quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Greve de caminhoneiros



Estava em curso uma greve de caminhoneiros que começou em Santa Catarina e já se alastrava pelo país. O governo tenta costurar um acordo com os grevistas, mas acho que o buraco é mais embaixo. Afinal, uma greve que deveria ser dirigida contra os patrões, que ficam com a parte do leão nos fretes, deixando a cargo dos motoristas os pedágios e o diesel, era dirigida contra o governo.
Toda vez que escuto falar em greve de caminhoneiros lembro-me do Chile de Allende. Lá, devido à configuração geográfica do país, foi fácil paralisar as estradas e provocar o desabastecimento nas cidades. Com isso, muitos setores da sociedade chilena que se mantinham em posição de neutralidade com relação ao governo socialista passaram a engrossar as fileiras dos golpistas. Deu no que deu: uma das ditaduras mais sangrentas da história do continente.
Na Venezuela, Maduro, por quem não ponho a mão no fogo, vem sendo fritado menos por seus erros do que pelos acertos de Chaves. Lá também é o desabastecimento que alimenta o ódio daqueles que sempre odiaram a Revolução Bolivariana e descontenta àqueles que a apoiavam.

Não sei se é manipulação dos meios de comunicação de direita, mas quase todas as fotos dos caminhoneiros grevistas que vi, mostravam cartazes com os dizeres “fora Dilma”. Ora, não são os desacertos da economia nem a política de austeridade imposta pelo ministro conservador que a comanda que podem servir de motivo para tão obtusa palavra de ordem. Quem quer o PT fora do governo terá a oportunidade de tirá-lo de lá  em 2018. Ou é assim ou é golpe.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Juvenis



Marco Antônio Cabral é filho do ex-governador do Estado do Rio, Sérgio Cabral Filho, tem 23 anos e é formado em direito pela PUC-RJ. No Natal passado ele pediu pra Papai Noel uma secretaria e o bom velhinho deu-lhe a de Esporte e Lazer.
Apesar de seu coeficiente de rendimento na faculdade de direito não ter sido lá grande coisa (5,6), Cabralzinho foi um bom menino e vai poder desfrutar de seu novo brinquedo justamente no ano em que a capital de seu estado sediará a Olimpíada.
Logo nos primeiros dias de sua gestão como secretário o Pequeno Cabral foi fazer uma visita à CBF. Foi recebido pelos tios Marin e Del Nero e recebeu de presente uma camisa autografada da seleção e como se portou direitinho pode conhecer pessoalmente o tio Dunga, seu ídolo de infância. Cabralzinho disse ser seu admirador como jogador e como técnico. Muito educadinho o menino, benza Deus!
Precoce como o quê, O pequeno Cabral já foi assessor especial do prefeito do Rio,Eduardo Paes, para fiscalizar grandes obras e é vice-presidente do PMDB fluminense. Apesar de sua curta carreira profissional, o filho de Sérgio Cabral Filho declarou para a Justiça Eleitoral, por ocasião de sua candidatura a deputado federal, um patrimônio de 360 mil reais.
 Mas o Pequeno Cabral não é o único juvenil escalado no time de cima por seu partido, o PMDB.
Hugo Motta, de família de políticos da Paraíba (pai, avô paterno e avó materna  foram prefeitos de Patos e seu avô materno foi deputado estadual por cinco mandatos e federal por dois), foi indicado para presidir a CPMI da Petrobrás. Com 25 anos, Motta está em seu segundo mandato como deputado federal. Formado em medicina, Motta foi o deputado mais jovem a integrar a Câmara Federal aos 21 anos e é presidente da juventude do PMDB da Paraíba desde 2011.
Entre os dois pimpolhos há outras coisas em comum além da pouca idade e dos cargos na burocracia partidária. Motta foi indicado para presidir a CPMI da Petrobrás pelo líder do PMDB na Câmara, deputado Leonardo Picciani com quem o Pequeno Cabral divide um processo na Justiça Eleitoral por captação e gastos ilícitos de recursos de campanha. Além dos dois, figura na denúncia o deputado estadual Rafael Picciani que, assim como Cabralzinho, é secretário do governador Pezão (Habitação) e irmão de Leonardo Picciani (ex-secretário de Sérgio Cabral Filho).

