sexta-feira, 19 de junho de 2015

Saudade da direita que pensava



Nelson Rodrigues era um homem conservador, um reacionário segundo ele próprio. Sem embargo, cultivou amigos e admiradores entre o pessoal da esquerda. Sua obra falava por ele. Seu filho, Nelson Rodrigues Filho, nos conta que quando o velho Nelson ia visitá-lo na prisão formava-se uma roda de presos políticos para conversar com o escritor mais censurado do Brasil. Fazia-se uma festa.
Admirador de Kennedy e De Gaulle, Nelson Rodrigues adorava espicaçar Dom Hélder Câmara e todos os padres progressistas. Chamava-os de padrecos de passeata e dizia que qualquer dia um daqueles padres iria rezar uma missa na praia vestindo sunga e chupando um Chicabon. Para os amigos da esquerda, no entanto Nelson guardava delicadezas e tratava Antônio Callado, por exemplo, como “meu doce radical”.
Nelson era genial.
Tirante, é claro, os botinudos da ditadura, havia também entre os conservadores respeito por figuras ilustres da esquerda. Talvez o Brasil civil ainda cultivasse a cordialidade ou, pelo menos, a lucidez.
Hoje, se é que ainda existem conservadores lúcidos, estes devem estar escondidos no mais recôndito anonimato. Não é para menos, afinal nesses dias interessantes que vivemos quem tenta dar voz aos reclames da direita mata qualquer um de vergonha. De Bolsonaro a Lobão passando por Shehrazade, Olavo de Carvalho e Kim Kataguiri, o que se vê e se escuta é a mais espessa boçalidade. Boçalidade contagiante.
Depois de afirmar que o apoio de Chico Buarque à Presidenta Dilma é interesseiro, essa direita de estrebaria agora deu de atacar Jô Soares. O motivo: uma entrevista feita pelo Gordo com a Presidenta.
Entrevistar com exclusividade o dirigente máximo de qualquer nação é algo que nenhum jornalista desprezaria. Jô, que comanda um programa de cunho jornalístico, conseguiu a entrevista. Talvez o que tenha desagradado aos relinchantes é que Jô tenha entrevistado Dilma com a cortesia e o respeito que deve merecer quem está no poder ungido pelo voto livre, democrático e universal.

No Brasil atual, quando gente como Aécio Neves é alçado à categoria de liderança política, quem não relincha recebe coices.

sábado, 6 de junho de 2015

O ovo



Esta semana veio à luz o maior escândalo do futebol de todos os tempos. O que muitos sabiam e todos desconfiavam agora é mostrado sob a lupa dos investigadores do FBI.  Esquemas foram destrinchados, foi dado nome aos bois. Dirigentes foram presos (entre eles José Maria Marin, o homem que apontava comunistas nos tempos da ditadura) e o poderoso chefão da FIFA renunciou ao mandato poucos dias depois de reeleito.
O escândalo de alcance mundial ganhou manchetes em todos os órgãos de informação pelo mundo afora. Eu disse “todos”? Pois me enganei. A revista Veja trouxe na capa de sua última edição um ovo.
Não era um ovo metafórico ou filosófico que questionasse primogenituras ou antecedências. Era um prosaico ovo e do ovo se falou. Tratava a matéria de fundo do semanário, pelo que pude perceber lendo apenas a chamada de capa, da reabilitação do injustiçado ovo.
A revista que dá capa e manchete para o escândalo do primo do ministro que deve a prestação das Casas Bahia segundo fontes ligadas ao porteiro do prédio, dessa vez não se interessou pelo farto material divulgado pela polícia americana.
Talvez porque esteja tudo provado através de confissões (como a do empresário mafioso J. Havila), escutas telefônicas e documentos. Veja parece preferir o disse-me-disse, o falatório de corredores e a denúncia anônima para manchetear. E há também o fato do escândalo não envolver ninguém do governo. A solução foi apelar para o ovo.
Na edição digital da revista, Constantino escreveu algo sobre o escândalo da FIFA. O que disse Constantino? Eu não sei, eu não leio o Constantino.
O que me intrigou foi mesmo o ovo. Por qual motivo Veja trata assim seus leitores negando-lhes uma capa que abordasse o tema que todos comentam?
 Creio que foi a empáfia que levou a publicação a falar do ovo. Veja crê que têm domados seus leitores e que esses vão se interessar pelo ovo se assim a revista desejar. Veja os manda bater panelas e eles batem, os manda para a rua aplaudir Bolsonaro e outros golpistas e eles vão. Por que não comprariam o ovo como prato principal?