O negócio funciona assim: a polícia faz uma incursão numa
comunidade pobre ou miserável. Esculacha, espanca e mata algum garoto mais
insubordinado. A população, que já chegou ao limite do que pode suportar se
revolta e desce o morro protestando. Incendeia alguma lixeira que encontra pelo
caminho, joga pedras em alguma viatura e, se isso ocorrer em São Paulo, comete
o crime hediondo de fechar o trânsito em alguma via importante.
Motoristas, redes de TV e imbecis em geral clamam pela ordem
pública e aí vem a polícia distribuindo porrada em mulheres, velhos e crianças
para desobstruir a via e desafogar o trânsito que voltará a funcionar na sua
velocidade normal de 5 KM por hora.
Não é raro que na ação pela ordem, os agentes da lei matem
mais alguém. Certamente haverá prisões e espancamentos na delegacia.
Nas TVs, a morte de mais um garoto negro, pobre e favelado,
será noticiada por alguma sonolenta jornalista com menos emoção do que denotam
os apresentadores das notícias do tempo. E nas redes sociais e caixas de
comentários dos sítios informativos da internet, haverá o interminável relincho
dos aprendizes de Bolsonaro.
Estamos vivendo um apartheid e não nos damos conta. Trezentos
e tantos anos de chibatas e pelourinhos nos embruteceram de tal maneira que
seguimos achando natural que nas TVs do país, gente como Datena, Marcelo
Resende, Sherazade e outros que tais sejam campeões de audiência pregando a
morte, justificando linchamentos, convalidando as ações violentas da polícia e
fazendo propaganda de UPPs e outras medidas com as quais se tenta intimidar e
até mesmo exterminar as populações pobres.
O exército de mão de obra de reserva está se tornando
desnecessário para a produção nas sociedades modernas e seu crescimento causa
medo nas camadas acomodadas da população que fecha os olhos para a barbárie
policial e para as políticas governamentais de exclusão e extermínio.
A impunidade para os desmandos e assassinatos da polícia
chegou a tal ponto que já não há mais necessidade de se forjar flagrantes ou
autos de resistência. As imagens, amplamente divulgadas na internet, do
policial baleando um camelô desarmado em pleno centro de São Paulo em nada
contribuíram para que se fizesse justiça no caso. O assassino está nas ruas. O
caso será esquecido pela imprensa conivente e cínica.