quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O lado certo



                Naqueles tempos, viadutos, tetos de mercados, galpões e outras construções caiam sobre a população com incrível constância. Pensei que disso se tratava quando escutei o sinal sonoro que as emissoras de TV usam para seus informes extraordinários. 
                Daquela vez, não era nossa construção civil que mobilizava os meios de comunicação com mais uma tragédia. Era um pronunciamento oficial. Isso também era comum naqueles tempos bicudos; quando menos esperávamos caia sobre nós, como viadutos, um pronunciamento que tinha o condão de nos afastar mais ainda da esperança.
                Naquele dia era o próprio Ministro da Justiça, Armando Falcão, que vinha assustar criancinhas e falar de mais uma façanha do regime militar. Após um preâmbulo, repleto da mais estúpida cantilena verde oliva, Falcão entrou nos finalmentes e apresentou três jovens prisioneiros do regime. Eles vinham renunciar à luta armada e mostrar arrependimento pelos atos “terroristas” que haviam praticado. Cada um deu seu depoimento, abjurando de ideais e questionando a postura moral dos seus antigos comandantes. Lembro-me bem de um deles falando de Lamarca.
                Depois de encerrada a rede nacional convocada pelo sinistro Ministro, fiquei pensando que terríveis torturas deviam ter sofrido aqueles três rapazes para perpetrar aquela  traição. Eu era muito jovem e pensava a vida nesses termos.
                Passados mais de trinta anos daquele episódio, vi de novo os três jovens, ou melhor, dois deles, e já não eram jovens. Foi num programa jornalístico que mostrava aquela mesma cena que eu vira no passado e entrevistava os protagonistas nos dias que corriam.
                Para minha surpresa, soube que as declarações que eles haviam prestado nos idos de 70, não foram conseguidas através da tortura, que as fizeram por iniciativa própria. As torturas já haviam sido praticadas, o tempo de cárcere já se alastrava. Apenas haviam mudado de opinião quanto aos atos e fatos de seu passado guerrilheiro.
                Quando foi exibido o programa, um deles já havia se suicidado. Outro mudara totalmente de lado, e tornara-se seguidor das idéias de Plínio Salgado. Cultuava a figura e os ensinamentos do integralista numa garagem.
                O terceiro levava vida simples num sítio em companhia da mãe. Pobres, ele era o faz tudo do sítio. Segundo contou, a única fonte de renda fixa dos dois era a aposentadoria que recebia sua mãe. No mais, a incerteza.
                Seu depoimento não trazia revelações bombásticas. Não tinha o tom pungente dos familiares do suicida nem a verborragia do fanatizado neo-integralista. Reafirmava o desencanto que experimentara na prisão e que o fizera abjurar em rede nacional, precedido por Armando Falcão.
                O jornalista que o entrevistou, perguntou-lhe se não havia pedido indenização como vítima da ditadura. O ex-guerrilheiro disse que não, que havia sido travada uma guerra, um lado venceu, o outro foi derrotado. Ele não encontrava motivo para os vencidos pedirem indenização ao estado. Ficava claro que ele não via moralidade naquilo.
                Quando essa entrevista foi concedida, vivíamos uma azáfama reparatória. Gente que ainda usava calças curtas quando findou o regime autoritário, corria aos tribunais pedindo compensações pelas perseguições que nunca sofrera. Órgãos de classe ajudavam a perpetrar o assalto aos cofres públicos. Grandes somas de dinheiro e pensões vitalícias foram distribuídas a todos aqueles cujo oportunismo suplantou em muito a dignidade.
                Ao contrário de muitos, aquele ex-guerrilheiro mantinha sua coerência de combatente. Fez o que achou que devia ser feito em dois momentos cruciais da vida do país. Momentos em que era preciso decidir estar do lado da dignidade ou não.





quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A ética do velho Senador



                O velho senador, além do cargo eletivo, desempenhou outras relevantes funções na república. Creio que foi por ocasião de sua morte, que a TV Senado exibiu um depoimento seu, contando sua trajetória.
                Começou falando de suas origens. Contou que seu pai era imigrante e que com os irmãos havia entrado para o comércio, no ramo de armarinho. Os negócios iam bem e a família prosperava, mas veio a guerra e o pai do velho Senador perdeu uma soma importante num negócio de importação de produtos alemães que haviam sido pagos por adiantado. O pai do velho Senador tornou-se então representante comercial de um negociante alemão da região de Blumenau.
                Como estávamos em guerra, o governo brasileiro promulgou leis que punham empecilhos aos negócios de cidadãos dos países do Eixo residentes aqui. O negociante de Blumenau, para desvencilhar-se desses empecilhos, pôs seus negócios em nome do pai do velho Senador.  Ao fim da narrativa, conta-nos o velho Senador que, passada a guerra, seu pai, homem honestíssimo, devolveu tudo ao comerciante de Blumenau. A história pretende, ao referir-se a probidade do pai, afiançar o berço honesto do velho Senador.
                _Mas como assim? Você certamente dirá. Afinal isso nada tem de edificante ou exemplar. O que nos conta o velho Senador, é a história de um estrangeiro que ajuda outro estrangeiro, cuja nação se encontrava em guerra com a nossa, a ludibriar as leis do país que os acolheu. Para cúmulo, leis excepcionais, excepcionalíssimas. Leis de guerra. Em certos países mais belicosos e menos lenientes que o Brasil, isso seria visto como traição.
                É o tipo de história que as famílias, com um mínimo senso de honradez, escondem em baús e apenas velhas tias as cochicham quando não há crianças por perto. Ainda assim, passam de geração em geração como que para purgar aquela vilania, aquela infâmia.
               _Então como  que o velho Senador conta tal episódio diante das câmaras da TV  Senado e por cima gabando-se da duvidosa honestidade paterna? você arguirá.
               Acontece que o velho Senador era uma besta. Se lhe via no rosto parvo, no olhar bovino. Seus pronunciamentos corroboravam. Seu sentido de ética, de honestidade, estava muito aquém do entendimento médio. Incrivelmente, o velho Senador não via na ação do pai um ato criminoso. Pelo contrário, entendia-a honesta, honrada. 
               Assim como o velho Senador, parte de nossa sociedade, patrimonialista e acumuladora, crê que a desonestidade praticada contra o estado é algo menor. Ou mesmo algo para vangloriar-se. O empresário que elide o fisco, a classe média que põe falsos dependentes na declaração do imposto de renda, o profissional liberal que nunca emitiu uma nota fiscal, o remediado que consegue uma aposentadoria através de algum conhecimento com a burocracia corrupta, enfim, todo aquele que ludibria o estado se vê como um Robin Hood do benefício próprio, um rebelde, um herói.
               Tal qual seus congêneres anônimos, o velho Senador gozava da mais alta estima social. Tanto é assim, que mesmo depois de ter sido padrinho de casamento da filha de um doleiro preso e autuado, de freqüentar o restaurante que servia de fachada para venda ilegal de moeda estrangeira e outras façanhas, continuava presidindo comissões do Senado e foi seu corregedor. Antes de morrer ainda teve tempo de dar depoimento para a posteridade e exaltar as proezas paternas.
               Você, minha amiga, envolvida em tantos afazeres, provavelmente não assistiu o singelo depoimento do velho Senador na TV Senado, há pouco mais de dois anos, e agora lhe morde a curiosidade. Você quer o nome. Não posso menos que satisfazer-lhe o desejo. O velho Senador se chamava Romeu Tuma e entre as relevantes funções que exerceu na Sereníssima República, estão a de Diretor Geral da Polícia federal e a de Secretário da Receita Federal.






terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Inimigos da democracia



                A democracia burguesa que vivemos, não garante nada. Nem igualdade, nem liberdade e muito menos fraternidade. Sequer direitos mínimos como residência, emprego, alimentação, saúde ou educação. Ainda que tudo isso esteja escrito, em letra de imprensa e linguagem empolada, na nossa lei maior. Mas, essa democracia é o que temos. O que de melhor já tivemos no Brasil.
                Claro, nossa democracia, como tantas outras, está sujeita aos humores políticos e econômicos. Uma aliança do governo com determinado partido, em troca de apoio no congresso, pode, de uma hora para outra, mexer com nossas vidas e valores. Nem estou falando dos boatos que apontam a líder ruralista Kátia Abreu, como possível Ministra da Agricultura na próxima reforma ministerial da Presidenta Dilma. Não. Estou apenas me referindo às mesas diretoras das casas legislativas, que serão eleitas no próximo mês.
                O conservadorismo dos dois prováveis eleitos para presidir aquelas casas de leis, afastará da pauta de discussão, qualquer tentativa independente de aprimorar o país e suas relações com os cidadãos. Talvez venha a caber novamente ao Supremo, a missão de legislar em torno das demandas da sociedade, enquanto nossos representantes eleitos discutem o butim do petróleo ou o direito de acoitar réus condenados pela Corte Suprema.
                Essa democracia que vivemos com certa alegria, tem entre seus protagonistas (sim, nossa democracia tem protagonistas que não o povo) vivazes inimigos. Um deles, o próprio poder legislativo, ou melhor, aqueles que o compõem. O corporativismo, o nepotismo, a troca de favores, a corrupção e os mais escandalosos conluios, fazem parte do cotidiano do Congresso Nacional. A cada 4 anos entregamos um cavalo de Tróia na casamata da democracia.
                Os partidões, tanto na situação como na oposição, tudo fazem para silenciar os independentes, querem pautar a vida do povo brasileiro segundo seus interesses partidários e pessoais. Desde a redemocratização do país, têm conseguido.
                Outra inimiga da democracia brasileira é a imprensa. Como não precisam ser votados e vivem de seus ricos anunciantes, nosso jornalismo sequer tenta disfarçar seu perfil autoritário e antidemocrático.  
                As medidas mais populares, e conseqüentemente mais democráticas, do governo, ou sofrem severas críticas ou recebem o rótulo de populistas por parte dessa imprensa. É o caso do Bolsa Família.
                Já assisti na TV pública, várias entrevistas com economistas falando dos efeitos benéficos do Bolsa Família na economia do país. Milhões de brasileiros que hoje podem comprar um simples pacote de bolachas por semana, ajudam na expansão não só da indústria de biscoitos como na indústria de embalagens e no sistema de transporte de cargas, criando um círculo virtuoso. Só para citar um pobre exemplo. Sobre o assunto, as únicas reportagens que vi na Globo e congêneres, falavam dos desvios do Programa Bolsa Família  e de gente que recebia o benefício sem ter direito a ele.
                Na questão das cotas nas universidades, deu-se o mesmo. Jamais ouvi nas TVs comerciais, a citação dos números que colocam os cotistas no mesmo patamar dos outros alunos e até superiores, quando de freqüência e permanência no curso se trata. Ao invés disso, o risinho sardônico de Merval Pereira e a cara de prisão de ventre de Diogo Mainardi.
                Do outro lado do balcão, a imprensa mais atrelada ao governo, e não só às suas verbas publicitárias, também combate a democracia. Nesse quesito “Carta maior” chega ao paroxismo. Seus colunistas, já derrotados na tentativa de provar a inocência de notórios quadrilheiros, insistem na tese de que nada foi provado sobre o mensalão. Não dizem que os réus eram inocentes, apenas afirmam que nada foi provado. Discurso aprendido com os advogados do companheiro Maluf.  
                Onde esses senhores pensam que estávamos durante a CPI dos correios? E durante o julgamento da AP 470? Que somos incapazes de entender a leitura dos autos repletos de confissões?
                Mas há piores inimigos da democracia em nosso país: a classe média que infesta as redes sociais. Aqui já não há a tentativa de embuste dos meios de comunicação. É a grosseria pura e simples. Gente que não sabe alinhavar duas frases dá-se o direito de esculachar a população que não vota como ela, que não tem seus valores pequeno-burgueses, nem partilha de sua xenofilia. Não querem a profilaxia do Congresso e sim seu fechamento. Não pedem melhorias na educação básica, exigem o rebaixamento da idade penal e a pena de morte.
                Nossa classe média é saudosa da ditadura que muitos nem conheceram. Dizem que naquela época não havia roubalheira com dinheiro público e que o bandido respeitava a polícia. Faz-me rir.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Dr. Rosinha