Ambos formados, os dois jovens políticos certamente não exercerão as profissões para as quais estudaram. Encaminhadinhos na política não lhes sobrará tempo. 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Lewandowski e o trabalho escravo



Houve um dia no julgamento da ação penal 470  no qual o ministro Ricardo Lewandowski foi admoestado pelo então presidente da Corte, ministro Ayres Brito. O motivo: Lewandowski começara a ler os depoimentos das testemunhas de defesa de José Dirceu.
Os depoimentos que lia o ministro nada tinham de substancial. As testemunhas arroladas pela defesa falavam da boa pessoa que era Dirceu, de sua luta contra a ditadura, de seu espírito desprendido de defensor das causas populares e da democracia. Que era bom pai, bom marido e bom filho. Nada aportavam esses depoimentos de amigos e companheiros e haviam sido introduzidos apenas para tornar a leitura dos autos ainda mais enfadonha para os julgadores. Manobra de advogados de causas perdidas.
Lá pelas tantas, quando Ricardo Lewandowski se preparava para começar a leitura do 5º ou 6º depoimento, Ayres Brito apelou para que o ministro desse por finda a tarefa e disse-lhe que nos autos havia centenas de depoimentos como aqueles que em nada aclaravam sobre o processo ou sobre os réus. Se todos fossem lidos em plenário o julgamento se arrastaria inutilmente. Muito a contragosto Lewandowski encerrou a leitura não sem antes fazer um muxoxo como quem se sentisse tolhido em suas prerrogativas. Fosse Joaquim Barbosa presidente naquele dia certamente teria chamado de chicana a intervenção de Lewandowski. Isso ele fez tempos depois e por motivo semelhante, o que provocou que Lewandowski exigisse dele desculpas. Como Barbosa não se desculpou o ministro ofendido retirou-se do plenário com grande esvoaçar da toga.
Naqueles dias, Lewandowski tornou-se herói dos petistas que viam no julgamento da ação penal 470 nada mais que uma perseguição ao PT. Lewandowski esteve em rota de colisão com Barbosa e a maioria do plenário em todo o julgamento.
Há exatos dois meses (durante o recesso do judiciário), Lewandowski concedeu liminar que impede que seja publicada a "lista suja do trabalho escravo" que é mantida pelo Ministério do Trabalho e Emprego e que servia de parâmetro para o BNDES, a Caixa Econômica e bancos privados na concessão de empréstimos e financiamentos visando proteger seus interesses.
O atual presidente do STF aceitou um pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade feito  pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias para a concessão da liminar.
Ainda que se trate apenas de uma liminar fica patente que o ministro presidente crê que possa haver algum sinal de inconstitucionalidade em publicar os nomes de quem utiliza trabalho escravo.
Para um cidadão que deixa de pagar um empréstimo bancário, a escola do filho ou a prestação da geladeira há o SPC e o Serasa que são listas negras disponíveis para a rede bancária e para o comércio. Será a inadimplência algo mais grave que a escravidão?  Publicar o nome de quem se utiliza de trabalho escravo é mais inconstitucional do que se utilizar de trabalho escravo?

Eu que não entendo de direito constitucional nem de porra nenhuma, fiquei perplexo com a atitude do ministro Lewandowski.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Ministro ou despachante?



