domingo, 27 de novembro de 2011

Lições de Espanha






Algumas lições podemos tirar da última eleição espanhola principalmente agora, quando discutimos nossa reforma política. Claro que estamos apenas fazendo uma tímida reforma eleitoral, mas, é justamente nesse campo que os espanhóis nos mostram algumas coisas interessantes.
A primeira delas se refere ao comparecimento às urnas. Cerca de 75% das pessoas aptas a votar depositaram seu voto no último dia 20. Se levarmos em consideração que o voto lá é facultativo e não é de se crer que alguém saia de casa para votar nulo ou em branco quando seu comparecimento não é compulsório, verificaremos que o número de votos válidos se aproxima muito com os aferidos no Brasil nas últimas eleições daqui. Seria este um argumento para quem defende o voto facultativo no Brasil. O eleitor depois de tantos anos de obrigatoriedade já se acostumou ao dever cívico e já não seria mais necessário tange-lo para as urnas. Na minha humilíssima opinião esta questão não é tão importante para o aperfeiçoamento democrático. No entanto os números das eleições espanholas mostram que tampouco a obrigatoriedade do voto se mostra necessária.
Outra questão que me parece importante é a da representatividade. È comum, no Brasil, que vozes se levantem para criticar o excesso de partidos representados no congresso nacional. Ao fim das eleições espanholas 13 partidos conseguiram assento no legislativo daquele país. E isto se deu em um momento de grande polarização entre Psoe e PP. A restrição ao grande número de agremiações nas nossas casas legislativas vem acompanhada da proposta, já rejeitada no STF, da cláusula de barreira.
Segundo escutei do advogado e ex-deputado Marcelo Cerqueira, a cláusula de barreira só existe na Alemanha e foi imposta pelo governo de ocupação estadunidense ao fim da segunda guerra mundial, com o intuito de criar dificuldades eleitorais para os comunistas. Aqui seus defensores têm finalidade parecida pois semelhante restrição traria enorme prejuízo aos pequenos partidos de cunho ideológico.
E as lições ficam restritas ao campo, digamos, administrativo pois no que concerne à política os ibéricos demonstraram total incompreensão dos motivos da crise que assola toda a Europa e à Espanha em particular. E nem se trata de algo vindo de passado remoto. Foi ontem mesmo que a bolha imobiliária nos EE.UU detonou a crise que se alastrou pelo mundo por contágio. Governos saíram em socorro dos bancos cujos cofres possuíam mais derivativos e outros papéis podres que o do Tio Patinhas em moedas e cédulas.Nada foi suficiente para estancar a sangria financeira desatada  pela falta de regulamentação dos mercados especulativos. Esta desregulamentação era o carro chefe de um modelo econômico neo-liberal que na Espanha tem como seu principal defensor,  justamente, o Partido Popular.  Vencedor, por acachapante maioria, no pleito de domingo passado tem agora o partido do Sr. Rajoy  a  faca e o queijo (ou seria o garfo e a  paella?) para impor aos trabalhadores daquele país mais sacrifícios a fim de que seus grandes exportadores e casas de agiotagem não sofram com as mazelas criadas por um modelo de política econômica cujos primeiros beneficiários seriam eles mesmos. Creio até que o tamanho da vitória será um incômodo para os liberais espanhóis. Como não haverá necessidade de negociações ou alianças, o ônus do fracasso que se aproxima recairá sobre Rajoy e sua administração. Nos primeiros tempos poderá se sustentar com o discurso da”herança maldita” e continuar usando o nome do canastrão Zapatero para justificar alguma coisa, mas passada a lua de mel o povo irá cobrar pelos sacrifícios feitos e se os espanhóis já demonstraram que votam mal, por outro lado sabem cobrar direitinho.
Dificilmente o novo governo espanhol tomará medidas tão drásticas quanto às tomadas por seus vizinhos portugueses. Se Portugal já estava sob intervenção dos organismos internacionais, a Espanha ainda tem crédito na praça. Crédito que remunera com juros cada vez mais altos. Mas se o tamanho de sua economia é fator de maior autonomia econômica frente aos banqueiros, fica claro que não há dinheiro para salva-los caso isto se mostre necessário.
Por último, as eleições espanholas podem nos ensinar que não adianta um governo dizer-se de esquerda ou progressista, precisa agir como tal. E que as políticas de direita dos socialistas espanhóis, foi o que levou o eleitorado a troca-los  pela direita de verdade.

sábado, 26 de novembro de 2011

Prêmios







Estamos chegando ao fim do ano e a sensação que tenho é que estou assitindo o canal 37 da Sky, o “Viva”. Tudo é repetido. Tudo. As mesmas ofertas imperdíveis das Casas Bahia, as mesmas mensagens natalinas com “Imagine” de John Lennon tocando ao fundo, a mesma decoração pavorosa de lojas e casas e... os prêmios. Prêmios para todos. O melhor crítico de teatro da televisão, o melhor crítico de televisão do rádio, o melhor comentarista de turfe, o melhor atleta de jogos eletrônicos, etc. E etc e etc.
Alguns desses prêmios já começaram a sair e em breve serão entregues com transmissão direta das televisões fechadas caso algum de seus contratados seja o vencedor, ainda que na categoria de melhor sonoplasta.
Outro dia, assistindo O “Roda viva” na TV Cultura, fiquei sabendo que o Datena já ganhou dois prêmios Vladmir Herzog de jornalismo. Imagino, que até hoje, quem votou no nome do robusto paladino do cadáver fresco, deve viver dando explicações para mulher, filhos, empregada e para o padeiro da esquina por conta desse voto. Mas não foi só o abatatado apresentador que abiscoitou prêmios da crítica “especializada”. Antero Greco também já foi eleito por seus pares como melhor comentarista esportivo da imprensa escrita. Nunca o li, mas julgando pelos comentários que faz (ou fazia) na ESPN Brasil, não vejo como poderia ganhar um prêmio que não fosse o de comentarista mais acaciano da televisão.
Mas como ia dizendo as premiações deste ano já começaram e Mauro Betting  foi eleito pela associação paulista de críticos de qualquer coisa, como o melhor comentarista esportivo de rádio. É a sexta ou sétima vez que o filho de Joelmir Betting é premiado nessa categoria. Sem contar que por três vezes foi eleito como melhor comentarista esportivo de televisão pela mesma confraria. Jamais o escutei pelo rádio, mas o escuto durante as transmissões dos jogos da liga dos campeões da Europa na Bandeirantes, e penso que o único prêmio ao qual faz jus é o de melhor filho de Joelmir Betting. E olhe lá. O cara é o tipo acabado do chato. Ri das próprias tolices e conta anedotas explicadas. A coisa mais sem graça que existe é anedota explicada. Alem do mais, sua voz, apesar de grave, soa afeminada.
Outro filho premiado em anos anteriores é o André Kfoury. Este rapaz prova que filho de peixe pode ser jaboti ou jacaré. Se o “Turco” não chega a ser cativante, pelo menos é brasileiro e comenta o futebol daqui com a paixão que este merece. Já o filho ostenta um ar de soberba quando fala de nossos jogadores e times.. Uma vez chamou o Guiñazu de “monstro”. A bobagem pelo menos rendeu uma coluna do Tostão que foi obrigado a provar por A mais B que o botinudo argentino não passava de um meio campista aplicado e viril, em suma, um botinudo argentino. Este ano eu não sei se o Pequeno André está indicado para algum prêmio.
 Ainda na categoria filhos, destaca-se Luis Alfredo, filho de Geraldo José de Almeida, cujo nome soa muito familiar para os de minha geração. Foi o narrador da copa de 70 e merecedor do nunca instituído prêmio do melhor puxa saco esportivo da ditadura. Mesmo hoje, passados tantos anos, lembro dos bordões de que era pródigo o narrador. Escutei do próprio filho que este prometera à mãe que não utilizaria os bordões do pai. Deve ter morrido a tal senhora, pois tenho escutado “quê que é isso minha gente” durante as transmissões dos jogos do campeonato inglês na Rede TV. Fora o uso da herança paterna, Luis Alfredo tenta criar seus próprios bordões, não lhe sai. Infelizmente para ele, o prêmio de melhor narrador esportivo já tem donos. Galvão Bueno e Luciano do Valle dividem os galardões conforme o patrocinador.
Não sei, todavia, quem será premiado como melhor comentarista esportivo de tv por nenhuma das 318 associações de cronistas espalhadas pelos quatro cantos do país, mas um nome aparece como forte candidato; Neto. O ex-jogador tem tudo para ser laureado. Fala muito mal o português, não tem a menor coerência e muda de opinião cinco ou seis vezes durante um simples jogo.Um escanteio mal batido transforma o crack de cinco minutos atrás no maior perna de pau da história do futebol na visão do ex-quase crack do passado. Ou seja, Neto faz o que todos fazem, mas com a ênfase que só seu sotaque é capaz de dar. Pelo menos na Associação de cronistas esportivos de rádio televisão e meios eletrônicos de Santo Antônio de Posse, seu nome é tido como certo para levar as honras.
Para desespero geral, não é só o jornalismo esportivo que entrega prêmios à granel. A indústria fonográfica também não economiza em estatuetas, troféus, discos de ouro e outros penduricalhos. O problema é saber por qual categoria seu ídolo concorre. Os sambistas não são listados como “música popular brasileira”. Sua especificação para efeito de premiação e nas prateleiras das lojas de cds , é “samba e pagode”. A denominação me faz pensar que Os oito batutas, se vivos, estariam concorrendo com o grupo Molejo e Alexandre Pires seria forte candidato contra Nelson Cavaquinho.
Não sei se já temos a categoria “sertanejo universitário”. Torço para que sim, aí talvez eu saiba o que diferencia os caipiras bacharéis do caboclo comum e corrente em termos musicais. Mas uma coisa é certa, Luan Santana estará entre os ganhadores, nem que seja como o Frankenstein revelação. Como trunfo o jovem leva seu cabelo “emo” sua cara de cdf tarado e o inconfundível sotaque à Chitãozinho e Chororó.
Entre as divas Ivete Sangalo levará algo para sua coleção de troféus. Como ainda não foi instituído o prêmio Marcha Soldado por performance nos palcos, a bahiana deve ganhar como Secretária Gostosa do ano.









