sábado, 28 de janeiro de 2012

Três mulheres







No Brasil temos a cantora mais bonita do mundo. Não da atualidade ou da música popular. Temos a cantora mais bonita do mundo em todos os tempos e estilos. Minha única dúvida quando faço tal afirmação vem do fato de eu não conhecer muitas divas do canto lírico. Já vi uma soprano russa que é um negócio, mas mesmo assim fico com a brasileira. Fazendo as contas tento mensurar sua idade. Quando me casei, em 84,  ela estava fazendo sucesso. Se tivesse 17 anos naqueles tempos, hoje teria 44. Nos nossos dias uma mulher dessa idade corresponde à mulher de 30 anos dos tempos de Balzac. E ganham nossas contemporâneas em vivência e frescor.
Sei que é uma grosseria falar da idade das damas. Nelson Rodrigues já nos dizia que quem estivesse na cama com Cleópatra ou Madame Pompadour, jamais se lembraria de perguntar sua idade. Se tomo tal liberdade é porque para mim os anos servem de adorno, quando de mulher bonita se trata. Alem do mais, nunca fui para a cama com Paula Toller, mas infelizmente, não posso provar isso.


Roseana Sarney já é avó. Avó de neto grande. Sei disso porque da última vez que a herdeira política do clã Sarney foi notícia, esta tratava de um acidente que a governadora sofrera ao cair do skate do neto.
O poeta Ferreira Gullar a chamou de anjo quando teve seu nome dado a uma rua de São Luís pela então prefeita Roseana. Pode parecer que o poeta se referia ao fato de que só por intervenção divina ou ação de um anjo, uma rua da capital maranhense já não tivesse sido batizada com o sobrenome do clã que domina, desde os tempos das caravelas, aquele estado. Mas não. Acontece que o vate deixou-se inebriar pelo discreto charme que só algumas poderosas de direita têm.
Mas o que distingue a filha dileta do último coronel, das outras? O cabelo liso e negro que lhe emoldura o rosto? O gesticular pausado e enérgico?  Não. Sem sombra de dúvida é o corte trágico da boca.  Sem que a tragédia tenha se abatido sobre o ditoso clã, ela trás do berço algo de Medéia, de Antígona. Roseana parece estar sempre mais perto do choro que do sorriso. E quando sorri é como se estivesse nos presenteando com algo raro. Algo assim como uma dádiva.
Anos atrás, quando sua pré-candidatura à presidência foi abortada por um escândalo de captação de recursos de campanha fora dos prazos estipulados e a origem da grana encontrada em sua propriedade era suspeita, o cineasta Arnaldo Jabour, comentando o episódio, disse que o pecado de Roseana era ter casado com o homem errado. Ainda que saibamos que Jabour faz análises muito confusas sobre tudo que lhe aparece pela frente, nesse caso creio que ele foi iludido pelo sorriso triste da herdeira. Achar que Roseana, cobra criada no sertão, não seja dona e senhora de seus passos, só tendo a vista turvada mais que o habitual.


Inteligente, gostosinha, entende de futebol e fuma maconha. A mulher ideal? Talvez. Se não fosse a política.
Nada tenho contra quem se dedica a fazer leis e fiscalizar o executivo. Pelo contrário. Quem faz isso bem, merece todos os elogios pois alem de suas tarefas, ainda tem de conviver com a estupidez e ganância desmedidas dos outros políticos.
Quando entrou na vida pública, Soninha levou para o parlamento paulistano um pouco de frescor. Via-se nela algo diferente dos políticos tradicionais. Passou o tempo e hoje Sônia Francini é uma política tão tradicional como qualquer outro. Tem como aliados, Serra, Alkimim e Kassab.
A última vez que soube dela foi por ocasião do lançamento do livro de Amaury Ribeiro Jr, sobre a privataria tucana. Mas ela não comentava o livro e sim fazia revelações sobre seu tempo nas fileiras do PT. Dizia a musa futebolística, que quando era vereadora, seu partido de então cobrava caixinha dos funcionários dos gabinetes. Só não explicou porque não falara nada no momento e nem depois que saiu do PT, fato acontecido anos atrás. Soninha fez assim sua entrada, nada triunfante, na operação cortina de fumaça.
Durante a campanha eleitoral ela escrevera em seu blog que a imprensa andava privilegiando a candidatura de Dilma em detrimento de Serra e Marina Silva. Citava uma edição do Correio Brasiliense para justificar sua afirmação. Mas só alguém que não lesse outra coisa alem de seu blog, poderia acreditar em tal coisa. Soninha estava subestimando nossa capacidade de ver o óbvio.
 Ela continua inteligente. Sempre que ouço suas opiniões em reportagens ou documentários, sou surpreendido com sua visão aguçada e nada convencional. Também segue gostosinha e suas fotos nua para uma revista, não me deixam mentir. Se ainda fuma um, eu não sei. Ela afirma que não. Mas o mais importante é que, uma vez aprendida, ninguém esquece da regra do impedimento.