O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, encontrou-se com advogados de empresários investigados pela operação Lava-jato. Se fosse um encontro público, às claras, já seria algo estranho. Por qual motivo os advogados buscariam o ministro Cardozo?  O fato noticiado pela revista Veja e confirmado em parte pelo ministro gerou enorme repercussão. A oposição quer ouvir do ministro explicações sobre o encontro e o ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa pediu sua demissão.
Acontece que o encontro não foi às claras como querem fazer crer os defensores do governo e do ministro. O encontro não aparece na agenda oficial de Cardoso. Problemas técnicos no sistema de informática do Ministério da Justiça seriam responsáveis pela falha. Parece até que o Ministério da Justiça usa meu computador para divulgar a agenda do titular da pasta.
Um papo desses de falha no sistema não cola. A agenda era omissa quanto aos encontros porque esses encontros não fazem nenhum sentido numa democracia. Não que sejam ilegais, mas não fazem sentido. O encontro e o fato de não constar na agenda oficial do ministro fez subir a poeira das suspeitas.
Segundo nota do Ministério da Justiça Cardozo teria recebido apenas os advogados da Odenbrecht no dia 5 de fevereiro (a reportagem de Veja conta que advogados de duas empreiteiras participaram do encontro) e ouviu destes que haveria duas eventuais irregularidades “sem nenhuma pertinência com quaisquer decisões judiciais tomadas no caso” que exigiriam providências do Ministério da Justiça. Ainda segundo a nota, o ministro orientou os advogados a protocolarem representação  que se encontra em tramitação no ministério.  Caso não haja falha no sistema de informática e seja tornada pública a representação saberemos que irregularidades são essas que só poderiam ser sanadas pelo ministro.
A defesa do ministro Cardozo feita pela imprensa chapa-branca é uma dessas peças de comédia bufa que só os desesperados e os pouco transparentes interpretam. Insistem que é normal, comum, corriqueiro que o chefe da Polícia Federal receba advogados de pessoas que estão sendo investigadas por seus subalternos. E não estamos falando de qualquer investigado e sim de grandes doadores de campanhas eleitorais e detentores de contratos bilionários com o governo.  Gente que sabe o que nós cidadãos e eleitores nem desconfiamos. Gente que pode dizer nomes, datas, endereços, número de contas. Gente que possui bilhões de qualquer moeda que se fale.
Não, não é comum que o ministro da Justiça receba advogados ainda que o Estatuto da Advocacia preconize tal coisa. Não fora por outro motivo, há o fato do ministro da Justiça ser também o chefe da Polícia Federal. Principalmente nesse caso específico, em que o partido do ministro está envolvido até o pescoço, parece, no mínimo, imprudente que alguém nessa dupla função receba advogados dos presos bilionários.


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Perguntem às moças



Uma vez, perguntaram a uma grande atriz americana que era negra, se ela não se sentia menosprezada ao ter sempre de interpretar empregadas domésticas nos filmes. A atriz (cujo nome esqueci totalmente e não vou procurar no Google) respondeu que era bem melhor interpretar empregadas domésticas do que ser uma. Quem fez a pergunta certamente estava cheio de boas intenções, certamente estava defendendo que se dessem papéis importantes para atrizes negras, mas nem de longe conhecia a vida das mulheres negras naqueles tempos.
Para diminuir um pouco a imprecisão do que vou relatando, digo que isso se passou ainda na época da segregação racial nos EE.UU e os empregos para mulheres negras não passavam dos serviços domésticos. Agregue-se que a remuneração era baixíssima e a competição acirrada. A arte era uma opção.
Hoje, também há quem se preocupe com a condição de vida das mulheres (especialmente das mulheres negras). Há sempre alguém escrevendo sobre a exploração do corpo feminino. Na publicidade, nos desfiles das escolas, nas chamadas das TVs, em toda parte mulheres gostosas exibem seus corpos para vender algo. No carnaval o assunto ganha mais espaço.
Juntam-se a esses preocupados com a exploração dos corpos femininos, os moralistas cuja preocupação é com o corpo em si, notadamente o corpo nu ou seminu. Estes últimos afirmam que as mulatas nas escolas de samba e na publicidade mostrando suas formas exuberantes promovem o turismo sexual e degradam a imagem da mulher brasileira. Nunca ouvi essa gente dizendo que os biquinis de Ipanema promovem o turismo sexual nem que o top less, largamente praticado na Europa, degrada a imagem de ninguém.
Quanto às mulatas das escolas e da publicidade sensual gostaria de ouvir sua opinião sobre a exploração de seus corpos assim como a opinião das meninas de Ipanema sobre seus diminutos e deliciosos biquínis.  
De umas creio que ouviríamos que é melhor vender o corpo na publicidade do que numa caixa de supermercado ou numa central de telemarketing. De outras acho que posso escutar o zumbido de uma resposta desaforada bem ao estilo “o quê que você tem a ver com isso?”. De ambas creio que ouviríamos que cada um manifesta sua sexualidade como bem entende (enquanto o Eduardo Cunha não se mete) e que o exibicionismo é uma dessas manifestações.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Os documentários e o documento