Agoniza mas não morre


          “É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe” Assim começa um samba bossa nova que tem por autor da letra o “poetinha” Vinícius de morais. E desses versos quem poderia discordar? Alem do mais são muito óbvios. A afirmação soa quase falsa de tão exata. Mas segue versejando o poeta até dizer o que tinha a intenção de dizer desde o princípio.”Fazer samba não é fazer piada e quem faz samba assim não é de nada”. Pronto, ficamos sabendo que Noel Rosa não era de nada, pois o que seria “Conversa de botequim” senão uma grande piada, uma típica anedota carioca? E toda a tradição do samba de breque criado e imortalizado por Moreira da Silva?_ Não é de nada, segundo o poeta de Ipanema. Mas e o samba jocoso, tão presente na obra dos maiores do gênero? _De nada. Diria Vinícius de Moraes, poeta e nome de rua.
Ainda nessa mesma canção Vinícius continua dando receita de como fazer samba. “É preciso um bocado de tristeza senão não se faz um samba não”. Nada mais falso. Nada mais falacioso. Ouvi de Nelson Sargento em um documentário que homenageava o bamba mangueirense, justamente o contrário. Dizia Nelson que não precisava estar alegre pra fazer um samba alegre nem triste pra fazer um samba triste.Se o depoimento do poeta de “Agoniza mas não morre” fora pouco, poderia recorrer a linda letra do samba composto por João Nogueira no qual o portelense do Méier descreve o poder da criação.”Não precisa se estar feliz nem aflito, nem se refugiar em lugar mais bonito em busca da inspiração”. Fico com os dois sambistas.
Acontece que Vinícius de Moraes, neófito no samba, quis mostrar conhecimento de causa numa seara que não era a dele. Iniciado na arte popular já maduro, queria, ademais de ensinar sambista a fazer samba, demonstrar fidelidade aos que lhe o acolheram no mundo do samba carioca. E sem nada conhecer do assunto chamou São Paulo de “túmulo do samba”. Nem foi maldade, foi ignorância mesmo. Duvido que ele conhecesse a obra de Geraldo Filme ou de Germano Mathias.E mesmo se conhecesse não creio que se emocionasse com a história de Geraldo que aos treze anos, incomodado com seu pai que não valorizava o samba paulistano, compôs um samba cujo refrão “Somos paulistas e sambamos pra cachorro , pra ser sambista não precisa ser do morro”,eu considero uma preciosidade pela singeleza de seus versos. Versos de menino.
 Duvido que o poeta do copo de whisky já ouvira falar do samba de Pirapora com seus tambores ancestrais. Mas Adorinan Barbosa já era nome consagrado quando Vinícius entrou na música popular. Ainda assim creio que o desconhecesse. Ou quem sabe os versos de “Saudosa maloca” ou de “Iracema” não lhe falassem ao gosto apurado de poeta acadêmico.
 Sempre que as classes privilegiadas entram em contato com o que é popular, dele se apropriam e chegam a acreditar que o melhoraram. Recentemente vendo um documentário sobre a música dos anos sessenta, ouvi de Nara Leão que as letras da música popular brasileira ganharam qualidade naqueles tempos pois pela primeira vez os compositores tinham nível universitário e citava Tom, que era arquiteto. Ora bolas, estou para descobrir o que faz de um arquiteto bom compositor, que aliás, é o caso do grande Tom Jobim. Mas se Tom é o maravilhoso melodista que conhecemos, tenho certeza que isso nada tem a ver com suas horas passadas na faculdade de arquitetura. Alem do mais um curso universitário não dá bom gosto a ninguém. Muito menos talento musical. Preciso lembrar que nos dias de hoje temos um novo gênero musical chamado sertanejo universitário? (Desculpe, peguei pesado)
Mas voltando ao tema. Nem Nara Leão, com sua total falta de graça e sua voz de apartamento, nem Vinícius de Moraes, contribuíram com o samba. Nada do que fizeram nesse gênero musical se igualou ao que já havia sido feito antes ou viria a ser feito depois. Mesmo Baden Powell  que com Vinícius fez os “afro-sambas”,apenas colheu de vindima alheia sem que o vinho produzido soubesse melhor ao paladar do terreiro. Estas composições são para sala de conserto de gringo.
Por falar em gringo, vale a pena salientar que essa apropriação indébita do lavor popular também se dá em outras plagas.
Quando o jazz começava a agradar aos estadunidenses, alguém da indústria fonográfica, também iniciante, resolveu convidar artistas daquele estilo musical para gravar. O escolhido foi um trompetista negro que fazia furor com seu talento levando multidões ao Harlen para ouvi-lo tocar. Mas o músico, além do grande talento também era possuidor de enorme vaidade. O virtuose tocava com um lenço sobre o instrumento para que outros músicos não vissem os movimentos dos seus dedos. Portanto ao receber o convite meditou e recusou a oferta pois acreditava que tendo seu som gravado, outros poderiam copia-lo. Com a recusa, os homens da gravadora foram atrás de um grupo de brancos que também tinha muita aceitação no mundo do jazz. Estes foram contratados e em pouco tempo já desbancavam o grande vendedor de discos da época, o tenor italiano Enrico Caruso.. Esta banda pioneira nas gravações, durou mais de cinqüenta anos e seu líder e fundador morreu jurando que o jazz nada tinha de negro, que estes apenas copiavam a arte criada pelos brancos. Se alguém lhe dava crédito, eu não sei.






quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O filósofo






Como sou casado há quase trinta anos com uma mulher judia, desenvolvi o hábito de falar sozinho. Pois se em sua religião as filhas de Abraão são relegadas ao segundo plano, assim como em todas as outras religiões, em seus lares as coisas funcionam de maneira totalmente diversa. Não sei o que veio primeiro, mas, me parece que quando os clérigos israelitas segregaram as mulheres nas sinagogas foi para que elas não os interrompessem durante alguma liturgia, para mencionar o custo das celebrações ou o bonito corte daquele kaftan ou ainda que a menorá não foi bem polida. Não sei. Talvez tenha sido o contrário e a posição subalterna nas cerimônias religiosas fez da mulher judia, rabino e talmudista em suas casas. É ela quem interpreta a Torá e faz-se de juiz rabínico entre as pedras do lar.
Mas se por um lado adquiri o costume dos monólogos interiores, qual um James Joyce da periferia, sou um ser humano e como disse Nelson Rodrigues, “a utopia de todo ser humano é um par de ouvidos”. Sendo assim, aqui estou batucando no teclado umas palavras que talvez sejam lidas.
Você,que me honra com sua atenção, já notou que tenho cá muitos problemas com a gramática. O vernáculo me é adverso. Ainda assim não consigo consultar os compêndios que versam sobre a língua culta enquanto escrevo.Prefiro ir ao “correr da pena” como se desculparia alguém do século dezenove, tão leigo como eu nos afazeres da escrita. Ainda posso agregar, a título de escusas, meu pouco tempo de vida escolar e inexperiência em transmitir idéias por meio das letras. Mas este sou eu,. inculto e amador. Deve-se exigir mais de quem é docente de uma faculdade e põe tintas em  jornais. Neste caso pode-se cobrar, senão talento, pelo menos um mínimo de clareza e bom uso da língua portuguesa.Refiro-me ao Pondé, o filósofo televisivo.
Tomo por base um texto que li outro dia na internet e nem sei onde foi publicado originalmente. Mas como o sítio me parece confiável, dou fé. Se lhe parece injusto julgar um pobre filósofo por apenas um de seus textos, devo aclarar que nunca ofereço justiça, apenas ponderações.
Pondé, como sabemos, ama as câmeras e por elas é amado.Isso tem contribuído para que ele não se faça de rogado quando as lentes o chamam para opinar sobre qualquer coisa. Fissão nuclear ou reprodução de artrópodes, tudo é matéria para sua verborragia. Quanto à escrita, o mesmo se aplica. Tanto assim que no artigo referido, ele busca nos distúrbios da USP conexão com Foucault e seus colegas docentes. Escracha  professores, alunos e o filósofo. Sempre tendo por base uma posição conservadora que quer se fazer passar por ultra moderna pois é pós politicamente correta. E aqui está o segredo de Pondé,
O filósofo preferido das estrelas encontrou um nicho de mercado que estava vago desde as mortes de José Guilherme Melquior e Paulo Francis; intelectual de direita. Desgraçadamente, não possui nem a elegância do texto daquele nem o sentido de humor deste. Francis escrevia como poucos e J.G. Melchior  tinha a clareza na argumentação que falta ao pensador representante da Avenida Paulista.
A idade, inimiga dos prazeres, deu-me, como prêmio de consolação, ao menos o poder de respeitar a opinião alheia. Mas no caso de Pondé, vou abrir uma exceção, pois não se trata de opinião meditada, estribada em profunda reflexão. Isso fica claro pela pressa que os acontecimentos exigem para serem comentados. E Pondé é e será sempre requisitado para dar sua douta opinião. Jamais ouviremos daqueles lábios risonhos um estimulante “não sei”. Nunca veremos naquele rosto adornado pelo soberbo cavanhaque, uma expressão de dúvida. Pondé só duvida da dúvida alheia. Só descrê o que crê o outro. Em sua filosofia prêt-à-porter não há lacunas a serem preenchidas por outro pensar.
Mas se o pensamento do calvo filósofo é bem aceito por muitos e até admirado por seus alunos, e isto é comprovado pelos comentários feitos na internet em razão da publicação do texto já mencionado, fica também claro que sua escrita é indefensável.  Faz lembrar justamente os comentários postados na rede de computadores por ocasião de um concerto de música pop ou do último escândalo de corrupção. A linguagem é a mesma. Mistura de xingamento e achincalhe. Quase dá para sentir os perdigotos na cara.
E se a linguagem beira a deselegância ,o estilo não poderia destoar e em dado momento o grande filósofo contemporâneo nos brinda com um “no sentido de”.Esta expressão é o sucedâneo do “a nível de” como podemos constatar pelo uso indiscriminado e massivo nos meios de comunicação. E se há pouco tempo era comum ouvirmos de nossos craques que sentiam uma contusão à nível de joelho, hoje sabemos que alguém vai à padaria no sentido de comprar pão. Mas é até estranho que um sábio tão pós pós- moderno como Pondé use o termo, pois este já está sendo substituído pelo “onde”. Esta nova locução pode ser usada em qualquer lugar e se referir a qualquer coisa. “Um jogador onde”... “uma música onde” ...etc. Uma maravilha que não há corretor ortográfico que dê jeito.Contudo não creio que o risonho pessimista vá usa-la. Já seria demais.
Se por acaso os olhos míopes do guru da Paulista recaíssem, cansados dos sérios estudos, sobre meus nada valorosos escritos, eu lhe daria apenas o conselho de quem já viu muito Professor cair do cavalo pelo excesso verbal. Pondé, calce as franciscanas sandálias e se case com uma boa mulher judia.





Seleções




Fim de ano, campeonato no fim e começam as listas. Numa precária imitação da mania estadunidense de escolher o melhor em qualquer coisa, nossas revistas, rádios e canais de televisão elegerão o melhor jogador do campeonato , a revelação, o melhor técnico etc. Ao contrário de outros anos em que os nomes eram diferentes para cada órgão de imprensa, este ano Neymar deve ser o vencedor em todas as listas..
Ademais do prêmio entregue pela CBF em associação com a Globo, o canal Sportv também do grupo Globo, entrega o troféu Armando Nogueira para o melhor jogador do campeonato. A votação é feita rodada a rodada e notas são conferidas aos jogadores que, pela média, são escolhidos É só uma brincadeira, mas eles levam a sério
Até semana passada, Neymar levava grande vantagem sobre o segundo colocado que era o Motillo do Cruzeiro. E é aí que eu não entendo. Ora, o cara é o armador do time. O time está na beirada da zona de rebaixamento, mas mesmo assim nossos comentaristas esportivos o acham o máximo. Faz lembrar a piadinha dos anos sessenta: _ O filme é uma droga, mas o diretor é genial. Claro que estas eleições são só pra encher lingüiças e eu estou fazendo o mesmo, pois quero falar de outra coisa. Mas o Montillo se encaixa no tema.
Trata-se da xenofilia que toma conta dos meios esportivos. Não há transmissão de futebol que não fale das maravilhas do futebol estrangeiro em detrimento do nosso. Mesmo que o jogo transmitido seja da segunda divisão do brasileiro._ Mas isto não é nenhuma novidade, você dirá. Concordo. Mas é que agora a coisa chegou às raias do ridículo.
 Se qualquer amante do futebol pode reconhecer no Barcelona uma força poucas vezes vista ultimamente, o mesmo não se aplica nem à seleção espanhola nem tampouco ao futebol jogado naquele país. E mesmo se tratando do Barcelona há que ponderar. Sim, pois se no último título europeu ganho pelos catalães houve uma incontestável supremacia destes, coisa que o Mourinho não concordaria, na penúltima conquista houve o maior afano esportivo que se tem notícia desde que os jogos passaram a ser transmitidos por televisão. Foi na semifinal contra o Chelsea. Nada menos que cinco pênaltis não foram assinalados a favor dos ingleses. Ainda assim há que se reconhecer o grande futebol que praticam os liderados de Guardiola. Agora, outra coisa é o campeonato espanhol, chamado apropriadamente por Paulo Vinícius Coelho, de “o melhor gauchão do mundo”, e a seleção espanhola.
Essa seleção é a mais medíocre campeã de todos os tempos. Marcou sete goals em sete jogos durante o mundial da África do Sul. Menos que o Ronaldo fez sozinho na Copa de 2002. Talvez você venha dizer que os galegos fizeram oito goals em sete jogos. Você está errado. O oitavo goal foi marcado na prorrogação do último jogo. Então...
Mas não é só na quantidade de tentos que eles são fraquinhos, seus resultados também são apenas medianos. Senão veja. Eles perderam para a Suíça na estréia da Copa. Eu sei que é difícil vencer os suíços, mas é mais difícil perder para eles. Os caras não atacam. Têm verdadeira ojeriza às redes adversárias. Ainda assim ganharam dos espanhóis. A contra gosto, mas ganharam.
No jogo contra Honduras, os comandados de Vicente Del Bosque, receberam de presente da ex -colônia os dois tentos que lhe valeram a vitória. No primeiro goal o arqueiro hondurenho foi até o meio de campo para passar a bola ao adversário que foi decidir sua passagem à segunda fase contra o Chile. Venceram os espanhóis por 2 x 1, no sufoco.
Enfrentaram Portugal e golearam por 1 x 0. Mas contra o Paraguai tiveram que contar com uma arbitragem amiga que anulou um goal legítimo dos guaranis e não mandou voltar a cobrança do pênalti perdido por estes quando houve uma flagrante invasão de área pelos espanhóis. Tudo isto quando o jogo ainda estava 0 x 0. No final, mais um resultado por placar mínimo Por fim fizeram dois bons jogos contra a Alemanha e Holanda vencendo o primeiro por 1 x 0 e empatando o segundo.
Depois da Copa perderam para a fraca Argentina, ganharam, roubado, do Chile com um pênalti inexistente no finalzinho do jogo, após estarem perdendo por 2 x 0, e  empataram com a grande Costa Rica  também depois de tomarem  2 x 0 no primeiro tempo. Ainda assim a seleção da Espanha é tratada por nossos analistas esportivos como algo a ser copiado Seu técnico que antes era chamado de apático quando dirigia o Real Madrid e não ganhava nada, agora é visto como “sereno” .Mas pelo menos os caras têm um título mundial. Coisa que não acontece com a outra maravilha que os comentaristas não cansam de louvar; a seleção uruguaia.
Esta seleção que comemorou o quarto lugar na Copa como se fora uma façanha, agora é tida como símbolo de tudo que é bom no futebol. Seu técnico é um gênio, muito embora escale um meio campo com três volantes e um só atacante, pois Forlan, elevado à crack aos trinta anos, tem de voltar para ajudar na armação do time. Seu goleiro reserva é o Castillo que foi defenestrado pelo Botafogo após montar uma granja em General Severiano. Na Copa teve três vitórias dois empates e duas derrotas. Chegou por acaso às semi-finais e voltou com duas bordoadas no lombo para ser recebido em sua pátria com banda de música, coro infantil e foguetório. No último amistoso venceu a Itália que se chegar disfarçada no campeonato brasileiro não faz goal nem no Avaí.
           





