sábado, 30 de junho de 2012

Padre Marcelo Rossi







Você sabe o que é o terço bizantino?  Se sabe, por favor, me conte. Toda vez que vejo escrito “terço bizantino” no pé da tela da televisão, lá está o Padre Marcelo Rossi rezando de uma maneira muito bizarra. Ele repete a mesma frase 10 ou 12 vezes. Outro dia contei o número de repetições, mas esqueci.
Será isso o terço bizantino?  Repetir a mesma frase até ela perder o sentido? Os bizantinos não tinham coisa melhor pra fazer? Se é isso o terço bizantino, imagino como seria o papo bizantino. Uma conversa entre o Datena e o Silvio Santos é uma conversa bizantina? Bem, em certo sentido, sim. O pai dos burros nos dá essa definição para conversa tola, frívola, mas não fala em repetição.
Mas e o terço bizantino? Qual o sentido de alguém rezar daquele jeito? Se é que a característica do tal terço é essa mesma. Sendo ou não, o Padre Marcelo Rossi conseguiu introduzir mais uma chatice de sua coleção, que deve ser infinita. O Padre das batinas esquisitas é um chato profissional. Chato até nas batinas que alguém tem de lavar e passar. É muito pano, pregas e brilhos. Imagino que alguma pia senhora deva ter muito trabalho para deixar o padre na estica sacerdotal. Deve fazê-lo na certeza de estar servindo a Deus, como se houvesse um deus da frescura eclesiástica.
As batinas do padre Marcelo serviriam de modelo para Joãozinho Trinta se alguma escola sua tivesse escolhido a primeira missa como enredo. Já imaginou aquilo em verde e rosa? Uma ala inteira vestida de Marcelo Rossi?  Já estou até escutando o samba:

                              Naquela semana pascoal
                              Descendo das caravelas
                              Ao lado do navegante Cabral
                              ...............................................
                               
E lá lá ô ô ô ô. _Vai minha bateria nota dez._ Olha o Padre Marcelo aí, gente.

O enredo também poderia ser o Bispo Sardinha. Uma púrpura a mais naquela batina até que ficava bem. Mas devido ao destino do sacerdote português ia ter gente levando pro duplo sentido. Melhor não. Vamos de primeira missa.
Outro dia, vendo a televisão, lá estava o Padre Marcelo. Tinha ido a Portugal lançar seu livro “Ágape” que por aqui já vendeu mais de 6 milhões de exemplares. Quase não o reconheci sem sua vestimenta de corte exclusivo. Andava a paisana. Só o colarinho branco e as orelhas o denunciavam. Como será o best seller do Padre Marcelo? De que tratará? Haverá também capítulos bizantinamente repetidos dez ou doze vezes? Essas dúvidas, vou carregar para o túmulo.
Mas voltando ao terço bizantino e à teologia da repetição. O Aurélio dá uma outra definição pejorativa para o termo “bizantino”: “Pretensioso, tolo”. Para “bizantinismo” traz o sentido figurado de interesse por questões frívolas, insignificantes, sem resultado prático como as questões tratadas pelos teólogos bizantinos.
Pensando bem eu nunca escutei uma pregação do Padre Marcelo. Só as músicas e o terço bizantino. Também já li que ele anda pichando seu concorrente no mercado fonográfico, o Padre e cantor Fábio de Melo. Rossi o repreende por não usar batina. (Seria essa, uma questão bizantina?) Eu quase que ia cometendo a injustiça de dizer que é o roto falando do esfarrapado. No caso, é o fashion falando do descolado. Mas a disputa pela venda de discos e pelo suspiro das mocinhas católicas é apenas parte das atribulações atuais de Marcelo Rossi.  No terreno das batinas o sacerdote vem encontrando competição. Refiro-me ao cantor, Padre Reginaldo. O homem também é chegado às batinas cinematográficas. Na capa de um de seus discos, Reginaldo veste uma batina branca com uma sobrepeliz roxa e faz pose de Moisés de Cecil B. DeMille. Um luxo só. Na próxima Vaticano Fashion Week o bicho vai pegar.





