quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A carta de Ary Fontoura



O ator Ary Fontoura publicou uma carta na qual pedia a renúncia da Presidenta Dilma. Pelo menos isso foi o que pensou a maioria dos usuários das redes sociais. Sim, pois esses usuários jamais lêem qualquer texto na íntegra, apenas as chamadas, as primeiras linhas ou o título das matérias publicadas. E daí saem tecendo comentários e, pelo geral, ofendendo quem teve a ousadia de publicar algo fora da visão em branco e preto tão comum nesses dias interessantes que vivemos.
Quem leu a carta até o fim, soube que o que quer o ator é que Dilma renuncie a certas práticas. Pede Ary Fontoura que a Presidenta renuncie à corrupção, aos corruptos, aos corrompidos etc.
Eu tenho muita simpatia por Ary Fontoura e de seus trabalhos na televisão eu sempre gostei. Desde o hippie que queimava as ervas daninhas na novela “O cafona”. E depois em “Saramandaia” quando fazia um tímido e melancólico lobisomem contracenando com a linda e inesquecível Dina Sfat.
Uma vez o vi. Foi no cinema Roxy, em Copacabana. Estavam passando “O último tango em Paris” que depois de anos fora liberado pela censura. Chovia (eu ia escrever que chovia a cântaros, mas na dúvida se ponho crase ou não, digo que chovia muito e pronto). Chovia muito naquela noite e no foyer do cinema, Ary Fontoura levava um guarda-chuva.
Não me lembro de entrevistas do ator. Tampouco tenho na memória qualquer manifestação de cunho político feita por ele.
Como qualquer cidadão ele agora resolveu se manifestar e o fez através de carta pública. A manifestação, dentro do melhor espírito democrático, é um direito seu e para não me aborrecer nesse último dia do ano, não li os comentários dos leitores dos diversos sítios onde a carta foi publicada. 
Faço, dentro do mesmo espírito democrático, minhas ressalvas quanto ao que escreveu Ary Fontoura. E só o faço por que em determinado trecho da missiva ele escreveu que falava em nome de 200 milhões de brasileiros.
Eu não espero que Dilma renuncie aos companheiros do passado como quer o ator, pelo contrário, gostaria que ela renunciasse aos novos, essas aves de rapina do oportunismo. Não espero que a Presidenta renuncie ao PT e sim que possa fazê-lo voltar às suas origens. Não acho que Dilma deva renunciar à volta da CPMF, deve sim, penso eu, voltar a cobrar esse que era o único imposto justo do país e deixe de tributar  os produtos da cesta básica e bens relacionados à educação e à cultura.
Tampouco quero que a Presidenta Dilma governe com a oposição como propõe Ary Fontoura. A oposição de esquerda (leia-se Psol), colaborou com o governo quando viu em suas propostas benefícios para a população e votou com o executivo em vários temas. Mas seu papel é se opor às práticas daninhas ao interesse do povo trabalhador.  Quanto à oposição de direita não se pode esperar nada dela, apenas as picuinhas e o jogo sujo do poder a qualquer custo.
Tenho outras objeções ao que escreveu Ary Fontoura, mas não vejo em sua carta outra coisa que não seja o desejo de contribuir com o país e sua governabilidade.
O erro que comete o ator em sua carta é tentar falar em nome de todos num país dividido por classes, raças, credos e visões de mundo.


segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A listinha de Veja



Já sabemos que o que a revista Veja publica tem pouca ou nenhuma credibilidade. Seus colunistas parecem ter saído dos anos 50 com seus delírios anticomunistas, seus editoriais poderiam ter sido escritos por generais de pijama no ócio dos asilos e o tom panfletário de suas notícias não deixa dúvida sobre o direcionamento que se pretende dar aos fatos, sejam eles corriqueiros ou de grande impacto social.
Como é fim de ano, época em que a criatividade jornalística entrega os pontos, Veja publicou sua listinha. Todos publicam listinhas no fim do ano. A de Veja é um “ranking”. Com o nome de “Ranking do Progresso”, a revista listou os senadores e deputados e lhes conferiu notas. O trabalho foi confeccionado pelo Núcleo de Estudos sobre o Congresso do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do estado do Rio de Janeiro. Os critérios para a aferição (não me pergunte quais) são da própria Veja.
Liderando a lista da Câmara Alta, com nota 10, está o senador Eduardo Amorim do PSC de Sergipe. Confesso que nunca ouvi falar do senador sergipano. Apenas sei que seu partido é uma dessas excrescências do nosso quadro político e na última campanha eleitoral comprovou isso. Creio que foi o partido que mais apresentou pastores e bispos de araque como candidatos. Todos com o mesmo discurso moralista, homofóbico e fundamentalista. Se entre os critérios da revista para pontuação estivesse a defesa dos direitos humanos, nenhum político dessa legenda poderia obter a nota máxima. Mas, convenhamos, esse jamais seria um critério adotado por Veja.
 Por outro lado, Cristóvão Buarque do PDT do DF com nota de 0,33 ocupa a 72ª posição. Ora, Buarque é a única figura política que tem como prioridade a educação. Desde as mortes de Darcy Ribeiro e Brizola, sua voz soa solitária no deserto de idéias que é a nossa política partidária. Sua participação na Comissão de Educação do senado é de destaque. Buarque tem planos, projetos e os defende com ardor e inteligência. Sem embargo, só mereceu da revista Veja uma pontuação de aluno relapso e burro. Na avaliação da revista, Buarque fica atrás, por exemplo, de Magno Malta e seus coices e relinchos. A defesa da educação tampouco é critério que Veja usa em suas avaliações de políticos. Disso não há dúvidas.
No sétimo posto do “ranking” encontramos o senador do PDT de Minas Gerais, Zezé Perrela.
O nome de Perrela (dono do helicóptero que transportava 450 quilos de farinha e que foi apreendido pela Polícia Federal numa operação sem nenhum desdobramento) ocupando tão honrosa posição, já seria motivo de sobra para o riso geral e mais uma prova que a Revista Veja não merece nenhum crédito. Nem para fazer listinhas serve.
Mas o que realmente foi motivo de comentários foi a última colocação de Aécio Neves com nota zero. O único senador a não pontuar.
A própria revista tratou de explicar o zero do mineiro, mas não conseguiu convencer nem seus próprios leitores. A revista citou a campanha como motivo da nota. Ora, Lindbergh Farias, também estava em campanha e, no entanto, ficou no segundo posto do “ranking” com nota 9,53.

Agora, cá entre nós, nada seria de estranhar num “ranking” promovido por Veja. O que, sim, causa estranheza é ver e ler muita gente da esquerda usando-o para fustigar Aécio. Ora, Aécio já foi derrotado e não há quem cuide melhor de sua desmoralização política do que ele mesmo. Usar algo publicado por Veja para qualquer fim é pura bobagem. É dar milho a bode.