                Ele é Deputado Federal pelo PT do Paraná e faz-se chamar, Dr. Rosinha. Eu gosto desses apelidos diminutivos com que nós brasileiros nos tratamos. Têm algo de carinhoso e familiar. Pressupõem intimidade e dão ao portador da alcunha um que de modéstia, de humildade. Mas, Dr. Rosinha, convenhamos...
                Ainda que a forma diminutiva case bem com o aspecto franzino do Deputado, sua barba hirsuta e abundante desmente a feminilidade do apodo. Mas podia ser pior; seu nome de pia é Florisvaldo Fier, assim que, por pouco ele não é Dr. Florzinha.
                Ademais de deputado, Dr. Rosinha escreve no sítio informativo “Congresso em foco”. Aí vemos, logo abaixo de sua coluna, assim como em todas as outras publicadas por esse órgão de imprensa, um pequeno currículo do autor. Lá está escrito que Sua Excelência é “médico, com especialização em Pediatria, Saúde Pública e Medicina do Trabalho, destacou-se como líder sindical antes de se eleger vereador, deputado estadual e deputado federal”.
                Curioso pela trajetória de Florisvaldo, fui à Wikipédia buscar mais informações. Em sua biografia, publicada por escriba amigo, na enciclopédia livre, consta que ele nasceu em Rolândia (PR) em 1950 e que foi “trabalhador rural”. Em 1969 mudou-se para Curitiba para estudar medicina na PUC.
                Fui tomado pela perplexidade. Como um trabalhador rural pode estudar medicina, o mais caro dos cursos, na caríssima Universidade Católica? De duas, uma: ou Florisvaldo foi bolsista ou o termo “trabalhador rural”, usado por seu biógrafo, quer dizer: filho de proprietário de terras, de muitas terras.
                O texto da Wikipédia ainda diz: _”Depois de formado, trabalhou por vários anos em postos de saúde da periferia da capital paranaense”. E mais:_”Indignado com a dura situação de vida a que está submetida a maioria da população, Dr. Rosinha começou a atuar nos movimentos sociais. Foi um dos fundadores e diretor do Sindicatos dos Servidores Públicos Municipais (Sismuc)...”
                Mais uma vez fico sem entender. Um sujeito fica indignado com a situação da população pobre e funda um sindicato de servidores públicos? Claro que as duas coisas não são excludentes, mas de maneira nenhuma são complementares. Se existe algo que indigna o povo pobre é o tratamento que recebe desses servidores.
                Dr. Rosinha também ajudou a fundar o PT e a CUT no começo dos anos 80.
                Eu gosto de aritmética e não resisto a fazer contas. Se Florisvaldo entrou na faculdade em 69, ele deve ter se formado em 74 ou 75. Se no começo dos 80 estava fundando a CUT e, portanto, já era diretor do sindicato dos servidores municipais, quantos são esses “vários anos” trabalhando em postos de saúde, de que fala sua biografia? Acho que não são tão vários assim. Penso que o Dr. Rosinha é um desses profissionais concursados que depois de uns anos de trabalho, entram para o sindicato (ou fundam um, como é o caso do Dr. Rosinha) e se profissionalizam. Daí para a carreira política é um pulo.
               Verdade seja dita, muitos dos projetos do Dr. Rosinha referem-se à saúde do trabalhador.
               Mas e o Dr. Rosinha colunista? Bem, em seu último artigo publicado pelo “Congresso em foco” e que tem como título “Precisamos de respostas”, ele fala de “suposto mensalão”. Diz que nada foi provado e que os réus  foram condenados pelo crime de serem do PT. Esquece-se Dr. Rosinha que até uma diretora de banco pegou mais de 10 anos de prisão e não era do PT. Que o mais penalizado na Ação Penal 470, foi Marcus Valério que jamais foi filiado a esse partido, embora se apresentasse em Portugal como “o Marcus Valério do PT”.
                Dr. Rosinha quer que a publicação do acórdão que possibilitará a prisão dos condenados no caso do mensalão, siga a ordem dos julgamentos e cita que há mais de 2.600 processos esperando publicação. Dr. Rosinha quer, a todo custo, a impunidade e agora é ardoroso defensor de todas as chicanas protelatórias usadas pelos advogados. Por seu gosto ninguém vai em cana.  







quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Bandida



                Morro Agudo é um bairro de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Há muito que o nome oficial da localidade foi trocado para Comendador Soares, mas o povo de lá prefere a antiga designação. Eu também. Parece-me muito mais simpático um nome que nos traz à mente um acidente geográfico que o de uma pessoa que, sabe-se lá porquê, recebeu uma comenda. Além do mais, se existe um título que me causa antipatia é o de comendador. Este, o Soares, era o antigo proprietário da Fazenda Morro Agudo, que ele doou à Santa Casa de Misericórdia e que, depois de loteada, deu origem ao bairro.
                Eu comecei a freqüentar Morro Agudo por causa do Tupynambá, um colega de trabalho. Isso foi em 82 ou 83. O Tupy, como era chamado, foi uma das melhores pessoas que conheci. Bom, honesto, discreto e amigo.
                A primeira vez que lá estive, foi por ocasião do casamento do Rodrigo, nosso chefe na concessionária de veículos onde trabalhávamos e que também era (ou fora) morador de Morro Agudo. Foi uma festa e tanto, regada à batidas de um famoso fabricante da área. Tomei um porre antológico. Dormi na casa do Tupy, que vivia com sua família a poucos quarteirões  do salão de festas. No dia seguinte, ao despertar, encontrei minha roupa, que estava em estado lastimável no fim da noite, lavada e passada ao pé da cama onde eu dormira. Uma das muitas gentilezas que recebi dessa família adorável.
                Continuei indo a Morro Agudo e num carnaval passei por lá. Não tinha planos, e com meu amigo, fui brincar no Vasquinho, o clube do bairro.  Foi nesse baile que a vi.
                De saia curtíssima e bustiê de oncinha, a garota se destacava. E não é que não houvesse mulheres bonitas. Ela era um espetáculo de sensualidade. Muito bronzeada, de corpo perfeito, cara de safada. Linda.
                Na minha primeira investida, ela me ignorou, mas continuava me olhando de vez em quando. Um tipo de paquera que pra ter êxito exige pertinácia, insistência. E eu era bom nisso. Mas sutilmente o Tupy me chamou de lado e, em meio ao burburinho, falou algo sobre a turma da moça, barra pesada.
                Muito a contragosto, acabei desistindo da paquera. O Tupy não era nenhum empata e se falara aquilo é porque algum motivo teria.
                Em 89, depois de passar dois anos em Buenos Aires, eu voltei ao Rio e fui procurar meu amigo em Morro Agudo. Lembro-me bem da data: um sábado, dia da decisão do campeonato brasileiro daquele ano. O jogo foi realizado no sábado, pois no domingo haveria o segundo turno da eleição que acabou por depositar o infame Fernando Collor de Merda no Palácio do Planalto.
                Após a vitória do Vasco sobre o São Paulo, fomos para a casa da namorada do Tupy para assistir uma fita pirata que era vendida como se fosse do filme “A última tentação de Cristo” de Scorcese, então proibido de ser exibido no Brasil por pressão da igreja católica. Não era o original, senão uma outra produção barata com mais ou menos a mesma temática.
                Quando ficamos a sós, lembrei-me daquela garota do carnaval e perguntei o que meu amigo sabia dela. O que ele me contou foi terrível.
                A moça era mesmo barra pesada. Bonita e gostosa, ela freqüentava lugares movimentados da Baixada, dava mole e atraía os incautos para certo lugar onde sua rapaziada estava esperando para depenar o coitado que pensava estar se dando bem com aquele monumento. Em pelo menos um caso, houve reação e morte.
                Um dia, a vítima foi mal escolhida. O cara também era ferrabrás e não se conformou com o golpe da gostosa. Dias depois de ter sido assaltado, voltou ao local com os seus e matou a moça mais bonita de Morro Agudo.










terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Podia ser pior



                No próximo mês, Câmara e Senado elegem suas mesas diretoras. Para presidir as duas casas o PMDB fará valer sua maior bancada no Senado e o acordo com o PT na Câmara, onde o partido no governo tem maioria.
                Os nomes de Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves são favoritíssimos.
                No caso de Renan a única candidatura oposicionista que se apresentou até agora, foi a de Randolph Rodrigues do Psol e a eleição do alagoano são favas contadas, apesar de mais uma denúncia contra ele que chega ao STF. Desta vez Renan é acusado de crime ambiental. Mas para quem já escapou de cassação no caso da pensão terceirizada de sua filha natural, não será uma acusação por crime ambiental que irá assustar o Senador.  Seu estoque de óleo de peroba ainda não se esgotou.
                No Supremo, o caso da pensão, todavia tramita. E com a agravante de falsificação de documentos usados por Renan para justificar recursos. Um outro processo por improbidade administrativa e tráfico de influência, também está naquela casa de justiça esperando julgamento.
                Mas se para Renan as coisas caminham normalmente, por trilha por demais conhecida do Senador, na Câmara a eleição de Henrique Eduardo Alves enfrentará mais resistência. Contra ele também pesam denúncias graves. Emendas de sua autoria beneficiaram a empresa construtora de um assessor do Deputado. Ele não nega e diz que não há nada de anormal, mas depois de 11 anos assessorando Sua Excelência, Aloísio Dutra de Almeida pediu exoneração tão logo as denúncias foram publicadas na imprensa.
                O político potiguar terá como adversários a Deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) e o Deputado Júlio Delgado (PSB-MG). Um terceiro nome, que era certo para entrar na disputa e assim fracionar os votos podendo forçar um segundo turno, retirou a candidatura e vai apoiar Henrique Alves. Trata-se do Deputado Ronaldo Fonseca.
                Deputado e pastor da franquia Assembléia de Deus, Fonseca prometia, se vencesse a disputa pela presidência da casa, pôr em pauta assuntos polêmicos como a união civil de pessoas do mesmo sexo e a questão da criminalização da homofobia.
                Homofóbico por vocação e religião, o Deputado também se notabiliza pelas declarações que faz. Falando sobre o caso dos sanguessugas que envolveu vários políticos da bancada evangélica, Fonseca foi taxativo:_ “O envolvimento de evangélicos no caso dos sanguessugas foi para encobrir o mensalão.  Foi uma armação”. Mas na mesma entrevista ao sítio informativo Congresso em foco, lemos outra declaração de Fonseca na qual ele diz que o mensalão nunca existiu, não houve compra de apoio parlamentar e tudo não passou de um acordo político. Ele é do mesmo partido de Waldemar da Costa Neto.
                Para embolar um pouco mais, Ronaldo Fonseca dizia, quando ainda era candidato, que a Câmara devia reagir às denúncias da imprensa contra deputados, mas ao mesmo tempo, apontava o corporativismo da casa como algo a ser combatido.
                No campo de ação de sua predileção, o combate ao pecado da homossexualidade, Sua Excelência é, todavia mais curioso. Afirma que a homofobia não existe, que é ficção e que não aceita a ditadura gay. São suas as palavras:_”Só digo que não concordo com a prática deles, (os homossexuais) porque, para mim, por questão de fé, é pecado como a prostituição e o adultério. É pecado e eu não aceito.Isso não quer dizer que você não possa ser gay.”
               Sem apoio do próprio partido e com forte concorrência na sua especialidade, que é falar bobagens, Fonseca retirou sua candidatura.



