terça-feira, 30 de setembro de 2014

O nosso apartheid



O negócio funciona assim: a polícia faz uma incursão numa comunidade pobre ou miserável. Esculacha, espanca e mata algum garoto mais insubordinado. A população, que já chegou ao limite do que pode suportar se revolta e desce o morro protestando. Incendeia alguma lixeira que encontra pelo caminho, joga pedras em alguma viatura e, se isso ocorrer em São Paulo, comete o crime hediondo de fechar o trânsito em alguma via importante.
Motoristas, redes de TV e imbecis em geral clamam pela ordem pública e aí vem a polícia distribuindo porrada em mulheres, velhos e crianças para desobstruir a via e desafogar o trânsito que voltará a funcionar na sua velocidade normal de 5 KM por hora.
Não é raro que na ação pela ordem, os agentes da lei matem mais alguém. Certamente haverá prisões e espancamentos na delegacia.
Nas TVs, a morte de mais um garoto negro, pobre e favelado, será noticiada por alguma sonolenta jornalista com menos emoção do que denotam os apresentadores das notícias do tempo. E nas redes sociais e caixas de comentários dos sítios informativos da internet, haverá o interminável relincho dos aprendizes de Bolsonaro.
Estamos vivendo um apartheid e não nos damos conta. Trezentos e tantos anos de chibatas e pelourinhos nos embruteceram de tal maneira que seguimos achando natural que nas TVs do país, gente como Datena, Marcelo Resende, Sherazade e outros que tais sejam campeões de audiência pregando a morte, justificando linchamentos, convalidando as ações violentas da polícia e fazendo propaganda de UPPs e outras medidas com as quais se tenta intimidar e até mesmo exterminar as populações pobres.
O exército de mão de obra de reserva está se tornando desnecessário para a produção nas sociedades modernas e seu crescimento causa medo nas camadas acomodadas da população que fecha os olhos para a barbárie policial e para as políticas governamentais de exclusão e extermínio.
A impunidade para os desmandos e assassinatos da polícia chegou a tal ponto que já não há mais necessidade de se forjar flagrantes ou autos de resistência. As imagens, amplamente divulgadas na internet, do policial baleando um camelô desarmado em pleno centro de São Paulo em nada contribuíram para que se fizesse justiça no caso. O assassino está nas ruas. O caso será esquecido pela imprensa conivente e cínica.


sábado, 27 de setembro de 2014

Direito de resposta



Terça-feira passada, o pleno do TSE julgou dois casos de direito de resposta. Um, impetrado por Marina Silva contra a candidatura Dilma e outro, de Dilma contra a coligação que suporta a candidatura de Marina Silva. Ambos os pedidos foram negados. Segundo o relator, Ministro Tarcísio Vieira, não era pra tanto. De críticas se tratava. A diferença dos dois julgamentos é que o pedido de Dilma foi negado por unanimidade e o de Marina teve um voto favorável, o de Gilmar Mendes.
O Ministro Mendes, diferentemente de seus pares, não manteve a coerência e preferiu fazer campanha eleitoral.
O direito de resposta pedido por Marina se referia ao programa do PT no qual sua proposta de autonomia do Banco Central era criticada. Fazia-se no programa partidário do PT, afirmações genéricas e um tanto vagas sobre a tal autonomia. Nem de longe se poderia ver no programa qualquer ofensa pessoal à Marina ou aos partidos que a apóiam.

Disse Gilmar Mendes, que quem é a favor do aparelhamento do estado não podia mesmo concordar com a independência do Banco Central e que as afirmações contidas na propaganda do PT eram falsas. Deu razões de economista para sustentar seu voto pouco jurídico. Deu opinião que não lhe era pedida. Afirmou o que não lhe competia afirmar. Parecia um membro da equipe econômica de Marina defendendo a estapafúrdia proposição. Para ele a crítica do PT à proposta, não era crítica e sim difamação, calúnia ou algo do gênero. De Ministro, Mendes passou a cabo eleitoral. 