sábado, 19 de novembro de 2011

Visita de Manuel

Manuel não tem televisão. Mas isso não quer dizer que não assista televisão. Não que vá a casa alheia para faze-lo. Manuel assiste televisão em público. De uns tempos pra cá todos assistimos televisão em público. Mesmo nós que moramos em cidade pequena onde não há as imensas vitrines das lojas de eletrodomésticos com trezentos aparelhos ligados, assistimos televisão em público. Ela está em toda parte; nos bancos, para que esqueçamos que o atendimento demora mais do que é estipulado por lei, nas lojas de ferragens, para não nos darmos conta que os poucos funcionários estão contando parafusos para algum amante da bricolagem, nas repartições públicas, é claro, senão o que faria toda aquele gente do cabide de emprego, visto que nem sequer há mesas para que todos trabalhem? Mas há coisa pior. A televisão invadiu os bares. Não há boteco onde ela não esteja.
Foi num desses botequins que Manuel assistiu o programa CQC  enquanto aguardava que a chuva desse uma trégua.
No domingo eu tentei não saber o resultado do jogo do Galo para assisti-lo reprisado a 1 da manhã. Foi uma longa espera. Quando faltava meia hora para o início da reprise, ouvi o latido dos cachorros. Era o Manuel que assomava ao portão. Antes de atende-lo  verifiquei o resultado do jogo na internet. Tínhamos vencido. Era crucial este jogo contra o Palmeiras.
Manuel não quis entrar e tão logo tomamos o chão do quintal como assento, me perguntou se eu conhecia o tal programa, se via sempre. Disse que por três vezes havia tentado mas, a vergonha alheia me fizera trocar de canal. Vi-lhe um certo alívio no rosto. Quis saber que tipo de programa era aquele, pois não sabia como classifica-lo. Como temos a mesma idade, mais ou menos, entendi do que se tratava.
Anos atrás os programas de televisão eram divididos em humorísticos, jornalísticos, dramaturgia, infantis, esportivos, etc. Agora é um pouco diferente Há propaganda política nas novelas, humor (negro) nos noticiários, e total falta de graça nos humorísticos. Os programas esportivos falam de economia e os políticos fazem analogias com o futebol. Expliquei-lhe que o programa que ele havia visto era tido como humorístico ou de sátira política, sei lá. _Mas aqueles caras são humoristas ou jornalistas? Perguntou-me. _Nem uma coisa nem outra, respondi. Tive que explicar minha teoria sobre os apresentadores de televisão.
Tudo começa quando o garotinho, que tem uns 4, 5 anos, imita os programas idiotas da tv que está sempre ligada. A mãe acha uma gracinha a imitação do Silvio Santos e do Tiririca. Quando chega a visita a mamãe chama o filho e entre risotas pede-lhe que faça a imitação ou  a dança da boquinha da garrafa. O moleque, que já ostenta as manhas de celebridades, se faz de rogado, mas por fim perpetra a infame demonstração de seu histrionismo. A visita, constrangida sorri e comenta para orgulho de mamãe:_ Que gracinha. À noite, mamãe comentará com papai:_ Fulana morreu de rir com a imitação que o Júnior fez da Lady Gaga. Papai sorri satisfeito. Pronto, está iniciada a carreira de mais um apresentador que por décadas e décadas nos atormentará nas tardes de domingo enquanto esperamos o futebol.
Manuel desqualifica minha tese. O que mais detesta em Freud é esse negócio de meter a mãe em tudo. _E os apresentadores órfãos? Pergunta. _Nunca houve um sequer. Respondo convicto.





