quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Os oportunistas da tragédia


Um sujeito comete um ato estúpido. Faz o mesmo que fazem centenas de outros sujeitos todo fim de semana. A mesma estupidez que é praticada a cada festa de ano novo, cada São João. O mesmo que farão milhões de outros na próxima copa do mundo depois de cada gol do Brasil. O sujeito, num ato de irresponsabilidade, soltou um rojão no meio de uma aglomeração.  Desse  ato irresponsável resultou uma morte. Um acidente que poderia, que deveria ter sido evitado.
Pois foi isso: um acidente. Um terrível acidente que causou a morte de uma pessoa. A lei prevê punição para isso. Foi um homicídio culposo. Quem atirou o rojão não tinha a intenção de matar, mas acabou provocando a morte do cinegrafista que registrava o protesto.
Embora o infeliz acidente tenha sido filmado e mostrado à exaustão nas redes de TV, quase nada do que foi dito ou escrito sobre o fato, sequer roçou a verdade que as imagens mostraram. Falou-se e fala-se de assassinato. O jovem acusado de acender o artefato que matou o jornalista, já foi chamado de terrorista. A peça acusatória que foi enviada ao juiz, fala de crime doloso e pede júri popular. Em seu comentário na TV Cultura, o  advogado e ex deputado pelo P.T , Airton Soares, chamou os Black Blocs de crime organizado e pediu punição exemplar para os supostos autores do crime, para desestimular, não outras práticas irresponsáveis, mas as manifestações em si. Airton Soares quer o terrorismo judiciário. Quer silenciar pelo medo. Merval Pereira clamou pela aprovação da lei antiterrorismo sem exceções e criticou o governo, claro, por este, numa última manifestação de escrúpulo, fazer ressalvas quanto aos movimentos populares no esdrúxulo projeto de lei.   
Os oligopólios da desinformação falaram em atentado contra a liberdade de imprensa. Todos os exageros foram cometidos, todas as falácias foram postas a serviço  dos que querem calar qualquer embrião de insatisfação, todos os adjetivos foram usados, todos os chiliques puderam ser vistos em rede nacional de televisão. E a verdade? Bem, foda-se a verdade quando o que se quer é tirar proveito político. Quando o que se pretende é fazer do cinegrafista morto, um mártir da causa da repressão às lutas populares. Quando o que se pretende é aprovar uma lei repressiva para satisfazer a FIFA, um novo AI 5 que coloque a salvo todos as ações de governos corruptos e de seus sócios da iniciativa privada.
Creio que poucas vezes se viu tamanha farsa jornalística. Da fotomontagem aos textos que se desmentem no dia seguinte e que são republicados, passando pela calúnia a políticos de esquerda que defendem as causas populares, usa-se de tudo para levar a população ao jogo da histeria coletiva.

Do cadáver do cinegrafista, fez-se um bastião, uma trincheira para a guerra da repressão. Do ato irresponsável e estúpido, a desculpa para se perpetrar um atentado ao direito de protestar.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Refrescando a memória


Por motivos que não vêem ao caso, pude acompanhar toda a CPI dos Correios. Assisti a todas as sessões, todos os depoimentos, todos os relatos, todas as confissões.
Lá se vão quase 9 anos e muita gente que hoje opina nas redes sociais e nos sítios informativos defendendo os políticos presos do P.T, sequer tinha idade para se inteirar da CPI que redundou na AP 470. Vai aqui um breve relato de fatos incontestes e não controversos da CPI dos Correios que serve também para refrescar a memória dos esquecidos.
Lembro bem de ver pela TV Câmara, Silvinho Pereira entrar no plenário da comissão mista para dar seu primeiro depoimento. Como todo baixinho, Silvinho chegou andando na ponta dos pés e cheirando nuvem. Era a pose do homem de bem,  a arrogância a escorrer pela gravata tamanho adulto, inapropriada para seu diminuto porte.
No segundo depoimento Silvinho era outro. Cabisbaixo, suas primeiras palavras pediam clemência. Citou que estava sem dormir e à base de remédios, os nervos arrebentados. Claro, entre uma e outra sessão de inquirição, foi descoberta a existência de uma Land Rover (ou similar) em seu nome. O automóvel havia sido um presentinho de gente que tinha negócios com o governo.
Neófito nessas questões de mimos empresariais, e nervosinho, Silvinho confessou o recebimento do regalo impróprio e antes mesmo de terminar a CPI, foi julgado e condenado. A pena foi branda: trabalho comunitário. Depois disso, Silvinho sumiu do mapa.
Outra confissão foi a de Delúbio Soares. Dizia o tesoureiro que tudo não passava de caixa dois de campanha. Aliás, Delúbio preferia usar um eufemismo para explicar o vai e vem de dinheiros suspeitos: recursos não contabilizados. Claro, todo mundo se lembrou das “sobras de campanha” de Collor e da operação Uruguai. O esquema de Marcus Valério ganhou o apelido de operação Minas Gerais por uns minutos até que a juíza, deputada e chata profissional, Denise Frossard, protestou alegando sua condição de mineira apesar do sotaque acariocado e de ser representante do povo fluminense.
Nem de longe Delúbio se parecia com o chiliquento Silvinho. Calmo e cínico, o professor Delúbio  falou em entrevista após uma das sessões de depoimentos, que a CPI logo seria esquecida e viraria piada de salão. Delúbio se equivocou. Ao comprar a bronca pelos recursos não contabilizados (crime meramente eleitoral), Delúbio, homem de partido, tentou livrar a cara de outros envolvidos de alto coturno. Não deu certo.
A única vez que Delúbio baixou a crista, foi para  explicar a existência de uma fazenda comprada, coincidentemente, quando o esquema de Marcus Valério bombava.
Assim como vimos mais tarde na CPI do Cachoeira, essa gente não faz negócios como todo o mundo. Também Marcondes Pirilo e Agnelo Queiroz tiveram que dar muitas explicações sobre  compra e venda de imóveis. Nenhum deles conta uma estória simples. Algo assim como:_Fui na imobiliária e o corretor me apresentou uns imóveis e eu escolhi esse. Não, sempre há terceiros envolvidos, parentes, empréstimos e negócios fechados no fio do bigode.
Esses dois réus confessos, Silvinho e Delúbio, foram julgados e condenados. Silvinho prestou, supostamente, serviços num hospital público e Delúbio está na Papuda. No caso de Delúbio, como não podia deixar de ser, as estórias truncadas continuam, e ele em vez de vender sua fazenda para pagar a multa que faz parte de sua pena, viu fluir para sua conta mais de 600 mil reais do dia para noite. Doações. Doações.