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Parlamentarismo







Na próxima semana santa faz dezenove anos que vivo em Garopaba. Lembro bem da data pois poucos dias depois de chegar, voltei ao Rio para buscar umas coisas e votar no referendo que foi realizado dia 21 de abril de 1993. Como se sabe, o primeiro referendo ninguém esquece. E esse era diferente do último havido no país 30 anos antes.  
Para começar, a pergunta feita aos eleitores era incorreta. Confundiram forma de governo com sistema de governo. Devíamos optar entre a manutenção do presidencialismo, ou a adoção do parlamentarismo ou da monarquia. Acho que a pergunta deveria ter sido dividida em duas. Primeiro o eleitor optaria entre república ou monarquia. Vencendo, por exemplo, a monarquia, o eleitor deveria voltar às urnas e decidir que tipo de monarquia preferiria, parlamentarista ou absolutista. No caso da vitória do sistema republicano, escolheríamos em segunda votação entre república presidencialista ou república parlamentarista.
Durante a campanha eleitoral gratuita a que tiveram direito, monarquistas e parlamentaristas (embora uma coisa não exclua a outra, sigo o roteiro dos propositores do referendo) não se cansavam de citar nações estrangeiras que viviam felizes livres do presidencialismo. Claro que nenhum monarquista se lembrava de citar a Arábia Saudita ou algum emirado do golfo pérsico. Tampouco os parlamentaristas se referiam às crises de governo pelas quais, países como a Itália, sempre passavam
Entre os que propunham a volta ao século 18, estava Hugo Carvana. Os Orleãns e Bragança, por direito divino, já entregavam títulos e comendas a rodo e Amaury Júnior entrevistava em seu programa, os agraciados.
Os parlamentaristas eram capitaneados por Fernando Henrique Cardoso que talvez ainda não acreditasse numa eleição sua para a presidência. Ele que já perdera a disputa pela prefeitura de São Paulo para o cadáver de Jânio Quadros, ambicionava a chefia de governo pela via transversa do parlamento. Ao ser eleito e reeleito presidente, tanto ele como seu partido esqueceram o assunto. Hoje, que o horizonte eleitoral se mostra distante para os tucanos, talvez seja hora de voltar com a velha cantilena parlamentarista. Mas não contem com o Aécio.
Há que se reconhecer que na Europa o parlamentarismo funciona. Mas não sem percalços. Basta ver o caso da Bélgica que ficou mais de um ano sem chefe de governo porque os partidos mais votados nas eleições gerais, não conseguiam fazer alianças que formassem maioria. Lá o fator de discórdia é, e sempre será, a divisão de francófonos e flamengos. É problema específico mas que encontra paralelos em outras nações. Mas o funcionamento do sistema se dá devido ao forte aparelho burocrático estatal. Li certa vez que na Inglaterra havia 200 cargos comissionados enquanto que no Brasil são mais de 50 mil segundo a imprensa. Mesmo nos Estados Unidos, exemplo de presidencialismo duradouro, esses cargos de confiança não passam de 2 mil. Fica claro que sem uma burocracia forte e profissional nem se pode pensar em parlamentarismo. Nos anos 70 e 80, a Itália teve mais primeiros ministros que a Bolívia presidentes, mas o estado funcionava normalmente ou quase isso.
Seria desonesto citar os recentes casos da Grécia ou mesmo da Itália como exemplos de fracasso do parlamentarismo. Nos dois países os chefes do executivo foram substituídos por quem não tinha um voto popular sequer. Os gregos por pouco não apelaram para os classificados para encontrar quem se dispusesse a gerir as dívidas ciclópicas daquele país.
Há também o problema da divisão de poderes naquele sistema. Como não existe uma linha divisória clara, o executivo é sempre refém do legislativo. Isso também acontece em países presidencialistas como o Brasil. Mas aqui seria de fácil solução caso fosse adotado o voto vinculante nas eleições gerais.
Outra anomalia do parlamentarismo reside na figura do presidente ou do monarca. Em Portugal, por exemplo, o presidente tem poder para não aceitar o governo formado pelo vencedor do pleito legislativo e convidar outro partido para tal. Com uma canetada o voto popular majoritário vira lixo. O mesmo poderia acontecer na Inglaterra monárquica. Dizer que a rainha reina mas não governa não expõe toda a verdade. Os monarcas ingleses têm poder semelhante ao do presidente português. Se em seu longo reinado Elizabeth II não se meteu na seara parlamentar foi por puro bom senso. Mas se existe alguém sem bom senso, este é o sucessor ao trono inglês. Charles já provou isso. Alem do mais é homem e os varões são dotados da mais infantil das vaidades: mandar.
Não há vício no presidencialismo que não se veja também no parlamentarismo. Outro dia Cavaco Silva com sua proverbial falta de senso de oportunidade e inconfundível burrice, veio queixar-se, diante das câmeras, que seus proventos não chegavam para pagar as contas. Pelo que entendi da reportagem da televisão portuguesa, conseguiu mais uns 2.900 euros depois da choradeira. Mas aí os jornalistas ficaram intrigados. Quanto ganha o presidente português? A resposta ninguém sabe ao certo. Especulou-se daqui e dali mas ninguém na República Portuguesa sabe. Só Sua Excelência. Mas como uma coisa puxa outra, fiquei sabendo que cada ex-presidente luso custa ao erário 300 mil euros anuais. A casa real espanhola também não sai barata. Qualquer evento promovido pela família, seja casamento, batizado ou chá de panela, é pago pelos súditos que vão contentes assistir, detrás do cordão de isolamento, a entrada e saída dos convidados reais. Sendo uma família, os espanhóis ainda têm que bancar cunhados e genros. Mas como alguns genros não gostam de viver as custas dos sogros, o marido da Infanta Cristina resolveu abrir seu próprio negócio de tráfico de influências apropriação de fundos públicos e lavagem de dinheiro.
No Brasil uma das maiores fontes de corrupção reside no próprio sistema político. O presidencialismo de alianças que temos, põe o executivo na incômoda situação (para uns) de ter que negociar, seja no atacado ou no varejo, com o que há de mais fisiológico na vida política do país. Mas, como já disse, isto se resolveria em grande parte com a instituição do voto vinculante. Se o eleitor fosse obrigado a votar num mesmo partido para todos os cargos, ao assumir o poder, o presidente já contaria com maioria nas duas casas legislativas. Para aperfeiçoar o sistema e dar ao povo o direito a um voto de censura, bastaria que os mandatos dos deputados não coincidissem e a cada dois anos se renovaria uma parcela da câmara baixa. Reduzindo o mandato de senadores para 6 anos, uma das eleições para o senado coincidiria com a metade do mandato presidencial, dando também ao eleitor o poder do voto censório.
Agora, vai convencer o PMDB.







quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Cu-de-ferro







Pelo geral usavam óculos e eram estudiosos, esforçados. Seus cadernos e livros eram de uma pulcritude de dar nojo e inveja. Combinavam com seus cabelos, que repartidos de lado, não deixavam nenhum fio fora de ordem. Muito diferente de nossas grenhas de cujas pontas, pingava o suor da pelada recém encerrada pela sirene da escola. Nunca traziam a camisa rasgada por puxões ou pingada de picolé. Eles não chegavam cedo para disputar as bolas murchas que levávamos dentro das pastas junto ao material escolar. Tampouco participavam das brutas brincadeiras que costumávamos fazer. Dessas brincadeiras eu me lembro do pisão, (que consistia em dar forte pisada na pasta que alguém levava, distraído, na entrada ou na saída das classes) da cama de gato e da maldade suprema que era retorcer uma dessas borrachinhas que se usa para prender dinheiro, estira-las e soltar no cabelo das meninas. Para tirá-las só cortando a madeixa.
Para nós, eles eram os puxa-sacos das professoras pois estas sempre os tratavam com carinho e poucas reprimendas. Claro, não falavam com os colegas próximos durante a aula, não faziam as horríveis piadinhas infantis nem pediam para ir ao banheiro todos os dias. Eram os cus-de-ferro e os havia dos dois gêneros.
Dos garotos já não me lembro de nenhum. Lembro sim da Adalgisa, uma cu-de- ferro simpática que estudou comigo na sexta ou sétima série.Branquinha, comprida e desengonçada. Nós a chamávamos “Odalgisa” devido a uma propaganda que a fábrica de embutidos Sadia fazia na época, dizendo que a sua salsicha de tão boa, não era “a salsicha” e sim “o salsicha”.Ela não se incomodava com a brincadeira e até gostava de ser o centro de nossas atenções.
O termo cu-de-ferro só era usado entre nós, socialmente se dizia Ce Dê Efe. Hoje ambas as formas estão no dicionário. Vernáculo.
 Infelizmente o termo vai caindo em desuso. A última vez que ouvi a locução foi da boca de Joelmir Betting. Dizia o jornalista que não existe cê dê efe arrependido. Creio que o mesmo pensa o Ministro Luís Fux do STF. Pouco antes de assumir sua cadeira no Supremo, Sua Excelência disse em entrevista que se preparara para o cargo desde muito jovem e enquanto seus amigos iam pra pelada ele ia para os livros. Portanto era ruim de bola mas bom de estudo Cu-de-ferro assumido.
Mas como ia dizendo o termo vai caindo em desuso. Está sendo substituído por outro de origem estadunidense, “nerd”. Perde-se não só a sonoridade do belo vocábulo composto, como seu significado. A palavra norte-americana trás consigo outra conotação e conseqüência. Não consigo separa-la do comportamento dos jovens mostrados em filmes adolescentes daquele país. Mesmo tendo a palavra cu como principal elemento, nosso vocábulo é menos pejorativo. Chamar alguém de “nerd” trás embutido um desprezo pela cultura e o conhecimento muito ao gosto do americano médio.  E como o “nerd” merece desprezo e deve ser afastado do convívio dos “normais”, a conseqüência é o bullying..
Este outro termo das escolas americanas também invadiu nosso vocabulário e é mais daninho que o outro. Ao se usar a palavra no idioma estrangeiro, nossa sociedade já tão propensa à xenofilia, tende a glamourizar (desculpe o estrangeirismo) a covardia. Na visão de garotos, cuja infância foi passada em frente à televisão mamando todo tipo de estereótipos americanos, fazer bullying é inserir-se naquela cultura “superior”. É fazer parte de algo que se julga universalmente aceito. Ademais o vocábulo é excessivamente genérico. Tanto se refere, ao que em “brasileiro” se chama “encarnação”(apelidos e outras coisas de boca), como à violência física. Entre nós existe um limite claro entre as duas coisas. Para eles, não sei.
A escola americana sempre foi laboratório de tudo que a intolerância e a violência destilaram. Há um documentário em que várias pessoas conhecidas dão seu depoimento sobre sua vivência nas instituições de ensino daquele país..Entre eles está o grandalhão Penn Jillette, o mágico de Las Vegas e da televisão. Todos têm, do tempo de escola, experiências de dor e humilhação
 O “durão” Bukowski em um de seus escritos, coloca Henry Chinaski enfrentando um trabalho de descarregar carne em um frigorífico. Quando o cara não agüenta mais o peso do fardo e da idade, e todos a sua volta escarnecem, o alter ego de Bukowski, derrotado, lembra do pátio da escola americana.
Pois é desse pátio que importamos a novidade. Nossa escola, sem a experiência necessária para tratar o assunto, ao tentar tomar pé da situação, distribuindo panfletos aos alunos, alertando pais e estendendo faixas nas portas dos locais de ensino, já começa errando pela nomenclatura. Ao aceitar a palavra estrangeira, importa também um conjunto de valores.
Se no coletivo escolar essa importação dos termos vindos de outra cultura traz as contradições inerentes, no indivíduo dá-se igual e os cus-de-ferro já não são os mesmos. Ou por outra, os cus-de-ferro querem ser nerds.  






domingo, 22 de janeiro de 2012

Ruas e homenagens







João Saldanha não gostava de nomes de ruas. Preferia que elas fossem simplesmente numeradas como ocorre em Nova York. Para defender sua tese contava a história do burro que morrera numa rua da Tijuca.
Um português, bom cidadão, telefonou para o órgão competente para notificar o fato e pedir que o cadáver do animal fosse retirado da via pública. Como esse bairro carioca deu às suas ruas muitos nomes estrangeiros de difícil pronunciação, o galego que não conseguia fazer-se entender sobre a localização do animal morto, não perdeu mais tempo e arrastou o burro até a Rua Uruguai e voltou a telefonar.
Talvez por ter nascido em Belo Horizonte, meu gosto por nomes de ruas seja um pouco diferente. Lá, as ruas do centro que vão num sentido, têm os nomes dos estados brasileiros, Rua Rio de Janeiro, Rua São Paulo, Avenida Paraná, Rua da Bahia etc. Em sentido transversal a estas, as ruas recebem os nomes de povos indígenas: Guaicurus, Caetés, Tamoios, Tupinambás, Aimorés.
No Bairro do Prado, onde passei meus primeiros anos, as ruas recebem nomes de pedras preciosas. Encontramos aí as Ruas Turmalina, Turquesa, Rubi e também Rua do Ouro e Rua da Prata. Minha avó morava na Rua Platina. Pra meu desgosto minha rua se chamava Rua dos Andes.
Entre tantos lindos nomes, Belo Horizonte tem uma mancha. Uma de suas ruas chamou-se por alguns anos, Rua Dan Mitrione. Se você não lembra, Dan Mitrione era um agente da CIA que ensinava técnicas de tortura e outros métodos anti-comunistas na América Latina. Após prestar seus serviços na capital mineira onde residiu por certo tempo, e no Rio, foi mandado para o Uruguai ajudar na formação de torturadores na recém iniciada ditadura platense. Lá, foi capturado e morto pelo grupo guerrilheiro “Tupamaros”. O filme “Estado de sítio”, de Costa-Gavras, é sobre este episódio. Depois da morte o torturador virou rua.
Quando vivi nos arredores da capital mineira, no Bairro do Eldorado, caminhava por vias que homenageavam a flora brasileira. Ipês, Jequitibás, Angicos, Paineiras. Mas era muito constrangedor para meus treze anos, quando tinha de dar meu endereço para alguém de fora do bairro, eu morava na Rua Pau Branco. Hoje esse bairro está globalizado e tem suas ruas França, Inglaterra, Bélgica.
Outro dia assisti uma reportagem na televisão que contava que uma cidade do interior do país resolvera dar nomes de pássaros brasileiros às suas vias, mas como a cidade cresceu muito, os funcionários da prefeitura, responsáveis por designar os logradouros, vivem as voltas com livros de ornitologia. Dos sabiás, tico-ticos e bem-te-vis, já chegaram à  curicaca real e à anhuma pantaneira.
Mas quando de gente se trata, a homenagem pode ser problemática. Lembra a polêmica que houve quando o prefeito do Rio resolveu trocar o nome da Rua Montenegro por Rua Tom Jobim? A família Montenegro protestou e a solução foi alojar o grande músico no aeroporto internacional do Rio.
 Os maiores impasses se dão quando, no afã de bajular algum poderoso ou seu clã, os governantes demitem o homenageado do passado. Para resolver problemas como esse, um prefeito do interior rebatizou a avenida principal de sua cidade de “Avenida Presidente Atual”.
 Mas uma solução tão simples não poderia ser aplicada no Maranhão. Sua capital parece homenagear exclusivamente o clã Sarney. Do aeroporto à maternidade, da praça às principais vias, da biblioteca ao museu. Tudo homenageia os Sarney. Até uma bisneta do último coronel, mesmo antes de ter idade escolar, já teve uma escola pública batizada com seu nome, Uma gracinha.
No entanto há homenagens que não são feitas. É o caso do novo estádio do Coríntians. Justo no ano em que é construído, a fiel torcida perde uma de suas maiores estrelas; Sócrates Brasileiro que marcou época no clube não só pela conquista de um bi-campeonato paulista, mas principalmente por liderar a democracia corintiana. Nada seria mais justo do que dar ao novo palco o nome do grande jogador. Mas não, o nome será leiloado entre empresas que queiram ter sua marca ligada ao clube. Nada de mais quando se sabe quem é o presidente do Coríntians. Sanches seria incapaz de uma grandeza. Jamais lhe ocorreria abrir mão de dinheiro para reverenciar alguém. Ainda que esse alguém fora um dos maiores ídolos do clube que ele preside.
A idéia de dar o nome de Sócrates ao novo estádio do Coríntians, quem deu foi o narrador esportivo Luís Alfredo durante uma transmissão do campeonato inglês. É a segunda vez que concordo com o rechonchudo filho de Geraldo José de Almeida, quando de nomes se trata. Tenho a mesma opinião que ele sobre qual estádio de futebol no Brasil tem o nome mais bonito. É o Rei Pelé em Maceió. Juntar o título nobiliárquico com o apodo que o menino Édson ganhou em Três Corações ou Bauru, chega a ser poético.
No caso da nova casa do Coríntians, Luís Alfredo sugere “Sócrates Brasileiro”. Do próprio Sócrates, ouvi em entrevista feita nos anos 80 e exibida recentemente por ocasião de sua morte, que a parte mais importante de seu longo nome era “Brasileiro”. Acho que ele gostaria de ser lembrado assim.. Mas se os dirigentes corintianos tivessem a nobreza de imortalizar o grande ídolo em pedra e cal, certamente que escolheriam o nome “Dr. Sócrates”. No Brasil o título universitário é um fetiche.
Outros estádios que têm nomes de jogadores são o “Mane Garrincha” em Brasília e o Mestre Ziza em Niterói. Não consigo me lembrar de outros. Antes havia o “Belfort Duarte” pertencente ao Coritiba, mas foi trocado seu nome por o de um cartola em cuja administração, foi construído o estádio. Hoje a praça esportiva se chama “Couto Pereira”. A troca de nome põe em evidência o desconhecimento e a falta de critério dos dirigentes paranaenses.
Belfort Duarte alem de ter sido um exemplo de atleta e desportista, foi uma das pessoas mais importantes no futebol brasileiro de seu tempo. Difundiu a prática do esporte e estimulou a criação de times com o nome de América pelo país a fora. Quanto ao Major Antônio Couto Pereira as referências são poucas.
Não creio que tenhamos um “Estádio Sócrates Brasileiro”. É mais provável uma “Arena Coca-cola” ou algo do gênero. Mas o nome popular será “Itaquerão”