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Pixote



                Eu estava desempregado há muito tempo, o que faltava de grana sobrava de ócio para leituras nas bibliotecas, para a praia, o botequim e a paquera, mas meu único par de tênis estava imprestável. Tive de recorrer ao velho. Como ele também andava duro, me deu um par de sapatos seus que lhe iam apertados. Os sapatos eram bem bonitos e quase novos, mas como eu calçava o mesmo número do velho, também me apertavam os pés por todos os lados. 
                Foi com esses sapatos que caminhei de Botafogo até Ipanema para assistir um pequeno festival de cinema alemão no auditório da Faculdade Cândido Mendes. Seis filmes em dois dias, e de graça, como me convinha.
                Lembro-me de dois desses filmes. Um deles se passava na época da ascensão do nazismo. Os protagonistas eram dois meninos que viviam numa casa de cômodos. Um era judeu, o outro não. Para melhorar a situação da família, este entra para a juventude nazista. A fita tratava de valores éticos e, principalmente, de amizade, além de servir para os alemães purgarem suas culpas.
                O outro filme abordava o problema dos jovens delinqüentes alemães. Seu realizador, além de cineasta, era psicólogo numa instituição que abrigava menores infratores. Os atores eram os próprios garotos atendidos aí e as filmagens foram feitas no local.
                Custava crer que aqueles quartos para dois meninos, com livros, camas cobertas, luminárias e janelas abertas, fosse um lugar de recolhimento de menores que haviam cometido algum tipo de delito. 
                Um dos meninos, o mais velho e mais canchero, tocava violão e quando se mandava do abrigo levava o instrumento sujeito às costas com uma faixa à moda dos hippies. Sim, ele se mandava de lá. Não fugia, se mandava e ia buscar as ruas e a liberdade de ser vagabundo. Mas, sempre voltava. Ou por modo próprio ou levado pela polícia. Era uma espécie de herói para os outros.
                Na época em que assisti esse filme, fazia muito sucesso nas telas comerciais a fita “Pixote, a lei do mais fraco”. Lembro que quando acabou a exibição, eu ia saindo da cinemateca, quando ouvi o comentário de outro espectador:_ É o Pixote alemão! E ele ria muito do que achava ser uma grande tirada sua. Não havia do que rir. Para nós, brasileiros, o filme alemão e o filme nacional deveriam ser um soco no estômago, deveriam mexer com nossas consciências e nossas tripas, principalmente quando comparadas as duas realidades.
                Vivíamos no Brasil, a realidade da FEBEM, que anos mais tarde, para melhorar as condições de recolhimento de nossos jovens infratores, tomou uma medida extrema; mudou de nome. Hoje se chama FUNABEM. Mas os meninos e meninas que para lá vão, continuam sendo jogados em pocilgas superlotadas, à mercê de maus tratos e toda espécie de abusos. Não há nada que possa parecer com um programa de reabilitação. Nenhuma política educativa e muito menos apoio psicológico.
               O que mudou daqueles tempos para os dias atuais, foi a maneira como nossa sociedade vê o problema do menor infrator. Já não há lugar para os gracejos torpes, para as piadas infelizes. Não. O que vemos hoje é a histeria coletiva, o ódio irracional e as falácias que são disseminadas pelos programas policialescos de TV e pelas redes sociais.
                Cada vez que um menor de idade comete um crime, desde que seja pobre, favelado ou negro, os oportunistas de sempre voltam a falar na diminuição da maioridade penal. O assunto dá audiência na TV e gera votos. Nossa classe média, saudosa de pelourinhos e chibatas, apóia qualquer medida punitiva e pouco se importa com a reabilitação de quem errou. Pelo contrário. A classe média e os políticos conservadores que ela apóia, vêem a degradação física e moral do menor infrator como algo salutar para a sociedade. Mas querem mais.
                Outra novidade de nossos tempos é a adesão dos evangélicos à tese do rebaixamento da maioridade penal. É o caso do Senador Magno Malta. Entre um coice e outro, Malta, quando não está ocupado tentando intimidar jornalistas que investigam sua prodigalidade com passagens aéreas pagas com nosso dinheiro, relincha pela diminuição da maioridade penal. Esse tipo de apelo sempre deu resultado nas urnas. Assim foi para Amaral Neto.
                Político conservador e puxa-saco da ditadura, Amoral Nato não tinha projetos nem propostas, mas se elegia seguidamente com uma única bandeira: a adoção da pena de morte.
                Nas redes sociais, as postagens que defendem a tese do rebaixamento da maioridade penal já não são exclusividade dos milicos de pijama, dos racistas confessos e enrustidos nem dos que sentem prazer em esculachar pobres e favelados. O que temos visto são pessoas que professam a fé cristã-evangélica apoiando os apresentadores de TV e políticos oportunistas que fazem da tese alavanca de audiência e chamariz de votos. Assim demonstram seu amor cristão. Aliás, não é tanta novidade assim, afinal os cristãos, em outros tempos, apoiaram as fogueiras santas, o genocídio indígena e a escravidão.
               Na última postagem desse tipo que vi, estava a foto do apresentador de TV e jornalista sensacionalista, Marcelo Rezende. Ele é agora um dos fervorosos defensores da redução da maioridade penal. A postagem era de uma moça evangélica e pedia compartilhamento.
               Em sua página no R7, Marcelo Rezende aborda esse assunto quase que com exclusividade. Claro, ele quer o público do Datena. Dá pra entender. O que estarrece são os comentários dos leitores. Pelo geral, os mesmos leitores que são contra o sistema de cotas nas universidades e odeiam as políticas sociais do governo.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Waldemiro, nosso embaixador



                Em vez de receberem uma intimação do juiz ou voz de prisão do delerusca, Waldemiro Santiago e Senhora, receberam do Governo Brasileiro, passaportes diplomáticos. Agora o dono da Igreja Mundial não vai mais sentir inveja de Edir Macedo e R.R. Soares que, há muito, possuem o documento oficial.
                Assim como os outros dois, Waldemiro tem avião com autonomia para vôos internacionais e já não deverá mais passar pelo constrangimento de revistas nas bagagens e na aeronave quando for a Paris ou Nova Iorque pregar o evangelho. Vai que a patroa esquece o dinheiro da feira dentro da mala... Um incidente assim poderia deixar Waldemiro em maus lençóis, como aconteceu com a Bispa Sônia e seu marido, o Apóstolo Estevão. Poderia, não pode mais. Bagagem de diplomata é inviolável.
                Não faço idéia que outras regalias são oferecidas aos portadores do documento especialíssimo, mas certamente todas serão reivindicadas pelo proprietário da seita milionária. É a vontade de Deus.
                A outorga do passaporte diplomático, a quem nunca passou pelo Itamarati, se ampara na lei, segundo o Ministério das Relações Exteriores. O artigo 6º do Decreto 5.978/2006 permite que o documento seja dado às pessoas “em função do interesse do país”. Mas qual será esse interesse? 
               Como se trata de um pastor de almas, deve ter algo a ver com alguma missão divina, e o país, que tem em suas cédulas de dinheiro uma louvação a Deus, não poderia se furtar a prestar esse serviço ao Todo Poderoso. Imagine se chega o apocalipse, o armagedon, o arrebatamento e Waldemiro está retido numa alfândega por burocratas ateus! Nem pensar! 
                Com seu documento encadernado em couro de fariseu, Waldemiro terá sua passagem franqueada e caminhará sobre o tapete vermelho para cumprir sua missão celestial na ala VIP.