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Politicamente correto



Há certas palavras e expressões que eu não uso. Não as uso porque as acho feias, mal cunhadas ou simplesmente estúpidas. Não me refiro aos palavrões nem às gírias. Desses sou cultor e divulgador desde sempre. Falo de certas palavras, algumas são vernáculo e de uso corrente, outras, neologismos. Também não uso gírias de duvidosa origem e expressões de moda, especialidade dos inteligentes que adornam o vazio das idéias com elas.
Por sorte, algumas dessas expressões vão logo embora e não deixam qualquer marca nem no idioma nem no pensamento.
Curiosamente, algumas dessas nefandas expressões e neologismos desagradáveis, eu escutei por primeira vez nos programas da Marília Gabriela. Lembro bem que quando começou a era dos microcomputadores, quando esses aparelhos eram apenas processadores de texto e sequer havia internet, o fetiche por essas maquininhas cunhou um monstrengo lingüístico que só dos lábios da diva das entrevistas eu ouvi.
Foi no meio de uma conversa que Marília questionou seu convidado, que se mostrava fascinado pela novidade:_Você é micreiro?
Claro, a idiotice que queria ser palavra, era filha e irmã de outras que infestaram o linguajar dos 90, como roqueiro, metaleiro, etc. De tão horroroso, o termo não pegou, ou se pegou eu não mais escutei.
Mas o que sim pegou foi a expressão “politicamente correto” da qual derivaram  ecologicamente correto e outras que, felizmente, já esqueci. 
Conheci o “politicamente correto” na voz de Marília Gabriela. Sei que não foi ela que o cunhou. Tenho quase certeza que foi obra de algum publicitário. Parece coisa de publicitário. Pode crer; é coisa de publicitário. 
Nunca usei o termo. O que ele tenta significar, para mim tem outro nome: respeito.
Hoje, tanto a expressão, quanto o conceito, viraram peça de galhofa. Qualquer idiota, qualquer Gentilli, os utiliza em tom despectivo para desmerecer, para desqualificar quem defende que se tenha respeito pelo outro, quem lute contra os preconceitos, quem queira abolir a estupidez nas relações humanas. O termo, de tão artificial, como qualquer propaganda de automóvel, deu margem a isso.
Ontem, li que um advogado carioca abriu uma página numa rede social para apoiar a torcedora racista Patrícia Moreira. No alto da página infame lê-se: “Apoiamos Patrícia Moreira contra a hipocrisia do Politicamente Correto”. O advogado (ah! nossos doutores) culpa a esquerda pelo “politicamente correto” e para defender sua tese (?) adorna sua página com fotos de jogadores negros  ao lado de suas mulheres brancas.
Para o doutor e muitos que comentaram a notícia, lutar contra o racismo é politicamente correto, mas ser politicamente correto é algo que desmerece a pessoa, é um ato de hipocrisia. Segundo esses hipócritas que não assumem de vez seu racismo, sua homofobia, sua misoginia, tudo deveria ficar como sempre foi: negros sendo ofendidos, homossexuais sendo discriminados e mulheres sendo assediadas. Tudo em nome da liberdade de achincalhar.




quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Pesquisas e pesquisados



Não sou dos que não acreditam em pesquisas. Sou dos que acreditam na manipulação das pesquisas.  Mas mesmo quando os números divulgados a cada semana não chocam com a realidade ou, pelo menos, com a realidade que julgo conhecer, as pesquisas têm o dom de me desconcertar. Veja se não é o caso da pesquisa do Ibope divulgada nessa terça-feira.
A sondagem da loja do seu Montenegro traz, como todas as outras, os números divididos segundo vários critérios. No que diz respeito à escolaridade, vemos que Marina Silva é a favorita daqueles que possuem diploma universitário. Mesmo tendo caído 5 pontos percentuais desde a última pesquisa, a acreana ostenta a invejável marca de 33% das intenções de voto nesse segmento. Dilma subiu 3 pontos e conta com 24% das intenções de voto e Aéreo Neves manteve 27%. Estaria essa pesquisa manipulada? Ou deveríamos nos perguntar, como fez a Newsweek depois da releição de Bush:_ Como tantos podem ser tão burros?
Aqui estaco. Se há algo errado na pesquisa do instituto favorito das TVs, o erro pode ser corrigido com a ida às urnas dos eleitores no dia 5 de outubro. Mas o lado sombrio pode estar não na pesquisa, mas nas nossas universidades.
E aqui abro parênteses. (Nas poucas vezes que entrei numa universidade eu estava vendendo alguma coisa ou acompanhando alguma moça, portanto seja qual for minha opinião sobre nosso ensino superior, ela carece de qualquer intimidade. È tão desfocado quanto os trabalhos universitários sobre a pobreza brasileira).
A preferência dos mais estudados pela eco-evangélica só pode ser explicada pelo palavreado. O que liga Marina a essa casta de nossa sociedade é, sem dúvida, o discurso sibilino. Vá ler o Giannetti  e diga se tenho razão ou não. E as faculdades estão cheias de Giannettis, Pondés e outros que tais.
Darcy Ribeiro, Paul Singer e Florestan Fernandes estão em baixa entre nossos universitários. O discurso direto desses mestres, seu conhecimento prático, sua imersão na realidade brasileira são vistos hoje como passadismo. Um texto que se entenda logo na primeira leitura não merece a atenção dos inteligentes do país. Daí o gosto pelos “conceitos” de Marina e suas falas que nada dizem, mas sempre terminam com uma frase de efeito.  
Outra possibilidade poderia ser aventada confrontando-se os dados de escolaridade com os dados de faixa de renda. Poderíamos chegar à conclusão que os “doutores” e os endinheirados formam o mesmo grupo e apostam na candidata que, de passo atrás em passo atrás, se mostrou confiável para os que detêm a grana e o preconceito contra pobres.  Mas aí a pesquisa do Ibope nos deixa na mão.
Segundo o instituto, existem no Brasil 3 camadas sociais: os que ganham até  1 salário mínimo, os que ganham entre 1 e 5 salários e os que ganham mais de 5 salários. Ou seja, para o Ibope, você, minha amiga, que rala para pôr no bolso 3 contoiquinhento no fim do mês, está no mesmo patamar de Madame Itaú e do Eike Batista. Suas expectativas de governança são as mesmas que as da famiglia Marinho e as do rei do camarote.
Mas não é preciso ser doutor em estatísticas nem entendido em pesquisas para saber que a grande maioria dos que concluíram o ensino superior pertence às classes abastadas da população. Gente que ganha muito mais de 3 contoiquinhento.