domingo, 28 de dezembro de 2014

O que abunda e eu não vejo



O texto de Breno Altman no sítio informativo Ópera mundi se intitula “Quando Dilma irá acalmar a esquerda?” E começa assim: “Abundam analistas e protagonistas elogiando as escolhas da presidente para o ministério, as medidas anunciadas nas últimas semanas e o discurso que tem predominado desde a reeleição”.
Já de cara aparece a pergunta que não quer calar: por que alguém iniciaria um texto com um verbo tão sujeito aos trocadilhos bobos e às piadas infames?  Bem, disso trato depois.
O artigo segue fazendo uma afirmação que quer se passar por dúvida ou conjectura: “A idéia-força que atrai estes aplausos é a da pacificação. Seria lance político de brilhantismo um conjunto de concessões destinadas a desarmar o clima de enfrentamento da disputa presidencial”.
Aqui é o verbo ser no condicional o que incomoda. Esse “seria” tem o tilintar de moeda falsa, faz o leitor pensar que está tendo uma opinião, tomando uma posição, que está entre os que acompanham os abundantes analistas e protagonistas. Nesse trecho a vontade é de abandonar a leitura e abrir o Almanaque Capivarol, a folinha Mariana ou algo que faça prognósticos mais seguros. Mas não. Não sou homem de abandonos.
O texto de Altman prossegue num tom de análise ponderada, no mesmo tilintar. Chega mesmo a citar “ferrabrás do ruralismo” sem dar o nome da nova titular da pasta da agricultura. Pudores?
Mas voltemos aos analistas e protagonistas que abundam. Quem serão? Não os tenho lido ou ouvido. Toda notícia que leio e que fala do novo ministério de Dilma reflete a mesma estupefação, a mesma incredulidade quanto ao giro repentino do governo em direção ao que há de mais conservador e reacionário no país
É bem verdade que ando fugindo daqueles colunistas que um dia defenderam a permanência de Sarney na presidência do Senado em nome da governabilidade e que apontavam como golpe de estratégia genial do Presidente Lula a conquista do apoio de Maluf à candidatura de Haddad. Talvez sejam estes os que agora defendem o novo ministério. Mas, convenhamos, não são abundantes como quer Altman.
Sei que Altman não mente, apenas exagera quanto ao número de analistas que acham que o novo ministério é parte de brilhante estratégia política, daí o uso do  verbo que sugere multidões, farturas, profusões. Não me cabe dúvida de que há gente tentando dar nó em pingo d’água para explicar a presença de Kátia Abreu, Kassab, Barbalho e outros bichos no primeiro escalão do governo. Mas daí à abundância de elogios vai uma enorme distância.
A conversa da correlação de forças no congresso e o papo da governabilidade já foram por demais usados. Este discurso, supostamente realista, já encheu pote e moringa, portanto havia que se inventar outro. Agora fala-se de isolar núcleos golpistas e de extrema direita fazendo-se concessões (e que concessões!) às classes dominantes. Esse argumento também consta no artigo de Altman.

Se antes a equação era vencer a direita para fazer o que a direita faria, hoje, a impressão que ficou depois da escolha de parte do novo ministério é que se pretende isolar golpistas governando-se como os golpistas governariam. 

sábado, 27 de dezembro de 2014

Sei lá



Qual o significado da aproximação dos EE.UU e Cuba? _ Não faço a menor idéia. Apenas acompanho atônito o noticiário que fala do acontecimento histórico e acena para, quem sabe talvez um dia, o fim do embargo econômico a Cuba.
O fato do embargo só poder ser levantado pelo congresso americano, de maioria conservadora, só merece um ligeiro comentário em tom menor dos analistas. A intervenção de Sua Santidade, o Papa Francisco, inventor da bondade, fundador da nova igreja católica e defensor dos oprimidos, é o que domina todas as análises do jornalismo ternurinha.
Mas se fico atônito não é pelo restabelecimento das relações diplomáticas e pelo, quem sabe talvez um dia, fim do embargo. O fato é que no mesmo bloco de notícias que fala da ligação telefônica de mais de uma hora entre Obama e Raul Castro, nos contam do endurecimento do embargo imposto à Rússia e das hostilidades de toda ordem com que o governo americano afronta a Venezuela.
Mesmo antes de mostrar qualquer serviço, Obama foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Agora, com o gesto de, quem sabe talvez um dia, terminar com o anacrônico embargo econômico imposto a Cuba, já li um editorial que, se não afirmava, pelo menos, insinuava que o havaiano fazia jus ao prêmio. Ou seja: a Academia Sueca tivera a premonição de que daquele mato iria sair coelho.