sexta-feira, 29 de junho de 2012

Espanha, a chata







Para que servem os fatos? Quando de futebol se trata, para quase nada. Assim tenho assistido a Eurocopa. Ouvindo que a seleção da Espanha é a melhor do mundo e, talvez, só a Alemanha pudesse batê-la. Mas os fatos comprovam que a Fúria não joga nada.
A cada jogo insulso e sonolento da seleção espanhola, escuto de comentaristas e locutores que essa não é a Espanha que nos tem encantado. Mas quando ficamos encantados? Durante a copa, quando os espanhóis fizeram 7 gols em 7 jogos? No pós-copa, quando foram goleados pela Argentina? Ou nas vitórias suadas contra Chile e Costa Rica? De minha parte, nunca.
O futebol apresentado pela Espanha é a coisa mais enfadonha que já presenciei em torneios importantes. O melhor exemplo disso é a atual campanha da Eurocopa. Um jogo chatíssimo na estréia contra a Itália, uma vitória sobre a fraquíssima Irlanda, a vitória do árbitro contra a Croácia por 1 X 0 e o auge do tédio; o jogo contra a França do qual fui poupado de assistir inteiro graças ao cara que veio consertar o telefone. Já nas semifinais, 120 minutos de cochilos e bocejos diante de Portugal que fez sua parte e muito contribuiu para a sonolência do “espetáculo”.
Agora a seleção do técnico Vicente Del Bosque vai enfrentar a seleção italiana na final de domingo. E pode ganhar. Jogando seu futebol de passes de dois metros que os analistas chamam de toque de bola, a seleção espanhola tem tudo para matar os italianos de sono e conquistar o título.
Seu técnico, que enquanto dirigia o Real Madrid e não ganhava nada, era chamado de apático pela crônica especializada, agora é considerado  sereno. Arma um time sem atacantes, com 4 meias à frente de 2 volantes. No jogo seguinte põe um atacante, Torres, e no outro Negredo, depois volta sem atacantes e para a final é capaz de inventar Pedro na função de avante. O homem nem sabe onde está, mas está sereno. Já imaginou se o Joel Santana ou o Celso Roth fizessem algo parecido? Mudassem a escalação 4 vezes em 5 jogos? O que diriam nossos jornalistas esportivos? No caso de Del Bosque não dizem nada. Devem imaginar que o sereníssimo sabe o que faz.
Eu passei a me interessar por futebol logo após a Copa de 66, quando ia completar 9 anos. Os detratores do futebol brasileiro, que abundam nas redações dos jornais brasileiros, diziam na época que o Brasil tinha ficado para trás e que o futebol força praticado pelos ingleses era o futuro do esporte. Não precisou passar nem 4 anos para que esses mesmos idiotas estivessem tecendo loas à maior seleção que o mundo viu jogar, após a conquista no México. E aquilo sim era toque de bola. Lembra o 3º gol contra os uruguaios? Em três toques chegamos à área adversária e Jair fuzilou Mazurkévisk. Aquela seleção marcou 19 gols em 6 jogos. Estreou com um 4 X 1 e fechou a conta com outro 4 X 1.
Faz dois dias que li, atônito, a coluna de um dos artífices daquela conquista. Tostão anda achando a seleção espanhola o máximo. E o que é pior, falou mal de nosso futebol que ele brilhantemente defendeu. Disse que nossos times jogam na correria achando que isso é moderno, que têm pressa de chegar ao gol. Tostão fez apologia do 1 X 0 espanhol. Tostão aderiu às teses dos neo-jornalistas:_ Não basta elogiar a chatice espanhola, há que denegrir o futebol brasileiro.
Ora, os únicos jogos com alguma emoção na Eurocopa foram aqueles nos quais as equipes tiveram pressa de chegar ao gol. Empatando com a Dinamarca, Portugal partiu com toda urgência em busca do gol da vitória e fez, se não uma partida brilhante, pelo menos algo que foi divertido assistir. O mesmo se passou com a Inglaterra no jogo contra a Suécia e na partida dos ucranianos também contra a Suécia. Tirante esses jogos, o torneio foi, até aqui, tedioso. Não creio que a final redima os danos causados ao futebol pela imperícia dos europeus, afinal teremos em campo a chatice espanhola e o pragmatismo italiano. Nenhuma emoção a vista.

