terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Feliz ano novo, feliz esperança


Para que tenhamos um feliz ano novo, é imprescindível que os índios não sejam mais massacrados e espoliados de suas terras. Há que barrar as pretensões do latifúndio.
Para que possamos ter alguma esperança no próximo ano é preciso que a polícia deixe de assassinar meninos na frente de suas casas. Não temos o direito de  fechar nossos olhos e nossas bocas para o genocídio.
Para que possamos sonhar com um ano melhor faz-se necessário que quem protesta não seja preso por isso. Não podemos temer a liberdade.
Para que não se repitam os mesmos erros e enganos do ano que termina, devemos submeter nossas idéias ao crivo dos fatos. Que quem insista no erro, fique só com seus puxa-sacos e suas gravatas.
Para que o novo ano seja realmente novo, há que ter-se vontade de ferro e sonhos de plumas. Mais poesia e menos Ipod.
Para que o ano que começa logo mais seja diferente, devemos compreender que o mundo somos nós e os outros, todos os outros. Cada um com seu sonho de felicidade e suas esperanças de justiça.
Para que não fiquemos apenas no desejo de um feliz ano novo, comecemos agora a fazê-lo feliz. Apague o rojão e acenda um baseado.
Feliz ano novo, feliz esperança. São os sinceros votos do Manuel e os meus também.


domingo, 29 de dezembro de 2013

450 quilos de farinha


Há mais ou menos dois meses, na edição digital d’O dia, chamou-me à atenção uma foto de um cachorro encimada pela legenda: “Cão encontra drogas”. Fui ler a matéria e me dei conta de que o cachorro era um desses cães farejadores da polícia e que havia encontrado certa quantidade de drogas numa operação não sei em que morro do Rio. Estanquei. Afinal os cães farejadores não são treinados para isso mesmo? E encontrar drogas no morro é assim  tão raro que mereça uma reportagem com foto do animal e tudo mais?
Fiquei na dúvida se aquilo se tratava de total falta de assunto ou era uma dessas notícias plantadas para desviar a atenção dos desmandos policiais tão freqüentes na Cidade Maravilhosa. Deixei pra lá, mas fiquei pensando no quão distante do mundo real vive a imprensa brasileira.
Hoje, está quase impossível ler tudo o que se passa no mundo ou mesmo no país devido à rede de computadores. Basta entrar num sítio informativo de Belém, Quito, Montevideo ou Cochabamba para nos perdermos nas notícias mais curiosas, nas realidades mais interessantes. Sem embargo, nossos jornais, digitais ou não, são de uma pobreza franciscana quando de espelhar o mundo se trata.
Minha desilusão com a imprensa do país não é de agora, mas nosso jornalismo nunca deixa de involuir.
Veja se não é para surpreender-se: um helicóptero carregando 450 quilos de cocaina é apreendido pela PF. O dono da aeronave, um deputado filho de um senador parceiro de um candidato à presidência. E o que contam nossos jornais? Nada. No dia seguinte à apreensão da branca não encontrei nada além de umas notinhas com papo furado de advogados. Notinhas de seis, sete linhas.
Passado mais de um mês do achado, a notícia sumiu. Ninguém na imprensa fala mais no assunto, como se fosse algo que acontecesse todo dia. Mas não é. Mesmo com a estirpe de políticos que temos, não é todo dia que o helicóptero de um deles ( e muitos têm aeronaves) é apreendido portando 450 quilos de farinha.

 Mesmo que o helicóptero não fosse de um deputado, mesmo que esse deputado não fosse filho de um senador, mesmo que o voador fosse abastecido com recursos do dono, mesmo que o piloto fosse pago com dinheiro de seu patrão, ainda assim o fato mereceria mais destaque na imprensa. Porra, são 450 quilos de farinha!

O grande negócio da fome


Os EE.UU são um dos países mais ricos do mundo. Não que lá não exista pobreza, não exista desigualdades, pelo contrário: a existência de milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza (fato que deveria envergonhar o país que mais produz riqueza e mais agrega valor a seus produtos) é jogada para debaixo do tapete da prosperidade e do sonho americano. Mas, é preciso que se diga, a existência de miseráveis no seio da prosperidade e da fartura é a própria essência do capitalismo que por lá se pratica.
E se a coexistência com miseráveis no seu próprio território não envergonha o governo norte-americano, o que se dizer então de suas disputas comerciais com os países pobres? Aí então é que não há mesmo espaço para vergonha. Foi o que se viu na última reunião da OMC em Bali: os EE.UU contrários às políticas indianas de segurança alimentar.
O governo do país asiático tenta, através de políticas públicas, garantir a compra de produtos agrícolas de pequenos produtores locais para forçar o aumento da produção de alimentos e facilitar a permanência do homem no campo. Isso para os negócios americanos é inaceitável.
Claro, os EE.UU não estão sós no negócio da fome. Os ricos da Europa também vêem com maus olhos qualquer política de subsídios de países pobres para seus agricultores, embora todos saibam que são os países ricos que mais subsidiam seus produtores, especialmente as grandes corporações. Fazem isso através de créditos, compras preferenciais, assistência técnica e toda espécie de vantagens legais. Usam de eufemismos em suas leis de proteção à agricultura. Mascaram subsídios, usam de barreiras sanitárias para barrar a entrada de produtos oriundos de países pobres, sobretaxam e argúem até problemas ecológicos quando de beneficiar seus agricultores se trata. Quanto à fome no mundo, nem uma lei, nem uma palavra. A fome é um grande negócio capitalista.



terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Tudo como dantes


O ano vai terminando com terminou o século... XIX. Índios sendo massacrados e expulsos de suas terras, trabalhadores rurais sendo vítimas dos capitães de mato da PM, dos jagunços e pistoleiros.
O ano vai terminando como tantos outros começaram e terminaram. Pobres e favelados, negros e pardos sendo agredidos e mortos em frente das câmeras de TV. Pobres e favelados, gente sem teto, sem trabalho, sofrendo humilhações perpetradas por bandidos fardados, que na impossibilidade de lhes extorquir algo, descarregam sobre eles sua boçalidade, sua violência.
O ano vai terminando como terminaram muitos outros, com o orçamento da nação sendo aprovado no apagar das luzes sob a chantagem dos políticos que querem mais: mais verba para custeio de partidos, mais verba para alugar carros e comprar passagens aéreas, mais dinheiro para as emendas parlamentares que em ano eleitoral fazem toda a diferença. Emendas parlamentares que porão milhões nos cofres das empreiteiras amigas.
O ano vai terminando como todos os outros, a desigualdade imperando, o latifúndio matando, a polícia torturando, os políticos roubando o que deveria ser para benefício de todos.
Mais um ano que repete o já visto e vivido em anos anteriores. As bases dos governos (estaduais, municipais, federal)  barrando tímidas tentativas de se investigar algo.
Em mais um ano as chuvas, simples chuvas, irão matar e desalojar famílias. Serão criados gabinetes de gerenciamento de crises como se as precipitações fossem algo totalmente desconhecido. E mais alguns milhões serão desviados sem que nada se faça. As chuvas vão se transformando numa indústria como a seca e a fome.
O ano que termina, sem embargo, deixa alguns fatos novos para, quem sabe, serem repetidos nos próximos. Gente do poder, ou dele dependente, foi para a cadeia acompanhada de uma presidente de banco e um poderoso publicitário. As ruas deram seu recado, confuso, mas audível. Vamos ver se as urnas farão eco.



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Mandela e o século 21

Assim são os séculos, eles não nos abandonam num 31 de dezembro ao som de foguetório e música estridente. Tampouco começam no 1º de janeiro acompanhados de ressaca e uma pesada sensação de esquecimento. Os séculos seguem anos a fio, dentro de um calendário alheio. Por isso só agora vai terminando o século 20. Não de todo nem para sempre, mas vai terminando.
A morte de Mandela foi um desses sinais que o século das revoluções vai dando lugar aos dias interessantes que nos esperam e com os quais já convivemos. 
Mandela foi um típico líder do século passado (e passando). Uma estirpe de homens de que os novos tempos são avaros. Mandela ombreia-se a Fidel Castro, Ho Chi Minh, Tito, Lumumba, Samora Machel, Agostinho Neto, Jomo Kenyatta, Nasser, Atatürk, Arafat e alguns poucos outros.
Mas esse Mandela, que leva consigo os últimos vestígios da centúria passada, vai sendo substituído por um novo Mandela, mais acorde com os dias atuais. Antes mesmo que seu corpo fosse levado à tumba, surgiu um novo Mandela; global, unânime, incontestado. Um Mandela holywoodiano muito diferente do guerrilheiro que jamais abriu mão da luta armada para libertar seu povo. Um Mandela capa de revista Time, totalmente distinto do líder que falou contra o embargo à Cuba e contra  a guerra do Iraque e que foi aliado estratégico de Kadaf.

O Mandela que a direita e sua máquina midiática tentam inventar é a antítese do estadista que sempre foi apoiado pelos comunistas sul-africanos. Do Mandela de punho em riste. Esse Mandela incômodo vai sendo transformado pela indústria do espetáculo jornalístico num Mandela a La Ghandi, num Mandela estilo Morgan Freeman. Um Mandela com sorriso bondoso de vovô.  