terça-feira, 23 de setembro de 2014

Reforma política: voto distrital e lista fechada



Entre as propostas de reforma política algumas chegam a ser bizarras. O voto distrital me parece ser uma dessas bizarrices.
Os que defendem esse tipo de eleição, argumentam que haveria uma maior aproximação entre o eleitor e seu representante. Basta ver a atuação dos vereadores das grandes cidades para ter-se a certeza que tal aproximação, quando existe, é pervertida. Formam-se currais, trabalha-se no varejão dos favores pessoais, do assistencialismo e das pequenas demandas locais. Ora, um deputado federal não é um vereador. Cabe aos deputados federais discutir os grandes temas nacionais. Se hoje, alguns deputados se comportam como vereadores, distribuindo favores locais em troca de apoio em uma futura reeleição, são outros quinhentos. Não é convalidando tal prática que se irá melhorar a representatividade.
Segundo li, já ouve voto distrital na época do império e o resultado foi a formação de currais eleitorais e a predominância do coronelismo. Muitos dos vícios da política brasileira vêem daí.
Outra proposta que sempre vem à baila quando se discute reforma política é a lista fechada. Uns a propõem totalmente fechada e outros uma lista pós-ordenada com o intuito, creio, de minimizar a influência dos donos de partidos na confecção das listas. Ainda que se use desse artifício, não me parece uma medida capaz de aperfeiçoar a democracia, pelo contrário. Quando lemos o levantamento que aponta que 98 candidatos a uma cadeira na câmara baixa são parentes de políticos, fica claro que os clãs tendem a dominar a política. Uma lista, seja totalmente fechada ou pós-ordenada, traria à cabeça filhos, esposas e a parentada em geral dos donos de legendas. O PMDB, maior partido do país, está aí para dar todos os exemplos da influência dos poderosos na escolha dos postulantes.

Não sei se é o caso, mas poder-se-ia citar a tradição eleitoral do país para defender-se o voto nominal. Outro fato favorável à manutenção do voto nominal é que ele não é obrigatório, é possível votar na legenda partidária, o que é quase um voto em lista pós-ordenada. Talvez haja alguma maneira de aperfeiçoar essa ferramenta para torná-la mais popular e mais efetiva, sem retirar o direito ao voto nominal. 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Reforma política: financiamento público de campanha

