quarta-feira, 30 de março de 2016

Soou o alarme: há negros nas universidades públicas





            Nos EE.UU, na época da escravidão, era expressamente proibido ensinar um escravo a ler. Quem o fizesse estava sujeito a rigorosa punição. Não sei se havia tal proibição no Brasil. O livro que estou lendo sobre nossa história ( História da vida privada no Brasil) cita que os escravos daqui estavam proibidos de usar sapatos, mas nada diz sobre a proibição do letramento. Também nem era preciso. Por aqui a exclusão de toda a população pobre do mundo das letras cuidou disso.
            Há mais ou menos uma década, escutei de um militante do movimento negro que nos anos 70, por motivos de trabalho, sua família mudou-se do Rio para São Paulo. A família não era pobre e ele foi estudar numa das melhores escolas públicas da capital paulista. Ele era o único aluno negro da escola. Veja bem: não de sua turma, mas de toda escola que era pública. A escola pública de qualidade era (e em muitos casos ainda é) um feudo da classe média.
            E o que dizer então da universidade pública? Há cursos em que a presença de  negros é quase nula e em todos, minoritária.
            Mas vieram as cotas e o alarme soou na casa grande e na varanda gourmet. Mais e mais negros estão cursando o ensino superior em nossas melhores universidades. Seu aproveitamento acadêmico, ao contrário do que diziam os defensores da exclusão, é igual, e em muitos casos superior, ao dos não cotistas. Em breve, os filhos desses estudantes estarão também ocupando o espaço até pouco tempo reservado às elites e à classe média brancas. Esse é, juntamente com o bolsa família, o principal motivo do ódio ao governo do PT por parte dos paneleiros e paneleiras. Que pessoas deixem de passar fome e já não precisem se submeter a trabalhar por salários vis e que negros freqüentem a universidade é algo inaceitável para quem tem empregadas domésticas de uniforme branco.
            Com atraso de pelo menos um século, as oportunidades estão sendo dadas aos que sempre foram excluídos do sistema educacional. Não tenho dúvida que o próximo governo neo-liberal, venha ele das urnas ou do golpe, extinguirá o sistema de cotas tão logo tome posse.
         

domingo, 27 de março de 2016

A morte de Lucas Arcanjo





            Um policial desde seus primeiros dias de formação na academia de polícia aprende o manejo de armas de fogo. Em países de alta criminalidade como o Brasil, o uso de armas letais por policiais é uma constante. (Aqui me refiro apenas ao uso legal do armamento por parte dos policiais). Lembro de um documentário em que um policial, com a voz alterada eletronicamente e mostrado em imagem escurecida, dizia que na polícia ele só confiava em sua arma. O documentário era sobre tráfico de drogas, corrupção policial e outras mazelas da segurança pública.
            Hoje abro os sítios informativos da internet e me deparo com a notícia da morte por suicídio do policial civil de Minas Gerais, Lucas Arcanjo. Suicídio por enforcamento mediante o uso de uma gravata.
            Lucas Arcanjo era policial ainda na ativa e certamente possuía uma arma. Não creio que sua arma   estivesse fora de uso. Ele já havia sofrido quatro atentados contra sua vida. Num desses atentados ficou em coma e guardava seqüelas. Tal qual o policial do documentário ele certamente só confiava em sua arma.. No entanto,  no momento de dar fim à própria vida optou por uma gravata. Não uma corda, um cabo de aço ou um fio 10. Arcanjo teria se suicidado usando uma gravata.
            Lucas Arcanjo ficou conhecido em todo país por um vídeo que postou nas redes sociais no qual fazia gravíssimas denúncias de corrupção no Detran mineiro. O dinheiro, fruto dessa corrupção, seria para irrigar o caixa dois da campanha de Aécio Neves e de outros tucanos de vistosa plumagem.
            Confesso que nunca dei muita bola para as denúncias de Arcanjo, afinal era só uma pessoa falando sem apresentar provas e desse tipo de denúncia os noticiários de TV e as tribunas dos parlamentos estão cheios do mesmo vazio.
            Arcanjo depôs na Corregedoria de Polícia e, creio, em outras instâncias do poder público. Não sei que tipos de provas apresentou contra Aécio e outros políticos, mas o certo é que ele incomodava. Aliás, Arcanjo não ficava só nas denúncias de corrupção. Agora Arcanjo está morto e certamente haverá quem acredite em suicídio mesmo antes de qualquer perícia. Assim fica mais cômodo tanto para os que querem um herói como para os que queriam vê-lo calado.

