nada mais fascinante para os parvos ocidentais que a tradição.Pode-se dizer que a maior tradição japonesa é a tradição. Para todos os atos humanos há uma prática tradicional. Mesmo que essas tradições se mostrem ridículas como o cerimonial que se deve seguir para tomar o chá em minúsculas xícaras, a arte das gueixas ou a inutilidade do bonzai. Não importa. Os japoneses souberam vender seu peixe cru e mesmo quando os recebemos no ocidente, suas frescuras são seguidas aqui também. Grandes empresas dão cursos para que seus executivos não molestem os clientes ou fornecedores japoneses com atitudes ocidentais. Mas se agradam por aqui, entre seus vizinhos do extremo oriente, sua fama está mais ligada ao imperialismo, aos massacres, como o de Nanquim,.e ao racismo. Para os chineses, a melhor tradição japonesa é a bomba atômica.





sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Artilheiros







Mário Vianna foi uma grande figura do futebol brasileiro. Árbitro, técnico e comentarista de arbitragem durante décadas, seu nome sempre esteve ligado ao folclore do esporte. Em uma crônica dos anos 70, João Saldanha conta um episódio bem característico da personalidade de MárioVianna. Morador da Urca ele se vestia de Papai Noel pelo Natal e distribuía presentes para as crianças do bairro. Um dia enquanto fazia seu périplo natalino pelas ruas do belo recanto carioca, algum engraçadinho fez uma piada de mau gosto referente às suas vestes. Mário não conversou, desceu do Jeep que o conduzia e deu uma tremenda surra no gaiato. Justificou-se dizendo que não era por ele e sim pela imagem do bom velhinho.Isso ocorreu quando já era comentarista da Rádio Globo.
O povo lhe tinha enorme carinho e disso fui testemunha quando assisti em Gal Severiano o jogo Botafogo X Bangu no início dos anos 70. Nem me lembro qual foi o placar. O Botafogo venceu. Desse jogo, que deve ter sido um dos últimos que o alvinegro carioca mandou em seu estádio, lembro-me bem que quando Mário Vianna  intervinha na transmissão com seus famosos “la mano” ou “banheira”, a torcida voltava-se para a cabine de rádio e o saudava como se fosse um de seus atletas e ele retribuía acenos e sorrisos. Alem desse fato, recordo que devido ao mal estado do gramado, o juiz torceu o pé e teve que ser substituído.
Muito antes, na Copa do Mundo de 54, Mário Vianna estava na Suíça como representante da arbitragem brasileira. Terminado o jogo Brasil 2X 4 Hungria, que eliminava nossa seleção da competição, ele, assim como muitos brasileiros ficara indignado com a atuação do juiz da partida e, em repúdio, tentou arrancar o escudo da Fifa que trazia preso ao bolso superior do paletó e como o emblema não cedeu, todo o lado da vestimenta foi rasgado e ele perambulou colérico pelo gramado de Berna aos farrapos. Essa escutei de Sandro Moreira num bate papo esportivo promovido pelo IBAM do Rio antes da copa de 82.
Mas a passagem de que mais gosto, quem contou foi o Mazola numa entrevista que assisti pouco tempo atrás e se refere  ao Mário Vianna que tentou a carreira de técnico no Palmeiras. Dizia Mazola que Mário sempre lhe pedia que pressionasse o goleiro nas saídas da meta, mas ele não era muito disso. Era um jogador técnico que não tinha por hábito dividir bolas com o arqueiro. Mas houve um jogo, no Ulrico Mursa, em que Mário, suspenso, comandava seus jogadores detrás do alambrado. Era uma noite de chuva e o técnico de voz possante berrava para ser ouvido pelos atletas dentro do campo e insistia para que Mazola apertasse o goleiro. Talvez já cansado de ouvir a gritaria, Mazola obedeceu e dividiu uma bola que vinha cruzada na área. Não deu outra, o guarda metas soltou a bola molhada e o artilheiro esmeraldino fez o gol. Mário Vianna não se conteve e virando-se para o público bradou:_”Esse gol é meu, esse gol é meu”.
Claro que a frase tem muito a ver com o Mário Vianna que distribuía presentes nas ruas da Urca, vestido de Papai Noel .Mas tem gente da qual não se espera algo assim. É o caso do Mourinho.
O treinador português nem de longe lembra o folclórico Mário Vianna. Ganha milhões, anda de Mercedes Bens, veste-se como um manequim de loja fina e usa perfumes caríssimos. Já provou, por onde passou, que é bom técnico. Não passa temporada sem título. Nem de longe provoca simpatias.  Finda a temporada passada, o treinador do Real Madrid teve que se contentar com a Copa do Rei (estamos no século 21 e ainda se joga uma copa do rei). Nas outras duas competições que seu time disputou, teve que ver o rival Barcelona como campeão espanhol e amargou uma desclassificação da liga dos campeões da Europa pelos pés dos catalães. Sobre esse fraco desempenho (fraco para os padrões do Mourinho) o treinador falou à imprensa que apesar de tudo a temporada havia sido boa. _ “Foi o campeonato em que fiz mais pontos, e a temporada em que fiz mais gols.” Pois é, assim como Mário Vianna, Mourinho acredita que faz gols. Já não lhe bastam os louros que a imprensa oferta aos treinadores. Táticas, estratégias, esquemas, qualquer um concebe. Mourinho faz gols. Quando as glórias esportivas já não lhe bastem ao ego, o grande treinador luso não se aposentará, pendurará os sapatos de 800 euros com os quais balança as redes adversárias. Mas antes disso ainda o veremos gritar à beira do campo, para nosso espanto:_ “Este golo é meu, este golo é meu”.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Colunista





