segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Sinceros votos


                Um sorvete de manga, na casquinha.
                Camarão refogado, com manjericão e salsinha.
                Sorriso de neto, abraço de filho.
                Um filme do Cláudio Assis, um samba do Zeca Pagodinho.
                A terceira sinfonia de Mahler, o gol do Ronaldinho.
                Um beijo dessa mulher, seu amor, sua calcinha.
                A proibida maconha, a cachaça às escondidas.
                O gosto de falar mal dos outros, uma geladinha.
                Uma camisa nova, uma saia. Pro cabelo, uma fita.
                A paradinha da bateria, na avenida.
                Um samba antigo, batido na caixinha.
                Um rap, repúdio do mano da periferia.
                Paz pra quem vive em Gaza, no Alemão, na Rocinha.
                Férias em Natal, onde mora a Lia.
                Um fim de tarde, uma noite, na melhor companhia.
                Uma saudade gostosa, de quem sorveu a vida.

                 Espero que você possa desfrutar de tudo isso nesse ano que se inicia.
                 São os sinceros votos do Manuel e os meus também.












sábado, 22 de dezembro de 2012

Tiro no pé


                Quem acompanhou a eleição presidencial de 1989, deve se lembrar, pelo menos, de dois fatos: a edição feita pela Globo do último debate entre Lula e Collor, que favorecia o então candidato dos Marinho e a aparição, no programa eleitoral de Collor, da ex-mulher de Lula.
                Hoje tenho minhas dúvidas quanto ao impacto da edição do debate nos números finais daquela eleição. Havia muita expectativa em torno do pleito, afinal se elegeria diretamente um presidente depois de 27 anos. A forte polarização não fazia crer em um número muito elevado de indecisos naquela altura do campeonato.  Que alguém mudasse de opinião, motivado apenas pelas imagens editadas, me parece improvável.
                O outro fato pode ter sido mais relevante para a vitória de Collor. Numa sociedade conservadora como a nossa, a presença da ex-companheira de Lula afirmando que este queria forçá-la a fazer aborto quando engravidara de Luriam, provocou muita comoção. Até hoje o  aborto é tabu entre os religiosos do país. Além do mais, ficou no imaginário popular a figura de um homem forçando uma mulher a fazer algo contra sua vontade. O forte contra o fraco.
                Depois de prestar esse serviço a Collor, a pobre mulher foi para a Europa e nunca mais se ouviu falar dela.
                A utilização de um fato pretérito da vida pessoal do candidato adversário como recurso para desqualificá-lo, inaugurou, naquela eleição, uma maneira de fazer campanha política com a qual já nos acostumamos depois de todos esses anos de esculacho e esculhambação. Mas sempre há do que espantar-se.
                No facebook apareceu uma tirinha grosseira, que tentava ser humorística, citando que Fernando Henrique Cardoso tem 2 filhos fora do casamento. A notícia é velha. De um dos filhos já se falava desde 2009, do outro desde 2011.
                Assim como Collor em 89, alguns petistas de hoje tentam atacar um adversário político levantando questões de sua vida privada. O que se deve cobrar de FHC e de seu inoperante governo, são as privatizações escandalosas, a estagnação econômica do país durante os 8 anos de sua estada no poder. Dele, deve ser questionado o modo como conseguiu sua reeleição, as alianças espúrias que fez, sua adesão às teses neoliberais.  Sua vida íntima não deveria interessar a ninguém ou, pelo menos, que só se falasse disso nas colunas de fofocas e futilidades. Não é tema político. Ademais, Fernando Henrique Cardoso nunca posou de moralista.
                Mas por que vêm os petistas requentar o assunto dos filhos naturais do ex-presidente nas redes sociais? Qual o motivo do vezo udenista?
                Bem, em primeiro lugar, porque os petistas vêem FHC como o principal adversário de Lula, já que nem Serra, o vampiro da paulicéia, nem Alkimim, o picolé de chuchu, foram páreo para o ex-metalúrgico. Fernando Henrique foi quem derrotou Lula em duas eleições e é também quem mais ataca Lula sempre que a oportunidade aparece.
                Em segundo lugar, porque Lula vem sendo alvo de denúncias feitas por Marcus Valério, que tenta involucrar o ex-presidente no escândalo do mensalão. O publicitário dos milhões entregou ao Procurador Geral da República documentos que provariam a participação de Lula no caso. Entre esses documentos, (poucos, segundo as palavras de Gurgel) estariam dois recibos de depósitos bancários. Os petistas tentam, através do factóide, desviar as atenções. O estratagema é pueril e inepto. Coisa de aloprados.
               Não creio que Lula esteja envolvido em corrupção. Pelo menos não o vejo como um recebedor de propinas. Tampouco creio no seu desconhecimento dos fatos relacionados com o mensalão. Crer nisso seria fazer pouco caso da inteligência, da argúcia de Lula. Mas para quem acha que José Dirceu é inocente, Lula deve parecer um santo.
                Outra postagem que tenta ganhar vida nas redes sociais, e também está relacionada às denúncias de Marcus Valério tem os seguintes dizeres: “Mexeu com Lula, mexeu comigo”. Parece-me outra idéia aloprada. O que querem esses amigos de Lula compartindo visão tão acrítica do ex-presidente?
                Durante seu governo, Lula acertou mais que errou. A estabilidade econômica e os programas sociais retiraram da pobreza extrema milhões de brasileiros. A política externa, praticada durante seu mandato, foi conseqüente e altiva. E também em outras áreas houve avanços importantes. Isso não quer dizer que em outros temas seu governo não tenha fracassado rotundamente.
                Fica no passivo de Lula, a acomodação de companheiros em infinitos cargos comissionados, desprestigiando os funcionários de carreira, a falta de uma ação mais decisiva do governo federal para amenizar o drama da saúde pública, uma política de educação que merecesse esse nome e maiores passos na questão da reforma agrária. Principalmente nessas  áreas, faltou ação e sobrou discurso.  
                Quanto às denúncias, cabe respondê-las. Não basta chamar Marcus Valério de vagabundo, como fez Lula recentemente. Foi esse vagabundo que, com seu esquema, ajudou o PT e o governo a desviar verbas públicas para os bolsos de deputados corruptos e cofres de partidos de aluguel. Graças ao esquema de Valério, o governo conseguiu aprovar no Congresso, projetos impopulares, como a reforma da previdência.
                As denúncias de Valério podem ser apenas uma tentativa desesperada de conseguir uma redução de sua pena de mais de 40 anos. Ou a frustração de quem se viu abandonado, sem o respaldo daqueles que, ainda tendo fatias de poder, poderiam ajudá-lo.
                O fato é que ao tentar desqualificar Valério, chamando-o de vagabundo e delinqüente, os petistas assumem toda a maracutaia que insistiam em negar, pois se Valério delinqüiu, não o fez sozinho nem por conta própria. Tiro no pé.




quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Quem pode errar por último


                Para definir a democracia, o que não falta é frase feita. De Fernando Henrique Cardoso já ouvi que “a democracia é como o ar, só quando falta é que nos damos conta de sua necessidade”. Não sei se a frase é de sua lavra ou se ele a recolheu no Almanaque Capivarol.
                Jô Soares já disse, mais de uma vez, que “a pior democracia é melhor que a melhor das ditaduras”. No meu humilíssimo entender nada que seja “o pior” de algo pode ser bom. Pelo menos, nem FHC nem o Gordo ousaram dizer que a democracia é uma plantinha que precisa ser sempre regada. Mas há quem diga e emende com a história do colibri e da floresta em chamas.
                Anônimos e famosos, idiotas e pensadores, muitos foram os que já disseram algo sobre a democracia. Falar é fácil, aceitar a decisão das maiorias ou respeitar as posições das minorias, é outra coisa. Quando contrariados em suas pretensões, os detentores do poder, seja ele político ou econômico, atacam a democracia dizendo defendê-la. O discurso dos golpistas de 64 era esse. Esse é o discurso que, hoje, deputados mensaleiros e seus defensores fazem desde a tribuna da Câmara. Acha a comparação exagerada? Pode ser que seja, pode ser.
                 Nem só de votos nas urnas vive a democracia. Nessa forma de governo há de haver a separação de poderes, sua independência e harmonia. E os deveres e poderes de cada um devem ser claramente estabelecidos pela constituição, cabendo ao poder judiciário zelar por seu cumprimento. Como disse Rui Barbosa, a alguém deve caber o direito de errar por último. No caso brasileiro esse direito cabe ao poder judiciário em sua última instância, o Supremo Tribunal Federal. Ainda que erre, cabe ao Supremo a última palavra. Infelizmente, não é assim que vêem alguns integrantes do Poder Legislativo. Para esses senhores parlamentares, democracia é tudo aquilo que favorece seus interesses, suas teses, seu partido. Caso contrário, é ditadura, intromissão indevida, arbítrio.
                Após ser colhido, na última segunda-feira, o voto do Ministro Celso de Melo, o plenário da Suprema Corte decidiu cassar o mandato dos deputados que o tribunal condenou no processo do mensalão. A corte se dividiu entre duas teses, ambas amparadas na Constituição. Acontece que nossa Carta Magna possui artigos conflitantes sobre a questão enfrentada. Venceu por 5 votos a 4, a tese que dá ao Supremo o direito da cassação.
                Por aí deveria ter ficado a discussão não fosse o pronunciamento feito na véspera pelo destemperado Presidente da Câmara, Marco Maia. O deputado, num ato de bravata pueril, ameaçou não acatar o parecer do Supremo. Depois da decisão foram outros deputados que subiram à tribuna para atacar o STF. O Deputado Sibá Machado, mesmo atropelando o vernáculo, disse que a cassação fora sumária. Ora, não só o placar apertado da votação como o próprio embasamento jurídico da decisão, dizem outra coisa.
                Uma deputada da base aliada foi além e, mais uma vez, tentou desqualificar todo o processo. Disse Sua Excelência que não havia provas para as condenações. Claro que ela se referia a José Dirceu. O que queria a deputada? Um recibo assinado? Uma confissão expressa? Não é preciso ser jurista para saber que as provas de um processo são de variada ordem: materiais, testemunhais, documentais, periciais, etc. Para a formação de sua convicção, o julgador pode valer-se de simples indícios. No caso da Ação Penal 470, houve mais de uma confissão de recebimento de dinheiro ilegal. Vários condenados citaram José Dirceu como o homem da última palavra, o que batia o martelo na distribuição de propinas.
                A deputada do PC do B também asseverou que o Supremo havia descumprido a Constituição ao cassar o mandato dos deputados condenados pelos mais diversos crimes na Ação Penal 470 e citou o artigo de nossa lei maior que embasou os votos vencidos no julgamento. Esqueceu-se, Sua Excelência, de citar a tese vencedora. Custa-me crer que a deputada desconheça o que motivou o veredicto da corte. Creio que ela apenas nos vê como idiotas patológicos incapazes de formar uma convicção a partir do confronto de duas visões distintas.
                Mas na verdade, isso já deixou de ter importância. O veredicto do tribunal foi dado, cabe acatá-lo ou não estaremos vivendo uma democracia. O que vale para o cidadão comum deve valer também para Suas Excelências, os deputados. Decisão judicial não se discute, cumpre-se.