Obama e o Bairro Peixoto







Fora dos limites de Copacabana pouca gente conhece o Bairro Peixoto. Esta parte do bairro famoso se restringe a uns poucos quarteirões entre Santa Clara e Figueiredo Magalhães, da Toneleros pra cima. Neste ponto os morros recuam afastando-se do mar dando espaço ao bonito recanto.
Na infância vivi aí. Rua Maestro Francisco Braga. Rua sem saída que era palco de nossas peladas. Também jogávamos na Praça Edmundo Bittencourt sob um sol de meio-dia em pleno verão. Depois da bola um Grapete, às vezes um Chicabon.
Anos depois voltei a freqüentar o bairro que mantinha seu ar de vila com seus prédios baixos,o chafariz da praça, sempre festiva e com bancos para um bom namoro.
Certo dia, num botequim do bairro, um amigo chamou-me a atenção para o andar da rapaziada que ali morava. Todos pareciam caminhar da mesma maneira, com o mesmo gingado. Era um andar malandreado. Mas não um andar malandreado qualquer. Tinha seu próprio estilo que o diferenciava de um andar malandreado de Oswaldo Cruz ou do Méier, por exemplo. Não saberia como descrevê-lo e nem preciso. É o mesmo andar do Obama.
O presidente americano caminha como quem desce a Décio Vilares em direção à Anita Garibaldi. Mesmo hoje, quando uma das maiores crises da história assola os Estados Unidos, o havaiano não perde o gingado. O vemos ir em direção aos microfones que esperam ávidos uma boa notícia sobre o emprego ou o crescimento econômico de seu país, e é como ver alguém que foi comprar um baseado na Ladeira dos Tabajaras e voltou contente, sem pressa. Em outra situação, ele ficaria conhecido como Obama, o sereníssimo. Mas as condições da economia não ajudam e imagino que muitos americanos se impacientem com tamanha fleuma.
Os índices de aprovação popular da administração Obama são baixíssimos e sua derrota eleitoral só não é dada como certa, porque entre as fileiras republicanas não há nome que empolgue o eleitorado conservador e a maioria silenciosa. Mesmo o favorito, Mitt Romney sofre restrições por ser mórmon. Num país de forte sentimento religioso, a maneira de interpretar as escrituras conta muito. Ademais os adversários de dentro do partido republicano já começam a jogar umas cascas de banana em seu caminho. Já foi divulgado que o milionário ex-governador de Massachusetts .paga apenas 15% de impostos, quase 10 pontos percentuais menos que a média dos outros americanos.
Após as primeiras prévias em Iowa, duas pré-candidaturas já se retiraram da disputa. Até a convenção republicana em agosto, sobrarão apenas dois ou três nomes para disputar a indicação. Até lá, Obama respira.
E se respira é porque a oposição republicana está sem discurso. As medidas de combate à crise, tomadas pela presidência, foram tão conservadoras que dificilmente algum adversário irá combatê-las. Preferem centrar seus ataques em questões de fundo que sempre opuseram democratas e republicanos.  A reforma no sistema de saúde, que foi tratado como “socialismo”, é alvo dos adversários. Mas o certo é que seja quem for o escolhido entre os republicanos para enfrentar Obama nas urnas, terá total apoio do partido e dos pré-candidatos derrotados. É tradição.
 Um tema que talvez empolgasse em tempos de economia sólida, se refere às guerras travadas pelos Estados Unidos. Resta saber que impacto terá no eleitorado a retirada das tropas americanas do Iraque, já que, mesmo descumprindo promessa de campanha, Obama mantém aberto o campo de concentração de Guantánamo sem que isso provoque qualquer reação dos americanos. Como uma coisa está profundamente ligada à outra, não é de se esperar um benefício, em votos, tão grande assim. Ao contrário do veto na ONU  às pretensões palestinas de criação de seu estado e a posição de enfrentamento com o Irã, que deverão trazer o voto judeu para o havaiano. O assassinato de Bin Laden já é jornal de ontem.
Caso venha a confirmar seu favoritismo, a candidatura mórmon de.Romney promete entregar de bandeja o eleitor católico para Obama. Questão religiosa. Numa eleição que promete ter um baixo índice de comparecimento às urnas, estes nichos eleitorais podem ser o fiel da balança.
A última vez que vi o simpático havaiano pela televisão, ele caminhava malandreadamente em direção ao púlpito usado pelos presidentes americanos para seus pronunciamentos. Anunciou, entre outras medidas para melhorar o desempenho da economia americana, uma maior liberalidade na expedição de vistos de entrada nos Estados Unidos para os brasileiros. Só no sapatinho e de olho na nossa grana.










quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Malditas sacolinhas







Em Copacabana, na Hilário de Gouveia esquina de Nossa Senhora de Copacabana há uma igreja. Eu nunca soube que santo a patrocina, sempre a chamei de Igreja de Nossa Senhora do Peg  Pag. Isso porque estava ao lado de um supermercado com esse nome. Não propriamente ao lado. Parecia que ambos, igreja e supermercado, faziam parte da mesma estrutura arquitetônica. Mas não sou de ir a igrejas. Vou a supermercados.
Costumava ir a esse Peg  Pag  da igreja no final dos anos setenta. Ficava no caminho do trabalho para casa. Alem do mais havia duas coisas lá que eu gostava; uns biscoitinhos de araruta que desmanchavam na boca e uma máquina expedidora de café.
O engenho moia e empacotava o café mediante a inserção de uma ficha que era adquirida de uma funcionária que estava ao pé da máquina. Havia três fichas equivalentes ao peso desejado, 250, 500 ou 1000 gramas. O cliente inseria a ficha, colocava o saquinho em posição e apertava o botão correspondente ao valor pago. Havia um rolo de fita adesiva para selar o pacote. Nunca mais vi dessas máquinas. Claro, é muito mais prático para o dono do supermercado vender o café já empacotado. Economiza o espaço que a máquina ocupa e o salário da vendedora de ficha. A tecnologia disponível naqueles tempos não dava para mais.  Hoje porém, máquinas expedidoras fariam todo o sentido.
Imagine se você pudesse levar sua embalagem vazia e enche-la com o produto idêntico que estaria armazenado numa dessas máquinas. Produtos de higiene e limpeza, por exemplo. O pagamento seria feito com cartão de crédito e ao passar pelo caixa o código de barra apontaria “zero”, por já estar paga antecipadamente. Para quem não tivesse cartão, o código de barra indicaria o preço. A economia em embalagens seria enorme, o que poderia baratear o produto, alem de ser ecologicamente bom. A mão de obra que ficasse ociosa pela diminuição do uso de embalagens, poderia ser absorvida, mediante qualificação profissional, pela indústria de máquinas expedidoras que deveriam ter tecnologia e fabricação nacionais.
Claro que isso não interessaria nem aos supermercados nem aos fabricantes. Com a diminuição do preço dos produtos, diminuiria também o fluxo financeiro ainda que o lucro gerado pudesse ser idêntico e até maior. Mas já faz muito tempo que comércio varejista é muito mais do que comprar no atacado e vender no varejo com a margem de lucro devida e uso do prazo de pagamento como fator de ganho. Não é interessante para o comércio movimentar volume igual de produtos com menor movimentação de dinheiro. Isso dependeria de leis que obrigassem comerciantes e industriais a trabalharem para o bem comum.
A tecnologia disponível poucas vezes é usada em proveito do cidadão. Postos de gasolina economizam em mão de obra usando bombas que são operadas pelo próprio cliente. Os bancos obrigam seus correntistas a usarem os caixas eletrônicos diminuindo a necessidade de bancários. Restaurantes populares usam e abusam do auto-atendimento em detrimento dos garçons. Nada disso tem impacto positivo no preço ao consumidor.
 O fato é que há tecnologia que pode melhorar as relações de consumo e contribuir para o ambiente. Mas isso não é usado. Preferem, ambientalistas e donos de supermercados, acusarem as sacolinhas plásticas de vilãs da poluição ambiental. Ao lado dos fumantes, são os grandes inimigos a serem combatidos.
 Algum tempo atrás escutei num programa de televisão que uma grande rede de supermercado gastava 5 milhões de reais por ano com as sacolas.. Não avalizo o número, afinal já escutei todo tipo de aberração numérica em nossos telejornais. Diria apenas que os varejistas gastam uma nota preta para cumprir a lei que os obriga a entregar o que vendem, embalado. Ou seja, ninguém tem mais interesse na extinção dessa obrigatoriedade do que eles. Os ambientalistas vão atrás.
A maneira de levar rapidamente as vilãs para reciclagem é tão óbvia que temo estar desperdiçando seu tempo com a explanação. Mas vá lá. Bastaria um simples sistema de troca. 100 sacolinhas valeriam um quilo de sal, 150, um quilo de feijão, 200, um quilo de arroz , 250, uma lata de óleo e assim por diante. Isto valeria apenas para produtos da cesta básica e em quantidades compatíveis com o consumo familiar. Os governos estaduais criariam centros de recepção dessas embalagens. Centros fixos onde fosse possível e centros móveis que funcionariam nos fins de semana em estacionamentos de repartições públicas, escolas e outros espaços ociosos. O importante é que houvesse um grande número deles. Os clientes que levassem as sacolas usadas receberiam um comprovante que poderia ser usado como moeda em qualquer supermercado. Como teriam um código de barra só poderiam ser trocados pela mercadoria correspondente. Aposto que não veríamos mais sacolinhas voando por aí e devido à situação econômica de grande parcela de brasileiros, até mesmo os lixões se veriam livres delas. Os custos poderiam ser divididos entre o governo federal e os próprios supermercados. Os governos estaduais e prefeituras entrariam com local de coleta e mão de obra respectivamente.
Sistemas assim foram usados até bem pouco tempo. Para combater a sonegação de impostos, governos estaduais trocavam notas fiscais por ingressos nos estádios de futebol ou faziam sorteios de automóveis dos quais participava quem houvesse trocado suas notas fiscais por um bilhete numerado.
Em algumas cidades brasileiras já está proibida a entrega de mercadorias em sacolas plásticas. Claro, proibir é sempre mais fácil. Principalmente quando o paciente da proibição está de acordo. Resta rezar para Nossa Senhora do Peg  Pag  para que mais esta bobagem proibicionista não ganhe força e que o ministério público atue, fazendo valer a lei que obriga comerciantes a entregarem o que vendem devidamente embalado.Que eu saiba, esta lei continua vigorando.