               A estória é velha, mas como eu também sou posso contá-la. É sobre um documentário. Acho que foi o primeiro documentário realizado. Bem, não tenho certeza se foi o primeiro mesmo, mas digamos que é um documentário antigo pra burro. Retratava a vida dos Inuit ou esquimós, como costumávamos dizer. Mostrava um caçador e sua família.
               Mesmo tendo sido filmado naquelas lonjuras e contado com o relato de alguém desconhecido, logo se soube que o caçador não tinha o sonoro nome com que era apresentado. Tampouco o homem caçava com lanças como mostrou o filme e sim com uma arma de fogo. Sequer o iglu era o seu, tampouco a mulher e o resto da família.
               Questionado sobre a tremenda manipulação, o realizador do filme argumentou que era papel do documentarista alterar a realidade para melhor mostrá-la. Não sei se os contemporâneos do cineasta picareta aceitaram tão descarado caô, mas o caso é que o homem fez escola.
               Há poucos anos, o candidato derrotado nas eleições americanas, Al Gore, lançou uma fita catastrofista sobre o aquecimento global. Segundo li, os números apresentados no documentário de Gore não eram subscritos por nenhum cientista sério, nenhum pesquisador idôneo, nenhuma fonte crível. Ainda assim fez grande sucesso.
                Mas esses exemplos são uma pálida amostra do que vem sendo produzido por documentaristas nos dias de hoje.
               Não faz muito tempo, eu assistia o canal National Geografic ou o Discovery, sei lá, e me deparei com uma série intitulada “Os segredos do Reich”. O documentário falava sobre o vôo secreto que Rudolph Hess realizou desde a Alemanha até a Inglaterra para se encontrar com membros da realeza britânica simpatizantes do nazismo. O fato é conhecido. O Duque de Windsor seria o hospedeiro de Hess na ilha.
               O filme, que traz uma série de informações totalmente irrelevantes sobre os aspectos técnicos do vôo, esforça-se para negar que o duque e outros membros da realeza tivessem  qualquer coisa com Hess ou que fossem simpatizantes do nazismo, e que Hess fizera uma aventura tresloucada e sem sentido. Ora, Hess era o segundo homem do reich e mesmo que tenha se aventurado sem o conhecimento do Fuhrer, não o fez sem alguma certeza. Deu azar, foi pego por uns camponeses tão logo pousou. Passou a guerra e o resto de sua vida numa prisão inglesa e não sei se alguém tentou entrevistá-lo para saber de sua versão dos fatos e... produzir um filme documental.
               Não é o único documentário exibido nos canais “culturais” americanos que torcem os fatos para melhor acomodá-los aos interesses de hoje.
               Antes, esse papel de distorcer e manipular era desempenhado pela ficção de Hollywood. (Há muitos americanos que acreditam que os EE.UU venceram a guerra do Vietnam graças as peripécias de Rambo mostradas nas telas).  Agora são os documentaristas a soldo que nos querem levar ao erro, ao equívoco.
               Na TV francesa, já faz uns anos, vi um desses documentários equívocos. Tratava o filme de não sei que tema, mas dizia que talvez, pode ser, quem sabe, a sífilis não fora levada para a Europa por navegantes que aportaram no novo mundo.
               Não é preciso ser historiador nem antropólogo para se chegar a essa conclusão. Caso fosse uma doença originária daqui, ao chegarem os europeus teriam encontrado um número enorme de enfermos com os sinais da doença e de certo haveria relatos sobre chagas nos genitais, manchas, ínguas e outras manifestações facilmente verificáveis em quem anda nu. Ao contrário disso, Pero Vaz de Caminha contou assim das bucetinhas das índias: “Ali andavam entre eles três ou quatro moças, muito novas e muito gentis, com cabelos muito pretos e compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos não tínhamos vergonha nenhuma”.  E disse mais o arguto missivista: “E uma daquelas moças era toda tingida debaixo* a cima*, daquela tintura: e certamente era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha _ que ela não tinha_ tão graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhes tais feições, provocaria vergonha, por não terem as suas como as dela”.  
               Caminha, como se nota por seu relato, olhou com atenção, com muita atenção, e nada viu que provocasse estranheza, asco ou repulsa. Só viu a beleza das bucetinhas.
               A carta de Caminha, sim, é documento.




*Essa grafia é do Caminha, não minha.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