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Patrão, o trem atrasou


O samba, gravado em 1940 por Roberto Paiva dizia: “Patrão, o trem atrasou / por isso estou chegando agora / trago aqui um memorando da central / o trem atrasou meia hora / o senhor não tem razão para me mandar embora”.
Como sabemos, muita coisa mudou nesses 73 anos que separam a gravação do samba carnavalesco de protesto e os dias interessantes que vivemos.  Menos a precariedade do transporte ferroviário que serve aos subúrbios do Rio, mas a Central, ou melhor, sua sucessora privada na administração do serviço, não mais emite memorandos. Não dá satisfações.
Não precisa. Quando acontece algum problema, os exploradores privados do sistema de trens ou metrôs, contam com o auxílio luxuoso da imprensa para esconder o óbvio. Para escamotear os fatos. Um acidente que deixa feridos e pessoas sem transporte para chegar ao trabalho, merece umas poucas linhas nos jornais, uma ou outra palavra nos noticiários de TV. No dia seguinte é página virada. Nada é dito sobre causas e coincidências. Não são mostrados quadros comparativos como em casos semelhantes quando o operador é o governo. O caso dos portos é um bom exemplo.
A cada safra que é colhida e encontra enorme dificuldade para ser embarcada nos navios que a levará para longe de nossas bocas, as reportagens que assistimos na TV sobre o tema, mostram as vantagens econômicas que têm outros países cuja operação portuária é de iniciativa privada. Comparam-se tonelagens, custos, horas, o escambau.
Quando se trata do transporte urbano de passageiros, não se faz tal comparação.  Em vários casos quem cuida de explorar esse rico filão aqui no Brasil também o faz em outros países, mas com enorme diferença de qualidade (para melhor) e preço (para menor).
Eu não sou do tempo do samba que cito, mas cheguei a usar os trens da Central quando vivia no Méier, em Todos os Santos, lá pelos anos 70. A passagem, obviamente subsidiada, era uma fração do que era cobrado nos ônibus ou no metrô, daí a campanha pela privatização que iniciou-se ainda no governo Sarney. Subsidiar o transporte dos trabalhadores não estava na cartilha do neoliberalismo que chegava à América Latina.
A campanha surtiu efeito e as privatizações começaram no governo Collor, deslancharam com FHC e não mereceram reparos nos governos do PT.
A rede ferroviária foi entregue a preço de banana em fim de feira para empresas que prometiam, junto com a majoração das tarifas, um transporte moderno e de qualidade. Mas aí é que está: manutenção de trens é cara, o investimento em composições é alto e uma empresa privada visa o lucro. Para gerar cada vez mais dividendos, sucateia-se o serviço e onera-se a tarifa.. Usa-se da teoria Sérgio Naya. “A gente bota de segunda e fica parecendo de primeira”, como já dizia o profeta da coisa porca.
Hoje, os trens não apenas atrasam: descarrilam, sofrem panes, chocam-se. Passageiros ficam sufocados nos vagões superlotados ou caminham pelos trilhos. O mesmo se passa com o metrô, também privatizado, tanto no Rio como em São Paulo. Quando os usuários se revoltam e promovem uma quebradeira, a imprensa, defensora da propriedade privatizada, os trata por vândalos, baderneiros.
Na Argentina, onde também usei o transporte ferroviário urbano por mais de um ano, passa-se o mesmo. Quando lá vivia presenciei a campanha que se movia pela privatização dos trens suburbanos. A imprensa fazia grande alarde. Dizia-se que o transporte ferroviário causava prejuízo de um milhão de dólares aos cofres públicos diariamente, mas durante os dois anos que vivi em Buenos Aires não houve nenhum acidente de trens nem de metrô.
Depois das privatizações promovidas pelo governo Menem, os acidentes se repetem com uma constância assustadora. Numa única estação (Once), ocorreram dois acidentes com vítimas fatais. Houve vários outros e muitos foram os que perderam a vida. Morreram em nome do lucro máximo, do investimento mínimo em manutenção e pessoal. Morreram porque uma empresa privada visa o lucro e não a prestação do melhor serviço, principalmente empresas sem concorrência ou cujos concorrentes operam sob a mesma ótica.
Sim, a questão é assim de simples: a privatização e sua lógica do lucro, é responsável pelas sucessivas quebras, pelas paralisações nos serviços, pelos constantes atrasos, pelas mortes e mutilações ocorridas nos trens.

Transporte público de massa não deve ser gerido pela iniciativa privada, não combina, não orna. 

domingo, 24 de novembro de 2013

As escolhas do PT


Em 1985 o PT fez uma escolha importante nas eleições para o governo do Rio: preferiu lançar candidatura própria e não apoiar Darcy Ribeiro, candidato do então governador Leonel Brizola. Os petistas diziam que Brizola era populista e Darcy autoritário. O sindicato dos professores do Rio, dominado pelo Partido dos Trabalhadores, concordava totalmente com essa análise e ia além. Os Cieps, principal realização do governo Brizola sob inspiração de Darcy, eram menosprezados pelos mestres. Segundo eles a escola carioca de tempo integral carecia de projeto pedagógico. Para aqueles burocratas de sindicato, Darcy não tinha um projeto pedagógico
Darcy perdeu a eleição e o povo fluminense deixou de ter o primeiro e único governador na história do país ligado à educação. Claro, os votos que foram dados ao PT não seriam suficientes para dar a vitória à Darcy caso o partido de Lula o tivesse apoiado, mas aqui estou falando de escolhas. De optar-se por que lado do balcão se quer estar.
O vencedor daquela eleição foi o carreirista Moreira Franco que disputou o pleito pelo PDS e que hoje é chefe da Secretaria de Aviação Civil do governo Dilma.
Anos mais tarde o PT fez outra escolha importante na sua história: escolheu apresentar seu candidato à presidência, Luis Inácio da Silva, como um novo candidato. De barba aparada e terno bem cortado, ele foi alcunhado de Lulinha paz e amor.
A candidatura veio acompanhada por carta aberta que tinha como alvo a calma dos mercados. Essa escolha trouxe outras em seu bojo, como, por exemplo, a contratação do marqueteiro Duda Mendonça para comandar os aspectos propagandísticos da campanha. Aliás, o banho de loja e barbearia foi idéia de Duda.
Optou-se também por uma política de alianças das mais heterodoxas. Vencidas as eleições, com o apoio do PMDB, PL, PTB, PMN e PP, Lula iniciou seu governo com a reforma da previdência já esboçada no governo de FHC. Essa reforma, a única posta em prática pelo governo de Lula, trouxe prejuízos consideráveis aos trabalhadores. De lá pra cá foi uma no cravo e outra na ferradura.
Se por um lado o governo encabeçado pelo PT lançou políticas sociais que melhoraram as condições de vida de milhões de brasileiros, por outro, as reformas mais importantes para o país foram esquecidas.
A reforma agrária continuou no mesmo passo de tartaruga que os governos anteriores haviam adotado, chegando-se ao ponto do atual governo da Presidenta Dilma só estar à frente nesse quesito do infame governo de Fernando Collor de Merda.
O que assistimos hoje no campo, é uma mudança de estratégia dos robustecidos latifundiários que, no vácuo deixado pelo governo, partem para a ofensiva sobre terras indígenas, quilombolas e de preservação, como há muito não se via. A porta voz dos ruralistas, como eufemisticamente deu-se de chamar os latifundiários, senadora Kátia Abreu, mudou de partidos duas vezes, apenas nesse ano, para estar na base do governo.  Do oposicionista DEM transferiu-se para o partido de Kassab que não é nem de direita nem de esquerda nem governo nem oposição e deste para o saco de gatos gordos que é o PMDB, maior partido da base de sustentação do governo.
Como é agora situação, a líder do atraso rural e mental exige a demissão do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e ameaça com derramamento de sangue de índios e sem terras. O morticínio indígena já começou e suas lideranças vão sendo vítimas do terror dos senhores feudais que dominam o campo brasileiro.
Pode-se dizer que essas mortes são outra escolha do PT.



sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Biografias são imorais


Há muito que passei dos 50 e as coisas já não são as mesmas. Depois dessa idade-marco, dessa idade-limite, começa a falhar o que era nossa fonte de orgulho e de satisfação. Nossa única maneira de prolongar a juventude. Refiro-me à memória, é claro, amiga licenciosa e debochada. O baú da cachola, já cheio de inutilidades mais contemporâneas, vai aos poucos escondendo certos tesouros no seu fundo.
 Quer um exemplo? Não sei se gosto de biografias, pois não recordo se li muitas ou poucas. Nesse dia nublado de minha consciência, só me lembro de ter lido a biografia do Garrincha escrita por Rui Castro. De outros personagens posso ter lido pequenos artigos biográficos ou ter visto documentários. Realmente não lembro. Os retalhos de vidas alheias estão lá, no fundo daquele baú sob toneladas de outras memórias inúteis.
Sei sim que gosto de autobiografias. Desde a obra gigantesca de Nava, que conheci ainda jovem, passei a amar o gênero. O “Confieso que he vivido” de Neruda também me tocou, embora me pareça obra pouco cuidada. Acho que quando li as memórias do poeta  chileno, me passou pela cabeça que faltava poesia no relato. É muita pretensão, eu sei, mas creio que foi isso o que pensei na época, se a memória das sensações não me falha.
Talvez a autobiografia que mais se enquadra naquela definição de que toda autobiografia é uma obra de ficção, seja a de Luis Buñel. Gostei do tom que o cineasta usou para relatar sua vida e seu ofício. Realmente tem muito de ficção, mas pelo menos é ficção criada pelo dono da vida, pelo protagonista da estória, pois afinal uma biografia escrita por outrem, autorizada ou não, também transita pelo terreno ficcional. Biografias são, penso eu, obras de amor ou ódio, nada menos. Ama-se ou odeia-se adornando de invencionice o objeto desses sentimentos. A imparcialidade é vedada ao ser humano. Na melhor das hipóteses sempre haverá a simpatia e seu antagônico.
Como você já notou, estou voltando ao assunto das biografias não autorizadas.
Pois é, enfim cheguei a uma conclusão sobre o tema. Deixei de pensar nos aspectos jurídicos, filosóficos e outros que tais. Deixei de levar em conta a campanha injuriosa que os defensores da liberdade de imiscuir-se na vida alheia perpetraram. Deixei pra lá o cotejar das idéias dos outros. Deixei de sopesar argumentos prenhes de citações eruditas. Resolvi consultar o único oráculo que me tem sido fiel em todos os erros: meus botões.
Foi depois dessa consulta que conclui que escrever biografias é imoral. Sob todos os aspectos é imoral. Seja exercendo a arte da louvaminha e do panegírico ou buscando nas fraquezas humanas o mote para o texto, biografar é imoral, é antiético, é, muitas vezes, desumano. Expor a intimidade de alguém que não deseja ver suas  vicissitudes dadas ao julgamento público, é um desrespeito, um atentado à dignidade humana.