Vai sair? Sei lá.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Jornalismo? A gente não vê por aqui



Você se lembra do jornalista que cobriu a queda do muro de Berlin para a Globo? Pois é, foi ele, o Big Brother Pedro Bial. Se fôssemos pensar apenas em termos profissionais, poderíamos dizer que o jornalista teve uma queda e tanto. Depois de presenciar e noticiar um dos fatos mais marcantes do século passado, Bial agora apresenta uma das maiores tolices que a TV brasileira já produziu.
Claro, o homem caiu pra cima. Ao abrir mão da carreira jornalística, Bial encheu a burra.  Se a televisão dos Marinho fosse algo sério, certamente ele estaria hoje dirigindo a sucursal da emissora em Nova York ou Londres ou então entrevistando algum líder do Estado Islâmico. Mas não, Bial faz caras e bocas no Big Brother.
Não é caso único. Ana Paula Padrão que deixou a Globo a peso de ouro para ancorar o jornalismo da Record, está apresentando um concurso de cozinheiros no estilo “reality show”.  E seguindo os passos de Marília Gabriela que fez propaganda de empresa de consultoria ou algo que o valha, Fátima Bernardes anda fazendo comercial de perus.
 Raquel Seherazade que, com boa vontade, pode ser chamada de jornalista e outros profissionais do noticiário do SBT levaram, há alguns dias, tortas na cara em um programa popularesco de domingo. E Percival de Souza, uma das maiores nulidades que ostenta carteirinha de jornalista no país, raspou seu bigode ao vivo durante um desses programas.

Enquanto isso, Willian Bonner recebeu o Prêmio Mário Lago. Como puderam fazer tamanha sacanagem com a memória do velho?

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Era só uma piada, Sheherazade


O nome do programa é: ”Sensacionalista, um jornal isento de verdade” e mesmo que o humorístico esteja já aí, no nome, há gente que crê tratar-se de um noticioso de verdade. Os esquetes do programa que aparecem compartilhados nas redes sociais merecem os comentários mais indignados e iracundos. O pessoal do “bandido bom é bandido morto” é o que mais opina para pedir intervenção militar, pena de morte e esterilização dos pobres a cada reportagem do Sensacionalista. Bem que, verdade seja dita, pra esses fãs do Bolsonaro e do Malafaia, até um desenho animado da Disney ou um episódio do Chaves merece o mesmo tipo de comentário.
Mas o que pode parecer apenas falta de neurônios e de senso de humor, tem explicação melhor. O fato é que fica fácil confundir um programa humorístico em forma de telejornal com os telejornais.
Se no Sensacionalista o desempenho dos apresentadores poderia denunciar o caráter cômico do negócio, o costume dos telespectadores  com o histrionismo, as caras de circunstância e a falsa indignação dos telejornais “sérios”, faz com que ele creia estar diante de mais um noticiário de TV. Mas tem pior.
Para embaralhar tudo, dessa vez foi uma profissional da imprensa que não soube diferenciar notícia de humor. E não poderia ser outra (na verdade poderia ser outra sim) senão Raquel Sheherazade a musa dos linchadores.
Todos sabemos que a moça não brilha pelo intelecto. Seu negócio são uns chiliques e comentários de cunho conservador e popularesco. Os chiliques são (mal) interpretados, mas os comentários parecem sairem-lhe d’alma, como diria o poeta.
Proibida pelo patrão de falar bobagens diante das câmeras, Sheherazade tem usado a internet para tal fim e ontem, para defender Jair Bolsonaro, seu ídolo e mentor intelectual, que agrediu a deputada Maria do Rosário com sua torpeza e boçalidade habitual, Sheherazade fez o que todos os que defendem o indefensável fazem: tentou desqualificar a vítima. Acontece que para isso a jornalista publicou como verdadeira uma notícia do blog “Joselito Müller, jornalismo destemido”. Ora, esse também é um blog de humor que brinca publicando as notícias mais estapafúrdias.