sábado, 26 de março de 2016

Sérgio Moro





            Nelson Rodrigues era, segundo ele mesmo dizia, uma flor de obsessão. Suas frases, seus personagens e arquétipos nos ficaram na memória pela genialidade do criador e por terem sido repetidas e reapresentados por ele obsessivamente. . Era como se ele quisesse que seus ditos, suas criações nos entrassem adentro e, em diversas doses, nos inoculava com essa vacina contra o esquecimento.
            Lembro de ter lido não sei quantas vezes em suas crônicas esportivas que "no futebol o pior cego é o que só vê a bola". Claro que Nelson não estava se referindo aos esquemas táticos, às variantes do jogo, às estratégias mirabolantes dos técnicos e outras baboseiras com as quais os comentaristas de hoje nos torram a paciência com seu pretenso conhecimento.Não, Nelson estava interessado em nos mostrar outra coisa. Dizia, complementando a frase, que mais importante que a bola é o homem que corre atrás dela. O importante, na visão de Nelson, era o ser humano.Eu penso o mesmo. Não creio que nenhum tsunami, nenhuma pororoca nem mesmo o dilúvio universal sejam mais importantes que o ser humano. Não que eu acredite que nossa espécie seja grande coisa, mas é o que deveria nos interessar antes de tudo. Mesmo na sua mesquinhez, na sua vileza , na sua abjeção o ser humano deveria ser o centro de nossas preocupações e cuidados.
            Esses dias interessantes que vivemos estão repletos de seres humanos que bem poderiam ser personagens rodrigueanos. São todos pachecos, tuninhos e zózimos em pequenez, em sordidez, em nanismo mental. Poucas épocas viram tantos canalhas e pulhas em flor. Mas em nosso afã de entender conjunturas, processos e articulações políticas deixamos de nos embriagar com a riqueza desses personagens mesquinhos e medíocres que nos cercam.
            Veja o caso do juiz Moro. Ou melhor, vejam o caso do Sérgio Moro, o rapaz do interior do Brasil que cursou direito, foi aprovado na prova da OAB, fez concurso para a magistratura e agora tem em suas mãos um dos mais rumorosos casos de corrupção do país. Note que não é o juiz e sim Sérgio que repentinamente é o foco das atenções. Não é a toga, é a gravata. Não é o saber jurídico, é a pose. Metade do Brasil está fascinada pela gravata e pela pose. A outra metade execra o figurino completo. Sérgio tem um exército de fãs como se fosse um galã de novela ou um cantor sertanejo e tantos inimigos quanto um juiz de futebol.  Existe um suspense de Odete Reutmann em torno de Sérgio Moro. Qual será seu próximo passo é a pergunta que todos nos fazemos. Do gari ao ex-presidente; do dono de grandes fortunas ao empregado de balcão.Há uma nação pendente de Sérgio Moro.
            E o que faz Sérgio Moro diante de tão aguda expectativa? Deslumbra-se. Na festa de lançamento de uma candidatura abaixo da crítica, deslumbra-se. Cercado de jornalistas internacionais, deslumbra-se. Paparicado por políticos de alto coturno a quem deveria estar investigando, deslumbra-se. Numa entrega de prêmios ao lado de figuras da TV, deslumbra-se e sorri como um menino feliz por ter conhecido a Dysneylândia. Poderia estar pensando nos mais altos postos da magistratura que certamente estariam a sua disposição caso se desincumbisse da enorme tarefa com denodo, mas não. Sérgio Moro prefere a fama e as capas das revistas de má reputação. Os tapinhas nas costas dos bajuladores e os elogios fáceis dos que elogiam por encomenda. Sérgio Moro é um ser humano pequeno a quem as circunstâncias deram um papel demasiado grande. Sérgio Moro é um Pacheco. Um pequeno Pacheco sem remissão.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Os escravos de Jó e o ópio do povo