Biografia é a fofoca com título de bacharel, é o fuxico que recebe subvenção estatal, é a maledicência que quer entrar na academia. Biografando, se enaltece o canalha amigo tão facilmente quanto se execra o desafeto. 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Por que simpatizo com os gays


Nunca um gay bateu na minha porta domingo de manhã tentando me convencer a ser gay. Nem domingo de manhã nem em outro dia e hora.
Nunca li um livro que dissesse que Deus criou o gay à sua imagem e semelhança e que depois, de sua costela, fez a lésbica.
Nunca ouvi nenhum gay pregando contra o casamento de pessoas de sexo oposto. Nunca.
Jamais vi um gay quebrando imagens que para algum crente fosse sagrada.  No máximo um bibelô horroroso.
Não conheço nenhum caso de criança abandonada por casal gay. Nenhum.
Jamais um gay propôs a cura do fanatismo religioso. Ainda que muitos acreditem que isso seja possível. Eu não creio.
Embora alguns gays pensem que Oscar Wilde seja Deus e Fred Mercury seu profeta, eles não têm um livro sagrado que afirme isso.
Os gays não têm isenção fiscal nem atendimento preferencial. Não buscam privilégios, querem igualdade.
Gays não pedem dízimo nem defendem o ensino gay nas escolas.
Gays contam as melhores piadas de gays.
Gays não fazem fofoca, apenas produzem biografias não autorizadas.
Ser gay não nega a ciência. Ser gay não é uma crença ou uma opção. Não é um posicionamento político nem uma ideologia.
 Há quem diga que gay não nasce, estréia. Que não morre, vira purpurina.
Há gays médicos e estivadores, policiais e costureiros, músicos e açougueiros. Uns usam gravata, outros um echarpe divino. Uns freqüentam saunas, muitos o Maracanã. Há os que querem casar e há os que vivem na gandaia.
Os gays formam um grupo minoritário que quer ver seus direitos respeitados. Nada mais.



quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Tem alguma coisa errada


Jogador internacional contratado a peso de ouro: Pato
Comediantes que fazem sucesso: Danilo Gentili, Rafinha Bastos e Marcelo Tass
Comentaristas de futebol: Neto e Muller
Ícone da juventude cabeça: Steve Jobs
Jornalistas que escrevem em órgãos de imprensa da esquerda: Paulo Henrique Amorin e Luis Nassif.
Poeta: Renato Russo.
Símbolo sexual masculino para adolescentes: Justin Bieber
Líderes espirituais: Malafaia, Macedo, R.R. Soares e Valdomiro.
Filísofo: Luiz Felipe Pondé.
Jornalistas: Datena e Marcelo Rezende.
Ritmo musical preferido pelos brasileiros: Sertanejo universitário.
Filantropo: Luciano Huk.
Personagem da semana: O rei do camarote.

Tem alguma coisa errada nesse país.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

Proibir está na moda


Uma sociedade extremamente conservadora, quando tenta ser progressista paga mico. Confunde histeria coletiva com consciência ambiental. Opressão com choque de ordem. Chama urubu de meu loro. Apóia-se na pseudociência, na falácia, no modismo mais à mão. Proíbe. Não aponta soluções para os problemas que surgem, proíbe a existência do problema. Quando não há problemas para serem proibidos, inventa-se o problema para proibi-lo. Assim é a sociedade brasileira.
O caso das sacolinhas plásticas é emblemático. De repente surgiu a idéia que eram o grande problema da poluição ambiental. Seu uso foi proibido em muitas cidades brasileiras. Não se pensou em sua reutilização nem na reciclagem nem em nada, proibiu-se sua distribuição gratuita pelos supermercados. De tão esdrúxula, foi mais uma proibição que não colou. E já não se fala mais nisso. Os donos de supermercado adoraram ser proibidos de cumprir a lei que diz que mercadorias devem ser entregues embaladas. Economizaram milhões. Em muitos lugares a proibição segue valendo, mas não se expandiu como era esperado pelos proibidores de plantão.
No caso do cigarro, a proibição prosperou. Fumar passou a ser o ato mais vil, mais abominável, mais antissocial que um sujeito pode cometer. E em que se baseia a proibição de fumar-se em bares, restaurantes e outros lugares públicos? Na existência, nunca provada, de danos à saúde do fumante passivo. Poderia estar embasada no incômodo que a fumaça dos cigarros causa a outras pessoas, mas não. Mente-se para proibir. Inventaram os danos à saúde do fumante passivo. Ora, o fumante também é fumante passivo. Como se explica que ainda esteja vivo?  Inventaram que uma guimba de cigarro demora trocentos milhões de anos para decompor-se. O único caso em que o todo é muito maior que a soma das partes.
 Uma solução civilizada seria a existência de bares e restaurantes para fumantes, que pagariam impostos e taxas mais altos para a criação de um fundo que subsidiaria os gastos que a saúde pública supostamente teria com os fumantes. Ambientes livres de tabaco poderiam ostentar cartazes que os diferenciasse. Uma solução civilizada, democrática. Mas quem disse que é isso que se busca? A proibição é mais contundente, mais viril. Dá aos que a exigem e aos que a apóiam, um halo de superioridade, de ascendência moral.
Mas então é só no Brasil que proibicionismos estão na moda?  Parece que não.
Na França, está pronto para ser votado pela assembléia nacional, um projeto de lei proposto por deputados socialistas, que pretende punir com multas de 1.500 euros os fregueses das prostitutas. Em caso de reincidência a multa saltaria para 3.000 euro. A justificativa para a lei moralista é que desestimularia o tráfico de pessoas. Ora, se proibições servissem de desestimulo, ninguém usaria drogas nem haveria prostituição nos EE.UU, pois lá em apenas 3 dos 50 estados, a prostituição é legal.
A medida proposta pelo partido no poder, parece ter o intuito de agradar os eleitores de direita que associam o aumento da prostituição à imigração do leste europeu. Com uma só lei perseguem-se prostitutas e imigrantes. Bem ao gosto do eleitorado que a cada eleição deixa mais claro seu apoio ao que existe de mais reacionário naquele país.



domingo, 3 de novembro de 2013

Entre monstros

Desde o princípio do ano até agora, foram assassinados 195 moradores de rua no Brasil. Fatos como esses são comuns no país. Lembro dos mendigos jogados no Rio da Guarda, no Rio dos anos 60, do massacre da candelária no princípio dos 90 e tantos outros conhecidos e esquecidos por nossas consciências tão lenientes.
Casos como o do pedreiro Amarildo, levado pela polícia e morto sob tortura, também são comuns. Do menino Douglas, assassinado com um tiro ao lado de casa, também. Todos os dias, jovens das favelas e periferias são mortos pela polícia, que já nem se dá ao trabalho de forjar autos de resistência ou plantar armas e drogas junto aos cadáveres. Basta uma nota da respectiva corporação do policial assassino e o aval da secretaria de segurança. Mesmo antes da chegada do rabecão, o laudo, a necropsia e o atestado de óbito já estão prontos, e o máximo que os acobertadores desses assassinatos fazem é dizer que haverá uma investigação para provar que a vítima estava envolvida com o tráfico de drogas e que o tiro que o matou foi acidental. Ou que morreu de uma queda como disseram ter acontecido com Paulo Roberto Pinheiro, morto após abordagem policial em Manguinhos.
Tamanho desleixo na ocultação dos próprios crimes se dá por uma razão muito simples: grande parte da sociedade brasileira apóia o morticínio, aplaude o programa estatal de extermínio das populações pobres.
Está na internet o vídeo, em que um vereador de Barra do Piraí diz que “mendigo deveria virar ração para peixe”. Se no primeiro momento vimos alguma indignação pela declaração do vereador, podemos estar certos que sua reeleição está garantida, pois o número de eleitores que comunga com esse pensamento tem crescido na mesma proporção do Ibope do Datena, do Marcelo Resende e outros que tais.
O oficial da PM que comandou a chacina do Carandiru em 92, foi eleito deputado dois anos depois de executar a façanha que chocou o mundo. Pessoas notoriamente envolvidas com esquadrões da morte e milícias ocupam cargos eletivos em nossas assembléias legislativas e câmaras de vereadores. Brasília também conta com esses representantes do gatilho ligeiro. Todos eleitos com o voto soberano da cidadania. 
Assim como os governadores se vangloriam de suas políticas de “tolerância zero” para com pobres e favelados, esses senhores parlamentares tampouco ocultam sua visão de justiça. Ao contrário, dela fazem alarde e se elegem seguidamente.
Ainda hoje assisti um documentário que narrava o episódio da prisão, tortura e assassinato de Vladmir Herzog ocorrido em 1975. Naqueles dias ainda não se falava em abertura do regime. Os órgãos de repressão agiam livremente, impunimente e com enorme brutalidade Mesmo assim a ditadura tentou forjar um suicídio para encobrir o assassinato de Herzog. O mesmo foi feito no caso de Manuel Fiel Filho, o operário morto sob tortura nas dependências do DOI-CODI em 1976. Vários outros assassinatos de presos políticos também foram ocultados, daí os desaparecidos.  
Mesmo tendo a faca e o queijo na mão, podendo amparar-se em leis de exceção, na censura à imprensa e em massiva propaganda, a ditadura temia a opinião pública. A sociedade de então, que em grande parte apoiava o governo militar, queria acreditar que o combate aos comunistas, terroristas e outros inimigos do regime, obedecia à lei. A prática da tortura era negada veementemente tanto por generais quanto por subordinados. Assumir assassinatos de presos por torturas, não fazia parte do arsenal de imposturas da ditadura.
Hoje não. A sociedade brasileira quer ver-se livre de qualquer ameaça à sua segurança e à sua propriedade. Crê que matando jovens negros e mulatos da periferia, a polícia alcançará êxito no combate à violência urbana. A tortura, que nunca deixou de ser usada nas delegacias, casas de custódia e presídios, é vista nos dias de hoje como algo tolerável, aceitável, até mesmo necessário. 
As declarações de mandatários e autoridades depois de assassinatos e chacinas promovidas por policiais, são de um despudor inusitado. Cada vez que esses senhores e senhoras se postam frente às câmeras de TV para dar as mais absurdas explicações, parece que estamos vendo uma piscadela dirigida à sociedade que apóia seus atos infames. É como se estivessem dizendo:_”Esse papo é só pra sacanear os defensores dos direitos humanos. É nós”.
Quem viveu os dias escuros da ditadura sabe até onde pode chegar o abuso, o terrorismo de estado, a intimidação. O que nem os que vivenciaram aquela época sabem, é como conviver com uma sociedade que apóia, incentiva e aplaude os atos mais vis contra pobres, favelados, mendigos e outros desfavorecidos.