Em um grande jornal houve um pedido de cancelamento de assinatura. Como o pedido havia sido feito por um dos mais antigos e fiéis assinantes, o departamento comercial do diário mandou que um funcionário fosse pessoalmente inquirir sobre o motivo do cancelamento. Encontrado o homem, perguntou-lhe o enviado do jornal:_ Afinal o que o fez cancelar sua assinatura? Foi a mudança na linha editorial? Alguma falha na entrega? Algum artigo o incomodou? _Nada disso, respondeu o outro, é que eu me aposentei, vendi a peixaria.
 Confesso que não leio jornais. As informações que busco , encontro na internet, na televisão, no rádio. Faço dos jornais impressos, que me caem nas mãos, uso semelhante ao do antigo peixeiro. Forro as latas de lixo. Claro que dou uma olhada nas manchetes, e se há alguma coluna com foto do colunista, leio por alto, sem buscar os óculos. Colunista com retratinho é irresistível.
 Roberto Arlt, o maior escritor argentino de todos os tempos e estilos, escrevia uma coluna jornalística intitulada “Águas fuertes porteñas” que era a mais lida em Buenos Aires, mas, seu rosto era desconhecido. Não havia retratinho encimando sua coluna. Quando morreu, em 1942, circulavam lendas sobre ele. Diziam que de tão alto, seu caixão não passara pelas curvas das escadas do prédio em que morara e foi necessário baixa-lo por cordas. Hoje saberíamos o número de seu sapato. Sua escrita não seria suficiente para imortaliza-lo. Nos nossos dias o escritor e o jornalista devem ser reconhecidos nas ruas. Daí os retratinhos.
De manhã ao forrar a lata de lixo com o lixo impresso, deparo-me com a coluna (retrato e tudo) do Sr. Cacau Meneses. Este “jornalista” mantém, além de página inteira no “Diário Catarinense”, alguns longos, intermináveis minutos no “Jornal do almoço”, noticioso que é exibido pela televisão pertencente ao mesmo grupo empresarial do diário. E é uma celebridade na província. Gaba-se de ter sido narrador esportivo aos doze anos mas esquece-se de dizer que a rádio, na qual fazia-se de locutor, pertencia a seu pai. Em sua coluna trata de politicagem local e festinhas de grã finos. Em um número da semana passada, sob o título “Esqueceram o metrô”, o Sr. Cacau nos brinda com o seguinte: _“Que a maquete da quarta ponte impressionou, isso ninguém tem dúvida. Que ela vai ser construída, saindo do mundo virtual para o mundo factível, isso é outra coisa que não tem mais como ser protelada”
 Ora, uma maquete é a visão de algo factível. Lá está, em escala reduzida, algo que pode ser feito. Algo factível. Acho que ele quis dizer “do mundo virtual para o mundo real” mas, talvez achasse que a imagem já está demasiado gasta e resolveu usar seu vasto vocabulário. O resto da frase também é um desastre. Mas continua o Sr. Cacau: _”Afinal, o trânsito há muito que já não atende à mínima necessidade para uma mobilidade razoável.” Que confusão do cacete.
Mas não pára por aí. Na mesma edição de 5 de novembro de 2011 agora sob o título “Floripa sem miséria (1)” o Anselmo Góes da imprensa catarinense manda a seguinte letra que não resisto a reproduzir na íntegra: _”O presente e o futuro da Capital, convenhamos, tem sido discutidos em torno das classes A,B e C. As classes menos favorecidas ou têm sido esquecidas ou entram no contexto estatístico, ou seja, ao se analisar os grupos com maior poder aquisitivo, engloba-se, automaticamente,os de menor renda. A partir dessa constatação, cuja veracidade teria que ser confirmada por estudos mais aprofundados, pergunta-se: o Programa Brasil sem Miséria, lançado pelo governo federal, precisa ser aplicado na Ilha da Magia? Reiterando: é uma questão para análise”
Amigo, você que alem de ter bom coração, possui o dom da inteligência, cursou uma boa faculdade e já mergulhou nos confins da metafísica, poderia me explicar que porra é essa? Por mais que me esforce não consigo entender o que quis dizer o aprofundado Cacau Meneses. Seria uma crítica às estatísticas? Um questionamento sobre a política do Governo Federal? Ressaca? Overdose de santo daime?
Bem, talvez você não possa me ajudar ou nem mesmo queira, afinal pode estar pensando: _Olha quem fala. Pontua mal, conjuga que é um despautério, craseia como um chimpanzé e quer falar mal do outro. Mas aí, embora concorde, trago mais uma estorinha jornalística em meu socorro. Lá pelos anos trinta nos Estados Unidos, um proprietário de um tablóide sensacionalista foi questionado por um colega da imprensa “séria”: _Como você pode publicar um jornal tão ordinário? Respondeu o outro sem perder a pose: _ É ruim, eu sei, mas só custa 10 centavos . Pois bem, é o mesmo caso. Para ler o Sr. Cacau Meneses há que pagar 2 reais, enquanto que aqui é de graça.