quarta-feira, 30 de abril de 2014

As voltas que a banana dá



Mais uma vez, pela enésima vez, um racista que freqüenta  estádios de futebol atirou uma banana contra um jogador. E o que fez o jogador atingido pelo ato infame? Retirou-se do gramado? Exortou seus companheiros a segui-lo? Deu uma entrevista coletiva para protestar publicamente? Não. Daniel Alves, o atleta em questão, comeu a banana. Foi um ato tolo, ingênuo, mas que desencadeou uma série de torpezas mundo afora.
O jornal El País, da Espanha, estampou em sua edição eletrônica que Daniel Alves  havia enfrentado o racismo. Se El País tivesse prestado atenção à entrevista que o jogador concedeu aos meios de comunicação espanhóis (incluindo El Pais) após o jogo, saberia que o jogador não enfrentou nada, pelo contrário. Daniel Alves disse que depois de 4 ou 5 anos na Espanha já se acostumou a isso e não há nada que se possa fazer a respeito. Que o negócio é rir desse tipo de acontecimento.
O Villareal, clube dono da cancha onde ocorreu o episódio, divulgou nota oficial na qual afirma que o torcedor racista havia sido identificado e estava proibido de freqüentar aquela praça esportiva para todo o sempre. Bastou a notinha do clube, que abriga a torcida “Coletivo Aldeano”, conhecida por sua ideologia nazista, para que a imprensa brasileira e os comentadores das redes sociais e sítios informativos ligassem o botão da submissão cultural e seu próprio racismo e começassem a falar da superioridade dos europeus que, diferente de nós, punem exemplarmente esses atos de racismo e xenofobia. Ora, nada mais falso, nada mais falacioso.
Ainda que fôssemos crer que o clube espanhol fale sério, como seria cumprida a punição? Através de fotos do infrator espalhadas pelas bilheterias e acessos do estádio alertando porteiros e vigilantes?  Com a identificação biométrica? Quem pode atestar que tal punição será cumprida? Claro, é só um jogo de cena do clube assim como também é jogo de cena as multas aplicadas aos clubes, cujos torcedores racistas  manifestam sua ideologia nos estádios de futebol da Europa. O Milan já foi multado em 2 mil euros quando episódio semelhante ocorreu em suas tribunas. A multa imposta ao clube italiano me fez lembrar de um juiz americano que julgou um processo por assédio sexual em uma boate impetrado por uma moça. O processado era Mike Tyson e a moça queria uma indenização pecuniária. Era óbvio oportunismo tentando explorar a má fama do pugilista. O magistrado deu ganho de causa a ela e estipulou a indenização em 1 (um) dólar.  Com isso, o meretíssimo condenou a atitude de Tyson mas, deixou claro quanto valia a honra da vítima. O tribunal italiano ao fixar uma ínfima merreca como multa, deixou mais claro ainda que não dava  a menor importância ao fato de jogarem bananas sobre os atletas negros.
Recentemente, o  Borússia, teve parte de sua arquibancada (apenas uma parte) interditada por um jogo (um jogo e nada mais) após sua torcida ter exibido uma faixa com dizeres homofóbicos num jogo contra o Arsenal pela  atual liga dos campeões.  Multas de 20 mil euros ( dinheiro de pinga no mundo do futebol) também já foram aplicadas por atos racistas na Espanha.
Mesmo com um histórico  recheado de casos de racismo, dirigentes do Villareal e até mesmo Vicente Del Bosque, treinador da seleção espanhola, insistem que se trata de atos isolados. Del Bosque foi enfático ao afirmar: _”Não existe racismo no futebol”. De certo, o treinador da ex-fúria esqueceu que seu antecessor no comando daquela seleção, Luis Aragonês, foi flagrado motivando seu jogador, Reyes, com a frase:_”Você é melhor que aquele negro de merda”.Aragones se referia a Henry,  companheiro de Reyes no Arsenal naqueles dias. Depois do flagrante, Aragones negou que fosse racista e seguiu treinando a seleção espanhola até o fracasso no mundial de 2006.
Mas no caso da banana de Daniel Alves, o pior estava por vir e teve como protagonistas os brasileiros.
Neymar, apareceu nas redes sociais comendo uma banana ao lado do filho. Aí já não era o gesto tolo, ingênuo, porém espontâneo, de Daniel Alves. Foi um lance de exaltação da “marca” Neymar promovido por uma empresa de propaganda. E mesmo sabendo que disso se trata, de um bomocismo parido a fórceps, muitos aderiram ao gesto de comer públicas bananas ao invés do petit gateau de costume e poucas horas depois, Luciano Huck (que também apareceu seríssimo ao lado de sua seríssima esposa com uma banana na mão), já comercializava a camiseta com os dizeres que Neymar publicou junto com a foto de sua degustação de bananas: ”Somos todos macacos”. O oportunismo do craque e do empresário deveria ter chocado meio mundo, mas não. Assim como a demagogia do clube espanhol, vai sendo elogiado pela imprensa obtusa e xenófila. E não faltam teses falando de gesto antropofágico de Daniel Alves e o escambau.  