É duro aceitar que vivemos entre monstros.

sábado, 2 de novembro de 2013

Eu não leio



Se começa com ”aí galera”, eu não leio. Se vem misturado com inglês, também não.  Tampouco linguagem cifrada. Se tem gíria paulista, eu fecho a cara, mas vá lá, leio. Frases sibilinas, eu evito. Se citar o Renato Russo, pego nojo e não leio. Se disser que o segredo de alguma coisa é outra coisa, eu apago sem ler. Falou em milagres, só leio pra saber onde está a fraude. Papo de gente revoltada com o preço do novo joguinho eletrônico, rio e não leio. Se estiver escrito AKI, VC, TB e RS, me dá preguiça de decifrar e não leio. Se escrever para falar mal do samba, não vou ler. Se vier acompanhado da foto do Pe. Marcelo Rossi, não leio. Se tiver florezinhas adornando as frases, não adianta, não leio. Ensinamentos de gurus orientais, não dou bola e não leio. Citações bíblicas, não leio. Se uma explicação vier antecedida por “tipo assim”, não leio. Em caixa alta, nem pensar, não leio. Mensagens edificantes e exemplos de superação, não leio. Frases do Paulo Coelho? É ruim, heim, não leio. Palpite sobre alimentação saudável, não leio. Papo antitabagista, acho chato sem ler. Piadas achincalhando pobres, não leio. Comentário sobre os personagens da novela que nem vejo, não leio. A lista dos melhores do ano, não leio. Páginas de torcedores de qualquer time, não leio. Corrente? Nem leio nem dou seqüencia. Um bom artigo da revista Veja, se existisse e fosse de graça, eu não leria. Fofoca de quem comeu quem, não leio. Papo nerd, não leio. Papo furado, talvez eu dê uma olhada. Papo cabeça, tem hora. O mais recente estudo sobre qualquer coisa, não me interessa, não leio. Declaração da Marina Silva, leio, pra não ter de ouvi-la. Anúncio da morte do Silvio Santos, não leio. Anúncio da morte do Bolsonaro, estou esperando pra ler, mas nunca vem. Coluna do Merval Pereira, não leio. Humor gospel? Tem dó, não leio. Receita de felicidade, não leio. De feijão tropeiro sim, leio. Conselhos, não leio. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Jornalismo final de comédia


Você, é claro, viu no youtube o vídeo no qual o repórter da TV Azteca, do México, pergunta ao diretor do filme “Gravidade” quais foram as dificuldades técnicas e humanas de se filmar no espaço. O vídeo, que se tornou viral, fez com que o jornalista fosse motivo de chacota em todo o mundo.
Não faço idéia se no México, para exercer a profissão de jornalista é necessário ter o curso superior em comunicação como era no Brasil até bem pouco tempo.
Aqui, tal exigência foi abolida pelo Supremo, gerando uma onda de indignação por parte de jornalistas como o veterano Alberto Dines que, apesar de não ser formado, é um dos mais acerbos críticos da decisão do STF. Creio que parte da indignação veio em conseqüência do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes, que redigiu uma peça horrorosa, com citações e comparações esdrúxulas. Mas o fato é que quase todos os jornalistas que hoje exercem a profissão no Brasil são formados. Exceção feita aos mais veteranos que começaram na carreira antes de vigorar a exigência do diploma, no final dos anos 60.
Sou daqueles que não vêem a necessidade da formação acadêmica para o exercício da nobre profissão. Se não fosse a convicção que carrego há anos, os fatos me teriam convencido.
A espessa estupidez do repórter mexicano não é algo alheio a nós brasileiros que acompanhamos o jornalismo praticado em nossas TVs. Aqui também, o despreparo, a falta de   cultura geral, a subserviência e a burrice pura e simples fazem parte do cotidiano dos programas informativos.
Ter Leilane Neubarth, Raquel Sherazade ou Eduardo Grillo ancorando noticiários é o cúmulo do desrespeito ao telespectador. Sem falar nos comentários “especializados” de Carlos Alberto Sardenberg, Alexandre Garcia e Merval Pereira, entre outros. Mas tem pior.
Talvez, pelo próprio despreparo dessa gente, só lhes seja possível fazer o que fazem, ou seja, servir de voz aos interesses mais subalternos, aos jogos políticos mais oportunistas, à desinformação programada. São bonecos de ventríloquo que crêem ter opinião.
Nas manifestações que têm ocorrido em todo o país, esses jornalistas de comédia pastelão andam perdidos. Tão perdidos quanto seus patrões que já não sabem o que fazer para transformar a ira dos jovens mascarados em algo útil para seu propósito de desestabilizar o governo.
Uma mostra disso foi a participação do dublê de cineasta e palpiteiro, Arnaldo Jabor. Em quarenta e oito horas este senhor teve de mudar de opinião radicalmente. Num dia os jovens que lutavam nas ruas contra o aumento das passagens de ônibus eram escrachados e tratados como filhinhos de papai por Jabor. Não sei de onde ele tirou a idéia que os mascarados e outros manifestantes eram representantes da velha esquerda dos anos 50.
Dois dias depois, tendo seus patrões intuído que as manifestações poderiam ser dirigidas contra o governo do PT, Jabor passou a tratar esses mesmos jovens como agentes da transformação, da indignação, quase revolucionários. Disse que os pentelhos da véspera, e no momento seguinte heróis do inconformismo, estavam dando uma lição de cidadania.

Não passaram mais que alguns dias para que os patrões do ex-cineasta se tocassem que aqueles mascarados não eram domesticáveis e a verborragia apocalíptica de Jabor não estava ajudando. Mudou-se a estratégia e hoje o que é usado é o escasso vocabulário de Neubarth e Cia: vândalos, baderneiros, mascarados. Mil vezes ao dia escutamos: vândalos, baderneiros, mascarados. E um apelo à restauração da ordem.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Um palpite e algumas constatações


É só um palpite, mas creio que o Supremo vá liberar as biografias não autorizadas. Acho que a  corte acatará a ADI impetrada pelos editores.
O resultado prático da decisão judicial favorável à liberdade de expressão será uma grande quantidade de biografias saídas das penas de Rui Castro, Sérgio Cabral (pai), Fernando Morais e outros craques. Muitas personalidades da história do país terão suas vidas contadas, suas aventuras e desventuras narradas por essa gente que já tem um acervo de títulos memoráveis.
Certamente que a novidade de qualquer um poder escrever sobre a vida de pessoas famosas sem temer demandas judiciais que venham a impedir a comercialização do livro, atrairá outro tipo de biógrafo. Eu não estranharia encontrar em breve nas livrarias a biografia não autorizada de Valeska Popozuda escrita por Nelson Rubens ou a saga de Suzana Vieira assinada por Leão Lobo.
Muitos irão se adiantar e contratarão suas próprias biografias não autorizadas. Em vez de escritores fantasmas, biografados fantasmas. O escândalo sob encomenda pode vir a ser uma nova moda editorial.
Mas por que estou antevendo tantos atos vis antes mesmo que o caso seja julgado? Ora, porque os argumentos que são usados para desqualificar os que advogam pelo direito à privacidade são dessa índole, e me fazem pensar em interesses idem.
Hoje li na coluna de Anselmo Gois, n’O Globo, a seguinte notinha assinada por Jorge Antônio Barros: “Circula pelo território livre da internet um vídeo no qual Roberto Carlos saúda o presidente do Chile, general Augusto Pinochet, em 1975, dois anos depois do golpe militar.” Abaixo vem a ligação para o youtube com o vídeo do festival de Viña Del Mar onde ocorreu a saudação do Rei ao carniceiro chileno.
Roberto Carlos é um dos que querem ver seu direito à privacidade prevalecendo sobre a liberdade de expressão, e a retirada de sua biografia das livrarias por ordem judicial, foi, em última instância, o que detonou o protesto de biógrafos e editores que entraram com uma ADI junto ao Supremo.
Agora a imprensa lembra daquele fato ocorrido em Viña Del Mar. 38 anos depois lembram daquilo. Justo a imprensa brasileira que nunca criticou Bono Vox por suas sorridentes fotos ao lado de Putin quando o presidente russo massacrava os chechenos. Logo a imprensa brasileira que faz cutchi-cutchi para o herdeiro do império britânico. A grande (?) imprensa brasileira que acha que é uma honra ser recebido por Obama enquanto o havaiano prossegue com a matança no Iraque e mantém aberto o campo de concentração de Guantánamo. A mesma imprensa que criticou a política externa do Brasil por sua atuação legalista no golpe de Honduras. A sereníssima imprensa dos Marinho, Frias, Mesquitas e afins que apoiou a ditadura brasileira. A imprensa monopolista brasileira que, em editoriais e reportagens, sustentou a legalidade do golpe no Paraguai e a tentativa de deposição de Hugo Chaves.
Roberto Carlos nunca fez o gênero politizado, ao contrário de Bono Vox e outros que tais. Roberto saudou o açougueiro chileno, eu diria, ingenuamente e não como fazia a imprensa brasileira naquele tempo, com a euforia de um Plínio Correia, fundador e líder da TFP (Tradição, Família e Propriedade) em sua coluna na Folha de São Paulo.