domingo, 16 de dezembro de 2012

Semana que vem, a crise


                Pelo que tudo indica, o Supremo deve cassar o mandato dos deputados condenados no processo do mensalão. A Corte está dividida e com o “placar” de 4 X 4, foi encerrada a sessão plenária da última quarta-feira. O voto que falta ser dado é o do Ministro Celso de Melo que já se manifestou, informalmente, pela cassação.
                O Presidente Joaquim Barbosa deve estar arrependido por não ter colhido o voto de Celso de Melo naquela sessão. Na quinta-feira o Ministro adoeceu e foi hospitalizado. Ficou o suspense.
                _Que suspense? Você perguntará. Se Celso de Melo já deu claros sinais de pender pela tese da cassação? 
                Acontece que caso o STF venha a cassar os mandatos dos deputados mensaleiros, será aberta uma crise institucional. Marco Maia, Presidente da Câmara, disse, claramente, que só a casa pode cassar mandato de deputado. O ponderado decano poderia, em nome da paz social e da harmonia entre os poderes, rever sua posição. Embora avente a possibilidade, eu não creio nisso. Penso que o Ministro Celso de Melo votará pela cassação dos mensaleiros. E aí, teremos a crise.
                O descontentamento dos parlamentares com o STF, não está circunscrito apenas a essa questão. Há tempos que a Suprema Corte vem fazendo o que o parlamento, por inépcia ou omissão, vem deixando de fazer: legislar. Foi o Supremo que legislou sobre a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, sobre a união estável de pessoas do mesmo sexo e sobre o direito de manifestação dos defensores da legalização da maconha.
                 Nesse caso específico, a pergunta é: cabe ou não ao Supremo cassar mandatos de parlamentares condenados pela Corte por crimes relativos à função?
                Não posso, por óbvia falta de conhecimento, entrar no mérito da questão. Até mesmo experimentados juristas divergem sobre o tema. A Carta Magna tem lacunas e contradições pelo que pude perceber nas discussões travadas na Suprema Corte e nos votos proferidos.
               Cabe aqui apenas uma opinião, ou melhor, um questionamento de cidadão: como pode um parlamentar condenado por corrupção, formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro e outros delitos, preservar seu mandato? Não se trata de crime passional ou de honra que poderiam ser vistos como atinentes apenas ao cidadão que detém mandato. Não. Os crimes praticados por esses parlamentares têm direta relação com seu cargo público. Foi essa função pública que possibilitou a prática dos crimes.
                Outra possível solução para a crise que se avizinha, seria a Câmara, desconhecendo o parecer do Supremo, abrir processo por falta de decoro parlamentar e no plenário, sob o manto do voto secreto, cassar o mandato dos deputados da quadrilha. Possibilidade remota, remotíssima.
                O que me parece certo é que veremos na próxima semana, lideranças e deputados do baixo clero, com seus cabelos tingidos em todos os tons do acaju, proferirem inflamados e vazios discursos sobre a soberania do parlamento, a dignidade e a inviolabilidade do mandato. Assuntos que desconhecem profundamente. Sofreremos todos pela verborragia tola e inócua. Sofrerá o país pela falta de trabalho parlamentar. Sofrerá o bom senso. Sofrerá a gramática.