Veganos



                Minha Tia Lourdinha levou-me junto numa visita que fazia a uma família que fora nossa vizinha. Não me lembro deles como vizinhos. Creio que haviam se mudado para outro bairro antes de eu ter conhecimento das coisas, mas o nome do pai dessa família eu não esqueci até hoje. Ele se chamava Dorinato e um de seus muitos filhos levava também esse nome.
                Não havia motivo para que eu fosse; em casa estava minha Avó Benita para cuidar-nos. Talvez, na época, não fosse muito apropriado para uma mulher andar só por Belo Horizonte, daí a necessidade de companhia, mesmo que fosse de uma criança. Ou, quem sabe, menino de bairro, eu tivesse pedido para acompanhar minha tia. Nessas saídas para o centro ou para outros lugares, havia sempre a possibilidade de um sorvete nas Lojas Americanas. Ademais tinha a viagem de lotação, o movimento de ruas e avenidas. Era um passeio.
                A visita era pelo mais terrível dos motivos: aquela gente havia perdido um filho. Era, pois, uma visita de pêsames. Ainda me lembro de estarmos no quarto onde, de certo, dormiam as crianças. Lembro dos beliches, a casa escura naquela hora de crepúsculo, os rostos transidos de tristeza e junto a uma das camas, reluzindo o metal cromado que fazia realçar o couro gasto, estava o aparelho ortopédico que aquele menino morto usara devido à atrofia das pernas provocada pela poliomielite. Não sei se foi a pólio que o matou. Creio que não. A doença já fizera seu estrago tomando-lhe parte da infância, as correrias, a bola.
                Não lembro se houve sorvete nas Lojas Americanas depois da visita. Só guardo daquele dia uma sensação escura e triste.
                Anos mais tarde, eu convivi com outra vítima da pólio. O Marcus, meu amigo de peladas e vagabundagem, também contraíra o vírus quando criança, mas as seqüelas deixadas não o impediam de jogar bola e quase não se notava a atrofia de uma de suas pernas quando andava, apenas quando corria. A mesma “sorte” não teve uma prima de minha mulher. Sara, quando a conheci, usava o medonho aparelho e muletas.
                A pólio mutilou e matou milhões de pessoas pelo mundo até ser criada a vacina. Sabin e Salk derrotaram a poliomielite. A doença, erradicada no Brasil, um dia será apenas uma triste lembrança em todo o mundo. Dificilmente meu neto verá uma de suas vítimas.
                Isso, é claro, se não prevalecer a opinião dos veganos. Sim, porque além de defender o direito dos animais não comendo ou vestindo qualquer coisa que tenha essa origem, os veganos também são contra o uso de vacinas e soros que sejam testadas ou produzidas usando-se animais. Como alternativa, sugerem testes in vitro, cultura de tecidos e modelos computacionais. Esses seres superiores devem crer que todo pesquisador é um sádico que usa animais pelo prazer de vê-los sofrer. Fosse pelo gosto e sapiência desses iluminados, não teríamos vacinas, nem soro antiofídico, nem insulina.
                Mas o padecimento dos seres humanos parece não comover muito os veganos. Para eles, o confinamento e morte das galinhas é o tema a ser enfrentado.  A extração do mel, o crime a ser combatido. Pensa que exagero? De nenhuma maneira. Os veganos vêem a utilização, pelo homem, de animais para alimentação e vestuário, que eles chamam de especismo, algo tão grave como o racismo ou o sexismo.
                Como não se importam com as condições humanas, os veganos não sabem que milhares de anos antes de desenvolver a agricultura, o homem já era um caçador. Também ignoram que onde vive o povo inuit não nasce nem capim e que esse povo só sobreviveu por que come e se protege do frio graças às suas caçadas de animais. Que o índio sulamericano faz o mesmo, caça e pesca. Falo só de povos tradicionais, que não estão, nem de longe, ligados à interesses capitalistas menores. 
                Os veganos falam das vantagens do vegetarianismo para a saúde, mas esquecem de mostrar como praticar medicina preventiva séria. Nenhum tipo de alimentação vai prevenir o sarampo ou a pólio, a malária ou o impaludismo.   Nenhum vegano comanda um centro de pesquisas médicas para por em prática sua tese de que é possível desenvolver experimentos com base exclusivamente em cultura de tecidos ou modelos computacionais. Os veganos preferem publicar listas de adeptos famosos. Todos eles, do mundo do rock ou de Holywood.
                Por sorte, são poucos os praticantes desse tipo de atraso mental e sempre existirá gente como Sabin e Salk, Best, Macleod, Banting e Collip. Sempre haverá gente preocupada com gente.










sábado, 12 de janeiro de 2013

Aurora



                Aurora foi minha primeira namorada. Pelo menos, meu primeiro namoro sério, com conhecimento dos pais e direito à varanda e mãos dadas. Antes eu já namorara na escola, teve a Elizeth, a Fátima, mas eram namoros públicos com o coro dos confrades, na saída das aulas, entoando a infame cantiga: tira a mão do bolso, pega na mão dela... Muito constrangedor quando se tem 14, 15 anos.
                Com Aurora foi diferente, eu a via em sua casa duas vezes por semana e a buscava clandestinamente na escola, todos os dias. Primeiro no Pio XII, depois no Colégio Loyola.
                 Passamos férias juntos, no Rio. Sua família tinha apartamento lá e eu tinha minha Tia Alina, que sempre me acolhia por longas temporadas.
                 Foi naquelas férias que eu a vi de biquini.  Ruiva, Aurora tinha amplos quadris, seios pequenos e coxas grossas, cobertas de sardas. Nosso namoro foi casto, ou quase isso, como convinha a uma menina de família daquela Belo Horizonte extremamente conservadora do começo dos 70.  Eu tinha 16 anos, Aurora, 13.
                Mas houve aquelas férias, o Rio, o verão e o biquíni. Também havia o elevador do prédio onde minhas mãos puderam conhecer Aurora, os seus seios de bicos túmidos, suas coxas quentes, que o sol havia tingido de ferrugem.
                Um dia, já de volta a Belo Horizonte, Aurora buscou minha mão e levou-a por debaixo da blusa e do sutiã. Estávamos na varanda, separada da casa por uma porta de vidro que, vez por outra, mostrava o vulto de seu pai em contínua vigilância. Aquela intimidade, concedida ali, pôs passarinhos em minha cabeça. Depois daquela noite, eu tive a sensação de ser outro.
                Ainda me lembro de seu endereço, seu telefone, seu nome completo. E, o que chega a ser engraçado, me lembro da placa do carro de seu pai, uma Variant cinza, frente baixa.
                Nosso namoro durou pouco mais de 6 meses, e um dia, sem mais nem menos, ela terminou comigo.
                Anos mais tarde, eu acordei de ressaca ao lado da Zuleide e lembrei-me da Aurora. Pensei por um momento que já havia percorrido amorosamente todo o alfabeto. Mas não. Faltava ainda o D, o O e o X.