               

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Golpe no Paraguai







O que houve no Paraguai foi um golpe de estado. Isto é tão claro que nem sei se vale a pena mencionar. No entanto os que defendem a ação golpista não assumem sua postura direitista nem seu perfil gorila. Mencionam a constitucionalidade do processo que depôs Lugo. Escoram-se no fato dos milicos não terem tomado o poder nem terem posto os tanques nas ruas. Esquecem-se que durante o rito sumário, sequer foi concedido o direito à ampla defesa. Qualquer advogado de porta de cadeia poderia derrubar as pueris acusações contra o presidente paraguaio se tivesse tempo de ler os autos (se é que houve  tempo de redigi-los) mas tudo foi concluído em 24 horas. Devido à votação do impeachment pelo congresso paraguaio e ao roçar de togas que deram validade ao ato, muitos querem negar que houve golpe.
Acontece que estamos diante de um golpe estilo século 21. Um golpe pós-moderno, um golpe no qual os “interesses” prescindem dos fuzis, dos tanques e dos amedalhados generais. Suas armas estão na imprensa, nos parlamentos e cortes supremas. Foi assim em Honduras e é assim no Paraguai.
No país centro-americano, o Presidente Zelaya foi deposto por propor um plebiscito. Queria o mandatário consultar o povo sobre sua reeleição, vedada pela constituição de seu país. Bastou. Zelaya, visto pelas elites de Honduras como um traidor, foi arrancado de sua casa de pijama e posteriormente do poder, pela suprema corte do país.
O Brasil que no princípio da crise hondurenha se posicionou contra o golpe e asilou o presidente Zelaya em nossa embaixada, aos poucos foi cedendo e acabou por aceitar o fato e o arremedo de eleição que foi realizada para pôr na Casa Presidencial um títere dos golpistas.
Na época a grande imprensa brasileira, em uníssono, apoiou o golpe e lamentou a posição de nossa chancelaria. Esqueceram que no Brasil também era vedada a recondução dos chefes do executivo ao poder mas a constituição foi mudada para que isso pudesse acontecer. Não pela via da consulta popular, senão pela compra de deputados que deram ao então Príncipe Regente, Sua Alteza Fernando Henrique Cardoso, o fardo de continuar dirigindo nossos destinos por mais 4 longos anos.
Para apoiar a quebra da normalidade democrática em Honduras, editorialistas e outros paus mandados falaram de soberania do judiciário hondurenho mas nem sequer se deram ao trabalho de analisar sua composição ou as normas de seu funcionamento. Não se cuidava disso e sim de torpedear o Chanceler Amorim e a política externa brasileira, independente demais para os padrões dos capachos engravatados que durante décadas perfilaram ao lado de interesses estranhos ao país
No caso recente do Paraguai, nossa imprensa faz o mesmo papel deplorável e já pudemos ouvir da múmia Boris Casoy que no país vizinho tudo foi feito segundo a constituição. Eu não conheço a constituição do Paraguai, mas duvido que na constituição de qualquer país exista algum artigo que negue o direito à ampla defesa seja lá de quem for. Ademais, as acusações que deram origem ao rito sumário que depôs Lugo, são tão ou mais ridículas que as que foram usadas contra Zelaya.
O inimigo dos garis também falou dos interesses brasileiros no Paraguai e disse que o governo da Presidenta Dilma deve levar em conta somente esses interesses e não questões ideológicas. Para gente como Casoy, ideologia é palavrão. A Globo News, assumindo seu falso tom neutro, pautou suas informações em depoimentos de moradores de Ciudad del Este, que se mostravam tão a favor do golpe quanto ignorantes do tema. Para atrair a opinião pública brasileira para o lado golpista, a emissora das Organizações Globo, colheu também a opinião dos brasiguaios. Todos favoráveis ao golpe de estado. Esses proprietários, tal qual os daqui, adoram bancar de vítimas enquanto exploram o trabalho alheio. Na verdade o que temiam de Lugo era sua tolerância para com as reivindicações dos "carperos", os sem terra de lá.
Mas se a direitona acomodada nos grandes órgãos de comunicação não nos surpreende, nosso chanceler, Antônio Patriota, mostrava-se titubeante diante das câmeras no último sábado. Disse que o Brasil não tinha uma opinião isolada sobre o golpe. Ora, até meu cachorro, Feijão, tem opinião sobre o golpe.
Mais incisiva, Cristina Kirshiner chamou o golpe de golpe e retirou o embaixador argentino do país Guarani. Nossa Presidenta, menos vacilante que Patriota, convocou nosso embaixador para consulta.
A imprensa paraguaia, não diferiu de suas congêneres sul-americanas e deixou claro de que lado está. O diário ABC Color (ado) fala em nova tríplice aliança, fazendo analogia entre o rechaço dos outros membros do Mercosul ao golpe, e a guerra, que no século 19, dizimou a população paraguaia. La Nacion não fica atrás e em sua coluna, Henrique Vargas Peña, num patético tom nacionalista, cobra dos golpistas, na figura de Franco, atitudes frente às presidentas de Brasil e Argentina. Clama contra a arrogância de ambas. Menciona a exportação de energia de Itaipu e Yaciretá para os países vizinhos. Insinua a chantagem. Tenta assim anular o problema da falta de credibilidade dos golpistas fazendo crer a seus leitores que se trata de questão de soberania nacional. Também o diário Neike, através de seu colunista Luis Alen, amontoa acusações desconexas contra Lugo e seu governo. Só deixa claro que sua bronca é com os “carperos” e o apoio do presidente deposto aos movimentos populares.
O primeiro estado a reconhecer o governo golpista foi o Vaticano, fato sintomático visto que Lugo abandonou a batina e reconheceu seu pouco apreço pelo celibato ao assumir paternidade. Logo virão Colômbia, Chile e Estados Unidos que só esperam a poeira baixar. Disso não tenho dúvidas embora nenhum país membro da OEA tenha reconhecido o governo de fato, ainda.
Em nota postada em seu sítio eletrônico, o governo hondurenho menciona a inexistência do direito à ampla defesa no processo de destituição de Lugo, mas diz que é problema interno paraguaio. Gato escaldado.