sábado, 12 de novembro de 2011

El reino del revés






Maria Helena Walsh foi a mais criativa e inteligente compositora de músicas infantis de que tenho notícia. Também escrevia estórias e cantava. Tudo fazia com requinte. Também escrevia canções de temática adulta mas confesso não conhecer essa faceta de seu talento. Há um disco seu que ademais de contar com letras divertidíssimas, cada uma das canções é composta em um ritmo distinto. Temos desde o “Twist del Mono Liso” até a “Chacarera de los gatos”. Mas não é da grande compositora argentina que quero falar, acontece que uma de suas canções me veio à mente enquanto ouvia notícias na televisão. Trata-se de “El reino del revés”.
Acontece que vivemos hoje neste reino onde tudo é o reverso do que deveria ser. Se não, vejamos. Assistindo um programa de cunho jornalístico, deparo-me com rasgados elogios a um produtor rural que exterminou uma plantação de bananas da propriedade que adquirira e passou a cultivar bromélias. Com isso estaria ajudando na preservação ambiental, protegendo mananciais. Ora bolas, banana menina tem vitamina, banana engorda e faz crescer. O homem é elogiado porque deixou de produzir alimentos, deixou de produzir a fruta rica da família pobre.Digno de elogios seria se conseguisse plantar bananas de maneira que não comprometesse os mananciais e demais recursos naturais. Certamente suas bromélias irão compor um lindo arranjo floral que adornará alguma mesa de reunião, onde estará sendo discutido o futuro do planeta. Lástima que as bromélias terão que disputar espaço à mesa com laptops e celulares, aparatos indispensáveis para nossos defensores do meio ambiente.
No mesmo fim de semana encontro na tv um largo programa tratando de construções ecologicamente corretas. É mostrada uma casa que gira para aproveitar melhor a luminosidade natural e assim, economizar energia. Nada disseram do tipo de energia que é usada para movimentar semelhante engenho, mas seja o que for, me parece que um motor capaz de mover uma casa deve consumir muito mais energia do que umas lâmpadas que deveriam ser acesas mais cedo caso a residência fosse fixa. Sem contar, é claro, que todo o mecanismo foi fabricado consumindo energia. Mas tanto o construtor como o proprietário e o repórter estavam contentíssimos com o projeto. Muita engenharia e pouca aritmética. Mas se estes exemplos parecem pouco representativos do “reino del revés”, vejamos o que acontece com a maior falácia do século; a reciclagem.
Talvez seja melhor falarmos de “reciclagens” pois assim estaremos fazendo a distinção entre o que é útil e economicamente viável do que é apenas uma afetação típica de nossos dias.
Quando, no final dos anos 60 o leite passou a ser vendido em saquinhos plásticos, as mulheres da classe pobre logo viram nas embalagens, um enorme potencial de matéria prima e em pouco tempo o plástico resistente e moldável se transformou em capas para fogões , botijões de gás, liquidificadores. Claro que a classe média via nesta criatividade o cúmulo da cafonice. Mas estava aí o engenho que sempre fez do pobre um reciclador. É a reciclagem direta que toma o material útil e o reutiliza para fins idênticos ou semelhantes. A transformação, quando há, é mínima. A energia gasta em seu reaproveitamento é sempre muito inferior a que seria despendida na fabricação do mesmo objeto ou no que dele deriva.O mesmo se dá com as colchas de retalhos ou o uso de frascos de conservas para armazenar outros alimentos. Mas isso é coisa de pobre. Não é chique. O socialmente aceito são as lixeiras coloridas nas quais a classe média pode depositar com orgulho suas garrafas de vinho importado.
Quanto ao outro tipo de reciclagem, em voga nos dias atuais, o processo é complexo e exige um gasto de energia muito superior ao usado na fabricação do produto original. Assim que na reciclagem de embalagens plásticas de refrigerante, por exemplo, desde a coleta passando pelo transporte até a planta de transformação, o dispêndio de energia é enormemente desproporcional ao valor do produto resultante do ciclo.Isso se dá principalmente porque o tipo de reciclagem que se pratica é descendente. A segunda fase de uso é sempre inferior à primeira. As garrafas são transformadas em cordões de sapato ou enchimento de bonequinhos que antes eram recheados de isopor. O papel mais fino retorna como papelão ou papel de embrulho e assim por diante. Os japoneses já conseguem fazer fios longos para a indústria têxtil a partir das garrafas plásticas, mas a tecnologia é cara e não é dominada por outras nações.
Já se fala de uma reciclagem que tornaria o segundo ciclo idêntico ao primeiro. A este tipo de reaproveitamento da-se o nome de ”berço a berço”. Mas também aqui há o problema da energia utilizada.
Mesmo em países que, como o Brasil, possuem uma matriz energética limpa, os custos de produção de energia são enormes. No caso das hidrelétricas o impacto ambiental já é fator desestimulante (veja o caso de Belomonte) embora a produção em si seja limpa. Nos países europeus cuja matriz ou é atômica ou por queima de combustíveis fósseis, depara-se com o problema de segurança (energia atômica) ou de poluição atmosférica e o conseqüente efeito estufa (usinas termo-elétricas).
É também interessante notar como os ambientalistas não fazem a relação entre os custos extras advindos da reciclagem com a riqueza que deve ser produzida para afrontar estes custos. O dinheiro não nasce de árvores organicamente plantadas e sim do trabalho e da criação de bens e serviços que por sua vez demandam recursos energéticos. Como exemplo vale citar que em Nova York a remoção de uma tonelada de lixo custa aos cofres públicos (impostos pagos pelo cidadão) 50 dólares, ao passo que a coleta seletiva supera os 100 dólares por tonelada. Ou seja mais que o dobro. Para arcar com este custo extra o cidadão deveria produzir mais. Em suma, gastar mais energia.
O que vemos neste “reino del revés”são ações que para livrar o mundo do problema dos resíduos sólidos, amplia o maior dos problemas que é o aquecimento global por conta da queima de combustíveis fósseis para geração de energia. As fontes alternativas de produção energética têm se mostrado pouco confiáveis, seja pelo fator custo, seja pela dependência de questões climáticas ou geográficas. Na Noruega, onde haviam construído em meio ao oceano, imensos cata-ventos para a produção de energia, a empresa responsável pelo projeto vai desativa-lo por não ser viável economicamente. Em lugares como a floresta amazônica , o uso da força dos ventos como gerador de energia também não se mostra adequado. No caso da energia solar, esbarra-se nos custos, mas ainda é o que de melhor se conseguiu como fonte alternativa. Claro que estas tecnologias podem ser usadas como fonte complementar mas ainda assim o grosso da produção energética continuará, por muito tempo, sendo a que até hoje conhecemos.
O problema dos resíduos sólidos é de menor impacto ambiental que a poluição atmosférica. Caberia usar o engenho humano para melhorar sua reutilização. (reciclagem direta) compactação e estocagem do que é inservível, e legislar para que os fabricantes de bens utilizem menos embalagens. E mesmo neste caso temos antes de pensar em realocação de mão da obra que seria dispensada da indústria de embalagens. Mas vale pensar que se uma garrafa de cachaça pode ser vendida tal como sai do alambique, por que uma garrafa de wisky necessita de uma caixa que a envolva?
Mas aqui chegamos ao centro do “reino del revés”; as sacolinhas plásticas. Os ambientalistas dizem que elas devem ser abolidas por demorarem centenas de anos para se decomporem na natureza. Se juntarmos os ”benefícios” da reciclagem com esta demora, teríamos o panorama ideal, pois há mais tempo para que sejam recolhidas e recicladas. Disto vou tratar proximamente junto com o problema do lixo tecnológico.








É proibido fumar





Lá por meados dos anos 70 eu ia com minha rapaziada buscar bagulho numa favela de Belo Horizonte. O bagulho não era endolado e tudo dependia do humor do vapor. A mesma grana que num dia comprava unzão , no dia seguinte rendia apenas um fininho de cadeia. Mas ninguém pensava em reclamar ou dar uma choradinha, afinal o cara andava com um 38 na cintura “pra quem quiser ver” como dizíamos então. Deixávamos para resmungar enquanto apertávamos um na caixa d’água, onde íamos curtir o majestoso pôr do sol das alterosas. O três oitão nos tinha reféns. O cara era o dono do morro.
Se houvesse um museu do tráfico, aquele 38 estaria lá como reminiscência de um tempo quase romântico,ao lado do saquinho de leite cheio de maconha e da joaninha dos home.
Daquele tempo pra cá o que mudou com relação ao trafico foi seu poder financeiro e seu armamento. Do 38 chegamos ao fuzil AR 15, às sub-metralhadoras, ao calibre 12 e até um lança granadas já foi usado em enfrentamentos com a cana. Um helicóptero foi derrubado. Do dono do morro passamos às grandes facções e esta fase já está sendo superada. Estamos caminhando para o que a grande imprensa deu de chamar de "mexicanização" da atividade criminosa.
 Da maconha dos anos 70 passando pela cocaína dos 80, chegamos ao crack. Tudo tratado pela lei como se fosse uma coisa só.Todas as substâncias atendendo por nomes genéricos de estupefacientes, drogas ilícitas, entorpecentes. Isso não mudou e o estado continua “combatendo” o tráfico numa verdadeira operação enxuga gelo.
Cada vez que se prende um grande chefe de facção, a polícia faz estardalhaço e o secretário de segurança da vez, fala em pesada perda para o mundo do crime. Assim foi quando nos anos 70 prenderam Meio Quilo e hoje depois da prisão de Nem. Passando por Escadinha e Fernandinho Beira Mar. Mas não há vácuo de poder e logo os traficantes presos são substituídos por outros que vão evoluindo nos estratagemas e sofisticando operações para que o enorme, gigantesco mercado seja suprido.
As tímidas modificações introduzidas na legislação, são para inglês ver. Hoje o playboy encontrado com bagulho já não é considerado criminoso e sim usuário mas continua passando pela polícia, que é, em última instância, quem determina seu status. Já o garoto negro e pobre que está apertando um, na encolha, no alto do morro, se dançar “vai ficar grampeado no 12” como diz o samba. Isso se não for sorteado por uma bala perdida ou inscrito no rol dos atos de resistência.
Nas operações de repressão ao comércio de drogas,como a polícia gosta de chamar também genericamente, impera o esculacho, a tortura a céu aberto,a intimidação de moradores dos morros e favelas. O triste é que aquelas mocinhas, vestidas de colete à prova de bala com o logotipo das organizações criminosas a que pertencem, nada disso vêem. Através de seus microfones escutamos relatos que mais parecem relatórios oficiais. Ao final de cada reportagem mostrada pela televisão vemos a designação das delegacias e a sigla da secretaria de segurança escrita com trouxinhas e sacolés, e as armas que portavam os traficantes mortos na operação. Mas este ridículo encerramento só é capaz de afirmar o poderio do tráfico, e os números divulgados apenas apontam para o volume do consumo que, supostamente, nosso sistema legal quer reprimir. Segundo a reportagem exibida por ocasião da prisão de Nem, só na Rocinha eram vendidos 200 quilos de cocaína por semana,o que movimentaria 100 milhões de reais por ano. Os números são de apenas uma favela, das dezenas que movimentam drogas no Rio. Claro, esta informação pode ser questionada.
Mas se existe um fato inquestionável, é que todo este poder foi construído sobre a maconha. O que possibilitou o acúmulo de capital dos traficantes e sua inserção no mercado internacional da cocaína e depois de crack, foi uma planta que nasceria em qualquer quintal, se fosse permitido seu cultivo e consumo. Mas se agora é tarde para evitar-se o mal causado pela inócua proibição, ainda é tempo de evitar-se que mais vidas sejam perdidas e mais recursos sejam jogados fora. Recursos que poderiam ser melhor utilizados para tratamento de dependentes de crack e cocaína.
Sei bem que nada do que aqui digo é novo ou já não tenha sido mais e melhor tratado por quem se debruçou sobre o tema. Só não queria me furtar ao assunto que considero da maior importância  no que concerne à relação do estado com o cidadão.






terça-feira, 8 de novembro de 2011

Se a vida lhe deu um limão...