A solução privatista: venda-se o sofá



Quando morei na Argentina estava no fim o governo de Raul Alfonsin. Era uma época de caos. Inflação, levantes militares, recessão econômica e escândalos de corrupção faziam parte do cotidiano. Dizia-se que 1000 empresas fechavam suas portas a cada mês e que os trens urbanos davam um prejuízo diário de 1 milhão de dólares.
A questão dos trens me parecia óbvia: era o sistema de cobrança das passagens. Diferentemente dos trens cariocas que eu conhecia, a venda de bilhetes nos trens argentinos era feita num guichê já dentro da gare . Um cobrador ia de passageiro em passageiro perfurando os bilhetes dos que já haviam pagado e cobrando os distraídos. Além do mais, os preços variavam de acordo com o trajeto percorrido. Pouca gente pagava e quem pagava comprava o bilhete mínimo. Os jovens e os muito duros trocavam de vagão a cada estação para evitar o cobrador e sua maquininha de perfurar bilhetes.
Nelson Rodrigues já disse que só os santos e os sábios vêem o óbvio, e eu não possuo santidade nem sabedoria. O que me parecia óbvio era apenas o disfarce, o engodo, a ineficiência planejada. O que estava por trás do prejuízo de 1 milhão de dólares era a sanha privatista que por aqueles dias entusiasmava os incautos e os simplistas. Tanto era assim que ao regressar ao Brasil, em 1990 comecei a ler na imprensa daqui que os trens cariocas davam um prejuízo de 1 milhão de dólares, diariamente. Pois é, a mesma quantia, uma coincidência dos diabos.
 Naqueles tempos 1 milhão de dólares era algo que assustava. A quantia redonda e em moeda estrangeira fugindo dos cofres públicos diariamente, fazia a opinião pública pender para as teses privatistas. Havia que se estancar a hemorragia e a iniciativa privada estava aí para contribuir com o progresso do país. Com um pequeno, modesto lucro, é claro.
 Lá e cá os trens foram privatizados. As passagens, que eram baratas, se tornaram tão caras quanto as dos ônibus e dos metrôs e os acidentes começaram a acontecer tanto lá como cá. Acidentes de vulto, com mortos e feridos. Numa única estação de Buenos Aires houve dois acidentes com vítimas fatais e aqui ficou comum vermos nas reportagens da TV passageiros caminhando sobre as vias depois de mais um acidente ou pane no sistema.
A propalada ineficiência do serviço público foi o mote para a entrega de empresas lucrativas e consolidadas ao capital privado. Não se procurou melhorar o desempenho dos administradores, não se cogitou qualificar quadros, não se pensou em um “choque de gestão”. Fizeram o que fez aquele marido que ao chegar em casa encontra sua mulher e seu melhor amigo no sofá da sala em colóquio de amor, como diz o samba de Moreira da Silva. E o que fez o marido traído? Botou na rua a adúltera? Quebrou a cara do Ricardão? Não, o homem vendeu o sofá.

Com o escândalo da Petrobrás e sua repercussão poucos serão os que proporão o saneamento da empresa, a valorização de seus funcionários de carreira, a ocupação dos cargos de segundo e terceiro escalão por técnicos gabaritados, a transparência de seus contratos. Vão querer vender o sofá.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Roubalheira e golpe



Em muitos aspectos o caso da roubalheira na Petrobrás repete o mensalão. A imprensa de direita filtra notícias e depoimentos sobre o caso, a imprensa ligada ao governo ignora os fatos e tenta fazer crer que tudo não passa de um complô da imprensa de direita e dos interessados em destruir a Petrobrás.
Ora, qualquer um sabe (ou deveria saber) que nossos jornalões e as redes de TV e rádio tem interesses escusos a defender e o fazem manipulando as informações de modo a tornar o governo atual odioso para a população. Mas como fazem isso? Inventando escândalos? Forjando confissões de corruptos? Não. A imprensa de direita não precisa se esforçar tanto. Os fatos estão aí, basta colhê-los e filtrá-los segundo as conveniências.
Mas, há complô? Claro que há. A simples menção de impeachment já é sintoma de complô, de tentativa de golpe. Não há o que estranhar. Temos uma imprensa monopolista e oligárquica, temos uma oposição de direita que pode dar lições de roubalheira aos neófitos petistas, temos um partido no poder incapaz de fazer autocrítica e expurgar os quadros envolvidos em corrupção. O que há para estranhar?
Tal como no caso do mensalão os petistas menos críticos apelam para recursos que antes só eram usados por advogados. Falam sobre a ilegalidade de grampos ou da violação do direito de algum figurão detido pela Polícia Federal. Falar da inocência dos caras já seria demasiado e os petistas estão escaldados. Ficam nas chicanas dos rábulas e tentam desacreditar o poder judiciário e o depoimento de envolvidos quando estes apontam figuras do PT como beneficiários do esquema corrupto.
Todos sabem (ou deveriam saber) que o judiciário brasileiro não é nenhuma flor de isenção. Julga quem lhe apetece julgar e arquiva o que lhe mandam arquivar. Mas o judiciário arranca confissões sob tortura? Nega o direito de defesa? Não. As confissões, tanto no caso do mensalão como agora, no escândalo da Petrobrás, são feitas de livre e espontânea vontade por membros das quadrilhas na esperança de reduções de pena e outros benefícios.
Muitos petistas continuam surpresos com a parcialidade do judiciário (que só julga o que quer) e pela coloração partidária (sempre tendendo para o marrom) da imprensa. O que deveria causar espanto, perplexidade e revolta é como muitos quadros do PT se deixaram levar pelas facilidades de financiar-se e financiar o partido a custa do dinheiro público, pois para cada propina milionária há um superfaturamentto.