            As coisas iam bem para Jó. Colheita farta todo ano, a cotação do trigo lá em cima, esposas novas e os meninos todos crescidos e encaminhados na vida. O mais velho comandando o escritório da Judeia, o mais novo fazendo intercâmbio na Babilônia. Uma filha casada e outra de casamento marcado com um moço samaritano muito bom. Jó não tinha do que se queixar.
            Mas tinha a inveja e como já dizia o profeta Isaías, a inveja é uma merda. Muitos de seus vizinhos e concorrentes do agro negócio falavam dos privilégios de Jó. Diziam que em plena seca chovia na fazenda de Jó. Que quando ludo alagava, lá ficava sequinho. Insinuavam que detrás de toda aquela prosperidade tinha alguma coisa. Jó não falava nada.
            Eram tempos difíceis para os vizinhos de Jó. Como se não bastassem os impostos, as greves de escravos e as invasões do MJSN (Movimento dos Judeus Sem Nada), os fiscais do Ministério da Escravidão não davam sossego e multavam por qualquer coisinha. Um dia era um chicote fora do padrão da NBCF (Normas Básicas do Castigo Físico), outro dia era excesso de joio na alimentação dos escravos. A queixa era generalizada e todos diziam que estava ficando impossível ser produtor de alimentos em Edon. Jó não se queixava.
            Na casa de Jó reinava a paz e a harmonia e até seus escravos eram felizes. Seus detratores diziam que a passividade dos escravos de Jó era devido ao jogo. Os escravos de Jó jogavam caxangá, o esporte mais popular daquela época. O caxangá, segundo profetas e rabinos, é o ópio do povo. Daí o fato de Jó nunca ter enfrentado uma revolta daqueles que o serviam. Era o que diziam.
            Um dia apareceu um homem vindo de Belém ou Nazaré, não se sabe ao certo, e começou a falar com os escravos da região sobre os direitos que tinham e que deviam exigir que fossem respeitados. O homem não deixava ninguém em paz. Os escravos trabalhando e ele falando. Hora do almoço o sujeito falando. Na quermesse da sinagoga continuava arengando. Os proprietários o expulsavam e iam reclamar com as autoridades. Jó não o expulsou nem reclamou.
            Mas o tal homem era um chato.  Até no campeonato de caxangá ele apareceu pra fazer discurso contra a escravidão. Aí já era demais. Do meio da multidão que acompanhava o emocionante prélio Vindimas de Uz X Pastores Alegres, alguns começaram a gritar e as vozes se multiplicaram:_Vai pra Galileia.

         

sábado, 19 de março de 2016

Um manifestante





O sujeito vai à manifestação e o primeiro que vê é uma faixa com os dizeres "cadeia é pouco, fuzilamento já". Não que ele tenha saído de casa com a certeza que a solução para o país seja fuzilar pessoas, mas aquilo vai-lhe entrando no cérebro pouco acostumado ao pensamento crítico e ao pensamento de um modo geral. 
Mais adiante o cidadão que marcha pela pureza das instituições e contra a corrupção vê uma senhora, uma típica senhora da classe média, certamente avó, levando um cartaz que pergunta ""porquê (sic) não mataram todos em 64?" Ele, que meia hora depois de ter pisado na avenida, já se sente um herói guerreiro lutador das boas causas, cruza com neo-nazistas que se auto intitulam carecas não sei de onde, com ex-torturadores da ditadura que debocham dos direitos humanos e dos presos políticos do regime militar levando cartazes e faixas feitas sob encomenda em boas gráficas, com gente que tira "selfies" com os policiais do choque, do Bope ou da Rota. 
Esse homem de bem (sim, ele não tem dúvidas sobre isso) vai aos poucos incorporando os discursos que são proferidos do alto dos carros de som por milicos de pijama, pastores e bispos de araque, sub-celebridades, delegados de polícia que se tornaram deputados e estridentes candidatas às capas das revistas masculinas. Ao passar por um grupo de bombadões de academia que marcham gritando palavrões contra a presidenta e seu partido, o homem está convicto de seu papel histórico. Ele já sabe que esse negócio de fora fulano, fora sicrano não é suficiente. Ele não quer ser menos macho que os carecas, que os bombadões, que a senhora fuziladora de comunistas. Ele quer sangue. 
Ao regressar para casa esse combatente da justiça ainda tem a chace de participar do espancamento de um casal que tem pinta de petista. O soco que dá passa no vazio e o chute que desfere toca de raspão na bunda da moça que tenta correr. Mas ele sabe que cumpriu seu dever cívico. 
Já no apartamento, com a testosterona a vazar pelos poros, ele abraça forte a mulher que não pode ir protestar porque a babà preguiçosa não quis fazer hora extra no domingo e a sogra, metida a feminista, disse que não podia ficar com as crianças naquela hora e desligou o telefone sem dar explicações. Nessa noite sua virilidade está no ápice e ele fode. Fode como nunca fodeu.