O debate em torno da questão das biografias poderia ser rico. O lado que defende a liberdade de expressão dos biógrafos pode estribar-se em doutrinas, pode argumentar tendo por base o direito comparado, a declaração universal dos direitos do homem, o bom senso, o escambau. Não precisa de advogados de porta de cadeia que usem de expedientes tão mesquinhos.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Política de extermínio


É uma política de segurança pública muito simples: baseia-se na intimidação, no terror e no extermínio. No Rio optou-se pela ocupação de comunidades como se fossem território inimigo. Para lugares densamente povoados foram mandados tanques de guerra e efetivos das forças armadas. Para desalojar traficantes, dizia a propaganda. Para subjugar o gueto, diz a realidade das balas “perdidas”, dos meninos que tombam tachados de marginais, de perigosos marginais.
Já nas primeiras ocupações, policiais invadiam toda e qualquer moradia para intimidar moradores e até mesmo furtar-lhes pertences. Invadiam, já não por sua conta, como de costume, mas com o aval do poder público. Sob aplausos de incautos e cínicos.
Instaurou-se o terror e o caos aos quais deu-se o nome de Unidade de Polícia Pacificadora. Nas reportagens das TVs que propagandeavam a ocupação, vimos risonhos policiais afagando criancinhas e levantando o polegar para os moradores que passavam. Mesmo tosca, mesmo copiada das campanhas políticas, a propaganda do estado funcionou. Muita gente acreditou que algo estava sendo feito em favor das populações dos morros e favelas, inclusive a Presidenta Dilma, que em visita à capital fluminense, elogiou o programa de polícias pacificadoras e disse que serviam de exemplo para outros estados.
 A peça publicitária do governo de Cabral dizia que enfim o estado estava chegando às comunidades carentes com os serviços que sempre foram negados. Mas as valas negras continuam lá. Não foram instaladas creches nem postos de saúde. Nenhuma escola subiu o morro. Sequer o lixo é coletado. O que houve foi ocupação militar e seus previsíveis desdobramentos.
A morte de Amarildo desnudou a farsa. Mostrou que nada se modificara na relação da polícia com as populações mais pobres. Também haja ingenuidade para crer que depois de um cursinho de três semanas, dado a policiais formados na brutalidade e na corrupção, se romperia com práticas de 400 anos.
Depois do crime, quase todos os comandos das “pacificadoras” foram trocados. Monta-se uma nova farsa. É como se a morte de Amarildo fosse um problema de comportamento de indivíduos e não de uma ação deliberada do estado.
O total desrespeito aos direitos básicos do ser humano foi a norma desde sempre quando de pobres se trata. Nas favelas e periferias imperam leis de exceção: toque de recolher, cerceamento do direito de ir e vir, e outras. Entre as outras, que sequer estão previstas como medidas excepcionais, estão a tortura, o esculacho, a desumanização.
Em São Paulo, a morte do menino Douglas pelas mãos de um facínora fardado, cumprindo as ordens explícitas ou não do poder público, deixou claro que também naquele estado da federação não há titubeios na hora de apertar o gatilho para matar pobres.
As mortes de Amarildo e Douglas ( pardos, pobres) dão bem a dimensão da nova velha política de segurança pública posta em prática nas duas maiores cidades do país. Não há coincidência, não há desvio de conduta de indivíduos, não há mal entendido. Há sim uma política de extermínio. Que obviamente fracassará.



terça-feira, 29 de outubro de 2013

Cartas dos leitores


O vício é antigo. Muito antes de existir internet, quando a TV, os jornais e o rádio ainda eram em preto e branco, eu já lia a seção de cartas dos leitores.
Sempre me intrigou que alguém escrevesse cartas para os jornais. Havia que escrevê-la, ir até o correio, pagar o selo e metê-la na ranhura da caixa coletora para, talvez, vê-la publicada dias depois com os devidos cortes e correções ortográficas feitos pelo senhor editor.
Pelo geral, eram cartas cobrando medidas das autoridades ou criticando alguma matéria do próprio jornal. Mas também as havia enaltecendo o papel dos militares no comando do país. Outras faziam furibundas defesas da família e dos bons costumes que se julgava corrompidos.
As opiniões, quase sempre conservadoras, ou mesmo reacionárias, desses missivistas me pareciam ser coisa daqueles tempos bicudos.  Não eram tempos de contestações por escrito com nome e endereço.  Ninguém iria facilitar o trabalho da repressão que via em qualquer manifestação de opinião independente uma ameaça ao estado, à família e à propriedade. Escrevia e assinava quem estava a favor, ou pior, quem estava mais a favor que os favorecidos.
Depois larguei mão. Passei anos sem ler jornais só voltando a eles depois que ficaram gratuitos na rede de computadores. E, claro, voltei a ler os leitores que, indignados ou simplesmente chatos, escrevem. Acho que só para dar sopinha para meu masoquismo. Pois acontece que sofro. Cada vez que leio as manifestações desses leitores, sofro. Sofro e continuo lendo. Leio e continuo sofrendo. Freud explica.
Não há matéria que não mereça os comentários mais absurdos, mais caretas, mais reacionários desses decifradores do mundo. Sem o problema da exigüidade de espaço que havia nos jornais de papel, as manifestações são inúmeras e prolixas. Do biquíni da Beth Faria aos protestos dos meninos mascarados; da espionagem americana à liberação da maconha, nossa sociedade, tão bem representada pelos escritores de cartas para jornais, continua dando mostras de cretinice sem limites nos comentários que faz.
Se tempos atrás, associávamos os comentários mais conservadores e rançosos a velhos milicos de pijama e senhoras mal amadas, hoje, é entre a juventude que encontramos seus autores. Meninos e meninas expõem sua total falta de sensibilidade e bom senso comentando sobre tudo e sobre tudo deixando a marca do preconceito, da idéia fixa, do reacionarismo. Xenofilia, racismo, homofobia e misoginia fazem parte do seu cotidiano de escribas.

E o pior, numa linguagem e escrita que precisam ser decifradas. Não falta nem o "com cordo" nem o "consertesa". 

sábado, 26 de outubro de 2013

Reforma agrária


Estamos no final de outubro. Pouco mais de dois meses nos separam do próximo ano e só agora a Presidenta Dilma assinou o primeiro ato de desapropriação de terras para fins de reforma agrária, do ano.
Não que a presidenta não se dê conta da importância da redistribuição de terras para redistribuir renda e fazer-se justiça aos milhões de trabalhadores rurais sem terra. Não é isso. Não falta à nossa presidenta nem sensibilidade social nem conhecimento dos problemas do país, mas Dilma Roussef é herdeira das alianças espúrias feitas por seu partido com o que há de mais abjeto na política nacional.
Essas alianças vêm desde o governo Lula e ganharam espaço dentro do governo Dilma. Afinal, com a defecção de muitos aliados de primeira hora como o PSB de Eduardo Campos e a ala verde encabeçada por Marina Silva, que partem em busca de carreira solo, os articuladores políticos do governo e do PT, para ganhar eleições e garantir a tal governabilidade, fazem qualquer negócio.  
Entre essas alianças a mais nociva aos interesses do país é a que o PT perpetrou com o latifúndio. Essa aliança, que a cada dia é mais explícita, começa a desestabilizar as relações do governo com o MST, até aqui pacífica e de confiança. Prova disso foram as mobilizações que o movimento comandou nos últimos dias em que vários órgãos governamentais foram tomados por seus militantes.
 Um exemplo dessa aliança perversa com o latifúndio? O novo código florestal. Outro? A impunidade reinante para os crimes contra lideranças indígenas e camponesas.
Posição tão cômoda levou os representantes do agronegócio (ou agrobusines, como gostam de falar nossos caipiras milionários) para a ofensiva. Já não lhes basta paralisar a tímida reforma agrária que aqui é feita somente sobre terras improdutivas. Agora partem em busca de reservas indígenas e ambientais.
A senadora Kátia Abreu, Presidente da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) e sua voz no parlamento, deu de escrever disparates nos jornais. Em sua coluna na Folha de São Paulo faz afirmações esdrúxulas, tece teses antropológicas estapafúrdias, cita estudos encomendados, ameaça. E das ameaças parte-se para os fatos.
Não faz muito tempo vimos a senadora do Tocantins descendo a rampa do Palácio do  Planalto de braços com nossa presidenta. Falou-se que era cotada para ocupar uma pasta em algum ministério, o que afinal não se confirmou. Mas a especulação certamente tinha algum fundamento. Creio que tal fato não ocorreu devido às perdas eleitorais que adviriam para ambos os lados caso se concretizasse o absurdo.
Em 2011, Kátia Abreu deixou o DEM para ingressar no PSD. O partido de Kassab seria uma ponte de aproximação com o governo, mas após a breve estadia na legenda que não é de direita nem de esquerda nem situação nem oposição nem porra nenhuma, a musa ruralista ingressou no último dia 3 de outubro, no PMDB, partido da base governista. Vai disputar por essa sigla a reeleição para o senado. Acho que não poderia haver pior notícia para aqueles que vêem na reforma agrária um meio de fazer justiça nesse país.
Com tudo isso, pode-se dizer que 2013 foi um ano perdido na resolução do problema que vem se arrastando desde o século 16: dar terra para quem nela trabalha.



quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Bolsa família


Imagine uma pessoa muito pobre. Imagine que essa pessoa só possa comer arroz, feijão e farinha e ainda assim falta-lhe um dia o feijão no outro o arroz e no outro a farinha.
Imagine que essa pessoa um dia comece a receber um dinheirinho extra, pouco dinheiro, muito pouco, mas esse pouco dinheiro permite que ela compre um pacote de bolachas por semana, para fazer um agrado pros filhos. Não uma bolacha cara, das de marca famosa. Uma bolacha barata. Então essa pessoa começa a comprar 4 pacotes de bolachas por mês.
Essa pessoa não é a única pessoa pobre que começou a receber esse dinheirinho extra, digamos que sejam 10 milhões delas e a todas lhe ocorra comprar o mesmo pacote de bolacha barata por semana. Aí teremos 40 milhões de pacotes de bolacha sendo vendidos por mês apenas para essas pessoas que antes nem pensavam em comprá-los.
Mas há tantas bolachas sobrando no mercado para vender para essas pessoas que nunca tinham comprado bolachas antes? Claro que não, é necessário fabricá-las, embalá-las, transportá-las. Sim, mas as fábricas podem aumentar tanto assim sua produção de bolachas de uma hora para outra? Olha que são 40 milhões de pacotes de bolachas! Realmente não podem. As fábricas terão que adquirir novas máquinas que fazem bolachas, contratar mais gente para fazer bolachas, e comprar veículos para entregar bolachas.
 Os fabricantes de embalagens de bolachas terão de fazer o mesmo. Comprar mais máquinas de fabricar embalagem de bolachas, contratar mais gente para fazer embalagens de bolachas e comprar veículos para entregar as embalagens de bolachas.
Claro, os fabricantes de máquinas de fazer bolachas e embalagens de bolacha também terão de correr atrás: comprar maquinaria, contratar pessoal e comprar veículos.
Muitas dessas pessoas que nunca tinham comprado um pacote de bolachas, possivelmente serão empregadas pelos fabricantes de bolachas, pelos fabricantes de embalagens de bolachas, pelos fabricantes de máquinas de fazer bolachas e embalagens de bolachas e também pelas montadoras de veículos e já não precisarão receber aquele pouco, pouquíssimo dinheiro extra que recebiam antes.
Mas aqui entramos em mais um dilema. Essas pessoas que nunca comiam bolachas e começaram a receber um dinheirinho extra, agora que têm emprego nas fábricas de bolachas, na fábrica de máquinas de fazer bolachas ou na fábrica de embalagens de bolachas, começaram a comprar também a margarina para barrar as bolachas. Acontece que não há tanta margarina sobrando no mercado e os fabricantes de margarina terão de comprar novas máquinas de fabricar margarina e contratar mais gente para operar as máquinas. E também comprar mais embalagens para envasar a margarina. Ah! Eles também precisam de mais veículos para as entregas.
Aqui não falei da dona da venda que vende bolachas e margarina nem da comprinha extra que ela agora pode fazer. É um corte de tecido, um sapato novo pro filho ou, quem sabe, uma geladeira nova no crediário.
Como há muitas vendinhas nesses interiores e nessas periferias, as donas de vendinhas são muitas e todas elas andam fazendo umas comprinhas extras. É um corte de tecido, um sapato novo pro filho e, quem sabe, uma ida ao salão de beleza uma vez ou outra. Mas como é tarde, da dona do salão de beleza, do dono da concessionária de veículos e do dono da sapataria eu falo depois.

Isso não é nenhuma estória de ficção, isto está acontecendo no Brasil e tem nome. O nome disso é economia, mas pode chamar de Bolsa Família.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Tozim


Dizem que os amigos não os fazemos, os reconhecemos. Acho que foi isso que se deu quando conheci o Tozim.
Eu freqüentava uma turma no Alto Barroca, um típico bairro da classe média belorizontina. Não fazia muito tempo que eu por lá andava, um ano, pouco mais. Tinha ido parar naquelas ruas levado pelo Eduardo e ao fim de alguns meses, fiquei mais íntimo dos caras que ele. Principalmente do Careca, do Ronim, do Cássio e do Mazim.
Com essa turma bebi, fumei muita maconha e comi cogumelo pela primeira vez.  Também com eles  acampei várias vezes na Serra do Cipó. Foi o fim do meu ciclo nas Alterosas e foi em ótima companhia.
Um dia, fui praqueles cantos procurar conversas. As ruas estavam vazias na tarde quase azul. Não achei ninguém até vir o Tozim.
Eu o conhecera há poucos dias. Ele havia se mudado pra lá vindo do norte de Minas e talvez por ser da mesma região de meus antepassados, eu logo simpatizei com ele, com seus olhos apertados, os lábios finos que soltavam rápidas palavras meio de canto com  sotaque já puxando pro abaianado. Gostei de seu sorriso sincero de camarada.
Nesse dia que narro, falamos de cachaça. Ele era de Januária, creio, e o assunto veio  naturalmente. Resolvemos beber, para conhecer, aquela cachaça São Francisco que tinha sido recém-lançada com propaganda na TV e tudo mais. O mote publicitário da birita dizia: “Rico também bebe cachaça”.
Não que fôssemos metidos a besta ou algo assim. Os dizeres da propaganda para nós era apenas uma referência de qualidade. E era disso que falávamos: da qualidade da cachaça de Januária, tida como a melhor do Brasil. Aos 18, 19 anos já nos achávamos expertos  ou, pelo menos, queríamos parecer para o outro. Vaidade viril de moços.
Resolvemos pela prova da São Francisco, mas quando escarafunchamos nossos bolsos, não saíram mais que umas moedas. Acho que cada um esperava que o outro estivesse mais fornido. Lembro que fizemos umas diligências para conseguir uma intera, mas não deu. As ruas estavam avaras de outros vagabundos e até as casas dos amigos pareciam desertas.
Enquanto batíamos perna ladeira abaixo, ladeira acima, fomos entabulando nossa conversa. Eu nunca pequei por calado e Tozim também gostava de charla.
Por fim desistimos de conseguir dinheiro emprestado e acabamos mesmo numa vagabundíssima cachaça de armazém. Bebíamos enquanto íamos daqui pra lá pelas ruas tão iguais, tão burguesamente iguais. Passando a garrafa naquele ritual de querer bem.
Não me lembro das outras vezes que me encontrei com ele. De certo houve outras vezes, mas a lembrança só quis guardar aquela tarde.

Meses depois fui para o Rio e nunca mais voltei a morar em Belo Horizonte. Isso foi em 76. Nunca mais vi Tozim.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Balzaquianas