Desde sua criação a Petrobrás tem sido alvo do ódio daqueles que gostariam de doá-la ao capital estrangeiro. Vários esforços foram feitos em diversas gestões para destruí-la, mas nunca foi tão fácil desmoralizar a empresa como agora. Nem em sonhos os inimigos da Petrobrás poderiam imaginar um cenário tão propício ao discurso privatista. 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Fumantes, cachorros e crianças



Outro dia apareceu na minha página do Facebook uma postagem que dizia que praia não é cinzeiro. Claro, a postagem fazia parte da campanha persecutória contra os fumantes. Ser fumante hoje em dia não está fácil. O poder público, entidades médicas e chatos em geral deram de escolher os tabagistas como seu bode expiatório, seu Judas favorito. Querem fazer crer que eliminando os fumantes o mundo se salvará.
Ora, uma guimba atirada na praia não é nada, não significa nada em termos de poluição e causa muito menos impacto ambiental que os automóveis dos anti-tabagistas, que seus computadores, seus telefones celulares, sua bílis.
Numa outra postagem que li uma senhora fazia campanha para termos em nossa cidade uma praia exclusiva para cachorros. Pois é, uma praia para cachorros. Não uma praia para fumantes e sim para cachorros. Alegava a senhora que os cachorros também são moradores da cidade e merecem seu espaço de lazer. Talvez devesse também argumentar que cachorros não fumam e se cagam não há problema, o coco é biodegradável. Quem não gosta de cachorros ou sente medo quando os vê soltos por aí, sem boçal e sem coleira que se dane.
Não faz muito tempo houve quem exigisse que na praça central da cidade houvesse um espaço para cães. Os brinquedos das crianças estavam em petição de miséria, mas nossos cidadãos de bem não se pronunciavam sobre isso. Queriam porque queriam dividir a praça entre os pequenos e os cachorros.
Em outra dessas postagens dos defensores do banho de mar canino havia a foto de um cachorro tendo entre os dentes uma placa que proíbe os animais nas praias. Encimando a foto, a frase “a revolução começou”. Os dizeres, é claro, estavam em inglês. Esse também quer a beach dog e fará a primavera canina para consegui-la.
Não tenho dúvida de que minha vida de fumante vale muito menos que a de qualquer pit bull de playboy ou poodle de madame nos dias de hoje. E não só a minha.
Enquanto comemoramos a vigência da Lei Maria da Penha, outra lei, tão civilizatória e tão necessária quanto, sofre toda espécie de pressão para que não seja sequer votada no parlamento. Trata-se da lei que pune os abusos físicos e psicológicos impostos às crianças.
A lei já foi grosseiramente apelidada de “lei da palmada” e por muitas vezes a bancada evangélica se retirou da comissão onde era discutida para não dar quorum para votação de emendas e proposições. Até mesmo a marcação de outras reuniões foi impedida pelos defensores da família patriarcal e violenta, a família bíblica.
Semana passada, Sua Santidade, o Papa Francisco, pronunciou-se em favor dos castigos físicos para as crianças. A fala do Papa e o exemplo que citou para ilustrar sua tese são aberrações, mas nas redes sociais e nas caixas de comentários dos sítios informativos pudemos ler que todos concordam com o Papa. Principalmente as mulheres que não desejam ser maltratadas por seus maridos, mas querem seguir maltratando crianças que são ainda mais indefesas que as próprias mulheres.