A negação do racismo na sociedade espanhola, a frase estúpida de Neymar e a postura cínica de Daniel Alves, dão mais oxigênio para a continuação das manifestações racistas, tanto na Europa como aqui. 

sexta-feira, 25 de abril de 2014

A morte de Lucas Lima

Recentemente tivemos o caso do assassinato do garoto que era um dos promotores dos rolezinhos. Sem nenhum pudor, sua morte foi comemorada nas redes sociais e nos sítios informativos. Sem que nenhum crime lhe fosse imputado, Lucas Lima  foi chamado de marginal, de bandido. O rapaz de apenas 18 anos, morto numa briga, supostamente por estar paquerando uma menina que estava acompanhada, era o líder de um movimento social, pois disso se trata o rolezinho: um movimento social. Movimento tão importante quanto as manifestações que em meados do ano passado tomaram as ruas do país. Mas com uma grande diferença: seus protagonistas não provêem da classe média, não são universitários. O pessoal do rolezinho, diferentemente dos manifestantes de junho, não foi mimado pela imprensa de direita que via nas manifestações de rua uma maneira de atacar o governo.
Depois que as manifestações tomaram rumos diferentes e se mostraram mais genéricas, criticando inclusive a imprensa e os políticos em geral, e não só o governo, os meios de desinformação começaram a tratá-las como coisa de baderneiros e vândalos. Sem, é claro, deixar de fazer oportunas ressalvas para uso futuro.
O rolezinho sempre foi tratado como coisa de baderneiros e desocupados, tanto pela imprensa como pela população racista e segregacionista. Ou seja, pela ampla maioria da classe média e dos novos emergentes. Nas redes sociais, os freqüentadores dos shoppings queriam que os meninos da periferia fizessem rolezinhos nas bibliotecas e museus. De repente, gente que jamais folheou um livro e nem sabe o endereço de um museu, virou difusora cultural. Depois de cada ato de rebeldia e inconformismo daqueles que querem romper com a segregação, as TVs mostravam entrevistas com lojistas e comerciários indignados com a ação dos jovens e não com a segregação em si, imposta pelos administradores de shoppings.
O ódio externado nas manifestações contra Lucas Lima, seria algo inexplicável se já não estivéssemos nos acostumando com esse novo perfil do brasileiro médio tão longe do homem cordial de tempos atrás.

Esse novo brasileiro, adepto dos linchamentos e da tortura, vem sendo forjado pelos noticiários policialescos e pelos políticos oportunistas e demagogos. O país afunda na boçalidade e abre caminho para qualquer tentativa autoritária que se dispuser a tomar o poder. 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Eu não sou cachorro não, infelizmente

É uma propaganda nova. Da Amil. Não é uma propaganda do tipo “compre nosso plano de saúde e espere 10 meses por um exame de próstata. Nosso plano é o próprio exame de próstata”. Não. É uma dessas propagandas boazinhas que nem as dos cartões de crédito que nos ensinam a usar o crédito com responsabilidade. Acho que esse tipo de propaganda tem um nome no jargão dos publicitários. E são eficazes. Tão eficazes que eu acabei chamando-as de boazinhas. Não são nada boazinhas. São as piores, pois lá está o reclame nos chamando para o exame de próstata como quem convida para o reveillon da Ilha Porchat. Mas fingem que não é isso.
A propaganda de que falo, quer que creiamos que o plano de saúde e os publicitários estão preocupados com a obesidade infantil.
A cena é a seguinte: Em torno de uma típica mesa de novela está uma atípica família brasileira. Há uma suculenta pizza e Mamãe ralha com Papai que está dando um naco da iguaria para o cachorro da casa, que doravante será chamado de Bob. Depois do corte e em torno da mesma típica e novelesca mesa está a família com outro figurino. Papai dá a Bob uma porção de algo apetitoso que a família saboreava. Mamãe ralha de novo com papai. Mamãe está preocupada com a saúde e Bob e se esquece do filho do casal que, gordinho, está comendo a mesma comida pouco saudável, afinal todos sabemos que pizza e bocados suculentos fazem mal à saúde. Aliás, excetuando-se o brócolis cozido na água mineral sem sal e o chá verde sem açúcar, toda comida faz mal à saúde e provoca obesidade.
Sem querer a propaganda da Amil toca num problema real. Nossa sociedade está mais preocupada com os bichos do que com os seres humanos. A mesma mocinha que posta no facebook ameaças contra quem maltrata os animais, apóia os linchamentos e a truculência policial contra moradores de favelas. Os mesmos senhores que chamam de desumanos àqueles que abandonam animais, acham corretíssimo o despejo de famílias em nome do direito à propriedade. E ai daquele que diz que não gosta de cachorros ou do cheiro de xixi de gato.
Frases do tipo, “você conhece o caráter de alguém pela maneira como esse alguém trata os animais” pululam nas redes sociais, sempre acompanhadas por fotos de cachorrinhos com olhar doce e gatinhos fofinhos. A maneira como alguém trata as outras pessoas, já não importa. Pelo contrário. Para as pessoas exige-se a pena de morte e o rebaixamento da maioridade penal. Clama-se pela tortura de presos.  O que conta como definidor de caráter, é a relação com os bichos. Tanto é assim que, sob aplausos unânimes, foi inaugurado recentemente um hospital público para animais. Creio que foi em Porto Alegre, mas outras cidades já têm planos de fazer o mesmo. Parece que cuidar da saúde animal vai gerar mais votos do que evitar mortes de seres humanos que continuam morrendo nas filas dos hospitais ou aguardando uma cirurgia simples que é sempre marcada para depois de meses ou anos.
Eu não me espantaria se em breve inaugurassem escolas para cachorros, creches para gatos e cursos de línguas para papagaios. Se nossos meninos do 4º ano mal lêem e pouco escrevem, não vem ao caso, afinal os governadores e prefeitos que abandonam a educação básica são sempre reeleitos. Não fica nenhum de fora. Nas próximas eleições por certo os veremos, já não mais beijando criancinhas e abraçando velhos durante a campanha eleitoral, e sim fazendo mimos em algum pitbul ou roçando o focinho num angorá. Na minha cidade houve quem advogasse, na última eleição municipal, por espaço exclusivo na praça pública para os bichos. Nem é necessário dizer que o mal estado dos brinquedos usados pelas crianças não comoveu ninguém