sábado, 15 de dezembro de 2012

O poder do embuste

                Creio que foi no ano passado, ou no anterior. Não sei bem. Pra não ficar na dúvida, apelemos para a imprecisão. Digamos que foi no passado recente. O fato é que um deputado, (ou seria um senador?) propunha uma mudança nos códices legais, para descriminalizar as práticas de sortilégios.
                Argumentava o parlamentar que não fazia mais sentido fingir que se perseguia algo que era anunciado em cada esquina, em todos os jornais, na internet. Tive de concordar com Sua Excelência. Os panfletos, que prometem trazer o amor de volta em 30 dias, são distribuídos por todas as cidades. O jogo de búzios, o tarô, a leitura de mãos, são praticados de portas abertas e fazem parte do cotidiano de nossa população tão propensa ao misticismo.
                Minha concordância com o parlamentar vinha também da convicção que o estado não deve se intrometer na vida íntima dos cidadãos. Uma crença é algo pessoal, íntimo. Não cabe aí, segundo creio, a tutela estatal. Junte-se a isso, um certo cinismo que venho cultivando com relação à humanidade tão bem definido no aforismo carioca:_ “Pra que otário quer dinheiro?” Quer pagar por uma mandinga que traga de volta o marido infiel? Que pague. Acha que um “trabalho forte” lhe fará passar no concurso do Banco do Brasil? Então dê dinheiro ao bruxo que ele resolve. Não é problema do estado. O contribuinte não deve estar pagando para que se persiga o vendedor de ilusões.
                Mas, enquanto falava Sua Excelência, eu ia pelas ramas e pensava em outras práticas,  perseguidas pelo aparato repressivo do estado, que também fazem parte do cotidiano de milhões de brasileiros. Como viajei na maionese, não vi o óbvio.
                Já dizia Nelson Rodrigues, que só quem vê o óbvio são os santos e os sábios. Pobre de mim, pobre de mim.
               No entanto o óbvio estava lá e ululava.  Claro que o parlamentar não estava tão interessado assim nos bruxos, adivinhos e afins. Estes charlatães jamais se manifestaram contra a perseguição que há muito não existe. Videntes não lutam pela regulamentação da profissão. Nenhum jogador de búzios quer descontar para o INSS. Não há sindicato das cartomantes nem associação de leitores de tarô.
               A proposição do representante do povo visava outro ramo do charlatanismo e do abuso da fé pública: os proprietários de igrejas neo-pentecostais. Sim, pois o que enseja a proibição dos atos de sortilégios são o abuso da fé pública e o charlatanismo. Uma vez que o código legal não oponha restrições à sua prática, não há como enquadrar nenhum dos bispos e pastores que apregoam milagres e se dizem possuidores de conexões com o divino. Afinal, que diferença há entre uma pessoa que, lendo ensebadas cartas de tarô, diz conhecer o futuro e os pastores que prometem interseção junto às cortes celestiais para que o crente consiga comprar o carro novo? Pelo menos quanto à má fé e o intuito de tirar proveito da ingenuidade alheia, não há nada que os separe.
               A grande distinção entre um e outro está no poder econômico. Enquanto o vidente e o feiticeiro aliciam seus fregueses um a um, os donos das igrejas neo-pentecostais congregam milhões através de seus gigantescos e inúmeros templos e horários comprados nas TVs. Enquanto aqueles cuidam de suas vidas, estes tentam, com o poder político que suas fortunas conferem, influenciar toda a sociedade, levá-la ao atraso. No caso desses apóstolos do obscurantismo, mestres do embuste, amealhadores de fortunas, não há lugar para o cinismo, para a vista grossa, para o “deixa pra lá”.
               Na verdade, não sei o que foi feito do projeto do parlamentar. Sei, sim, que o Ministério Público enfrenta as maiores dificuldades para processar os milagreiros cujo poder político cresce paralelamente ao seu poder econômico. Eleição é dinheiro e isso, pastores e bispos têm de sobra. Não contabilizado, bem ao gosto dos políticos.