Moderadamente




Faça tudo moderadamente. Coma moderadamente, beba moderadamente, ame moderadamente, se entusiasme moderadamente, odeie moderadamente. Assim você atingirá a suprema felicidade pequeno-burguesa de ser moderadamente chato.




Sem perdão





Um dos atos mais vis nas passeatas dos botinudos é a confraternização com a polícia que humilha, tortura e mata na periferia. Não é desinformação o que leva essa gente a tão grotesca atitude: É sim, um gesto de apoio e agradecimento pelas chacinas de jovens negros, de trabalhadores pobres, de crianças e mulheres. 
Na última manifestação, ao lado do patinho da Fiesp, um pouco a direita dos carecas do subúrbio, logo acima de uma faixa que dizia "Prisão é pouco, fuzilamento já", uma jovem branca, contente, entusiasmada, beijava um policial no rosto. Não digo que odiei a moça branca, sorridente e convalidadora do genocídio, nem a conheço, mas já não tenho idade para perdões.




Sonhos





            Sonhei com cachorrinhos coloridos que desapareciam sem deixar rastro. Depois com um enorme cachorro que se transformava num bebê gorducho, falador e fujão. Em seguida tive um sonho erótico e louco (bem do jeito que eu gosto), mas fique tranquila, não sou de contar sonhos. Menos ainda esse que envolve senhora casada e amiga da família.




sexta-feira, 18 de março de 2016

Brizola e a legalidade





            Se estivesse vivo, Leonel Brizola certamente estaria hoje na rua, na trincheira da legalidade. Sua história, sua trajetória política e seu caráter são o aval de que assim seria. No entanto, quando Brizola era perseguido pela Globo, que tentou boicotar sua candidatura, fraudar a eleição e fazer oposição sistemática ao seu governo no Estado o Rio, o PT não foi em seu auxílio. Não denunciou a ilegalidade das ações da empresa dos Marinho, sequer na fraude eleitoral. O PT fluminense preferia repetir a enfadonha cantilena dos manuais do esquerdista chato e nomear os projetos de Brizola como populistas. Nem mesmo os Cieps (obra gigantesca que provocava horror nas elites e na imprensa que as representa) foram poupados pela crítica petista. O sindicato dos professores do Rio através de suas lideranças ligadas ao Partido dos Trabalhadores, fazia finca-pé em afirmar que os Cieps não tinham um "projeto pedagógico". Sobre Darcy Ribeiro, vice-governador e idealizador do projeto dos Cieps, dizia-se que era autoritário.
            Hoje é o PT que experimenta o ódio das elites e a manipulação das Organizações Globo. Seus projetos sociais (talvez a única marca positiva dos governos Lula e Dilma) são chamados de populistas, suas lideranças perseguidas diuturnamente por editoriais e reportagens facciosos.sua militância sofrendo agressões nas ruas.
            Lástima que o PT não possa mais contar com Brizola para emprestar sua credibilidade e coerência à luta pela legalidade e pelo respeito ao resultado das urnas. Não será Collor, aliado por conveniência e oportunismo, que trará essa credibilidade às justas manifestações dos petistas.

           
           