Até mesmo na direita não fisiológica, há quem apóie o financiamento público de campanha. Pelo menos é isso que transparece das falas de alguns líderes no Congresso. Pode ser apenas jogo de cena, afinal são os políticos mais prestigiados e influentes, os maiores beneficiários das vultosas contribuições de empreiteiras, bancos e multinacionais. 
Com jogo de cena ou não, a proposta vem ganhando força na sociedade. Os defensores das doações de empresas para as campanhas milionárias dos candidatos, estão na encolha. A linha de frente da grana farta está representada pelo Pastor Everaldo e pelo Ministro Gilmar Mendes. Tirante os dois estranhíssimos personagens, não tenho ouvido ninguém que venha a público abertamente defender a tese de que é normal empresas investirem em candidatos.
Acho que o financiamento público de campanha deveria ser a proposta a ser abraçada pela sociedade organizada de maneira clara e exclusiva. Se a reforma política é a mãe de todas as reformas, como dizem alguns políticos, o financiamento público de campanha é a avó. Mas de que financiamento estamos falando?
 Acostumados aos gastos milionários vindos do bolso interesseiro das empresas, nossos políticos certamente vão querer, caso a proposta prospere, sangrar os cofres públicos da maneira mais descarada, portanto há que se falar em cifras antes mesmo de iniciar-se a discussão de sua aplicabilidade.
O aspecto mais importante do financiamento público para campanhas políticas, é a equiparação entre os postulantes aos cargos eletivos. Daí, não podemos aceitar que os maiores partidos e seus proprietários criem critérios, tais como tamanho da bancada ou número de filiados, para definir o montante que cada um fará jus. Se é público tem de ser igualitário.  
O financiamento público de campanha, justo e igualitário. pode ser um divisor de águas quanto a forma de se fazer política no país. Quanto ao conteúdo é outra conversa.


Reforma política: voto facultativo



Eu acho engraçado quando leio os sábios das redes sociais acusam o PT de querer se perpetuar no poder. Ora, eu acho que a obrigação de todo partido é querer se perpetuar no poder. Qual seria a outra alternativa para um partido?  Desistir da disputa depois de um certo número de anos?  Dizer que outras legendas têm melhores propostas?  Dizer que lhes esgotaram as idéias? Que já não presta?
Nossa legislação, ao permitir apenas uma reeleição para o executivo, exige a alternância de nomes, mas não há veto legal nem sequer justificativa para que uma idéia, uma forma de governar não possa se perpetuar no poder com o aval do voto popular.
Nossa sociedade (e só falo dela por ser a única que conheço) deixa-se levar facilmente por frases feitas e idéias que parecem bem arrumadinhas. Agora, que se discute novamente a reforma política, uma enxurrada dessas idéias pretensamente bem arrumadinhas toma conta das discussões nas redes sociais e caixas de comentários dos sítios informativos. Mas uma se sobressai: o voto facultativo. Há postagens, dados comparativos, petições e o escambau em nome dessa pretensa modernização na maneira de votar dos brasileiros.
Essa forma de colher a vontade popular por opção participativa e não pela obrigatoriedade, é, segundo tenho lido, a mais adotada pelas democracias modernas. Não afianço tal afirmação por saber que quando os meios de desinformação falam do mundo ou de democracias, eles se referem apenas às democracias européias, à americana e à japonesa. Eu não faço idéia de como as coisas funcionam na Índia, por exemplo.
O voto facultativo, sob o ponto de vista da relação estado-cidadão, sob a ótica do direito, pode sim ser discutido. Penso até que seria difícil a defesa do voto obrigatório por quem, como eu, advoga pelas liberdades do cidadão e pela não tutela do estado nas questões de foro íntimo, mas o que querem os defensores do voto facultativo é nos vender a idéia de que a adoção desse tipo de voto seria um aperfeiçoamento no processo eleitoral.
Estou longe de entender que tipo de avanço traria o voto facultativo. Não percebo que melhoria seria alcançada na escolha dos representantes e governantes, a não obrigatoriedade do voto.
Quando vemos a dificuldade de se criar consenso em torno da reforma política, creio que essa questão poderia ser deixada para o futuro, quando outras de maior relevância para o aperfeiçoamento democrático já tenham sido discutidas.
No momento, acho que voto facultativo ou obrigatório é questão menor.