Por outro lado, uma lei que pune maus tratos aos animais entrou em vigor. Também é lei civilizatória e necessária. A lei foi comemorada e amplamente divulgada pelos defensores dos animais e justiceiros em geral. Não virou motivo de chacota nem serviu para que masoquistas contassem no Facebook suas histórias de surras amorosas e espancamentos educativos.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

O Papa e os guarda-chuvas



O Papa Francisco andou falando umas coisas meio vagas sobre pobreza e capitalismo. Nada que já não tenha sido dito por pontífices que o antecederam e outros líderes religiosos O palavreado vazio de Francisco parece coisa de político em campanha e tem o mesmo dom de iludir o eleitorado.
 Bastaram algumas palavras, vagas e imprecisas, para que Francisco fosse novamente citado como o Papa dos pobres. Alguns mais afoitos o chamaram de comunista. O que foi rebatido imediatamente por Sua Santidade e pelo Vaticano. Como se precisasse.
O que Francisco tenta é salvar sua igreja e conter a debandada de fiéis que migram para as seitas neo-pentecostais e outros negócios de fé. O número de fiéis é o que dá prestígio e determina a influência das religiões sobre as nações. Cada fiel, um voto.
Mas ninguém pode dizer que o Papa apenas falou e nada fez com relação aos despossuídos.
Para aproveitar a ocasião e manter a popularidade, Francisco mandou distribuir 300 guarda-chuvas para os sem teto de Roma. (Tem chovido muito na capital italiana.) Mas a igreja romana não precisou recorrer aos cofres, já tão comprometidos com honorários advocatícios e indenizações para ex-coroinhas e outros meninos, para a compra dos tais guarda-chuvas. O Papa dos pobres distribui guarda-chuvas que haviam sido esquecidos por turistas no Vaticano. Haverá quem diga que a providência divina tem caminhos misteriosos.
Nas redes sociais a doação dos guarda-chuvas fez enorme sucesso. Ninguém parece ter visto nada de ridículo ou demagógico na doação. Todos viram na doação da coisa alheia mais uma prova da santidade de Francisco.
 Mas, mais que as ações são as palavras do Papa que fazem sucesso. Mesmo quando fala asneiras o Papa faz sucesso.
Em recente viagem às Filipinas, o Sumo Pontífice disse que os católicos devem deixar de se reproduzir como coelhos. Não tenho idéia se os católicos filipinos se reproduzem como coelhos, o que sei é que populações de países extremamente católicos, como Portugal, têm decrescido e o número de filhos por casal caiu muito no Brasil, o maior (ainda) país católico do mundo. Isso se dá, creio, porque os católicos há muito tempo que não ligam para as proibições da igreja de Roma. Nessa mesma fala Francisco reiterou a posição contrária do Vaticano ao uso de métodos contraceptivos artificiais. O Papa quer mesmo é abstinência.
Mas o pronunciamento de Francisco que mais sucesso fez foi o da semana passada. O Papa defendeu o uso da pancada na educação dos pequenos. Francisco, o Papa bom pra caralho, disse com todas as letras que se deve bater em crianças. Foi a apoteose. Nas redes sociais e nas caixas de comentários dos sítios informativos, homens, mulheres, jovens e mesmo crianças foram unânimes em apoiar os castigos físicos em quem não pode se defender.
 Entre os católicos são poucos os que pretendem abster-se de suas relações sexuais ou deixar de usar meios contraceptivos. Tampouco esses fiéis deixarão de amealhar riquezas e exibi-las no instagram e no facebook, mas quanto às pancadas, Sua Santidade pode contar com obediência plena.