sábado, 14 de janeiro de 2012

Dois julgamentos








          . Até que sejam lançadas as candidaturas para as prefeituras e muito antes que vejamos o desfile de folclóricos candidatos à vereança, no programa eleitoral gratuito, a vida política do país está pendente do Supremo. Trata-se da lei da ficha limpa. Já não se cuida da anualidade, pressuposto para sua aplicação, segundo a visão da maioria dos ministros daquela casa de justiça. Irão agora, os ministros da corte, esmiuçar os diversos artigos que compõem o diploma.
Uma associação de profissionais liberais não concorda, por exemplo, com o artigo que dá como inelegível, profissional que tenha perdido o direito de exercer a profissão, por entendimento dos órgãos de classe, ainda que esses órgãos e conselhos tenham tido durante sua existência, um comportamento nitidamente corporativista. Basta ver o número de denúncias contra a má conduta médica e as punições resultantes dessas denúncias. O número de profissionais que recebem punição, mesmo que essa seja apenas uma advertência, é mínimo. Comparando denúncias e punições, resultaria claro, para quem não conhecesse o espírito de corpo desses conselhos, que a população tem verdadeira implicância com seus doutores. A tal associação deve crer que uma pessoa que perdeu seu direito de ser profissional em determinada área, por ter cometido falta gravíssima, pode, sem embargo, representar o povo e dar voz às suas reivindicações.
 Por seu turno, a OAB entrou com uma ação declaratória de constitucionalidade, para por fim à insegurança jurídica advinda das diversas interpretações da lei.
Outros temas também serão alvo das deliberações de Suas Excelências. Talvez venha à luz uma questão que foi ofuscada quando, pela primeira vez, se debateu o assunto no STF. Ao ser enviado o texto da Câmara, após sua aprovação, para o Senado, este fez uma modificação, que segundo o senador que relatou a questão na câmara alta, teria por fim, uma simples adaptação ao restante do texto legal. Um tempo verbal foi trocado por outro. Ao ser abordado o tema no STE, a ministra Carmem Lúcia exemplificou e deu como certo que a mudança de redação não alterava o espírito da lei e, portanto,o texto não deveria voltar à casa de origem. Para mim, leigo em direito e gramática, nem de longe a questão está pacificada. O Ministro Lewandowski, que presidia os trabalhos no STE por ocasião das declarações da Ministra, assentiu com seu entendimento. Mas isso não muda muita coisa. Não me lembro de declarações de outros ministros sobre o caso.
A Ministra Carmem Lúcia assim como os Ministros Ayres Brito, Lewandowski e Joaquim Barbosa, são abertamente favoráveis à aplicação da lei de iniciativa popular e mesmo na questão da anualidade, já haviam tomado posição contrária à que foi vencedora por 6 a 5 no julgamento do ano passado. Creio que o quinto voto foi dado pela Ministra Ellen Gracie, já aposentada.   
Caso esta questão venha a ser suscitada, teremos que contar com mais dois votos, alem dos quatro já certos, para a aplicação da lei, ou o que dela sobreviver aos ataques de associações e políticos, ainda este ano. Se voltar à Câmara para nova apreciação, mesmo que não haja manobras protelatórias, a questão da anualidade viria novamente à baila.
Se o julgamento pelo Supremo, da lei da ficha limpa joga holofotes sobre a Corte, podendo eleva-la no conceito dos autores da lei, a sociedade organizada, outro litígio promete pôr a nu a posição de nossos magistrados quanto à transparência de seus atos.
O Ministro Marco Aurélio de Melo concedeu liminar favorável à Associação de Magistrados do Brasil caçando decisões do Conselho Nacional de Justiça. Foi uma decisão simbólica. A liminar foi concedida horas antes de iniciar-se o recesso do judiciário tornando-se inócua em seus aspectos práticos. Também foi simbólica, por ter sido concedida pelo Ministro Marco Aurélio que é francamente a favor de impor-se limitações ao conselho. Várias vezes já escutamos de Sua Excelência que “o judiciário está de joelhos” referindo-se aos pareceres do CNJ.
É certo que a corregedora Eliana Calmon está coberta de razão quando cobra e pune magistrados corruptos ou relapsos. O problema é seu linguajar. Quando quer admoestar, ofende. Quando exemplifica, constrange. Sua truculência verbal, fez com que os magistrados das cortes superiores aderissem à indignação de seus colegas do baixo clero judiciário. Portanto é de se esperar que o conselho seja tolhido em suas atribuições.
Mas se no tocante ao CNJ, uma derrota da sociedade é quase certa, creio que pode haver algum otimismo quanto à lei da ficha limpa. Por um lado temos os Ministro Pelluso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Toffoli que tenderiam a uma emasculação da lei de iniciativa popular. Por outro, os Ministros Lewandowski, Carmem Lúcia, Joaquim Barbosa e Ayres Brito pela sua aplicação in totum. O Ministro Fux é uma incógnita, pois se foi voto decisivo na questão da anualidade, dando vitória aos que defendiam a tese de sua necessidade, ao julgar apelações individuais, voltou atrás num de seus votos quando se tratou de retroatividade na aplicação da nova lei. O Ministro Celso de Melo, com seu vasto saber jurídico, de certo encontrará na lei algo que mereça correção no que tange aos direitos individuais. A Ministra Rosa Maria Weber, recém empossada, tem evitado comentários sobre o assunto para não ver-se impedida de votar.
Os dois julgamentos, Lei da ficha limpa e CNJ, podem aproximar o Tribunal da população. Meu otimismo não chega a tanto. Acho que vai ser uma no cravo, outra na ferradura.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Livros