Se a vida lhe deu um limão, um copo d’água, um punhado de açúcar, uma colherzinha e uma faca, faça uma limonada e vê se arruma uma pedra de gelo.
 Mas se a vida só lhe deu um limão, o melhor a fazer é romper a casca com os dentes e deixar que a língua e as gengivas conheçam o ácido. Sugar o sumo azedo e sentir que as lágrimas afloram aos olhos e esgares tomam conta do seu rosto.
 Se a vida lhe deu um limão, você estará prevenido do escorbuto e talvez nem se resfrie. Mas não faça frases edificantes, não se iluda, não iluda. Não cite exemplos de superação. Você não é um programa esportivo nas manhãs de domingo. 
Se a vida lhe deu um limão, espere a banda passar e esprema o fruto devagar e do alto, em frente ao cara da tuba.
Se a vida lhe deu um limão, aproveite seu limão e nem tente troca-lo por uma mariola. No mundo já tem muitos limões, para todos.
Se a vida lhe deu um limão não espere encaixa-lo na salada de frutas de ninguém. Outros já descascaram o abacaxi.
Se a vida lhe deu um limão, carregue-o com cuidado junto à bagana e aos fósforos, Nunca no bolso de trás.
Se a vida lhe deu um limão, chame-o de limão. Os cítricos detestam eufemismos.
Se a vida lhe deu um limão, não tente fundar um sindicato de proprietários de limões.
Se a vida lhe deu um limão, jamais odeie seu limão. Apenas admita diante de um espelho sem luz:_ A vida me deu um limão
Se a vida lhe deu um limão, não se orgulhe nem se envergonhe. Limões não ganham prêmios nem estão na lista dos melhores do ano.
Se a vida lhe deu um limão, use-o logo e não espere para fazer uma caipirinha na velhice.
Se a vida lhe deu um limão, ele terá seu sobrenome e cpf.
Se a vida lhe deu um limão, ele não saberá de você. Haja o que houver, será tudo platônico
Se a vida lhe deu um limão, não procure uma religião na qual ele seja adorado.
Se a vida lhe deu um limão, não o deixe na encruzilhada como oferenda.
Se a vida lhe deu um limão, não tente usa-lo como moeda. Os caixas de supermercado também não aceitam as balinhas que lhe deram ontem como troco.
Se a vida lhe deu um limão, não cante para ele uma música do Wilson Simonal que lhe faz referência. Há coisas que até os limões percebem.
Jamais dance para o seu limão, nunca sorria para ele e tampouco derrame sobre ele seu choro.
Se a vida lhe deu um limão, seja ao menos digno dele.


Meninos, eu vi






Se você tem 50 anos ou mais deve se lembrar do Partido Tancredista Brasileiro. Se não, deixe que lhe refresque a memória.
 Este partido foi fundado pelo finado Carlos Imperial que, pra quem não conhece, posso garantir que não é defunto para se gastar vela. Pois bem, corria o ano de 1985 e o país vivia um clima de euforia democrática depois dos anos de ditadura. A criação de partidos foi franqueada e surgiram as mais diversas siglas como o Partido da Juventude, mais tarde usado por Fernando Collor de Merda  para alçar vôo na política nacional, o Partido Humanista e muitos outros que a sepultura da história guarda sem lápide nem flores.
Havia um desses partidos que era liderado por um arquiteto ou urbanista, sei lá, que por mais que eu ouvisse sua fala no programa eleitoral, nunca fui capaz de entender nem uma vírgula do que propunha. Era apoiado por Scarlet Moon de Chevallier. Coisa fina.
Mas voltando aos Tancredistas. O nome da sigla já denota, é claro, o oportunismo de seu fundador que trouxera para a política sua clássica formação de pilantra profissional depois de exercer este mister na música, desde os tempos da jovem guarda. Entre muitos outros apelos este senhor pedia, durante a propaganda eleitoral gratuita, que seus simpatizantes saíssem às janelas e gritassem:_  “Eu não agüento mais”. Só mais tarde vim a saber que esse mote fora criado por um radialista americano que pedia a seus ouvintes que fizessem o mesmo e teve grande impacto na vida estadunidense dos anos cinqüenta ou sessenta. Para entrar no clima um amigo meu, sempre que ouvia o apelo, saía à janela e bradava: _ Eu não agüento mais o Imperial! Pelo menos servia para rir. Porém na eleição seguinte, filiado a um partido de verdade, o paladino da insatisfação popular foi eleito vereador no Rio.
Mas se falo destas coisas paleolíticas é porque fui provocado por um pequeno aviso que surgiu do lado direito da página inicial do facebook. Trata-se de uma propaganda convocando os indignados cidadãos a conhecerem um novo partido cujo nome é Partido Novo. Muito criativo, não? E rápido. Pois nem sequer a Globo andou tão depressa com suas manifestações anti-corrupção,
O logotipo da nova sigla é um típico fruto dos desenhistas gráficos de computador, cheio de listras paralelas e insinuantes voltinhas . Não dá para identificar as letras que compõem a logomarca, mas é bonitim.  O que não é bonito é o papel que nós, coroas, temos de desempenhar nestes episódios. E nosso papel é dizer: _ Meninos, este filme eu já vi e o final é melancólico.