Reforma política





Outro dia abri uma página na internet que se chamava RPJ. Pois é, neguinho se amarra numa sigla. Essa significava Reforma Política Já. A página se declarava sem vinculação política. Apenas uma união civil de pessoas do mesmo sexo que visava trazer propostas para a reforma política que o Brasil precisa.
Bem, que precisa, todos concordam. Mas qual reforma política? Espero que não seja a que propõe o RPJ. Entre as mudanças elencadas pelos “profissionais de diversas áreas” que compõem o grupo, estava uma que retrata bem o que o conservadorismo pensa do país.
No tópico sobre candidaturas, pedem esses senhores que se exija o ensino secundário para vereadores e ensino superior para os demais cargos. O grupo alicerça sua proposta elitista e burra no argumento elitista e burro que os bons políticos sem diploma são uma exceção e que não se deve basear-se na exceção e sim na regra. Ora, políticos sem diploma no Congresso Nacional é que é exceção. Nas duas casas legislativas, são os doutores imensa maioria. Na presidência, a única exceção foi Lula. O mesmo se passa nos governos estaduais, nas assembléias legislativas e nas prefeituras importantes.
Num levantamento recente, observou-se  que das leis propostas, votadas e aprovadas pelas Assembléias Legislativas e que foram contestadas na justiça, a imensa maioria foi considerada inconstitucional pelo Supremo. No Rio, por exemplo, de seis leis contestadas, todas foram assim consideradas. Em Santa Catarina o número é parecido e o mesmo se dá em todo o país. Basta ver a autoria dos diplomas legais que foram para o lixo, para termos a certeza da espessa ignorância de nossos “doutores”.
A página que cito é mais uma prova disso.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Torcida racista

Nos meus vinte anos, que foram passados sob o regime autoritário, eu pensava que, caindo o governo dos milicos, nosso povo poderia manifestar todas nossas qualidades de povo solidário e cordial. Que nossa sociedade, assim que se libertasse do autoritarismo e daquelas patéticas pessoas que comandavam o país, faria brotar a justiça e a concórdia. Ledo engano, Ledo Ivo engano.
Nossa sociedade não só apoiou a ditadura como dela faz apologia nos dias de hoje. Basta ler os comentários dos sítios de notícias da internet, para ver o quanto a sociedade brasileira é autoritária, violenta e boçal. Prova disso são as seguidas reeleições de Jair Bolsonaro, ativo defensor da tortura, e de outros como ele.
Porém quando as manifestações de intolerância, desrespeito e estupidez transbordam os limites da polêmica e do contraditório, há sempre alguém para dizer que tais manifestações são de uma minoria e que não se pode generalizar.
Veja se não é o caso do goleiro Aranha que, dias atrás, foi vítima de injúria racial no estádio do Grêmio.
No jogo de ontem, Aranha foi novamente hostilizado pela torcida gremista. Já não usaram da ofensa racial, mas bastava o arqueiro tocar na bola para que uma enorme vaia ecoasse pelo estádio. Em outros momentos, trocaram o xingamento de macaco pelo de viado. O racismo pela homofobia. No fim do jogo, repórteres gaúchos ao entrevistarem o arqueiro santista,quiseram fazer-nos crer que a vaia fora normal. Uma vaia como qualquer outra. Não, não foi uma vaia como qualquer outra. Naquelas vaias de ontem estava a concordância explícita com a moça que, no jogo anterior, gritava macaco, macaco, macaco.
Depois do primeiro episódio, nossa imprensa esportiva, de certo com medo de melindrar os gaúchos, repetiu, sempre que as imagens da torcedora racista era exibida, que aquilo fora coisa de uma minoria e que não se podia generalizar. O que aconteceu ontem mostrou que tal tese está incorreta. A imensa maioria do público presente no estádio, ao vaiar Aranha convalidou a atitude de Patrícia Moreira, deu-lhe apoio, foi-lhe solidária.

Pode-se dizer, sem medo de cometer generalizações injustas, que a imensa maioria da torcida gremista é racista.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O candidato e a bicicleta.



 De uma coisa, por incrível que pareça, ninguém discorda: o trânsito nas cidades brasileiras é um inferno. Quanto às ações para sua melhoria, há controvérsias. Para os políticos, financiados pelas empreiteiras, só existe  uma solução: obras. Obras caras, obras demoradas. Obras que, com o passar do tempo vão requerer aditivos, majoração dos preços e muita caixinha.
De vez em quando surge alguém com uma idéia para melhorar o trânsito sem gastar uma nota preta e é logo combatido e ridicularizado. O ceticismo interesseiro em torno do que não exige desembolsos vultosos do poder público é uma praxe.
Contudo, há vezes em que a solução é tão gritantemente eficaz que derruba os argumentos dos gastadores. Esse foi o caso da implantação pela prefeitura paulistana das faixas para bicicletas.
A medida da prefeitura nada tem de novidade. É o que há de mais comum em qualquer país minimamente moderno. Mas houve gente que não gostou das ciclovias paulistanas. Os moradores de Higienópolis protestaram. Fizeram boletim de ocorrência na delegacia e o escambau.
Os chiliques da burguesia paulistana não causam espanto em ninguém. Não há quem represente melhor a arrogância e o sentimento de superioridade de classe que os ricaços e riquinhos da capital paulista. Basta um piti dos “bem nascidos”, para que obras sejam executadas ou deixem de sê-lo. Até estação do metrô foi mudada de lugar para não incomodar os que se julgam donos da cidade.
Mas agora a burguesia paulistana já não precisa se expor diante dos microfones e câmeras de TV para exigir o que lhes cabe por direito divino. Surgiu um paladino para dar voz aos fortes e opressores. Esse representante da causa dos endinheirados é Aloysio Nunes Ferreira, candidato a vice presidência na chapa de Aéreo Neves.
O homem anda cuspindo marimbondo por causa das faixas para bicicletas que impedem que os proprietários de carros importados estacionem gratuitamente ao longo das vias nos bairros nobres da capital.