               Há inúmeros projetos transitando nas duas casas do Congresso, que direta ou indiretamente, beneficiam as igrejas arrecadadoras.  Uns propõem mais isenções, outros  subsídios para as contas de energia. Carros de luxo, mansões, helicópteros e aviões usados pelos proprietários das seitas e seus acólitos, são registrados como bens das igrejas, livres de impostos e explicações.
               Na última eleição pudemos assistir o beija mão de bispos e apóstolos por candidatos e apoiadores. Até Alkimim, homem da Opus Dei, foi ao templo de Waldemiro pedir benção para a candidatura de Serra.
               Numa mostra de como esses barões da fé estão acima da lei que rege a vida dos brasileiros, o candidato à prefeitura de São Paulo, Celso Russomano, prometia durante a campanha eleitoral, não fechar templos que estivessem em situação irregular. Isso depois do teto do templo da Bispa Sônia e do Apóstolo Estevão ter desabado em cima dos fieis, matando 9 pessoas e ferindo 106.









quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A última de Waldemiro


                Acabo de escrever o título desta postagem e já me arrependo. Afinal como posso ter  certeza que essa é a última grande sacada de Waldemiro?  Mais de 24 horas já passaram desde que tomei conhecimento do fato. Para Waldemiro isso é uma eternidade. Sua cabeça é um vulcão de idéias.
                O dono da Igreja Mundial já vendeu toda espécie de quinquilharia sagrada: meias ungidas, toalhinhas mágicas, colher de pedreiro consagrada, fronhas abençoadas, o escambau.  Mas, previdente como um patriarca hebreu, Waldemiro sabe que não pode valer-se apenas do comércio, atividade dada aos humores do mercado e da moda. Além do mais, há a pirataria, o contrabando, a falsificação e o descuido dos fiéis, que podem acabar comprando um par de meias do Paraguai, ou uma toalhinha chinesa no camelô.        
                Por estes motivos Waldomiro não abandona o antigo, mas seguro, carnezinho.  Há de $50 e de $100. Estes, estão sempre com o fiel para ser pago em qualquer agência bancária ou mesmo no débito automático.
                Claro que não estamos falando do dízimo que  é sagrado, está nas escrituras e não há como escapar da vigilância de Deus nem dos anjos que trabalham para Waldemiro. Mas aí ele inovou. Criou o dízimo em dobro.
               O raciocínio é o seguinte:_ Os 10% que os fiéis entregam à igreja, são de Deus. O fiel apenas está devolvendo o que corresponde ao todo poderoso. Não lhe pertence. Então para estar em dia como dizimista, deve-se dar mais 10% da parte que pertence ao crente. Aí sim é dízimo. Com essa interpretação elástica do texto bíblico, Waldemiro mostra aos seus detratores, que não é tão fundamentalista assim.  Mas essa não é a “última” a que me referia no título.
                A grande inovação de Waldemiro Santiago é o dízimo sobre a renda que o fiel deseja ter. Não é uma maravilha?  Funciona como uma espécie de suborno. Deus já fica comprometido, não tem como falhar. Nem a Máfia italiana pensou em algo assim para vender sua proteção.
                Agora, cá entre nós, para propor uma coisa dessas não basta uma mente em constante ebulição, com a de Waldemiro, há que se ter uma cara de pau capaz de causar inveja ao próprio Edir Macedo. E ele tem. Com seu olhar enviesado, seu andar de caipira, o apóstolo cruza o palco de sua igreja e com voz pausada, mas firme, manda distribuir o saquitel para a arrecadação de ofertas. Não é saquinho nem envelopinho, é saquitel. Waldemiro dá também sua contribuição para o vocabulário neo-pentecostal. E tem saquitel para todos os gostos e bolsos; saquitel dourado, saquitel “dízimo dos montões”, saquitel “coluna da casa de Deus” e por aí vai.
                Pelo andar da carruagem, qualquer dia desses Marcus Valério vai pedir autógrafo pro Waldemiro. Êta, Jesus Maravilhoso.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Niemeyer