A Mamãe da propaganda é um pálido retrato da sociedade em que vivemos. 

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Nossos meninos foram reprovados no teste da OCDE, ainda bem


Um dia, meu pai chegou em casa com uma lata de leite em pó. Isso foi nos anos 60 e o leite era americano. Era o leite da Aliança para o Progresso. Estava escrito, em três idiomas, na lata prateada. Durante algum tempo eu bebi daquele leite. Não só bebi, como o comi, escondido, às colheradas. Foi a primeira vez que provei leite em pó.
A Aliança para o Progresso foi criada em 1960 com um sorriso nos lábios e um porrete nas mãos, como disse Ted Roosevelt, anos antes, referindo-se ao modo como nós, latino-americanos, deveríamos ser tratados. Eram tempos quentes da guerra fria com o caso dos mísseis soviéticos em Cuba, a tentativa de invasão da Ilha por parte dos americanos, entre outros ingredientes.
A tal Aliança era, em suma, uma resposta tosca dos americanos à Revolução Cubana. Uma tentativa de atrair as simpatias dos latino-americanos que, naqueles anos, se dirigiam para os barbudos revolucionários do Caribe. Era o sorriso nos lábios, logo seguido do porrete para os que teimavam em não aceitar a divisão de “um leitinho para você, uma base militar para mim”.
Depois do leite, vieram os golpes de estado patrocinados pelo Tio Sam, decerto usando das “sobras” do gigantesco orçamento da Aliança para o Progresso.
No mesmo ano da criação da Aliança para o Progresso, outro órgão, dominado pelos americanos, mudava de nome. A OECE (criada no contexto do Plano Marshall)  passava a se chamar OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto a Aliança tentava mudar nossos hábitos alimentares, a OCDE nascia para traçar os rumos da economia de mercado ameaçada pelo comunismo de Fidel e pelos governos progressistas que, em todo o mundo, tendiam para outros caminhos.
Hoje, a OCDE tem 34 membros. São, quase todos, países ricos exportadores de tecnologia e produtos de alto valor agregado. É uma instituição do mercado, para o mercado, pelo mercado. Seu objetivo é desenvolver o mercado, cooperar pelo mercado, pelos interesses de seus membros enquanto mercados. Sua preocupação nunca foi a educação, pelo menos no sentido mais amplo.
No entanto, a OCDE faz testes em jovens de todo o mundo para testar sua capacidade. Capacidade para quê? Ora, para suprir de mão de obra o mercado. No último desses testes, cujo resultado provocou reportagens em todos os meios de desinformação do país, nossos jovens tiveram fraco desempenho. Nossos meninos de 15 anos não souberam resolver questões práticas como marcar lugares de convidados numa mesa respeitando uma certa ordem ou comprar passagens de trem mais baratas usando uma máquina de auto atendimento.
Ora bolas, um menino dessa idade não organiza jantares, nem pode viajar sozinho. Um menino dessa idade deve aprender a manejar conceitos, tirar conclusões de fatos, escrever corretamente e namorar. Mas não é isso o que espera o mercado dos jovens de 15 anos. A OCDE está pouco se lixando para a felicidade dos meninos. A OCDE os quer práticos, diligentes, produtivos e prontos para o mercado de trabalho. Engravatados e competitivos.
Muito embora a OCDE nunca tenha se notabilizado por nenhuma iniciativa no campo educacional, nossa imprensa deu um enorme peso ao teste aplicado pela instituição em mais de 80 mil jovens em 44 países. Nas TVs vimos as Leilanes Neubarch  da vida, fazendo carinha de inveja pelos altos índices de aproveitamento dos orientais, estes sim, prontinhos para o mercado de trabalho nos padrões da OCDE.

Nossa educação tem sérios e profundos problemas. Não há como negar, mas não é a OCDE e seu teste imbecilizante que devem servir de parâmetro para o questionamento que devemos fazer sobre o que devem aprender nossos meninos.