Não sou de comprar livros. Pelo menos de uns tempos para cá. Na juventude comprei alguns que ainda possuo e outros que se extraviaram ou foram vendidos em momentos de aperto. Desses, me lembro especialmente de um, “Moçambique, primeiras machambas” de Sônia Coutinho e Eduardo Homem. Embora já o tenha perdido há muito tempo, tenho por esse livro um enorme carinho. Creio que Chico Buarque também o leu, pois em sua música “Morena de Angola” cita uma frase de Sônia Coutinho adaptando-a ao outro país lusófono da África. É quando diz “eu acho que deixei um cacho do meu coração na Catumbela”. Sônia havia deixado um cacho do seu em uma região de Moçambique que visitara durante a feitura do livro.
Dos que tenho em meu poder desde aqueles remotos dias, dois são de crítica literária; “Poesia observada” de Lêdo Ivo e “Livros na mesa” de Otto Maria Carpeaux. Com esse mestres aprendi muito do pouco que sei.de literatura. Ademais tive, na época que li Carpeuax, uma enorme satisfação quando descobri que tínhamos a mesma opinião sobre um livro que fazia furor entre os de minha geração; “O apanhador no campo de centeio” de J.D. Salinger. Nem o mestre, nem eu, achamos a menor graça.
Em sebos e feiras de livros usados, fui encontrando os volumes que me foram formando. Conheci Bertrand Russel através de uma coletânea de sua correspondência trocada ao longo de décadas com seus amigos. Este achado diz bem o que tenho como formação. O conjunto de cartas era dividido em três volumes, mas eu só consegui o primeiro e o terceiro. Essa lacuna sou eu.
Machado, Lima Barreto e outros grandes da literatura brasileira eu comprava em edições de bolso,.assim como Fernando Pessoa. De Eça de Queiros eu encontrei em um sebo, dois livros que lastimo muito não ter mais, “Ecos de Paris” e “Cartas de Inglaterra”. São livros de viagem. Das crônicas ali contidas, eu me lembro de algumas ainda hoje.
Em épocas de vacas gordas eu comprava livros novos e assim foi com a obra magistral de Pedro Nava, a poesia de Drummond, e com Rosário Fusco. Deste, li e reli “O agressor”, que possuo não o que havia comprado nessa época, senão edição idêntica achada em um sebo de Floripa depois de anos de saudades. Também fui sócio do clube do livro e conservo “Os miseráveis” de Vítor Hugo como lembrança daqueles dias.
Mas a maioria dos livros que li, busquei em bibliotecas. Os russos, Dostoiévisk Tolstoi, Gogol, vieram daí e também a adorável Adélia Prado e João do Rio, Murilo Rubião e Nelson Rodrigues. Li também muita coisa emprestada por amigos e devolvi quase tudo.
Hoje leio pela internet. Não é lá muito cômodo, mas é de graça. Recentemente pude ler a colaboração jornalística de Lima Barreto em duas seleções de crônicas. E também “O subterrâneo do Morro do Castelo” livro delicioso e difícil, para mim, de classificar por gênero. Outra obra que me causou espanto foi “As religiões do Rio” de João do Rio. O autor descreve todos os cultos religiosos praticados no então Distrito Federal, mas só tem críticas severas para os ritos afro-brasileiros. Com eles é implacável.
Agora estou lendo a “História da literatura Brasileira” de José Veríssimo. Esta obra publicada em 1915, é dessas que provocam enorme prazer, seja pelo conhecimento do autor sobre o tema que aborda, seja pela linguagem utilizada, ou por sua visão histórica. Aliás, é sobre o pano de fundo histórico que reside seu maior interesse.
 Ao analisar a geração de poetas mineiros do final do século 18, o autor nos brinda com uma visão que é totalmente diferente de tudo que eu sabia sobre a Inconfidência Mineira. Afirma Veríssimo que Tomás Antônio Gonzaga, a quem ele chama de Tomás Gonzaga, nada teve a ver com o movimento. Sua afirmação de “inocência” do poeta é, senão irrefutável, muito robusta. Chega mesmo a duvidar da existência da conjura.
Quanto a Gregório de Matos, José Veríssimo o descreve de maneira , para mim, também, inédita. Destrói o mito do herói literário, do anti-escravista , do precursor de nosso nacionalismo literário, do repúblico austero. Mostra-nos Veríssimo, um Gregório de Matos racista, vaidoso, contrariado por encontra-se nessas terras onde veio ter depois de desagradar algum poderoso do reino com seu espírito satírico. Tudo isso, claro, sem negar o valor de seus escritos.
Tanto o Veríssimo quanto o Lima Barreto e o João do Rio, baixei de um sítio na internet , o “Domínio Público”. Para minha sorte descobri uma outra biblioteca virtual com grande acervo em língua castelhana, é o “Projeto Inacayal”.Daí já baixei obras de Roberto Alrt, o maior escritor argentino de todos os tempos e estilos. E são tantos os títulos e autores à disposição que não decido sobre o que ler primeiro. Dessas bibliotecas virtuais, há várias outras prestando serviço inestimável à difusão do conhecimento, da cultura e do prazer de ler.



quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A bolsa ou a vida







            Há muito tempo, as mulheres vêm tentando conquistar o lugar que lhes é devido em todas as sociedades. O século vinte já encontrou as sufragistas em plena luta pelo direito básico de votarem e serem votadas.
Vencida esta etapa, na qual as brasileiras estão entre as pioneiras, as mulheres seguiram trilhando o difícil caminho do reconhecimento e da busca pela igualdade. E se hoje as encontramos em posições de comando e decisão, por outro lado ainda as vemos recebendo salários menores que os homens pelo mesmo trabalho. Isso se dá principalmente na empresa privada, que insiste na manutenção da discriminação que a maior parte da sociedade rejeita. E tanto rejeita que só na última década, em nosso continente, três mulheres ocuparam o mais alto cargo político de seus países, destruindo a tese que dizia que mulheres não votam em mulheres.
Muitos obstáculos são postos diante das mulheres para entravar-lhes a caminhada. Nos dias de hoje difunde-se um ideal de mulher que é impossível de ser alcançado. Elas têm de ser a super-tudo. Profissional, dona de casa, mãe e gostosa. E, é claro, magra. Mas alem disso há um outro empecilho para a emancipação feminina. A bolsa.
Este artefato sobre o qual as próprias mulheres fazem terrível alarido, é o símbolo de seu desprezo pelo conforto, pelo bom senso. As vezes penso se não seria a maneira da mulher moderna de classe média demonstrar o quanto se sacrificam suas companheiras das classes baixas que levam latas d’água  nas cabeças e filhos sobre as ancas. Ou quem sabe o uso das bolsas tenha a ver com algo religioso e a bolsa represente a cruz do Cristo caminhando para o calvário. Não sei.
O senso comum diz que se uma bolsa feminina pesa três quilos, é porque sua dona deixou a metade das coisas na bolsa antiga. Mas isso não explica o fato das bolsas que levam três ou seis quilos terem capacidade para arroba e meia. Sim, pois quando vemos mulheres no afã de encontrar algo em seu interior, as mãos que buscam somem, deixando à mostra apenas cotovelos.
Juntando-se aos sapatos, que elevam os calcanhares vários centímetros do solo,as bolsas se tornam instrumentos de suplício para as sacrificadas mulheres. Mas esse seria um problema exclusivamente feminino já que nenhum homem é requisitado para transportar os fardos. Não é. Devido ao seu enorme tamanho, as bolsas se transformaram em transtorno para todos. Há que buscar estacionamento para elas e sei de senhoras que não freqüentam certos lugares por não haver neles onde repousar sua Louis Vuitton. Entenda-se que este lugar deve ser longe de mãos inescrupulosas, mas, próximo de olhares femininos cobiçosos. Mas estando em sítio propício, as mulheres exibem seus troféus com indisfarçável orgulho.
Outro dia assistia, pela televisão, um julgamento no STF. Havia sustentação oral e eu me preparava para ouvir um brilhante advogado que defende os membros de nossas elites diante daquela colenda corte. As câmeras da TV Justiça voltaram-se para o causídico que cumprimentou os ministros e iniciou sua fala. Mas, para mim, já era tarde.Atrás da tribuna que ocupara o eminente advogado,estava sentada uma senhora, que supus ser também advogada. Parecia já ter passado da idade louvada por Balzac, ainda assim era muito interessante com seus cabelos louros repuxados em coque, o rosto concentrado ornado de lentes e umas pernas cruzadas que mostravam o início de coxas grossas e firmes. Tinha à seus pés, calçados com delicados sapatos de tiras, sua bolsa, que pelas dimensões, não poderia  estar em outro lugar. Durante a argumentação do bacharel, as togas passavam roçando a bolsa. Magistrados faziam passes de baile para não tropeçarem naquele monumento erguido, em meio à passagem, em couro legítimo. Mais de um membro da laboriosa serventia daquela casa de justiça, teve de se esquivar do objeto enquanto levava às mãos de Suas Excelências, os pesados autos de processos. Passei os vinte minutos, a que teve direito o orador, temendo que a corte suprema de meu país fosse palco de uma cena de comédia pastelão.
Em outro episódio recente, minha atenção,que deveria estar voltada para coisas sérias, desviou-se para uma bolsa feminina. Foi na posse dos novos deputados do congresso espanhol. A cerimônia era transmitida ao vivo pela TVE e as câmeras focalizaram Soraya de Santamaría que galgava os degraus que a levariam à sua cadeira de deputada.
Soraya Sáenz de Santamaría, apesar de sua cara de burra, seu olhar bovino e suas declarações lastimáveis, é pessoa forte no novo governo de Espanha.  Ainda na oposição, era ela , depois de Mariano Rajoy, quem mais falava em nome do Partido Popular. Hoje, no poder, foi quem indicou o porta-voz do governo na câmara de deputados. É Vice-presidenta de governo.
 Durante vários minutos pudemos ver sua custosa escalada transportando algo, que apesar de saber que era uma bolsa, tenho escrúpulos de chamar por este nome. Suspenso pelo ombro, o estorvo chegava aos joelhos da diminuta e rechonchuda parlamentar, que estoicamente, atingiu seu objetivo; uma das últimas fileiras de cadeiras onde já estavam a postos alguns correligionários seus. Mas aí é que começa o drama. Tendo chegado à sua fileira como passar até seu posto? Juntas, deputada e bolsa, jamais passariam pelo espaço exíguo. Diante da impossibilidade, a pequena dama de ferro do liberalismo espanhol, passou sua carga para um colega que mesmo estando já sentado e da idade avançada, mostrou enorme força de músculos e elevou o fardo no ar enquanto sua líder acomodava-se em seu assento. Risonha e acomodada a deputada preparou-se para receber de volta a arca de sua propriedade. Mas onde deposita-la? Sobre a bancada ocultaria as tribunas dos olhos da metade dos parlamentares. Sobre o piso obstruiria a passagem e poderia ser visto como uma manobra dos governistas para evitar que a oposição tomasse assento. Afinal, o diretor de imagem da televisão pública espanhola, que não estava disposto a mostrar ao mundo essa primeira crise de governo, cortou para algo menos conflituoso.
Sem embargo, a bolsa mais vista e menos comentada foi a de Cristina Kirchner. A presidenta de todos os argentinos estava a ponto de iniciar conversações com Barak Obama numa conferência de cúpula.  Lado a lado em confortáveis cadeiras, os dois dirigentes esperavam que os fotógrafos encerrassem seu trabalho para começar os salamaleques habituais e enquanto isso Cristina escarafunchava uma gigantesca bolsa. No facebook, onde foi divulgada a foto do encontro, nuestros hermanos não cansaram de enaltecer sua presidente e sequer repararam no olhar de Obama. Entre incrédulo e galhofeiro, o havaiano parecia se perguntar: _O que esta mulher tanto busca nessa bolsa? Atrás de ambos, alguns assessores estadunidenses pareciam preocupados com o que sairia dali. Da bolsa, não da reunião.



segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O marmeleiro







Os primeiros nove anos de minha vida, vivi em minha cidade natal, Belo Horizonte. Na verdade passei esses anos num perímetro de uns poucos quarteirões. O Grupo Escolar Bernardo Monteiro era um dos meus limites, a igreja, outro. E saindo de minha casa no bairro do Prado, três quadras, Rua dos Andes abaixo, estava O Calafate, bairro onde vivia minha avó, tios e primas. Aí também morei por uns meses no ano de 1966..E é essa casa que tenho como referência daquele Belo Horizonte de então.
 Era uma casa de fundos que, junto com outra gêmea, ocupava o que teria sido o quintal da casa grande da frente. Chegava-se a elas por um corredor, que ao abrir-se abrigava um enorme pé de carambolas. Nesse tramo da infância comi mais carambolas que bananas. Já não me lembro em que mês os frutos maduravam, mas sim, da fartura de frutas que nos eram dadas pelos donos das casas, pois muito embora a árvore ficasse fora de seus muros e entre os nossos, todos sabiam que ela lhes pertencia  Esses, eram um casal de italianos vindos pro Brasil depois da guerra. Haviam sido prisioneiros de seus patrícios fascistas e, contava-se, que em sua casa não entravam batatas. No campo de prisioneiros eles tinham que buscar suas cascas no lixo dos soldados para amenizar a fome. Daí a ojeriza pelo tubérculo. Chamavam-se, coincidentemente, Seu Mário e Dona Mariana. Ela gorda, de boa estatura, falante. Ele gordinho e baixo e com um sorriso que emanava bondade. Na época das frutas, ele as distribuía pelo bairro e nós, privilegiados pela proximidade, éramos os primeiros a recebê-las. Amarelas, enormes, carnudas. Nunca mais as pude provar com tanto gosto. Por vezes comprei algumas nos supermercados, mas já não encontrei aquele sabor, tampouco aquele tamanho e suculência. Culpei o tabaco por ter me estragado o paladar. Mas sei que o que falta às carambolas de hoje é o sorriso de Seu Mário.
Outra árvore de minha infância foi um enorme pé de jatobá que frutificava em frente ao Grupo Escolar. Antes das aulas, os meninos se fartavam do fruto estranho e mal cheiroso. Jamais pude prová-lo. Seu cheiro me repugnava a metros de distância. Para não passar perto do sítio onde meus colegas se sentavam para saboreá-lo, eu dava a volta no quarteirão para evitar as náuseas que me provocava o jatobá. Horas depois de havê-los comido, a molecada ainda trazia no rosto e no peito da camisa, a penugem esverdeada do fruto nauseabundo.
No Rio, conheci o jamelão e as amendoeiras. Não provei de seus frutos e a amendoeira que mais me fala é a de Rubem Braga. Hoje tenho no quintal um pé de tangerina e alguns limoeiros de limão de peixe. Não conto o maracujá e o butiá, por ser um, ramagem e o outro, palmeira.
Mas se existe uma árvore que me frustra não conhecer é o marmeleiro. Parece que todos o conhecem, todos o tinham em seus quintais, pois sempre que surge na conversa algo relativo à educação dos filhos, alguém, para se desculpar pelas constantes surras dadas aos pequenos, cita que em sua infância seu pai dava-lhe com a tal vara de marmelo. E sempre se acrescenta que a vítima do espancamento tinha de ir buscar o instrumento de suplício. Já escutei a mesma história uma dezena de vezes. Sempre o pai, a vara de marmelo e a obrigação de colher a vara para ser espancado. Não há variações. Para não pôr em dúvida a veracidade da narrativa, devo acreditar que o Brasil é o maior produtor mundial de marmelo, embora eu nunca tenha visto um único marmeleiro. Creio ter visto a fruta, mas a memória não me dá recibo.
Hoje, quando se discute no congresso uma lei que tentaria por fim aos maus tratos dispensados aos filhos por pais e responsáveis, sei que escutarei mais umas tantas vezes a estória da vara de marmelo. Nos programas populares da televisão, o tema já é debatido e os telespectadores que opinam, são quase unânimes em seu repúdio ao projeto de lei. Nossa sociedade é saudosa da vara de marmelo e de seu poder pedagógico.
Não sei se eu seria uma pessoa melhor ou pior se não tivesse levado tantas chineladas e beliscões como levei, mas sei, que aprendi mais com carambolas que com safanões.