                Dias atrás, amargando uma insônia, corri os canais de TV em busca de alguma coisa que me fizesse dormir. Talvez um jogo da seleção espanhola ou um  encantador de cachorros ou ainda um desses falsos documentários com atores ruins interpretando personagens históricos.  Busca daqui, busca dali, acabei encontrando um programa sobre alienígenas do passado ou algo assim. Pronto, pensei: isso é sonífero pra elefante. 
                Mal comecei a escutar a lenga-lenga de Erich Von Däniken, entrou uma seção de comerciais e um baixinho hiperativo gritava, berrava, tinha ataques e convulsões tentando convencer os insones a comprar uma máquina que esguicha água. Corri a mão tentando buscar o controle remoto que me livraria dos gritinhos do baixinho hiperativo. Depois de alguns segundos de aflição, consegui mudar de canal.
                Julguei-me com sorte, pois se necessitava um anestésico, um barbitúrico, ali estava um. Era um programa sobre arquitetura ecológica ou algo do gênero.  Eu já havia visto outro episódio da série e me lembrava da casa, que para economizar energia em sua iluminação, girava para ficar sempre voltada para o sol. Imagino a quantidade de energia despendida para fazer girar a imensa construção. Seu criador parecia não ser muito bom de aritmética e estava satisfeitíssimo com sua monstruosa engenhoca.
                Nessa noite de insônia, outro gênio mostrava sua obra.  Segundo o arquiteto, a casa fora desenhada para integrar-se à natureza e bla bla bla. Tudo fora concebido para economizar energia com iluminação e refrigeração e bla bla bla. Ao fim da exposição, seu idealizador se disse realizado. A casa era sua contribuição para a humanidade, para a salvação do planeta, para um mundo melhor, para o futuro de seu neto e do meu. Bem, ele não disse com essas palavras, mas foi o que quis dizer. A imodéstia do sujeito, sua pretensão, eram maiores que a casa. Sua visão de mundo, que compreendia apenas alguns centímetros ao redor do umbigo, se perdia na imensidão do terreno, de grama aparada, sem nada que lembrasse a tal natureza. Imediatamente pensei em Niemeyer.
               Quando estava perto de completar 100 anos de vida, o arquiteto concedeu uma entrevista na qual afirmava que “arquitetura não tem a menor importância, que importante era mudar o mundo”. Naquela fase da vida, da fama, do reconhecimento público, Niemeyer já estava muito além da falsa modéstia. Sua frase correspondia às suas convicções de velho comunista.
               Num outro momento de extremo comedimento, o poeta do cimento armado, se auto definiu como “um homem comum que se divertiu e trabalhou, riu e chorou, nada de especial”.
               Niemeyer não lia nem gostava de conversar sobre arquitetura, segundo suas próprias palavras, papo de especialistas era muito chato. Quando foi para o cerrado plantar seus prédios e monumentos, suas igrejas e palácios, levou em sua equipe não só arquitetos, levou gente. Gente era a matéria de sua obra, mais que o cimento e o ferro.
                Ao morrer, Niemeyer deixa além de sua obra, grandiosa e originalíssima, a inspiradora visão de quem queria mudar o mundo. Ao lado do povo.