Nunes Ferreira, que foi secretário de Negócios Metropolitanos na gestão de  Luís Antônio Fleury, vice-governador e secretário de governo da prefeitura na administração Serra/Kassab, além de xingador profissional de jornalistas, acusa o prefeito Haddad de espalhar ciclovias sem consultar os moradores de Higienópolis. Pois é, essa é a acusação: espalhar ciclovias. Um escândalo. 

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Somos idiotas



O Merval Pereira, além de ser imortal e usar uns paletós maneiros, também dá opiniões sobre política. Dizem até, que ele recebe salário para fazer isso.
Pois bem, Merval é fiador da tese de que o aeroporto de Aécio foi feito dentro da maior legalidade, que  está tudo certim. Mesmo que as terras desapropriadas tenham sido de um tio do então governador e que a cidade de Cláudio possua pouco mais de 20 mil habitantes, ainda assim, nada chama à atenção do preclaro jornalista. Segundo Merval, não há o que se contestar. Há laudos técnicos, pareceres e, segundo Merval, o desapropriado queria muito mais pelas terras do que foi pago pelo governo mineiro. O fato do tio ter entrado na justiça contestando os valores recebidos, seria a prova cabal da lisura da transação. Merval não aventa um jogo de cena na postura do tio de Aécio.
Por duas vezes ouvi Merval Pereira na rádio CBN  sustentando essa teoria da legalidade e dando um conselho aos políticos. Dizia o homem dos paletós bem cortados que, quando se trata de dinheiro público, é melhor evitar negócios com parentes. Um conselho, nada mais.
De onde vem a certeza de Merval Pereira sobre esses fatos? Você certamente perguntará. Não há certeza alguma e sim o fato de Merval nos tomar por idiotas patológicos.
Agora é a vez de outros colunistas cobrarem a fatura de nossa cretinice incurável. Esses colunistas não estão na mesma trincheira que Merval, muito pelo contrário, nem freqüentam seu alfaiate, mas têm a mesma visão sobre seu público leitor.
Claro, é o caso da compra da refinaria de Pasadena e seus desdobramentos.
Em depoimento na CPI que investiga o caso, Dona Graça Foster admitiu que a compra da refinaria foi um mal negócio. Parecia que bastaria uma investigação para apurar responsabilidades e se poria um ponto final no assunto. Só que não.
Dias atrás, a imprensa divulgou que Dona Graça havia transferido seus bens para os filhos. E o que lemos na imprensa oficialista? Que foi tudo dentro da lei e que a transferência havia sido iniciada antes de estourar o escândalo da compra super faturada da refinaria de Pasadena. Ou seja: estava tudo certim. Esses jornalistas creem, ou querem nos fazer crer, que Dona Graça de nada desconfiava e foi suspreendida, como nós, com os números da operação feita pela empresa que ela dirige. Não lhes ocorreu que Dona Graça poderia ter se antecipado aos fatos. Depois do depoimento de Paulo Roberto Costa, diretor do setor de Refino e Abastecimento da petroleira, à Polícia Federal, o que estranhamos é que o escândalo não tenha estourado antes, pois, segundo o denunciante, era muita gente envolvida e muita, muita grana rolando. 

Mas não só os vivos fazem coisas do outro mundo, os defuntos também, afinal esse é seu mister. Li hoje, que Eduardo Campos, um dia depois de ter morrido fez uma doação milionária para a campanha de Marina Silva. O PSB desmente categoricamente que houve tal doação. Diz o partido, em nota oficial, que os recursos foram apenas transferidos do CNPJ do candidato Campos para o CNPJ do comitê de campanha. Quem fez a transferência, a nota não diz. Nem explica se os doadores de Campos estão de acordo em financiar a campanha de Marina. Mas juridicamente, eles garantem, que está tudo certim. Há controversias.

domingo, 7 de setembro de 2014

Diga-me quem te apoia...