Ainda que no blog haja manchetes que dizem que o governo vai estatizar o Rivotril e que Mikail Gorbachov foi preso por fazer perestróika em público, Sheherazade não percebeu que se tratava de comicidade e reproduziu a nota que atribuía a Maria do Rosário a frase: “Quem cometer um crime contra um gay, merece a pena de morte.”. Sheherazade ainda comentou: “Mais uma vez Rosário falou sem pensar.” O mais engraçado é como termina a notícia que Sheherazade acreditou ser verdadeira. Joselito Müller conta que para fugir do assédio dos jornalistas, Maria do Rosário fingiu atender uma chamada no celular e só mais tarde percebeu que estava falando no controle remoto. Só Sheherazade (só ela não) para acreditar nisso.

domingo, 7 de dezembro de 2014

O padre negro



O padre Wilson é negro e por insistência dos fiéis foi afastado de sua paróquia. Os fiéis de Adamantina (SP) escreveram para o bispo reclamando do jeito simples do padre (quanta sutileza) e do fato dele estar atraindo pessoas pobres e viciados em drogas para a igreja. Claro que o preconceito não era “apenas” contra os pobres e supostos viciados. O próprio padre ouviu uma conversa entre duas senhoras freqüentadoras de sua igreja em que uma delas dizia que se deveria retirar o galo de cima da igreja e lá botar um urubu.  
O bispo, mais que depressa, afastou padre Wilson de suas funções, mas disse que ele não foi afastado por ser negro e sim por estar dividindo os fiéis. Entendeu? Alguns paroquianos não gostaram de ter um padre negro dirigindo os serviços religiosos, certamente havia fiéis que não se importavam com a cor do padre. Daí a divisão do rebanho. A culpa é do padre e de sua cor que não produziram a unanimidade dos católicos de Adamantina. Não é um espetáculo de dialética?
Nas caixas de comentários dos sítios informativos que publicaram a notícia, os leitores mostraram indignação. Pelo menos nesse episódio não encontrei quem defendesse a atitude dos católicos de Adamantina. O teor dos comentários pouco variava. Neles lia-se que tal atitude não é própria de um cristão. Citou-se Jesus e Francisco. Falou-se de amor ao próximo.
Bem intencionados, os leitores comentadores não viram o óbvio: a igreja católica sempre foi racista. E não só a católica. Os cristãos protestantes também. A escravidão era apoiada por essas igrejas. No Brasil a igreja católica era proprietária de incontáveis escravos que labutavam em suas ricas e produtivas terras. Os cristãos nunca viram o negro, o índio, o judeu, o asiático ou o árabe como iguais. Convertidos, continuavam sendo tratados como inferiores a quem a igreja concedera a graça da salvação e o epíteto de cristão novo. Nada mais.
O colonialismo, o genocídio de povos não cristãos ao redor do mundo, o holocausto nazista, nada disso recebeu reproches dos cristãos.
A bíblia está repleta de senhores de escravos queridinhos de Deus. Vários povos e mesmo tribos judaicas foram retratados nas escrituras com o mais deslavado racismo. O verdadeiro cristão tem motivos de sobra para ser racista.
Talvez, o único erro de Padre Wilson seja o de ter abraçado a fé cristã. Ele, como descendente de pessoas que foram escravizadas, deveria ter se dado conta que não se pode confiar numa crença que sempre apoiou a escravidão, que sempre praticou todas as discriminações.




sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O grande homem, as grandes frases