domingo, 2 de dezembro de 2012

O ENEM segundo Mercadante


                Semana passada, saiu o resultado do ENEM. Deu o que todos já esperavam: apenas 10 escolas públicas estão entre as 100 com melhores notas. Apenas 1 entre as 10 primeiras. Também, como era de se esperar, veio uma desculpa esfarrapada do Ministério da Educação.  Mas dessa vez, Aluísio Mercadante resolveu inovar.
                Como todos sabem, Mercadante, que é economista, dormiu ciência e tecnologia e, depois de uma reparadora noite de sono, acordou educação.  Numa de suas primeiras falas, já empossado na nova pasta, Mercadante fez uma apologia dos “tablets” que, segundo sua visão, substituirão os livros de papel nas nossas escolas públicas com grande ganho e economia de verbas. Claro, o homem ainda estava de ressaca da ciência e tecnologia. Passou o tempo, e nossos meninos nada viram de “tablets”. Paciência. Um dia eles estarão em todas as escolas públicas do país para gáudio de seus fabricantes, e Mercadante entrará para a história como inventor da modernidade.  
                Mas como ia dizendo, Mercadante resolveu inovar nas desculpas que sempre são dadas depois da constatação anual que nosso ensino público anda entregue às traças. Disse o Ministro que a superioridade de resultados no Exame Nacional do Ensino Médio, das escolas privadas sobre as públicas, está no fato das escolas particulares selecionarem seus alunos e as públicas serem escolas de portas abertas, escola para todos.
                Confesso que tive de esperar o jornal da noite para corroborar o que pensava haver escutado. Batata. O Ministro dissera aquilo mesmo.  Temi estar totalmente desatualizado sobre os fatos da educação do Brasil. Teriam acabado os exames de seleção para entrar no Pedro II do Rio, no Colégio Estadual de Belo Horizonte, nos colégios de aplicação das universidades federais e estaduais?  Esses centros de educação, antes tão disputados, estariam hoje com as portas abertas para todos?  E as escolas técnicas? Também disporiam de tantas vagas excedentes? 
                Assim como o Ministro, essa noite fui dormir pensando na educação. Mas não acordei ministro da ciência e tecnologia ou da pesca, nem sequer secretário de parques e jardins. A manhã, que não me transformara em conhecedor das coisas da administração, me trouxe apenas uma convicção: o Ministro mentira. Sim, pois todas as escolas públicas do ensino médio que antes eram referência de qualidade na educação, continuam selecionando seus alunos. Há sim exames de ingresso. Não há vagas para todos. Entram os melhores. Mas ainda assim seus estudantes não conseguem competir com os alunos das escolas privadas num teste de conhecimento. Uma exceção aqui, outra ali. Dessa vez foi o Colégio de Aplicação da Universidade de Viçosa, que conseguiu intrometer-se entre os 10 de melhor desempenho.
                Numa outra parte de sua fala, Mercadante, para não mentir mais e ser apenas incoerente, disse que os alunos que pertencem a essas escolas públicas que selecionam seus estudantes, têm média superior aos alunos do ensino privado. Então, por que não há nenhuma outra entre as 10 melhores? Como economista, nosso Ministro da Educação prefere falar de médias e percentuais e, é claro, também vai promover um seminário sobre educação.
                O ENEM, assim como seu congênere para o ensino universitário, deveria servir para que o governo conhecesse suas falhas e apontasse soluções para o problema, cada vez mais grave, da educação no Brasil. Mas não é isso o que vemos. Após cada ano, após cada constatação que o ensino público brasileiro vai de mal a pior, vemos as autoridades dando as mais deslavadas desculpas ou, como é o caso de agora, mentindo.
                Fosse um aluno que desse uma resposta tão absurda sobre uma questão, estaria reprovado. Com Mercadante, o máximo que pode acontecer é, um dia desses, dormir educação e acordar presidente da Petrobrás.