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Anacronismos e contradições

Sempre acho alguma coisa interessante. As redes sociais não são apenas fotos de bichinhos fofos e frases de auto-ajuda atribuídas à Clarisse Lispector.
Desta vez encontrei umas fotos antigas de pessoas comuns em situações pouco comuns. As fotos digitalizadas pareciam ter sido tiradas ontem. Numa delas, uma mulher, que a legenda nos diz ser Kathrine Switzer, é segura por alguns homens. Kathrine tem roupas de corrida e um número no peito. É uma maratonista. Os homens que tentam contê-la também têm números no peito e usam calções. A legenda informa que são organizadores da prova, mas claramente são competidores. E por que tentam conter a colega maratonista? Porque naquela maratona ocorrida em Boston em 1967 não era permitida a participação de mulheres. A legenda não explica como a corredora conseguiu o número de inscrição que levava no peito, mas conta que Kathrine resistiu aos que tentaram impedi-la e terminou a prova.
Pois é, em 1967 em Boston, na Nova Inglaterra, nos EE.UU mulheres não podiam participar de uma maratona.
Doze anos antes de Kathrine ser fotografada rompendo a regra machista da maratona de Boston, Rosa Parks fazia história ao se recusar a ceder seu lugar no ônibus para um homem branco. Rosa foi presa e autuada por questionar a lei racista que impunha a segregação.
Historicamente falando, esses são fatos recentes, embora sejam do século passado.
Fico pensando que dois anos depois da atleta ter enfrentado outros corredores para disputar uma simples prova de rua, o homem pisou na lua e que foi por esses idos que Portugal intensificou a repressão nas “suas colônias” d’alem mar. A guerra do Vietnam era mostrada pela TV e se ouvia a voz de Mirian Makeba combatendo com canções o apartheid.
           Também me vem à mente que dez anos antes de Rosa Parks ter-se revoltado contra a lei segregacionista, os americanos estavam lutando na Europa contra o regime racista de Hitler e que em suas tropas havia batalhões só de negros comandados, é claro, por oficiais brancos.
A foto de Kathrine Switzer, me fez lembrar também de coisas mais recentes como o caso das duas mulheres que foram presas na Arábia Saudita por dirigirem automóveis e pelo crime serão julgadas num tribunal de exceção. Um tribunal instituído para julgar terroristas. Quarenta e oito anos depois da maratona de Boston.


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Comunistas por toda parte



Um radical moderado. É assim que a edição digital do “Público” de Portugal qualifica o novo ministro das finanças da Grécia, Yanis Varoufakis.  Confesso que fiquei confuso. Se alguém me dissesse que Fulano é um moderado radical eu entenderia a excentricidade do sujeito. Seria alguém assim como o Ziraldo que certa vez se definiu como um radical de centro.
Mas agora o jornal português deu de chamar o grego de radical moderado e me desconcertou. Fico pensando até que ponto um radical pode ser moderado antes de deixar de ser um radical.
Embora a palavra radical venha entre aspas num dos parágrafos do texto do jornal português, o certo é que para os dias interessantes que vivemos e para a imprensa que tão bem os retrata, qualquer pensamento que fuja uns centímetros do que apregoam os inteligentes do mercado é tido como disparate, radicalismo, extremismo.  Aliás, é assim que o sítio eletrônico da BBC define a posição política do Syriza: extrema-esquerda.
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Antes me parecia engraçado que Jane Fonda fosse tratada nos EE.UU como uma esquerdista radical. Nem o fato de ter ganhado rios de dinheiro com seus vídeos de ginástica ou seu casamento com o milionário das comunicações, Ted Turner, tirou da cabeça dos americanos que Jane Fonda é uma comunista.
Pouco antes do pleito que acabou por levar Barak Obama à Casa Branca, circulou nas redes sociais uma fotomontagem que colocava o havaiano ao lado de Jane Hanói, que é como a direita americana chama a atriz. Associá-lo a Jane Fonda era pôr uma tarja de comunista no então candidato democrata. A reforma do sistema de saúde proposta por Obama veio corroborar, para o americano médio, a tese de que estava diante de um agente vermelho.
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O anticomunismo, boçal e paranóico, também anda fazendo sucesso no Brasil. Há quem insista em ver nos governos do PT um esquerdismo que jamais houve. Desde a “Carta aos Brasileiros” do candidato Lula (que segundo nos conta Antônio Palocci em seu livro “Sobre formigas e cigarras”, foi redigida por ele, Palocci, e João Roberto Marinho, filho de Roberto Marinho)  até o novo ministério de Dilma, nunca houve qualquer esquerdismo nos governos do PT, pelo contrário.
Os bancos, o latifúndio, as empreiteiras e a grande indústria nunca lucraram tanto como nos anos de governança do PT. O baixo nível de desemprego deu-se em função da pujança dos negócios. Ainda assim há gente que vá pra rua marchar contra a cubanização do Brasil. Claro, com Lobão à frente.
Colunistas e palpiteiros em geral vivem comparando a situação do país com a da Venezuela e vendo comunistas por toda parte. Não há fato, por mais gritante que seja, que demova os neo-golpistas de sua inabalável convicção de que estamos prestes a sucumbir numa ditadura comunista.
Agora, com a nomeação de uma equipe econômica que bem poderia fazer parte do governo de Collor, FHC ou do General Geisel, a argumentação da direita mais botinuda, que nunca fez qualquer sentido, fica parecendo coisa de hospício, mas nas redes sociais e na voz de gente como Reynaldo Azevedo e Rodrigo Constantino o discurso anticomunista continua vigente.