Minha ignorância é vasta e profunda. E não só quanto a fatos e especificidades. Há pessoas importantes que desconheço até que seu necrológio ganhe manchetes e páginas inteiras em jornais e revistas. É só na homenagem póstuma que tomo conhecimento de vultos e mártires; de gênios e santos.
Há pouco tempo, começou a aparecer no facebook o rosto de um cara encimando frases, grandes frases, bem ao gosto dos usuários das redes sociais. Em muitas dessas frases e parágrafos eu via o que quase sempre vejo nas grandes frases dos grandes homens: o gosto pela grandiloqüência e a profundidade de um pires.
Mas vendo aquele rosto que me freqüentava quase que diariamente na rede social, me lembrei: eu o havia visto antes num programa exibido na TV pública. Na verdade assisti trechos do programa duas ou três vezes.
Eu gosto muito de ouvir pessoas falando de suas vidas, principalmente quando são pessoas velhas, mas nesse caso só o tédio da programação comercial me fez ouvir o relato do homem. O caso é que o cara era um chato de galochas e suspensórios. Sem ter idéia de quem se tratava, antipatizei com o sujeito
Ao enfadonho de suas narrativas ele juntava a auto mitificação tão própria aos burgueses que querem ocultar suas vidinhas acomodadas e mansas. Contou de sua sofrida infância como estudante do Colégio Andrews, segundo ele mesmo, um dos mais caros do Rio naquela época. Antes falara da extrema pobreza em que vivera poucos anos antes e relembrou a casa de fazenda com ratos caminhando pelas vigas. O relato não colava, não era verossímil. Num espaço de poucos anos a abastança da família fazendeira, a casa com ratos e o colégio Andrews.
Em outro trecho da longa entrevista ele falou de nosso conterrâneo (mais dele do que meu, pois ambos são da mesma cidade: Boa Esperança), Nelson Freire, que conheceu menino. E manda a grande frase que sempre se espera do grande homem: “Ele tem veludo nos dedos, outros têm martelos, ele tem veludo”. Ora, dizer que um pianista tem veludo nos dedos deve ser o maior clichê do mundo da música. Mas não ficou nisso.
Colocando um CD do pianista para tocar, o grande homem semicerrou os olhos em pose de deleite e circunspecção. Fiquei imaginando o constrangimento do entrevistador, do "câmera" e do iluminador naquele instante infindável.

Pouco tempo depois das frases no facebook e do programa de TV, o grande homem morreu. Dele muito se falou desde então. Todos (menos eu) o conheciam e enalteceram seu aporte à educação e várias outras áreas, pois o grande homem era educador, psicanalista, teólogo, doutor em filosofia (Ph.D) e escritor. O grande homem, desconhecido para mim, era Rubem Alves, o chato mais incensado dos últimos tempos.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Mora na filosofia



Sob o título “Ecos do rancor, herança do ódio” o colunista Carlos Brickmann, do Observatório da imprensa, comenta o tema dos ódios que emanaram na última eleição. Para além da fronteira política foram cometidas todas as atrocidades em nome da disputa eleitoral. Brickmann, em poucas linhas, faz uma crítica das mais sérias e necessárias. Mas não é disso que quero falar.
Depois de seu arrazoado sobre os rancores e ódios, Brickmann tráz umas “curtinhas” com muito humor. Entre outras coisas, Brickmann dá uma alfinetada numa grande revista, segundo ele, muito orgulhosa da qualidade de seu texto e que, no entanto, mandou esta: “As startups são o seguimento de maior apelo entre os jovens”. Brickmann corrige o erro comum de confundir-se seguimento (do verbo seguir) e segmento (parcela, fração), mas nada diz das “startups”. Nem ele nem meu corretor de texto. Ou melhor: meu corretor quer que startups seja masculino numa frase e deixa que seja feminino na outra. Mas não sublinha o termo em vermelho como faz até com o nome de Monsueto. Meu corretor de texto não morou na filosofia e não tem idéia de quem foi Monsueto, mas aceita startup como se fosse vernáculo.
Se você pensa que vou discordar da revista quanto a avaliação que faz do apelo das startups entre os jovens, você está profundamente enganada.E não discordo por uma simples razão: não faço a menor idéia do que seja uma (ou um) startup. Tampouco espere que eu vá pro Google pesquisar do que se trata. Não. Essa minha ignorância eu quero intacta. Me recuso terminantemente a saber o que é uma startup com problemas de gênero. Não vou sucumbir a essa esculhambação (meu zeloso corretor me aconselha a não usar esculhambação. Ele prefere desordens, desmoralizações) do idioma. Continuarei a cometer erros em português. Prefiro confundir segmento com seguimento do que chafurdar nos estrangeirismos condenados pela gramática e pelo bom senso. Pois disso se trata: bom senso.
Morou?



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Manual do Manuel: Amélia

Manual do Manuel: Amélia: Outro dia, li que alguém (não me pergunte quem, pois já esqueci o nome) gravou uma música muito tola e machista. Parece que esse alguém...