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Manuel, o próprio






Que posso dizer do Manuel?  Quase nada, pois dele pouco sei. Nos conhecemos quando cheguei em Garopaba no começo dos 90. Era uma fria tarde de julho e a chuva me surpreendeu na praia do Siriú durante um passeio. Chuva pouco usual pra essa época do ano, veio com raios que clareavam o céu sobre um mar de chumbo Olhei para um lado e outro e divisei, a uns cem metros, os restos de um rancho de pesca onde poderia me abrigar. Quase não me dei conta que para lá também se dirigia alguém vindo no sentido contrário. Era o Manuel.
Sentamos lado a lado sob a palha escassa. Nos cumprimentamos e foi ele quem puxou conversa. Mas em vez de referir-se à chuva, falou-me da praia como se soubesse que eu era um recém chegado a estas belezas..Conversamos muito tempo sobre dunas e peixes. Dei-lhe meu endereço e em poucos dias ele me apareceu em casa numa hora que, depois soube, era seu costumeiro horário de visitas. Meia-noite e meia. Também, como é de seu costume, não quis entrar e ficamos charlando sentados sobre o murinho que dava do quintal para a rua. Naquele dia falamos sobre o silêncio.
Até hoje tento saber de onde ele é, mas é difícil. Às vezes seu sotaque é de manezinho da ilha, outras é tipicamente de biqüira garopabense, mistura palavras em castelhano tal qual os gaúchos da fronteira e constrói frases  como um alfacinha. Também não sei como ganha a vida nem onde mora. Nunca me disse. Creio que é pros lados do Capão.
Manuel não tem computador nem televisão, mas, como estava sentindo mais necessidade de informação do que antes sentia, construiu um rádio. Mas só ouve “A voz do Brasil”, o futebol e, de dois em dois anos, o programa eleitoral. Explicou-me que as músicas de que gosta não tocam no rádio. São as cantigas ouvidas na infância que lhe interessam. Jornais, só lê os velhos. Prefere os livros. E dos livros, os antigos. Também lhe interessam os santinhos de políticos e os panfletos publicitários.
Quando aparece para nossos serões vem pedalando sua bicicleta composta de peças de cinco marcas de quatro nacionalidades diferentes. Por referências que faz, presumo que tenhamos idade igual ou muito próxima. Manuel nunca aborda temas pessoais o que faz sua prosa rica e interessante.  Quando uma vez lhe disse que o mundo me interessava como palco e não como platéia, ele apoiou a definição e só se mostrou um pouco chateado por eu não me lembrar onde a havia lido.  Manuel é muito rigoroso com relação a isso e quando cita, diz o autor e sua contingência histórica. 
Semana passada eu estava em casa buscando alguma coisa na internet quando  ouvi os cachorros latindo, olhei o relógio e vi que os ponteiros estavam verticalmente alinhados. Fui ao portão receber o amigo. Embora chovesse copiosamente e ele viesse ensopado, preferiu não entrar. Ao invés disto abriu um enorme guarda-sol que trazia atado à bicicleta, fincou-o na terra encharcada e sobre dois tijolos nos sentamos para prosear.
Recusou a oferta de café e como nunca chega de mãos abanando, foi até a bicicleta e de uma cesta de vime, que está sempre presa ao bagageiro, retirou uma garrafa de coca-cola bem pequena , daquelas de vidro que já não circulam desde os anos 70. Um pedaço bem cortado de sabugo de milho servia como rolha e dentro havia uma cachaça de alambique curtida no butiá. Aproveitamos os eflúvios da cana para meter o pau nos políticos daqui e alhures.
Quando Angela Merkel e Agripino Maia deixaram de interessar, caímos na política local. Manuel tirou do bolso da jaqueta um saquinho de plástico com vários papéis e depois de vasculhar por uns minutos, tirou de lá um panfleto que fazia referência ao projeto 78. Trata-se de um projeto de lei do executivo municipal que modifica o gabarito das edificações na cidade. Disso muito falamos confrontando os argumentos pró e contra. Manuel refletiu e depois de mais um gole sentenciou: _ É briga de cachorro grande. Tem toda a razão.
Por um lado os que são a favor do projeto manipulam a população dizendo que sem o aumento do gabarito não seria construída uma escola técnica federal em nossa cidade e isto se daria porque o terreno que possui o governo para tal fim é pequeno exigindo construção vertical.  Ora bolas, nesse caso bastaria criar uma lei excepcional liberando o número de pisos para entidades de ensino ou prédios federais. O que na verdade defendem é o direito do maior hotel daqui ampliar para cima seu número de habitações. É uma lei dirigida, elaborada sem levar em conta questões como o esgotamento sanitário e o trânsito, que seriam alterados com o aumento de residências e prédios comerciais. Por sua vez os partidários da manutenção do gabarito nos atuais dois andares, trazem argumentos tais como a preservação das características da cidade. Se fossem sinceros não teriam vindo morar aqui, pois eles, assim como eu, ajudaram a mudar as tais características da cidade, transformando-a de vila simpática de pescadores num balneário tolo como os demais, sem vida própria sempre a espera dos turistas. Ajudamos a transformar pescadores em empregados da construção e ajudantes de cozinha. Claro que sem a ajuda dos especuladores locais, nada disso seria possível.
Sempre é a mesma coisa. Os interesses de poucos são colocados como se tratasse do interesse de todos. Por isso é que até hoje os gaúchos comemoram a guerra dos farrapos (uma briga de oligarcas) como se fosse uma revolta popular contra desmandos do governo central. E para esconder o mais elementar fato daquela guerra fratricida, a chamam de revolução farroupilha.




















sábado, 5 de novembro de 2011

Botequim

Antes o bar era o lugar sagrado do descanso do guerreiro, o escritório do vagabundo, a fuga do sujeito que vivia com a sogra, a faculdade do pobre. Lugar da anedota, da conversa, da paquera.
 E do futebol. Foi num botequim que ouvi pelo rádio o Atlético ser afanado pelo José Roberto ... Writh? Wrigth? Uraite?.... que se dane, num jogo da libertadores. No mesmo bar ouvi Jorge Cury narrar o gol de Renato Sá que terminava com a invencibilidade de 52 jogos do Flamengo e bebi a vitória do Brasil sobre a Argentina em 82.
Num bar um amigo me contou da morte de John Lennon, ouvi, pela primeira vez, Meninas do Brasil de Moraes Moreira, li Drummond e namorei. Namorei muito em botequins.
O meu ficava na Barata Ribeiro quase esquina de Santa Clara, ao lado de uma verdureiria. O português, malandro, pôs na parte mais próxima ao bar, os caixotes de abóboras e chuchus. Limões e maracujás ficavam fora do nosso alcance, ainda assim vez por outra alguém alcançava uma fruta do conde e até um saco de laranja veio parar em nossas mãos. Não consigo lembrar o autor da proeza. Acho que foi o Dimas, tão quietinho...
Bar também era o lugar dos apelidos, das gozações. O Rui ficou sendo o Abestado, O Edmundo, Renato Sá, eu era o Mineiro e havia também o Gaúcho. Tinha o Sebastião do Brinco e a Colega, o Rei da Maluquice e a Janis Joplin.
Talvez o melhor de tudo é que não havia aparelhos de televisão. Era um mundo à parte, diferente do emprego e do lar. Sem as chatices das novelas e as tragédias dos noticiosos. Os problemas, quando havia, eram criados ali mesmo. Uma briga ou outra, o bote dos home, alguma bebedeira séria motivada por dor de corno. Mas nada de TVs. Só o rádio, que ao fundo  anunciava:_ “O Globo no ar” e era desligado automaticamente quando alguém de Brasília dava início à “Voz do Brasil”. Os tempos eram bicudos e censurados, não fazia o menor sentido ouvir a versão oficial de nada. Tudo era versão oficial. Só se prestava atenção mesmo na hora do jogo. O narrador alentava nosso consumo:_ “Bola de pé em pé, Antártica de copo em copo”. Alguns pagavam, todos bebiam.
A rapaziada que ali se encontrava tinha as mais diversas profissões. O Joel foi apontador de obra, vendeu “prata peruana” na calçada  da  Avenida Copacabana e a última vez que o vi estava escrevendo bicho. O Sebastião do Brinco fazia shows eróticos na Prado Júnior,o Gaúcho e o Adonis eram bancários. A Colega e a colega da Colega eram domésticas de dia e à noite faziam a vida. Tinha também um coroa quase cego que sempre aparecia com o violão debaixo do braço e conhecera Noel. Era amigo do Dimas, que tinha de acompanha-lo  à casa quando as pernas  e o violão pesavam demais. O Renato Sá trabalhava no arsenal de marinha e depois fez prova para a Petrobrás e foi viver em plataformas. O Xará era pequeno traficante mas também dava um balão apagado quando a situação era propícia. Tinha pintor de paredes, o gerente da loja de discos, uma bicha que morreu assassinada. O Rui roubou um carro e foi em cana. Claro. O carro era uma Mercedes branca e pertencia ao cônsul da Suíça. Quando foi preso estava comendo milho cozido na Cinelândia. A Mercedes ao lado. Ao sair da cana dura ganhou o apodo; Abestado. Havia comerciários e porteiros, enfermeiras e estudantes e muitos, muitos vagabundos.  Todo mundo dividindo uns poucos metros quadrados e um banheiro do qual nem quero lembrar. Bebia-se em pé, comia-se em pé. Na dureza eu pedia um pão molhado e um veneno. Ia levando, ia vivendo.
Parafraseando Drummond, hoje eu sei que minha vida naquele tempo, era mais bonita que a de Robson Crusoé.




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Aos vinte e poucos anos um sujeito tem de ir aos bares, ser de esquerda e escrever poemas senão fica um chato aos cinqüenta, falando de comidinha saudável e anti-tabagista. Aos vinte e poucos anos escrevi este poema em homenagem ao meu botequim.
      