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Política anti-drogas


                Um grupo de juristas trabalhou durante 7 meses em um anteprojeto para a reforma do Código Penal Brasileiro tentando adequar as leis à sociedade de hoje, aos crimes de hoje. O Código em vigor é de 1940. Claro, sofreu várias alterações desde então, mas continua sendo uma peça de museu.
                Dos temas que merecem profundas reformas, está a questão do uso de drogas. Nossa legislação proibicionista já se mostrou absurda há décadas, mas só agora a ficha caiu para parte da sociedade.
                O combate às drogas nunca deu os resultados que seus apologistas esperavam. Mesmo aqueles que acham que o estado pode interferir nos hábitos dos cidadãos, já se deram conta que a proibição só fez crescer o poder do tráfico, a corrupção policial e a violência. O combate às drogas mata mais que qualquer droga. E mata gente que nunca usou drogas, seja por bala perdida, nas absurdas incursões policiais nas favelas, ou mesmo “por engano”. O que sustenta até hoje a repressão ao uso de drogas, é o preconceito presente em nossa sociedade com relação ao usuário.
                Mas, enfim, parecia surgir uma luz com o anteprojeto de reforma encaminhado ao Senado. Parecia.
                Mesmo antes que a equipe de juristas encabeçada por Gilson Dipp pudesse enviar ao legislativo o resultado de seu trabalho, parlamentares da bancada evangélica e outros obscurantistas criaram uma comissão para trabalhar em sentido contrário.
                Tendo à frente o Deputado Osmar Terra do PMDB-RS, a Comissão Especial do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas aprovou, no apagar das luzes do último ano legislativo, um projeto do deputado gaúcho que permite, entre outras coisas, que o usuário de drogas seja internado compulsoriamente por até seis meses. Também prevê penas maiores para usuários de drogas.
                Na contramão de tudo que vem acontecendo no mundo com relação às drogas, o projeto do Deputado chega a parecer chacota, piada de mau gosto, mas não é. Envolve vidas humanas.
                Nem é preciso ser psiquiatra para saber que as internações compulsórias em nada contribuem para que alguém supere a dependência química. Mesmo as internações voluntárias têm pouco êxito quando não encontram no paciente uma vontade férrea de se opor ao vício.
               Claro está, que o que pretende o Deputado com a internação compulsória não é a cura de viciados em drogas de grande poder destrutivo como o crack. Homem ligado à franquia Assembléia de Deus, Osmar Terra quer envergar a vergasta, distribuir açoites como seus heróis bíblicos. Sua Excelência deseja combater o pecado, punindo o pecador.
               Para defender seu projeto, o Deputado usa dos mais absurdos argumentos. Segundo ele, as políticas de liberação de drogas não mostraram nenhum resultado positivo nos países que a adotaram. Ora, nos países que optam pelo proibicionismo, como o Brasil e os Estados Unidos, quais foram os resultados positivos? Diz o Deputado que no caso de haver uma liberação do uso de drogas, o aumento da demanda faria crescer a oferta e conseqüentemente a violência. Osmar Terra parece desconhecer que produtos legais dispensam o trabalho do traficante, a repressão da polícia e conseqüentemente a violência que é gerada por esse conflito. 
                A legalização das drogas não fará desaparecer o tráfico imediatamente nem acabará com a violência ou a corrupção policial. A polícia, acostumada a ter outra fonte de renda além de seus soldos, continuará extorquindo. O traficante, habituado aos grandes lucros, não irá buscar emprego no supermercado. O que está em discussão no mundo de hoje, é o papel do estado e as liberdades do cidadão.


  
















sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Polícia pacificadora


                

                Na infância, eu via cenas da guerra do Vietnan na TV. As imagens chegavam até nós   poucos dias depois de serem colhidas. Em 1969, eu vi, ao vivo, o homem pisar na lua. Anos mais tarde, assisti à primeira invasão do Iraque por tropas estadunidenses. Foi a primeira guerra mostrada ao vivo e a cores.     
                Claro, eu vi o que o governo americano permitia que víssemos. O Pentágono e a Casa Branca já estavam escaldados com o desgaste moral que as cenas do morticínio vietnamita haviam provocado junto à população de seu país. Ninguém gosta de ver gente com as tripas pra fora na hora do jantar.     
                Na transmissão da invasão do Iraque, não havia cenas de gente morta ou ferida, apenas mísseis cortando os céus de Bagdá, edifícios sendo transformados instantaneamente em escombros após a explosão das bombas de meia tonelada. Sem sangue, a guerra era como um jogo eletrônico. Ainda assim, quando os sacos pretos com cadáveres de soldados americanos começaram a desembarcar em seu país, o governo de Bush, o pai, ampliou a censura aos meios de comunicação. Nem era preciso. As grandes cadeias de TV americanas já estavam suficientemente domadas.
                O que me chamava à atenção na época era a disparidade entre as imagens que víamos na tela e as legendas e falas dos jornalistas, tanto os gringos como os nacionais. Não precisava muita imaginação para saber o resultado dos bombardeios em meio à cidade, mas os informantes presentes no campo de batalha preferiam falar de números, de tecnologia bélica, da movimentação de tropas e das possíveis estratégias de seus generais. As mortes de civis eram números. Ao mostrar um edifício destruído, falavam da bomba que o destroçara, não de seus moradores.
                A incrível capacidade de mostrar algo e falar de outra coisa, já foi descoberta há muito tempo pelos meios de comunicação de massas. E funciona muito bem. A maioria das pessoas criou o hábito de desligar o cérebro tão logo a TV é ligada. A manipulação das consciências nunca foi tão fácil. E os políticos sabem disso.
                Uma imagem, com uma legenda, por mais disparatada que seja, faz milagres. É o que temos visto nos noticiários quando o assunto é a “pacificação” das favelas no Rio. Nos telejornais, quando é dita a palavra pacificação a imagem correspondente (?) é a de um policial portando um fuzil. Claro que não se trata de pacificação e sim de ocupação. Ocupação com armas de grosso calibre para serem usadas nas vielas dos morros densamente povoados. O número de mortos e feridos por bala perdida vem aumentando na mesma medida que o plano de ocupação fracassa.
                Seria ingenuidade pensar que os traficantes abririam mão de seus lucrativos pontos de vendas só porque alguns policiais, dados à corrupção e ao desmando, ocuparam as favelas. Nem o Governador, nem seu Secretário de Segurança, nem os políticos que os apoiam são ingênuos. O mais bobinho deles é deputado estadual.
                Em seus apartamentos do asfalto, a classe média tem a falsa sensação de segurança. Essa gente vê os favelados como ameaça, como inimigos. Crê que a repressão nas favelas irá lhe trazer a paz. Crê na pacificação que os noticiários de TV afiançam enquanto mostram os soldados de fuzil. A classe média quer acreditar que os mortos e feridos nas favelas são todos perigosos bandidos. O noticiário lhes dá essa certeza.
                O governador Sérgio Cabral Filho e seu secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, conseguem sustentar essa política de hostilidade frente à população pobre graças ao medo e aos meios de comunicação que fazem eco da propaganda governamental. Até a Presidenta Dilma já teceu elogios à pacificação de Cabral e Beltrame. Falou de modelo a ser seguido em todo o país.
                Para dar crédito à política repressiva, as TVs e jornais mostram entrevistas com moradores das comunidades ocupadas apoiando a ação governamental. São sempre pessoas mais velhas. Os jovens, que são em maior número e vítimas preferenciais do arbítrio policial, jamais aparecem para dar seu parecer sobre a ocupação. Não convém. Os garotos têm a língua solta e são menos afeitos ao medo que a presença armada inspira.
                Nem a manipulação dos fatos nem o preconceito da classe média, que vê no povo pobre e favelado o gérmen da violência, são novidades. Nas eleições de 1986, o povo do Rio preferiu eleger Moreira Franco em vez de Darcy Ribeiro para comandar os destinos do estado. Durante a campanha eleitoral, Moreira Franco prometia acabar com a violência em 6 meses. Houve quem acreditasse. O povo fluminense trocou o giz pelo fuzil e deu no que deu. A violência continuou crescendo. Portanto, não é de se estranhar que tantos acreditem na polícia pacificadora de Cabral e Beltrame.






quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Catarinenses






                Ao tomar posse no Supremo Tribunal Federal em novembro do ano passado, Teori Zavaschi tornou-se o mais proeminente dos catarinenses. Você poderá dizer que um ministro do Supremo não é nenhuma celebridade, que poucos conhecem a composição daquela colenda Corte, que quase ninguém fará a associação entre o magistrado e o estado sulino. É verdade.
                Acontece que Santa Catarina é carente de quem a represente em carne e osso perante o país. O último nome conhecido nacionalmente foi Guga que, com sua fama e suas vitórias, fez aparecer o nome do estado e até o de seu time, o Avaí. Mas como o tênis não é um esporte de multidões, quando o atleta resolveu parar, acabou-se. Santa Catarina voltou ao ostracismo, sumiu dos noticiários.
                Os políticos catarinenses são de pouca ou nenhuma relevância no cenário nacional. Salvo Ideli Salvati. Mas, cá entre nós, a impressão que tenho, quando a vejo, é que se Lula ou Dilma jogar um osso, Ideli volta com ele entre os dentes, abanando o rabinho. Ademais de não ser catarinense nata, Ideli tem contra si o caso das lanchas do Ministério da Pesca. Graças à CPI do Cachoeira e ao julgamento do mensalão, o escândalo foi esquecido. Esquecido e arquivado pela Comissão de Ética da Presidência da República. 
                O Ministério da Pesca foi criado para ser feudo dos catarinenses e prestigiar algum político local já que o PT tem muitas dificuldades eleitorais no estado. O nome escolhido por Lula foi José Fritsch. De sua passagem pela pasta, pouco ou nada se sabe. Não desenvolveu nenhuma ação para a melhoria da atividade pesqueira nem jamais foi visto próximo ao litoral. Homem do oeste catarinense, Fritsch nasceu, cresceu e foi prefeito a quilômetros de distância do mar. A pesca, nem de longe, é sua praia. Outro catarinense o sucedeu no Ministério, Altemir Gregolin que, por sua vez, foi sucedido por Ideli Salvati. Dos dois, só restou o escândalo das lanchas.
                No cinema, Sílvio Back é o catarinense mais conhecido. O cineasta fez dezenas de fitas, entre elas, Rádio Auriverde e Aleluia Gretchen. Seus filmes são de produção ruim, péssimas interpretações e, no caso dos dois citados, germanófilos. Sílvio Back também é escritor. Seus filmes jamais foram sucesso de público, nem poderiam ser. O negócio de Back são os festivais nos quais os coleguinhas se premiam mutuamente.
                A colonização eminentemente européia do estado que, segundo os xenófilos, deveria produzir requintes de cultura, mostrou-se estéril no campo das artes. O grande literato catarinense, reconhecido em todo o país, foi Cruz e Souza, que era negro.
                Na música popular, não há nenhum barriga verde que tenha se destacado no rico cenário brasileiro. Assim como na literatura, existem nomes locais ou mesmo regionais, mas ninguém que seja identificado como um representante do estado, além divisas.
                Mas não é por falta de personagens que os catarinenses vão se acanhar. Se não há nomes de relevo, inventa-se. Assim fez o Diário Catarinense em sua edição de 5 de agosto de 2012.
                Na capa do caderno “Donna”, voltado para o público feminino, está a fotografia de um rapaz com os dizeres, “Ele é o cara e é nosso”. Mas, qual era o motivo de tamanho júbilo bairrista por parte do jornal? Não se tratava de nenhum neurocientista ou cirurgião cardíaco. Tampouco era um escritor premiado, ou jogador de futebol. O rapaz é fotógrafo de moda. Pois é, ele fotografa modelos. É, praticamente, um radiologista. Mas, segundo dizia a reportagem, que ocupava 4 páginas no corpo do interessantíssimo caderno, “ele é o queridinho das top models”. Pronto, bastou. Ganhou reportagem de 4 páginas e capa.
                Claro que o rapaz não tem nada a ver com isso. Ele apenas tenta ganhar a vida honestamente, ou quase isso, fotografando o que resta das moças que viraram modelos. Talvez, na infância, seu sonho fosse fotografar a vida selvagem ou filmar a abertura de uma tumba de faraó. Mas, pelas voltas que o mundo dá, acabou nessa profissão, quase um legista forense.
                Com a ascensão de Zavascki ao Supremo, os catarinenses têm um nome que pode representar o estado e seu povo diante do Brasil. Mas, coisas de nossos dias, ele dificilmente será chamado de “o cara” ou merecerá reportagem de 4 páginas no suplemento dominical de um jornal.