Quando Honoré de Balzac escreveu, na primeira metade do século 19, sua ode à mulher de 30 anos, era comum que moças se casassem aos 16, 15, 14 anos de idade. Minha avó casou-se assim, em plena adolescência, já no começo do século passado..
Não era o caso dos homens, ao contrário. Entre as classes médias e abastadas era necessário estabelecer-se financeiramente antes de contrair matrimônio. Mocinhas, mal saídas da infância eram desposadas, muitas vezes, por homens já maduros.
Ao chegar aos trinta anos, uma mulher do século 19, estava na iminência de tornar-se avó. Claro que não há conveniência social nem costumes do tempo que façam com que a beleza de uma mulher dessa idade se esvaneça. Só a extrema miséria ou o sofrimento desmedido é que têm a capacidade de apagar a luz de uma mulher de trinta anos.
Na minha infância, eu escutei muito falar de balzaquianas quando os mais velhos referiam-se às mulheres que entravam nessa fase da vida. Se a mencionada fosse uma rara mulher solteira daqueles anos 60, o epíteto vinha em tom de censura ou deboche. Meu pai usava muito o termo balzaquiana e creio que foi dele que o aprendi.
Mas agora vejo que a alcunha de balzaquiana para uma mulher de tal idade, estava fora da realidade daqueles anos. A mulher de trinta anos de Balzac teria, nos anos 60 do século passado, por volta de 37, 38 anos. Talvez 40. A mudança de costumes, a sociedade e talvez a Elizabeth Arden fizeram isso.
 Hoje, a balzaquiana tem exatos 50 anos. Aqueles encantos que o mestre francês descreveu para sua Julie, habitam os corpos, corações e mentes das mulheres de 50 anos que vemos diariamente nas calçadas, nas praias, nos cinemas ou mesmo nos supermercados.
E, creio, que nem o tempo nem a sociedade nem o sabonete Dove tenham algo a ver com isso. Foi a mulher que dilatou o tempo, que estendeu o viço. Foi a mulher que arrombou as portas e se libertou da tirania dos usos e costumes. Foi ela que tomou a liberdade de sua beleza madura negada há séculos, milênios.
Os homens não. Eles ficaram ali jogando gracejos pras mocinhas, fazendo galhofa das balzaquianas. Ainda hoje os vemos assim, a repetir, ou pelo menos querendo repetir, a cena desgastada pela interpretação de mil canastrões.
Não há um sequer que, após uma operação plástica nas pálpebras, uma aplicação de Koleston ou mesmo uma cirurgia bariátrica, não se sinta um galã pronto para raptar o coração de mulheres 20, 30 anos mais jovens.  Desde o comerciante de secos e molhados até o candidato à presidência, todos pagam o mico de passarem-se por coronéis.
Nos outros eles vêem o ridículo da situação, não em si mesmos. O homem maduro se crê desejável pelo seu poder de mandar, comprar, influir. Não vê que é o poder e não ele que faz o serviço do amor a domicílio.
Esses homens, no afã de iludir a passagem dos anos, de demonstrar sua virilidade comprada em comprimidos, de sentirem-se jovens, estão perdendo a chance de descobrir as mulheres de 50 anos.
Se a Madame Clessi de Nelson Rodrigues dizia que toda mulher só devia se apaixonar por meninos de 17 anos, eu, mesmo correndo o risco de ser coberto pelo escárnio dos tolos, penso que o homem só deveria amar as mulheres de 50 anos. As balzaquianas de 50 anos.


domingo, 20 de outubro de 2013

Biografias não autorizadas, continuo procurando saber


Não faz muito tempo. Era o aniversário de Dalton Trevisan. O escritor paranaense completava 88 anos e a TV fez uma reportagem. Era uma típica reportagem de TV: superficial, fútil, banal. O aspecto mais abordado foi a reclusão em que vive o escritor e não sua obra.
Mas, verdade seja dita, esse aspecto foi longamente explorado. Serviria de alerta para quem pensasse em desrespeitar a escolha pelo recolhimento do autor que nunca aparece, que jamais concede entrevistas, de quem só conhecemos as feições por fotos antigas que estão na Wikipédia.
No entanto, a segunda parte da reportagem nos guardava uma surpresa. Depois de tanto bater na tecla do retraimento em que vive o contista octogenário, o que fez o repórter? Foi postar-se à porta da casa de Trevisan. Com a câmera oculta pelos arbustos que guarnecem a residência, filmaram-no de longe, entretido com as coisas de seu quintal. Com o microfone atrás das costas, o jornalista perpetrou mais uma infâmia e chamou o dono da casa. Este veio ver, e dando-se conta do que se tratava correu em busca de refúgio no interior da morada. Um homem de 88 anos teve de correr para poder preservar algo que lhe é caro: sua privacidade.
Por que cito essa história? Bem, porque estou procurando saber algo sobre as biografias não autorizadas. O que tem a ver uma coisa com a outra? Ora, tudo. Trata-se de privacidade e de saber se esse direito pode estar acima do direito à livre expressão dos escritores biógrafos ou dos repórteres bisbilhoteiros. Realmente não sei.
O desrespeito ao escritor curitibano me faz crer que pode não haver limites quando se trata de fazer sensacionalismo ou de querer ganhar dinheiro a custa da fama alheia. Mas não deixo de pensar no que disse o ex-ministro Aires Brito quando afirmou que “não se pode alegar o abuso para coibir o uso”.
Como disse, continuo procurando saber.


Biografias não autorizadas


Muitas vezes fui para frente da televisão acompanhar julgamentos do Supremo com opinião já formada. As havia concebido confrontando os dados de que dispunha com minhas íntimas convicções e muitas vezes, após ouvir os doutos pareceres de Suas Excelências, tive de botar minha viola no saco. E por um fato muito simples: eu desconhecia vários fatores envolvidos nas questões. Desconhecia preceitos constitucionais que não podiam ser superados, desconhecia as implicações futuras de certas decisões. Ou seja, eu não estava apto a me posicionar por pura ignorância.
Agora surge o tema das biografias que em breve merecerá apreciação daquela colenda corte. Trata-se de uma ação direta de inconstitucionalidade impetrada pelos editores, através de sua associação, que contesta os artigos 20 e 21 da lei 10.406 de 2002.
Até bem pouco tempo eu estava convicto que bastaria ser utilizado o mesmo critério que é usado nos EE.UU para pôr fim a celeuma que aqui estava se instalando. Bastaria, pensava, que as biografias não autorizadas exibissem em suas capas os dizeres “biografia não autorizada” para que  o leitor fosse alertado para o fato que o autor não dispusera de documentos pessoais do biografado para a confecção da obra, que não o entrevistara nem contara com depoimentos de seus parentes e amigos. Que o que ali estava escrito, poderia não passar de especulação ou simples sensacionalismo. Eu estava pensando no leitor e no direito de livre expressão dos escritores biógrafos. Tinha me esquecido dos prováveis biografados, de seu direito à privacidade
Pensava exclusivamente nos escritores sérios, no público leitor que ambiciona umas belas páginas sobre alguém que lhe desperte a admiração. Nada mais ingênuo, nada mais Polyana do que esse meu raciocínio. Esses escritores são raros, esse público é ínfimo.
Nos últimos dias deixei de ter qualquer certeza com relação ao tema. Se por um lado pense que qualquer cerceamento à liberdade de expressão seja um atentado contra a democracia, não posso deixar de considerar o direito individual à privacidade, que também alicerça essa mesma democracia.
Ademais os argumentos dos que apóiam o pleito dos editores têm me deixado perplexo. Veja se não é para perplexidade o que argumenta Jorge Maranhão em artigo publicado no sítio Congresso em foco. Diz o publicitário:_ “...que acima de tudo são personagens públicos. E que ganharam e ganham a vida tendo como base essa mesma publicidade”.
Ora, nada mais falso, nada mais falacioso. Artistas de fato, jogadores de futebol e outros personagens ganham a vida com a publicidade de seus talentos, não de suas vidas. Quem torna pública a vida privada das pessoas são os fabricantes de fofocas, os artesãos do disse me disse, os desprovidos de habilidades que vivem a custa do que outros fazem, os que alimentam a voracidade de um público idiotizado, que por falta de vida interior, fuça as debilidades alheias em busca de consolo para suas próprias frustrações.
Em outra matéria do mesmo sítio, o chato de galochas, Celso Lungaretti, aporta mais uma tolice para argumentar em nome da liberdade de expressão que, cá entre nós, é matéria nobre o bastante para merecer melhor advogado. O paraninfo de todos os pentelhos assim se expressa:_”E o direito do cidadão comum, de ser informado sobre o que realmente são e fazem aqueles que ganham rios de dinheiro por terem os holofotes da mídia voltados em sua direção, onde é que fica?”
Puta que o pariu, que direito é esse que eu desconheço? Quem me dá tal direito? Em quais códices, em que jurisprudência está escrito ou dito que eu tenho o direito de saber quem comeu quem ou qual o livro preferido de alguém?
Quem vive de fornecer essas informações são os cantores de um disco só, os jogadores de futebol que só jogam no DVD, os falsos artistas das novelas das 8, os apresentadores de programas popularescos de auditório. Enfim, as celebridades dos dias atuais.
Nunca fui dos que dizem que fariam novamente tudo o que fizeram. Se pudesse, eu reformaria minha vida a partir dos 12 anos. Há tanta coisa que me envergonho de ter feito, tantos fatos que jamais revelo, tantas dores que prefiro ocultar até mesmo do espelho sem luz de minha consciência. Por ser anônimo gozo desse direito. O direito de preservar minhas vilezas dos olhares alheios.
Não creio que alguém por ser famoso vá ter sentimentos diferentes dos meus, que não vá querer preservar, ou mesmo esconder, fatos de sua vida que lhe traga pejo. Claro, assim como outros que são anônimos, há os famosos que não se importam, ou até mesmo preferem purgar seus pecados na praça pública das edições bem encadernadas. Não tiro a razão de ninguém.
Por mim, abdico dos direitos de que fala Lungaretti. Mas sigo procurando saber para, quem sabe, ir para frente da televisão com opinião formada quando o caso das biografias não autorizadas for a julgamento.





sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Lia


Eu vivia num cantinho do Rio numa rua que não tinha nome de rua. Chamava-se Vila Rialma. Ladeira abaixo, o Catumbi, ladeira acima Santa Teresa. De frente, uma parte ainda não habitada do Morro da Coroa, ao fundo, mais pra esquerda, o Morro do Fallet.
A casa era de um casal de argentinos, Quique e Patrícia que tinham dois filhos pequenos, Matias e Jasmim. Ao lado moravam o Maurício, o Mancha Negra e o Ciro Garcia. Maurício era meu chapa desde os tempos de Copacabana.
As duas moradas eram nos andares superiores de dois sobrados contíguos. Raramente usávamos as escadas para ir de uma casa para outra, pulávamos pelas varandas. Não lembro quem viva nos pisos de baixo, se é que eram habitados.
Em frente à nossa rua, havia um campinho de futebol, o que permitia ver a rua que corria paralela à nossa, e nessa rua estava o Gouveia.
Era uma birosca que por falta de outra designação chamávamos pelo nome de seu proprietário. Aí se vendia arroz, feijão, cebola, cigarro, cachaça, cerveja e tudo mais que compõe a cesta básica. Tinha também uma mesa de sinuca pequena.
Era no Gouveia que, nos sábados de manhã, nos reuníamos, o Quique, o Maurício e eu. Patrícia ia vez por outra levando as crianças e sempre aparecia algum outro amigo que pernoitara numa das casas ou que por aí passava.
O Gouveia, propriamente dito, tinha uma boa cara amarrada de dono de birosca, pouco sorria ou falava. Fiava às vezes. Nos sábados, ele também estava festivo e preparava para si, num imenso copo duplo, uma mistura de muitas bebidas destiladas que ia debicando devagar.
Patrícia se sentava ao lado de um caixote de cebolas e meio à sorrelfa, meio descarada as ia descascando e comendo-as cruas à modo de tira-gosto.
Não lembro sobre o que conversávamos, mas sim dos rostos sempre sorridentes dos amigos. Quique movia muito a cabeça, daí seu apelido: Canário. Maurício era imbatível no bom humor e nos palavrões que soltava como exclamações e interjeições, a torto e a direito.
Foi  no Gouveia que conheci Lia. Acho que ela dormira na casa de alguma amiga que viva aí por perto. Talvez a Beth, não sei. Sei que a vi, alta, com sua postura de bailarina, as costas muito eretas e pernas que não acabavam mais. Tão morena tropicana, tão mulata assanhada com seus cabelos muitos de muitos cachos e um sorriso doce e cativante cheio de brejeirice. Era de perder o juízo, a compostura. Eu fiquei encantado.
 Hoje fico imaginando a cara de babaca que eu devo ter posto diante daquela visão. Lia tinha 19 anos, usava umas calças brancas, justas, que torneavam suas pernas e sua bunda de novelo. Ficou pouco tempo entre nós e foi-se ladeira abaixo levando atrás de si meus olhos compridos de vinte e poucos anos.
Anos depois, estávamos, Lia e eu, na sua casa  tendo um desses papos que prometem mudar o curso da história. Discutíamos sobre a rivalidade entre Marlene e Emilinha Borba. Ambos preferíamos Marlene. 
Lia, que não é mulher de dar opinião que não justifique, disse, para desabonar Emilinha, que a Preferida da Marinha era muito “assim” e, dito isto, levantou os dois dedos indicadores na altura dos ombros alternando um e outro num movimento de sobe e desce. Aquilo era Emilinha sem tirar nem pôr.

Hoje, sempre que vejo Emilinha nos velhos filmes da Atlântida ou mesmo quando ouço seu nome, lembro de Lia e daquelas manhãs de sábado no Gouveia.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Mais partidos


Não faço idéia de qual seria a melhor solução. Não comparto a opinião do Ministro Joaquim Barbosa, e de muitos outros, que defendem que a cláusula de barreira deveria ser adotada em nosso ordenamento jurídico eleitoral. Segundo andei lendo, a lei restritiva só existe na Alemanha e foi imposta pelos americanos durante a ocupação que sucedeu à segunda guerra. E só foi implementada para impedir o crescimento dos comunistas naquele país. Foi uma lei casuística que acabou por cristalizar-se.  
Creio que os fatos, e não a restrição legal, é que deve inibir a criação de partidos, mas talvez a proibição de alianças nas eleições proporcionais tornasse menos lucrativo o comércio das legendas de aluguel e dos balcões de negócios como os recém-criados PROS e Solidariedade, por exemplo, e talvez até servisse para tornar pouco interessante a manutenção de PR, PRB, PSC, PSL e outros bichos, por parte de seus proprietários.
Quanto à cláusula de barreira, até eu, que sou mais bobo, consigo imaginar 2 ou 3 maneiras de burlá-la se o interesse é apenas fazer negócios.
Há bem pouco tempo a legislação eleitoral foi modificada para evitar-se o troca-troca de legendas por parte dos parlamentares. Uma das possibilidades para que um parlamentar deixasse o partido para o qual fora eleito, seria para ingressar numa nova sigla. A medida, que parecia ser moralizadora, degringolou na criação indiscriminada de partidos que nada têm que os diferencie dos já existentes.
Além dos 32 partidos legalizados e aptos para disputar o pleito de 2014, outros estão em vias de legalização, certamente visando às eleições municipais de 2016 e prósperos negócios em 2018.
Essa nova leva de legendas  conta até mesmo com a ARENA, Aliança Renovadora Nacional. Pois é, querem ressuscitar o cadáver putrefato e insepulto. Porém, segundo sua presidente, Cibele Baginski, a nova sigla nada tem a ver com aquela que apoiou a ditadura. É tudo ‘novo e jovem”. Tudo “focado na democracia atual” seja lá o que isso queira dizer.
Mas essa novidade toda não se vê na página da ARENA no facebook. As postagens  que lá vemos, variam de citações tiradas de filmes de Hollywood a declarações dignas de um Bolsonaro ou de um Brilhante Ulstra.
Em uma foto postada por integrantes do partido, está uma faixa com os dizeres: “Um partido de direita com pessoas direitas”. A frase é ruim. Melhor seria: "Um partido de direita para pessoas direitas" ou "Um partido de direita feito por pessoas direitas. (Se quiserem usar  essa minha humilde sugestão, que paguem).
Cibele e seu partido querem ocupar um nicho eleitoral abandonado e que se expressa nas caixas de comentários dos sítios informativos e no facebook: o da direita sem vergonha de ser histérica, golpista, paranóica e saudosa dos milicos.
Outra agremiação que surge é o Dempro, Partido Democrata Progressista. Seu presidente, Ronaldo Nóbrega, diz que falta espaço nos outros partidos para eleitores que querem candidatar-se, mas entre suas propostas iniciais não há nada sobre como tornar possível uma candidatura tendo em vista o custo das campanhas atuais.  
O Dempro se posiciona como partido de centro, algo assim como “fazemos qualquer negócio” e propõe o voto facultativo, a diminuição da carga tributária e garantia de maior espaço para os jovens na política.
O PLB, Partido Liberal Brasileiro, também tem como meta ressuscitar cadáveres, nesse caso, o Partido Liberal (PL) que chegou a fazer alguma fumaça no fim dos anos 80. Guilherme Afif Domingos foi seu candidato à presidência em 89, chegando a estar entre os mais citados nas pesquisas de intenção de votos no começo da campanha eleitoral, que teve um número jamais igualado de candidatos.
O PLB já nasce com o discurso de não ser nem oposição nem situação e é, na verdade, apenas o fruto de uma briguinha na Assembléia Legislativa do Rio. Um de seus idealizadores é o deputado Domingos Brazão.
O ex-aliado de Sérgio Cabral queria eleger-se presidente da Assembléia Legislativa, o Governador tinha preferência pela continuidade de Paulo Melo, daí nasceu mais um partido.
Eu tenho a impressão que Brazão  resolveu ressuscitar o PL pela simples coincidência de chamar-se Domingos, assim como Guilherme Afif. Se seu nome fosse Jânio, teríamos de novo a UDN.




quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Repressão


Em São Paulo, o Governador Picolé de Chuchu voltou a autorizar o uso de balas de borracha pela polícia para tentar conter as manifestações em curso. O uso do artefato estava suspenso, creio, desde que uma repórter quase ficou cega depois de receber um disparo à queima roupa.
No Rio, a Polícia Civil de Sérgio Cabral, o governador que de tanto trabalhar enriqueceu mais rápido que o Bill Gates, promete autuar os manifestantes por formação de quadrilha. Como todos sabemos, quadrilha é especialidade da polícia carioca.
No Rio grande do Sul, o Governador Tarso Genro mandou sua polícia em missão de busca e apreensão à casa de manifestantes para obter provas de participação em atos de vandalismo. A Polícia Civil daquele estado confiscou um laptop, cadernos e um livro de teoria marxista. Agora já podem processar o agente vermelho do comunismo apátrida e ateu.
Nesse campeonato de boçalidade que conta com apoio das grandes redes de TV, jornais e da população reaça em geral, as polícias de vários estados tentam subir na tabela. Se no Rio Grande está proibido ler Marx, no Rio de Janeiro o que está proibido é o vinagre. Quanto ao azeite de oliva eu nada sei.
Também na Cidade Maravilhosa, um policial postou numa rede social da internet sua foto e de seu cassetete quebrado após um “confronto” com professores. O cana dizia, fazendo chacota, estar indo encontrar os professores.
 Outro puliça forjou, diante das câmeras de TV, um flagrante de posse de morteiros pra cima de um garoto. A TV Globo e seu bebê, a GloboNews, só mostraram as imagens do crime, pode ter certeza, com medo de levar um furo das concorrentes.
Na Capital da República, assim como em várias capitais estaduais, o uso de máscaras por parte de manifestantes está proibido. A “Lei Erasmo Dias” não sofre críticas por parte dos meios de comunicação, muito pelo contrário. As emissoras de TV, após cada sessão de porrada promovida pela polícia, repete as palavras vândalos, baderneiros e mascarados tantas vezes que até parece aquelas propagandas de supermercado anunciando a promoção do chã, patinho e lagarto.
Sobre a atuação truculenta da polícia, a única voz que se fez ouvir desde o Planalto foi a da ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário:_ “Continuamos com um modelo de polícia que herdamos da ditadura”.  Sem dúvida, um modelo de polícia e um vezo autoritário que muitas vezes é apoiado pela sociedade.
A contribuição da grande (?) imprensa para desqualificar quem é vítima da truculência policial, é imprescindível. Daí a terminologia recitada como mantra pelas emissoras de TV comercial: vândalo, baderneiro, mascarado. Chã, patinho e lagarto.