Queridas irmãs, desculpai os palavrões





Queridas Irmãs Carmelitas Descalças, sinto muito que palavras de baixo calão proferidos por políticos brasileiros tenham ido ferir vossos ouvidos acostumados aos cânticos e ao latim. No entanto devo dizer-vos que aqui, fora do claustro, o palavrão é algo comum. Todos falamos palavrões, principalmente nós, da classe proletária.
Quando martelamos o dedo não nos ocorre pedir aos céus paciência e resignação. Soltamos logo um palavrão. Principalmente um que fala em dar à luz por meretrizes. Se um juiz de futebol erra contra nosso time dizemos em coro e em linguagem chula que sua mãe prevaricou ou o mandamos praticar sexo anal mesmo contra sua vontade ou desejo.
Não usamos os palavrões apenas para ofender, muitas vezes elogiamos com palavrões. Se uma comida é boa dizemos que é boa pra pênis. Uma música que nos toca é uma música do pênis. Se admiramos alguém dizemos que esse um é coito.
Temos também ditos populares recheados de palavrões. Quando falamos de causas e conseqüências dizemos que "passarinho que come pedra sabe o ânus que tem". Ao nos referirmos a algo que está desconforme aludimos que "forma de ânus é falo". Outro dito muito popular é o "ânus de bêbado não tem dono" usado nas mais diversas situações. Entre amigos, carinhosamente, nos tratamos por homossexuais ou filhos de hetairas sem que isso tolde a amizade, pelo contrário.
Espero que vosso refúgio não mais seja violado por nossa linguagem popular e doravante só a língua dos anjos sejam ouvidas por vossas mercês.

quinta-feira, 17 de março de 2016

A vida seguirá





A vida seguirá
apesar dos cínicos e dos vis
dos covardes e dos solertes
a vida seguirá

Serão outros os abraços e afagos, mas
a vida seguirá
no mesmo rumo de nossos sonhos
a vida seguirá

Mais dura, mais árida
a vida seguirá
com os punhos cerrados, a garganta seca
a vida seguirá

Ainda que custe vidas
a vida seguirá
ainda que escondida e muda
a vida seguirá

Pela vontade, pela esperança
a vida seguirá
que não se apaguem os sorrisos, pois
a vida seguirá

Como um rio, como um vôo
a vida seguirá
inventando caminhos entre os muros
a vida seguirá

Por sobre o ódio e o medo
a vida seguirá
debaixo de escombros e ruínas
a vida seguirá seu inelutável caminho











quarta-feira, 16 de março de 2016

Velhas palavras





Abandonemos já as palavras da moda
antes que saiam de moda
matemo-las por abandono antes que se suicidem
pelo desgaste, pelo uso excessivo, pela insignificância

Deixemos que as velhas palavras se apossem de nós
elas, as pobres, que nunca frequentaram as bocas novidadeiras
que jamais viveram nos textos dos esclarecidos
lindas palavras subalternas, preciosas palavras vagabundas

Que venham em rancho, em passeata, em cordões
dos subúrbios, dos dramas dos circos, dos livros encalhados
dos poetas pouco estimados
e dos diários das meninas do ginásio.

Saudemos a volta das velhas palavras
com chuva de tremas e  espocar dos hifens























terça-feira, 15 de março de 2016

Conselhos do Tiozão





            Por conta das manifestações do 13 de março a direita botinuda, a classe média paneleira e as viúvas da ditadura estão muito assanhadinhas. Para os seguidores de Bolsonaro, fãs da Sheherazade e discípulos de Olavo de Carvalho, a parada já está ganha e eles já se sentem no poder. Na qualidade de tiozão do churrasco vou sugerir aos mais jovens alguns cuidados que devem ser tomados nesses dias interessantes que vivemos para evitar espancamentos, cusparadas e até mesmo a perda do emprego. Aí vão.
           1º - Não leia em público. Segundo os neo-golpistas e seus aliados da classe média, ler (principalmente livros) é sinal de adesão às causas esquerdistas.
            2º - No bar ou no restaurante jamais trate o garçom por "amigo" ou "companheiro". Não saber colocar a plebe no seu devido lugar pode ser visto como claro sinal de marxismo-hegeliano.
            3º - Não dê bom dia para porteiros, faxineiros e babás. Isso pode ser interpretado por seu vizinho como uma sublevação da nova ordem.
            4º - Se você for professor não mencione isso sob hipótese alguma.Os professores são tidos como propagadores das teorias comunistas de Paulo Freire, Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro e portanto, não gozam de boa reputação perante a voz rouca dos boulevards.
            5º - Quanto ao uso do idioma, não se deve abusar do português. Uma frase inteira dita na língua pátria irá denunciá-lo como anti-americanista e, consequentemente, ardoroso defensor da Coréia do Norte. Há que mesclar umas palavrinhas em inglês. De preferência no final das orações. (Causa mais efeito).
            6º - Se você for poliglota evite a todo custo se manifestar em outro idioma  que não seja o inglês. O castelhano fica totalmente descartado por se tratar do idioma de Che Guevara, Chaves e do Foro de São Paulo.O italiano é tolerável, mas o francês, segundo todos os sócios do Clube Militar, é o idioma oficial dos frescos, viados e pervertidos.
            7º - No que se refere às cores você já sabe que o vermelho está proibido, mas não se esqueça que o rosa pode ser visto como provocação de simpatizantes do rubro-comuna ou, pior ainda, como uma manifestação do gayzismo totalitário.As cores mais aconselháveis são o azul pálido, o verde oliva e o marrom cocô.
            8º - Cabelos e barbas longos não combinam com os novos tempos que estão por vir, portanto adote um visual mais "Donald Trump". Se você preferir pode usar o estilo caserna. Fica bem um corte de cabelo a la "Bolsonaro" combinando com uma camisa da CBF (oficial), coturnos e crucifixo.
            9º - Espetáculos públicos podem ser perigosos. Evite shows dos Chicos (Buarque e César), filmes do Wagner Moura e peças da Fernanda Montenegro. Se alguém perguntar o que você fez no fim de semana, diga que ficou em casa vendo a novela (uma nova que não tem história de bicha) e lamente-se pelo cancelamento do show do Lobão por falta de público.
           