domingo, 24 de junho de 2012

Espanto e decepção







Nunca perdi a capacidade de espantar-me. Uma bola na trave já é suficiente. Além do mais, vivemos uma época de grandes assombros. Uma mulher esquarteja seu marido milionário e infiel. Um senador da república aceita o cargo de contínuo de um bicheiro. Collor é membro do Conselho de ética e Marcelo Tass é considerado humorista. Mas tem coisas que, cá entre nós, há muito perderam sua potência de causar espanto ou mesmo surpresa. Refiro-me à união de Lula e Maluf em torno da candidatura Haddad em São Paulo.
Não acabo de compreender o motivo do escarcéu em torno do tema. O PP de Maluf já faz parte da base aliada do governo há muitos anos, desde o primeiro mandato de Lula. O aperto de mãos, que vimos nas capas dos jornais e no horário nobre da TV, nada mais foi que uma formalidade, ou melhor, uma banalidade.
O espanto que isso poderia ter causado, ficou no passado quando, no início de seu governo, Lula começou o namoro com Maluf. Cortejou-o. Ofereceu-lhe ministérios e imunidades. A CPI que então investigava a remessa ilegal de divisas para o exterior e que foi relatada pelo Deputado José Mentor do PT, sequer trazia, em seu relatório final e conclusivo, o nome de Maluf. Isso sim era para causar espanto. Mas na época, os governistas, estribados nos milhões de votos obtidos pelo presidente, passavam o rolo compressor e aprovavam, diante de uma oposição boquiaberta, o que bem entendiam. Assim que o estranho relatório foi aprovado sem espantos nem contestações. Ademais, esse assunto não é do mais queridos de nossos representantes e o quanto mais rápido sai da pauta de discussão, melhor.
Os jornalões, através de seus paus mandados, qualificavam de “responsáveis” todos os atos do governo que naquele momento abria seu pacote de maldades. A assunção de Henrique Meireles à chefia do Banco Central, a reforma da previdência, o expurgo de lideranças comprometidas com o passado do PT, tudo parecia corroborar a nova imagem de Lula tecida por Duda Mendonça. A aliança do PT com o PP de Maluf era um detalhe.
Desde o começo do namoro, nenhuma voz petista se levantou contra o Doutor Maluf e seu passado nebuloso, como antes era praxe. Apenas a Polícia Federal o importunou mas politicamente seguiu sendo peça chave da governabilidade. Os deputados do PP, mais amestrados que os cachorrinhos do circo Tihany, garantiram, durante os oito anos do Governo Lula, votos essenciais para aprovação de matérias no congresso. Em troca, o PP e seu proprietário receberam ministério de porteira fechada e nenhuma aporrinhaçao.
A união civil entre os políticos do mesmo sexo para alavancar a candidatura do poste Haddad, nada mais é do que a formalização de um concubinato antigo e conhecido. Não há novidade nem motivo para susto.
Mas se não perco a oportunidade do assombro, tampouco deixo de decepcionar-me. A decepção é um sentimento que persegue os crédulos. Principalmente àqueles que crêem no homem e sua capacidade de regeneração. A cada tanto estou arrastando os chinelos da decepção.
O que não posso, e nem tento, é decepcionar-me com algo que já conheço. Não posso decepcionar-me com reprises. E esse é o caso da Rio + 20.
Nos últimos dias vejo na televisão, uma série de personagens que, caracúlicos, se mostram decepcionados com o documento final da reunião de cúpula que veio ao Rio discutir os destinos do planeta. Ora bolas, há vinte anos atrás o mesmo e decepcionante documento veio à luz após todo o blá-blá-blá de líderes mundiais e catastrofistas profissionais. Naquela época, talvez houvesse motivo para a decepção dos expectantes da salvação planetária. Mas lá se vão vinte anos e nem sequer as tímidas propostas ambientalistas daquele documento foram postas em prática. Claro que os agourentos prognósticos dos que defendiam medidas emergenciais para que a raça humana não sucumbisse, não se confirmaram. Nesse meio tempo a situação ambiental agravou-se e para combatê-la a sociedade civil, em parceria com o poder público, tomou importantes medidas como a proibição das sacolinhas plásticas dos supermercados. Foi só.