Nunca acreditei nesse negócio de “diga-me com quem tu andas e te direi quem és”.  Aprendi desde pequeno que na mitologia cristã, Jesus andava com Judas e Judas andava com Jesus e na história do Brasil, que Joaquim José andava com Silvério dos Reis e Silvério dos Reis andava com Joaquim José.
O Raul já andou com o Paulo Coelho, John Lennon andou com os Hare Krishna e teve gente que andou comigo. Portanto, não é por aí.
Mas quando se trata de política, o buraco é mais embaixo. As companhias, alianças e apoios dizem muito do candidato, do seu passado e de seu futuro. Veja o caso do Aécio e suas conexões com os Perrela.
 Se o tucano tem pé de barro, pelo menos pode se vangloriar de sua coerência, afinal o que ele representa mesmo é o interesse da burguesia nacional e do grande capital especulativo. Mas, verdade seja dita, Aécio sempre foi o mesmo playboy de província e sempre andou com os mesmos, inclusive com os Perrela de quem é padrinho político. Tem uma trairagem aqui outra ali, mas isso faz parte de seu estilo de vida e o de sua classe social.
Esse não é o caso de Marina Silva. De aliada e colaboradora de Chico Mendes, militante petista, e porta-voz da política sócio-ambiental, Marina passou a andar com Madame Itaú. E não só com ela. Seus apoios vão de Silas Malafaia e Marco Feliciano aos generais de pijama do Clube Militar. Marina tem cultivado com afinco esses apoios, essas novas amizades e anda daqui pra lá com a fina flor da burguesia paulista. Já apagou parte do programa de governo do partido que acolheu seu projeto pessoal para agradar donos de igrejas pentecostais e mudou de opinião sobre a revisão da lei de anistia para colher simpatias de milicos e torturadores.
Também o dono da Natura, empresa que explora o trabalho precário de suas “consultoras”, faz parte da corriola de Marina. Sem contar membros do tucanato bem pensante como André Lara Resende e Eduardo Giannetti.

Marina tenta levar seu eleitorado para o mundo maravilhoso do bundalelê ideológico, onde Chico Mendes é elite e Madame Itaú é educadora. Onde não há luta de classes nem esquerda nem direita. Marina, agora, anda de mão em mão.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Uma noite de sono e o voto útil



Estou longe de pensar que a reeleição de Dilma seria o mesmo que a eleição de Aécio ou Marina. Vejo em Aécio, o neo liberalismo em estado puro (ou com gelo). A privatização de tudo como panacéia não é exclusividade do discurso troncho do Pastor Everaldo. Aécio deixou isso claro, tanto durante as raras vezes que ocupou a tribuna do Senado como na sua patética participação no debate do SBT.
Com Marina não é possível ter certeza de nada, mas seu entorno (Gianneti, Lara Resende, Malafaia, Madame Itaú) fala eloqüentemente pela sibilina candidata.
Apesar de todas as alianças espúrias que o PT construiu durante sua estada no poder, Dilma ainda está muitos passos a frente do tucano e da esfinge. Os programas sociais implantados pelo PT não podem ser menosprezados e muito menos interrompidos e isso é o que aconteceria  caso a finada candidatura Aécio vencesse as eleições. Com Marina o desastre tenderia a ser pior. Viveríamos ao sabor dos improvisos adornados de frases de efeito. Imagine o que seria viver num país no qual a opinião de gente como Malafaia ou Feliciano influenciasse as decisões de governo.

O crescimento da eco-evangélica nas sondagens de intenção de votos, me fez pensar no voto útil em Dilma Rousseff. Comecei a temer uma eleição de Marina Silva, mas acho que isso não se daria no primeiro turno a menos que Aécio volte atrás de sua volta atrás e retire sua candidatura apoiando a acreana. Com Aécio no páreo, ainda que com números minguados, o 2º turno é certo. E aí sim, o voto em Dilma se torna obrigatório para quem pensa no povo brasileiro e em suas necessidades.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Voto útil 2. A missão