sexta-feira, 11 de março de 2016

Noblesse oblige





            Ulisses Guimarães não fazia grandes campanhas, não era um campeão de votos nem mantinha comitê eleitoral. Sequer tinha uma zona de influência específica. Se elegia com votos que pingavam em todas as urnas. Dizia o Dr. Ulisses que em qualquer gaveta de comitê eleitoral havia irregularidades, havia dinheiro escuso ou mal havido. Caixa dois, no mínimo. Hoje, que as campanhas são milionárias, dificilmente se elegeria. Mesmo com sua história, mesmo com seu passado e serviços prestados à democracia, dificilmente se elegeria.
            No entanto, quando morreu Dr. Ulisses estava a bordo de uma aeronave que pertencia a um empresário. Não digo que a carona aérea que resultou na sua morte toldou sua  história, maculou sua vida. Não, não chego a tanto, mas, pelo menos para mim, foi decepcionante saber que o Sr. Diretas, o fiador da constituição cidadã andava recebendo mimos dos ricos. Pois disso se trata: mimos.
            Para aqueles que ocupam ou ocuparam determinados cargos o recebimento de presentinhos, mimos, favores e empréstimos deveria ser proibido, se não pela lei pelo menos pela decência. Nem o mais ingênuo dos cidadãos crê no desinteresse dos que brindam tais coisas aos ocupantes de cargos públicos. Ainda assim a aceitação de tais regalos e benesses é largamente difundida entre nossa classe política. É tão comum que serve para explicar aquisições inexplicáveis, hospedagens onerosas e até pensões para ex-mulheres.
            Ademais, esses favores e gentilezas nunca se referem ao urgente ou ao imprescindível. São sempre luxos, facilidades que só os muito ricos desfrutam. São diárias em hotéis caros, carros importados emprestados (quando não dados) aviões e helicópteros a disposição, sítios, iates, apartamentos de alto padrão. Tudo emprestado como se o dono não fizesse uso ou se abstivera de fazê-lo para agradar ao "amigo".
     

segunda-feira, 7 de março de 2016

O jeitinho brasileiro e o grego internacional





            Lembrei de um artigo do João Saldanha publicado no Jornal do Brasil lá pelo fim dos 70. Saldanha comentava essa história dos brasileiros se sentirem mais malandros que outros povos. (Malandragem usada aqui e no artigo do mestre no sentido de esperteza, viveza, sagacidade). Escrevia que em todo mundo existia entre as populações o mito de se acharem mais espertos e sagazes que seus vizinhos próximos ou distantes. João citava povos realmente malandros, mas dizia que malandro mesmo é o grego internacional. Veja que não se trata de qualquer grego, mas do grego internacional. "Deixe um grego internacional nu no meio do deserto e depois de alguns anos você vai encontrá-lo dono de vários poços de petróleo e possuidor de um harém", dizia.
            Se formos pensar que Onassis começou sua fortuna falsificando cigarros em Buenos Aires (ou catando guimbas, na versão de Nelson Rodrigues) e que Maria Callas arrastava um bonde por ele, temos de dar razão ao gaúcho mais carioca que já existiu.
            Outro mito que gostamos de cultivar é o do jeitinho brasileiro. Nesse caso, o mito vem carregado do espírito udenista de nossa classe média. O termo é sempre, ou quase sempre, usado pejorativamente. O jeitinho seria, segundo esses homens e mulheres de bem, a causa de todas as nossas mazelas. Mostraria nossa herança macunaímica, nosso gosto pelo menor esforço, nossa falta de caráter.
            Na Argentina o que chamamos de jeitinho brasileiro é conhecido por viveza criolla e eles também creem que são os inventores desse modo de vida. Não conheço outros países para afirmar que o jeitinho é tão universal quanto a pretensa malandragem, mas desconfio que deva haver um jeitinho alemão, um jeitinho norueguês, um jeitinho vietnamita e na Grécia, berço da filosofia ocidental e do grego internacional haverá, certamente, um jeitinho grego.

"Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido"





            Eu tinha saído do trabalho em Botafogo, direto para o comício. Desci do metrô na Cinelândia para ver se encontrava algum amigo bebendo por ali. Como não achei ninguém entre a multidão fui descendo a Rio Branco, que estava fechada para os automóveis, rumo à Candelária. O vai e vem eta intenso. Mais vai do que vem. No caminho fui reparando nas mulheres que caminhavam pela avenida. Não reconhecia nelas as companheiras de outras passeatas e comícios que naqueles tempos eram quase diários. Não via os rostos jovens, os jeans, as cabeleiras ao vento. Não as havia visto no comício pela anistia nem nas passeatas pela legalização dos partidos comunistas. Nunca as encontrara numa celebração do 1º de Maio..Eram senhoras bem vestidas e penteadas. Eram madames, eram dondocas, eram (ainda que o termo não fosse utilizado) peruas e outras categorias indefiníveis que vinham se manifestar pelas eleições diretas.
            Lembro que me ocorreu que aquelas senhoras, muito provavelmente, estariam na marcha da família com Deus pela liberdade vinte anos antes. O fracasso econômico da ditadura, a censura, a repressão que acabou por atingir também os filhos da classe média e da burguesia e as promessas incumpridas fizeram com que aquelas senhoras mudassem de lado ou, pelo menos, abandonassem as certezas da redentora e viessem correr os riscos da democracia.
            Por uns momentos me senti deslocado no meio daquela gente chic. Os vestidos de botique, os penteados, a maquiagem das senhoras e das peruas me fizeram crer que eu estava no comício errado. Mas diante do palanque ouvindo o Doutor Sobral Pinto,do alto de seus oitenta anos citar o preâmbulo da constituição ("Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido") o incômodo que sentira por dividir o mesmo lugar com aquelas personagens desvaneceu-se e me emocionei: tive a certeza que sempre estivera do lado certo. O estranho no ninho não era eu.
            Hoje, os que batem panelas desde suas varandas gourmet e insuflam o ódio à presidenta Dilma e ao ex-presidente Lula me fazem pensar naquelas senhoras descendo a Rio Branco. Se tudo sair como eles querem, se o golpe prosperar ou, como sonham os mais obtusos, houver uma intervenção militar, certamente os encontrarei na Rio Branco dentro de vinte anos.
         

sexta-feira, 4 de março de 2016

A prisão de Lula e o golpe que se prepara





Não é possível que a classe média brasileira não entenda que a prisão de Lula nada tem a ver com corrupção e sim com eleição. O espetáculo montado pela PF, com mais de 200 homens armados de fuzis e metralhadoras e com o apoio de 6 helicópteros foi apenas uma encenação para que a TV dos Marinho tivesse o que mostrar durante horas em sua programação golpista. 
Se fosse uma condução coercitiva de verdade bastaria a presença de um delegado com o mandato judicial e um carro da PF. Lula não sairia correndo e atirando. Não haveria nenhuma mobilização de petistas, pois nem saberiam da operação até que ela já estivesse consumada. A prisão de Lula é o ensaio do golpe. 
No sábado (05/03), durante o programa comandado pelo Willian Waak na Globonews, a pregação de golpe e a certeza do impeachment da Presidenta Dilma eram tratados com a mais absoluta naturalidade e dados como fatos consumados. Pondé, o macaquinho de realejo que faz as vezes de filósofo, estava num contentamento só, já cogitando da união dos canalhas em torno de Cunha e do PMDB para que Temer assumisse a presidência.