quinta-feira, 21 de junho de 2012

Chuchu com camarão







Já ouvi muita gente dizer:_”Eu adoro chuchu com camarão”. Depois faz humm e revira uzoim. A frase e o teatral acompanhamento têm o selo da falsidade. Ninguém adora chuchu com camarão. Sequer gosta de chuchu com camarão. As pessoas gostam é de camarão.
O crustáceo é consumido puro, ao alho e óleo, frito, empanado, no espetinho, na moranga. Já o chuchu, só refogado na necessidade. Mas o camarão custa, como sempre custou, os olhos da cara enquanto o chuchu é barato. O camarão é fruto do mar oceano, o chuchu fruto de quintal. Não existe latifúndio de chuchu nem o BNDES tem linha de crédito especial para seu plantio. O camarão viaja de navio e até de avião pelo mundo. O chuchu, de caminhão Chevrolet da lavoura pra feira. Em toda parte camarão é iguaria. Chuchu, o quarto estado da água.
Imagino que a insólita combinação tenha origem num tempo em que a pobreza era menos envergonhada de ser pobre e uma mãe caiçara ou manezinha  podia dizer à sua prole:_Hoje só tem chuchu... mas é com camarão. Depois da decepção, o sorriso da meninada. Mas os tempos são outros e a fórmula de alegrar meninos pobres foi incorporada pela classe média.
Apoio minha teoria do berço humilde da receita no fato do chuchu preceder o camarão no enunciado, diferente de outras fórmulas que colocam em destaque o que veio das redes deixando em segundo plano o que chegou no caixote.
Na enganadora receita, o chuchu entra como Pilatos no Credo. Faz figuração, enche o palco. Sua função culinária é fazer aquela bandeijinha de 600 gramas de camarão, sem descontar o gelo, virar uma refeição para a família e convidados. Servido com um volumoso acompanhamento de arroz e molho encorpado, o blefe gastronômico ainda ilude muitos incautos. Estes, além dos falsos e dos sugestionáveis, são os que dizem, revirando uzoim:_”Adoro chuchu com camarão, humm!”
Mas, verdade seja dita, o chuchu já salvou muita dona de casa que, envergonhada de servir uma honesta sardinha frita, apelou para a planta humilde e adornou seu cardápio.
O chuchu também tem contribuído para a prosperidade de doceiros e afins, mas estes não fazem como a ruborizada dona de casa ou o empertigado “chef” que anunciam o conluio de seus ingredientes. Não. Doceiros e afins (seja lá o que possa ser entendido como afins) escamoteiam suas receitas e não estampam em seus potes e latas a colaboração indispensável do chuchu. Jamais vimos num rótulo seu nome ao lado de frutos mais nobres. Nunca um doceiro fez reclame de geléia de goiaba e chuchu ou doce de chuchu com marmelo. Muito menos os afins.
À sombra da modesta trepadeira floresceram indústrias, banquetes foram servidos e muita gente tirou o pé da lama mercadejando manjares que só puderam chegar à boca do pobre graças ao chuchu. Mas a verdade é uma só e deve ser proclamada: Ninguém gosta de chuchu.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Nelson Rodrigues e o bicampeonato