Não acredito em voto útil. Acredito, isso sim, no voto por convicção. O sistema eleitoral brasileiro, depois da adoção do 2º turno nas eleições majoritárias, proporciona, antes de tudo, o voto ideológico, o voto em princípios éticos e políticos.
Mas aconteceu o fenômeno Marina da Silva que em menos de duas semanas deixou Aéreo Neves para trás e empatou com Dilma nas pesquisas de intenção de votos. É nesse clima que começo a cogitar o voto útil em Dilma para ajudar a evitar a catástrofe.
Parece que o povo tem a capacidade inata de crer em candidatos messiânicos e oportunistas. Assim foi com Jânio e Collor. Como no caso de Marina, as candidaturas do maluco e do empalado se amparavam no discurso grandiloqüente e vazio, nas frases de efeito e na ausência de um programa sério de governo. Tal como Jânio, Marina se vê acima dos partidos. Tanto é assim que já usou o PV e agora usa o PSB para seu projeto pessoal,e como Collor, pariu um partido próprio para o mesmo fim. No caso da eco-evangélica, o atropelo da pressa não permitiu o registro da sigla em tempo hábil, daí a necessidade da barriga de aluguel.
O episódio do pito de Malafaia que fez Marina botar o galho dentro juntamente com toda a cúpula do PSB, nos dá uma mostra eloqüente de como seria um governo encabeçado (ou descabeçado?) pela acreana.
Mas se a parte expurgada do programa de governo mostra a que tipo de retrocesso estaríamos expostos caso Marina vencesse as eleições, o que não foi mexido, talvez por não estar entre as preocupações de Malafaia, é o que realmente deveria nos aterrorizar.  Marina propõe, entre outras coisas, o abandono do programa do pré-sal. Deseja a pseudo ambientalista que usemos a terra, não para plantar alimentos e sim para plantar combustíveis.Os recursos investidos e a tecnologia adquirida pela estatal petroleira seriam atirados no lixo para que Marina continuasse posando de salvadora do planeta enquanto entregasse a segurança energética nas mãos do latifúndio monocultor.
A proposta, que encontra eco entre muitos preservacionistas de não sei o quê, foi ovacionada  quando a candidata se apresentou para uma platéia formada por latifundiários plantadores de cana do nordeste. Claro.
Marina também quer a autonomia do Banco Central. A proposta, que fez furor no auge do neo liberalismo e que deixou de ser mencionada até mesmo pelos tucanos, certamente foi sugestão de Madame Itaú. Mesmo Lara Resende, que já deu pitacos sobre  nova política para Collor e FHC, não deve ser um grande entusiasta desse choque de liberalismo, principalmente depois da crise mundial do capitalismo que teve sua origem na falta de regulamentação do sistema financeiro americano.
Abrir mão do Banco Central como ferramenta de política econômica e entregá-lo aos interesses do mercado financeiro é, para dizer o mínimo, de uma irresponsabilidade que só pensaríamos ver no programa de governo do Pastor Everaldo.  
O programa de governo proposto pelo PSB é o retrato de Marina: confuso, titubeante, prolixo e vazio. Vai do voluntarismo pueril ao mais descarado oportunismo.
Não tenho dúvida que a eleição de Marina Silva seria uma catástrofe para o país  assim como foram as eleições de Jânio  e de Collor e com conseqüências imprevisíveis.


Voto útil



A primeira eleição em que votei foi em 1976. Não havia eleição direta para prefeitos das capitais. Me sobrou, para estrear como eleitor, o voto nos vereadores. Naquela época, com o bipartidarismo, só havia dois tipos de voto: contra ou a favor da ditadura.
Um amigo me indicou um ex-colega seu do secundário que tentava a vaga na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte pelo MDB. Na última hora o cara retirou a candidatura por discordar do sistema eleitoral que engessava qualquer tipo de manifestação dos candidatos. Acabei votando nulo. Deixei escrito na cédula “abaixo a ditadura” e me dei por satisfeito. Muito mais que isso não se podia fazer.
Com a redemocratização, participei da primeira eleição direta para governadores. Meu voto seria para Roberto Saturnino Braga, candidato natural do PMDB fluminense, mas o partido negou-lhe a legenda e preferiu lançar o nome de Miro Teixeira, afilhado político de Chagas Freitas.
Após o primeiro debate entre os candidatos ao governo do Rio fiz minha escolha: Leonel Brizola. O PMDB pregava o voto útil. Tratava-se, segundo eles, de fortalecer o partido herdeiro daquele que enfrentara a ditadura e não dividir a oposição.  Muita gente embarcou nessa conversa e ainda hoje me lembro das caras constrangidas de Chico Buarque e Edu Lobo participando da propaganda de Miro.

Passado o pleito, me dei conta de que voto útil tinha sido o meu, pois ajudara a eleger o grande estadista que, ademais, tinha como vice Darcy Ribeiro. Votei em Leonel de Moura Brizola em todas as eleições desde então. Depois de sua morte nunca mais votei tão convicto, tão feliz.