                                          O bar


             O homem que toca violino
             O cáften aposentado
             O camelô abordado
             O streep-teaser acidentado
             A puta deusa de samba enredo
             O padre que parou para o café
             O bancário que conta lorota
             O idiota que finge sê-lo e o é
             O crápula mais que crápula, vil
             O negro que bebe calado
             O gerente da loja suando
             O policial sacana
             O poeta que inventou vinte e três novas maneiras de sofrer
             O suicida eufórico

             Todo o país no botequim



Palavrões






Não tenho nada contra o palavrão. Pelo contrário, sou um cultor dessa arte. Meu neto já reclamou várias vezes disso e minha mulher explicou-lhe que os torcedores de futebol são assim mesmo: xingam a televisão. Claro que nos últimos tempos os palavrões aumentaram. Também, com Magno Alves de centroavante você quer o quê? 
            Mas se xingamos juízes, centroavantes e goleiros  num dia, no outro os amamos. É coisa de família. Os que ficam de fora dessa irmandade -locutores e comentaristas- tentam entender e explicar nossos amores e palavrões. Como detesto gente que se mete em problemas familiares alheios, criei o hábito de assistir os jogos com o som da t.v desligado.
Porém, ainda não consigo ler as notícias nos sítios informativos da internet sem depois ler os comentários. É uma espécie de masoquismo. Sei lá.  Freud explica. Mas o fato é que cada vez que leio os tais comentários, fico ainda mais descrente na humanidade.
Em grande parte nem sequer são comentários e sim uma série de xingamentos e palavrões que são dirigidos principalmente aos políticos e aos esquerdistas em geral. Tudo acompanhado, é claro, do mais estreito preconceito racial, sexual e de classe. O Lula não era criticado por seu partido ter feito alianças espúrias e sim por ser nordestino, ex-operário e ter pouca instrução formal. A Dilma é chamada de ex-presidiária e terrorista já que não é possível atacar seu grau de escolaridade. Os exemplos que dou são apenas o pálido retrato do que é dito contando com o anonimato da internet. E é aí que o bicho pega. A questão do anonimato.
Nas suas madrugadas insones ou nas tardes ociosas, algumas pessoas dão vazão ao ódio e rancor, que publicamente escondem sob o manto da civilidade ou sob os auspícios do medo e soltam palavrões contra mães, esposas, filhos e a moral de qualquer um que não atenda aos seus critérios de homem bom e honesto. Eu disse “critério”? Pois bem, falei demais. Na verdade o que impera nesses comentários é a total falta de critério Em muitos casos a partidarização é o motivo dos palavrões, em outros, como já disse, apenas o preconceito puro e simples.
Há também os perfeitos. Os perfeitos idiotas que sequer conseguem dizer coisa com coisa, mas soltam os cachorros e as palavrotas de maneira indiscriminada sobre políticos, partidos, categorias profissionais, classes sociais etc. Os “perfeitos” também cultivam a mania de não serem brasileiros ou ao menos de sentir-se parte de uma elite da qual excluem todos os outros nacionais que não fazem parte de sua maravilhosa família ou sua “ilustrada” corriola. O Brasil é sempre tratado, por estes gênios da frase feita, com desprezo assim como qualquer conquista da nação ou de seus filhos. Sua marca registrada é a xenofilia. A palavra país, quando usada para designar o nosso, é sempre acompanhada  de outra que eles trazem no cérebro e na ponta da língua.
Mas, como já disse, nada tenho contra o palavrão. Muitas vezes ele nos ajuda a sintetizar o pensamento com relação aos juízes de futebol e certos centroavantes. O que me incomoda é a covardia, a pusilanimidade. É fácil dizer palavrões detrás do computador. Cara a cara, o palavrão pode ser respondido com o bofetão.











terça-feira, 1 de novembro de 2011

A paz






Nos últimos dias do século 19, um grande jornal de Nova York mandou um de seus repórteres entrevistar o chefe do departamento de patentes dos Estados Unidos. Imagino que fosse para engordar a edição de domingo. A missão do repórter era saber o que pensava aquele homem sobre novos inventos que surgiriam no século que começaria já que, o que findava fora pródigo em toda espécie de inovações. Mas o homem das patentes se mostrou cético. Para ele o século 20 seria muito sem graça naquele sentido, pois tudo que era importante já havia sido inventado.
Já bastante entrados no século 21, continuamos com o mesmo pensamento do homem das patentes. Sempre achamos que a humanidade está no auge de sua capacidade tecnológica, no ápice de sua cultura e que, por acaso, isso se deu durante nossa curta existência como seres humanos.
Outro dia um professor de Harvard lançou um livro no qual afirma que a humanidade nunca fora tão pacífica. Que os atos de terrorismo e guerras localizadas são apenas focos de violência que logo serão debelados e que caminhamos para a paz global. Não li o livro, devo confessar, e não pretendo lê-lo. Me fio nas informações divulgadas pelos telejornais. Não ria, o assunto é sério. Aliás, o que mais me deixou perplexo não foram as afirmações que os telejornais dizem conter no livro, mas a posição passiva dos mesmos. Nenhum debate, nenhuma voz interrogante partiu dos meios para, ao menos, jogar uma dúvida em quem ouviu a notícia.
Não tenho idéia dos argumentos usados pelo mestre de Harvard para justificar suas afirmações, mas para dizer o contrário eu tenho os meus. E afirmo que nunca a África foi tão violenta, que nunca o Oriente Médio foi tão violento. E que os povos continuam a ser tão oprimidos quanto sempre foram. E me refiro apenas a violência armada e não a que dela deriva.
Chechenos, que já foram perseguidos pelos czares, continuam a sê-lo por Medvedev. Os curdos são vítimas dos iraquianos e turcos que por sua vez já foram dominados e dominadores respectivamente. Os judeus, perseguidos e trucidados na Europa, perseguem e trucidam na Palestina ocupada. .Curdos, bascos, chechenos, palestinos, irlandeses e outros povos continuam sem pátria. Aos atos rebeldes desses povos, da-se o nome de terrorismo.
As potências ocidentais continuam com a mesma arrogância de sempre e se alguma voz discorda, um reizinho brada:_ Por que no te callas? Tudo se passa sob o olhar cúmplice da grande imprensa mundial concentrada nas mãos de poucos. Cada vez menos. Murdoch, depois do escândalo que abalou a credibilidade (?) da imprensa inglesa, pôs seus tablóides á serviço do governo daquele país para ajudar a identificar os revoltosos que sacudiram a Inglaterra com o som e as chamas de sua ira.
Cabe mesmo imaginar que o autor desconhece a ação intimidatória que os países da Europa ocidental estão perpetrando contra a Rússia com seu escudo anti-mísseis. Ou então ele acredita que quem quer a paz prepara a guerra.
No norte da África a “primavera árabe” põe uma interrogante quanto às ligações do Egito com Israel, antes estáveis e até cordiais. A Síria, “inimiga confiável” do estado judeu, também o será, tão logo caia o governo de Assad. E a Líbia pode se tornar um estado de muitos Kaddaf.
As relações entre os Estados Unidos e o Paquistão se deterioraram depois do assassinato de Bin Laden. Se por um lado os americanos não engoliram a estada do líder da Al Qaeda naquele país, dentro do Paquistão o anti-americanismo ganha força no seio do principal sustentáculo do governo, o exército.Como sabemos os norte americanos não são de discutir a relação, vão logo pra porrada.  Estas informações eu não as colho de fonte secreta e sim dos meios de comunicação mais comuns, confrontando opiniões e notícias às quais todos têm acesso. Mas parece que o professor de Harvard assiste outros canais. Faz lembrar os dias e semanas que se seguiram à queda do muro de Berlin quando a imprensa ocidental em uníssono  anunciou uma nova era de paz mundial e entendimento entre os povos. Naqueles dias eram travados dezenas de conflitos mundo a fora, mas nenhum que merecesse a atenção dos meios “ocidentais”.Logo após o episódio que começou a pôr fim ao império soviético tivemos, com o esfacelamento da Iuguslávia, um dos maiores genocídios da Europa. Enquanto na antiga União Soviética, as reivindicações de independência foram tratadas com os tanques à frente, situação que perdura na Chechênia.
Outro fato presente em todos os noticiários recentes é a perseguição praticada em todos os países da Europa e também nos Estados Unidos contra os muçulmanos. Estão acendendo o estopim, a explosão não tarda. A ascensão da direita ao poder nos diversos países em crise e o crescimento da extrema direita apenas agrega mais pólvora.
Se isto fora pouco, temos o azedume com que vêm se tratando os países europeus por motivo da crise. A Alemanha já não é bem quista. Países como Portugal e Espanha, antes tão europeístas nos noticiários de suas televisões, agora falam de si como “países periféricos”, “países do sul”. Outro dia assistindo a um programa da Deutch Welle falado em castelhano, pude constatar esse azedume quando o jornalista espanhol interpelava seu colega alemão.
Os augúrios de paz mundial, que a televisão diz conter na obra do professor, fazem lembrar o que diziam os belicistas de 1914. _ “Uma guerra para acabar com todas as guerras”. Depois da frase veio a história.