Faz cinqüenta anos que o Brasil conquistou, no Chile, o bicampeonato mundial de futebol. A data redonda e quase na véspera do país realizar uma copa do mundo merecia uma grande comemoração com foguetório, banda de música e coro infantil. Não houve.
 A entidade máxima do futebol brasileiro anda atarefada com construções de estádios e tantos são os zeros envolvidos nos negócios que não sobra tempo para nada. Nossas TVs estão muito envolvidas com a Eurocopa para se ocupar do assunto. Uma entrevista aqui, uma fotografia ali e já está de bom tamanho. Para que relembrar Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Amarildo e Zito se podem falar de Polsen, Van Der Var, Busquets?
No domingo, eu queria escrever sobre a conquista histórica mas meu neto passou todo o dia no computador com seus joguinhos. Deixei para a segunda-feira, mas nesse dia, logo pela manhã, escutei num programa esportivo, que se dignou a lembrar da data, uma crônica que Nelson Rodrigues escreveu sobre nossa vitória em gramados chilenos.
Embora já tenha passado da idade de me acanhar, me acanhei. Nelson já dissera tudo sobre aquela copa, e de maneira tão brilhante, que uma vírgula mais sobre o tema correria o risco do ridículo, do postiço. Eu, que já lera a crônica em outros tempos, fui novamente tocado pela beleza, pela eloqüência, pela ênfase que Nelson Rodrigues pôs na descrição daquela epopéia.
De tudo que lá está, e coube num curto artigo de jornal, ficou-me uma frase, ou melhor uma concepção que tem tudo de Nelson Rodrigues. Dizia ele que aquele bicampeonato era uma conquista do homem brasileiro.
Os idiotas da objetividade que se mudaram pro facebook e os que continuam infestando as redações, adoram relacionar o futebol com o que eles chamam de apatia do brasileiro com relação às mazelas do país. Nada mais falso, nada mais falacioso. Os ruins da cabeça e doentes do pé também gostam de pichar o carnaval. Pelo mesmo e falso motivo.
Com o avanço dos meios de comunicação e a facilidade para se escrever besteira para muitos, (olha eu aqui) esses chatos de galocha vão se transformando em idiotas da subjetividade. Não por apregoá-la , mas por desconhecê-la.  Jamais entenderão nossas Joanas D’Arc dos subúrbios, nossos reis bêbados de sarjeta, nossos Napoleões retintos. Mas com suas crônicas, Nelson Rodrigues os pôs no mundo, no imaginário brasileiro.
           Cronista da vida como ela é, Nelson Rodrigues viu em nós o analfabetismo genial, viu em cada jogador de futebol, em cada passista, em cada costureira, a imagem vitoriosa do sobrevivente. Considerado reacionário, revolucionou o teatro. Conservador, foi a vítima favorita da censura. Sua visão de mundo horrorizava a esquerda, suas peças escandalizaram a burguesia. 
Nesse ano que comemoramos o cinqüentenário do bicampeonato do Chile também festejamos o centenário de Nelson Rodrigues e coube à Escola de samba Viradouro inaugurar as homenagens com seu samba de enredo. Durante todo o ano, peças do autor serão encenadas. São dezessete obras nesse gênero. Não soube nada sobre relançamento de sua obra em livro mas deve ser falta de informação de minha parte.
Espero que a televisão dê ao centenário de Nelson Rodrigues um pouco mais de atenção do que a que foi dispensada ao cinqüentenário do bicampeonato. A Globo já produziu uma ótima “Engraçadinha” e “A vida como ela é” teve um tratamento muito adequado com grandes atores e diretores. É hora de reprisá-las.





A morte de Ivan Lessa







Morreu o jornalista Ivan Lessa. Seus amigos saudosos o pranteiam em artigos e entrevistas. Assim fico conhecendo um pouco da personalidade do cara que eu lia no Pasquim nos anos 70. O pouco que fico conhecendo é muito. Muito triste, muito decepcionante, muito chato.
A Presidenta Dilma o chamou de “indomável jornalista”. Imagino o trabalho que tiveram os escribas presidenciais para arrumar esse adjetivo. Qualquer outro mais objetivo soaria falso. Grande jornalista? Mas qual foi afinal sua grande reportagem? Jornalista combativo? Contra quem?
Não tenho a pretensão de cobrar de ninguém o amor que sinto por isso ou por aquilo. Cada um sabe de si, de seus gostos e paixões. O que me chateia, ou melhor me ofende, é ser enganado.
Muita gente que escreveu durante os anos da ditadura fez a cabeça de minha geração. O pessoal do Pasquim principalmente. Depois da redemocratização, quando os bandos foram se separando, fiquei com a impressão de que fora defraudado.
A maioria dos que diziam lutar pelo Brasil e seu futuro, foram se revelando inimigos do país e de seu povo. Era a “elite intelectual”, e seu ressentimento por não estar por cima da carne seca que ela julga lhe pertencer. Os que não arrumaram uma boquinha criaram tal aversão ao Brasil e aos brasileiros que quem não os tivesse lido ou ouvido antes, pensaria que se tratava de saudosos simpatizantes da ditadura tal o rancor que expressavam por não ter seu direito divino respeitado.
Sérgio Augusto, amigo de Ivan Lessa nos dá um retrato do falecido jornalista, é exemplar. Nos diz que Lessa chamava o Brasil de bananão e acha nisso uma graça infinita. Desfia, num artigo bem escrito e mal pensado, os dons intelectuais do falecido e acaba entregando um esnobe chato e maníaco. Joaquim Ferreira dos Santos nos conta como ele se referia a Zumbi dos Palmares de maneira racista mas considerando isso uma sacanagem ao politicamente correto. Num curto texto ainda conta, como piada, a definição da Academia Brasileira de Letras dada por Lessa:_“Coisa de nordestino malandro que prefere a leveza da pena ao peso da enxada”. Numa só frase, uma dúzia de preconceitos.
Achando-se elite intelectual do país, essa gente pouco produziu. Umas coleções de crônicas, algum mal sucedido romance, filminhos metidos à besta. Foi seu legado cultural. Famosos nos bares caros que freqüentavam, foram envelhecendo tendo de assistir um operário nordestino chegar ao poder, uma geração de escritores conhecendo o sucesso, e mais recentemente a periferia ganhando voz pelos meios eletrônicos. Tudo à sua revelia. Sobrou-lhes o rancor que tentaram disfarçar com o desprezo. Exemplo eloqüente disso é o cineasta Arnaldo Jabor que sem possuir os aparatos do disfarce que adornam muitos iguais a ele, e sem cabedal de cultura, moveu durante quase oito anos uma feroz campanha contra o Brasil e o Presidente Lula que chegou às raias do paroxismo.
Paulo Francis foi outro que fez da esculhambação do país seu meio de vida. Dono de um texto impecável e ampla cultura, Francis, que odiava o Brasil e os brasileiros, foi morar na Meca dos rancorosos sulamericanos e de lá desferia todo tipo de golpe baixo contra o país que não o mimou nem fez dele ministro plenipotenciário de alguma coisa como ele julgava merecer. Francis espumava rancor. No fim da vida foi processado pela Petrobrás na justiça americana devido aos ataques e acusações feitas aos diretores da empresa. O ex-brizolista, ex-trostkista e ex-pessoa se dedicava então a campanhas privacionistas. A estatal petrolífera era seu alvo favorito.
Lessa foi morar em Londres para não ter de ouvir gente assoviando no elevador.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Tovarich Putin







A frase eu ouvi na televisão e era atribuída a Vladimir Putin. “Quem não tem saudade da União Soviética não tem coração e quem quer que ela volte não tem juízo”.
Tenho sempre um pé atrás com tradutores e com jornalistas. Mas fiquei seduzido pela frase. Quero crer na fidelidade da tradução e na atribuição da autoria. Pois, afinal, é aí que reside sua sedução_ no seu autor, o camarada Putin. Não sabia que o ex-diretor da KGB era um frasista. Sequer um frasista ocasional. Sempre penso nele com seu andar de malandro ou envergando seu quimono de judoca. O Putin frasista me surpreendeu.
E veja que há algo de poético no dito pragmático. A frase tem o dom de agradar aos magnatas de hoje e aos velhos comunistas de outrora. Afaga aqueles que sonharam com o socialismo e protege os que lucraram com seu fim. Tem algo de conciliação nacional sem comprometer fortunas nem medalhas.
Dito assim pode parecer que eu quero insinuar que a frase foi pré-fabricada, coisa de marqueteiro para atrair simpatias daqueles que não vêem a menor graça na nova Rússia. Para que? Putin não precisa disso. Se elege quando quer e do jeito que quer. Elege o poste Medvedev. Elege o Czar se lhe der na telha.
A frase me parece sincera. Imagino Putin saudoso dos tempos em que galgava postos na KGB e tinha cabelos. Os dias atribulados da perestroika e da glasnost. Daqueles tempos em que ele mandava prender. (Hoje manda prender e manda soltar, se quiser)
Ouvindo a frase na voz neutra do locutor, fiquei imaginando como soaria em russo. Que aparência  teria escrita em cirílico sobre um papel pardo, a tinta ainda fresca, pregada numa parede, apressadamente, como nos tempos pré-revolucionários. A frase me seduz com sua verdade rude.
Ainda que a notícia não esclareça onde, quando e pra quem a frase foi dita, ela subsiste com sua clareza de desalento, seu tom de desconsolado sorriso, seu humor desencorajador.
O fim da União Soviética tirou algo da alma do mundo, mesmo que esse algo fosse feito de ilusão e voluntarismo. O socialismo que lá se praticou sempre esteve muito longe do socialismo que se quis. Sem embargo, a frase de Putin teve o condão de libertar a envergonhada saudade de quem, um dia, acreditou porque sim.
Na frase do ex-agente da infame KGB, não há a KGB, não há Stalin nem Brejnev, nem Gulags nem trabalhos forçados. Somente a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. E uma saudade.








sábado, 16 de junho de 2012

O que é ruim a gente esconde.







Aconteceu há alguns anos atrás. O então ministro da fazenda, Rubens Ricupero, concedia uma entrevista nos estúdios da TV Globo. Veio o intervalo comercial e alguém esqueceu de desligar algum botão. Quem via o programa pela parabólica pode ouvir o diálogo que o ministro matinha informalmente com o jornalista Carlos Monforte, um parente seu. Cuidava-se da eleição de Fernando Henrique, e Ricupero pronunciou a frase que durante semanas ocupou o noticiário: “O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”.
A frase infeliz culminou com a demissão de Ricupero mas não abalou a candidatura de FHC, que venceu aquela eleição no primeiro turno. O frasista acidental hoje aparece nas TVs para engrossar o rol dos palpiteiros profissionais. Ninguém lhe cobra pela desastrosa sinceridade.
Uma atitude como a do ex-ministro nem de longe causa espanto quando pensamos nos políticos. Ao fim dos quatro anos de seus mandatos, todos eles falam das proezas de suas administrações embora saibam que muitos de seus eleitores conheçam a outra face da moeda. Mas para os incautos, escondem até viaduto caído.
Agora, quando a imprensa tenta esconder fatos conhecidos por muitos, ingenuamente ainda nos surpreendemos.  É isso o que tem acontecido na Eurocopa.
As TVs que exibem a competição nada nos contam dos sérios problemas havidos nos países sede. A morte, confirmada, de um torcedor espanhol nem sequer foi comentada. Muito menos outras duas, de torcedores poloneses, que as autoridades do país negam. Os atos de racismo acontecidos nos estádio e nos centros de treinamentos não merecem nem uma menção. Durante as transmissões dos jogos, aparecem risonhas criancinhas e felizes torcedores. Um narrador com voz de idiota põe legendas nas cenas mostradas pela organização do torneio.
Apenas uma briga envolvendo torcedores russos e polacos foi ao ar, mas os comentários feitos enquanto as cenas eram exibidas, traziam elogios à atuação da polícia e muitos eufemismos.
O SBT, que não transmite a copa, mostrou jogadores franceses negros sendo hostilizados por racistas ucranianos num local que parecia ser um centro de treinamentos. A mesma emissora também exibiu cenas da briga entre russos e polacos muito mais extensas que as que vimos nos canais que detêm os direitos de transmissão da Eurocopa.
Mesmo antes de iniciar-se a competição, a BBC exibiu uma longa reportagem sobre a violência nos estádios poloneses e ucranianos dando ênfase ao aspecto racista das manifestações dos torcedores. Autoridades dos países anfitriões mostraram-se indignados com o que chamaram de “hipocrisia inglesa”. E não sem razão.
Especialistas no “o que é ruim a gente esconde”, os súditos de Sua Majestade Elizabeth II, não se acanham em apontar o dedo para problemas alheios. Quanto ao que sucede dentro de sua ilha, fazem discreto silêncio. Ou por outra, inventam as mais deslavadas desculpas que só um membro da imprensa brasileira é capaz de dar crédito. Isso acontece sempre que num jogo do campeonato inglês há uma invasão de campo e a imagem do invasor não é mostrada sob o argumento de que é isso que querem os penetras: aparecerem na TV. Ora, a maioria dessas invasões se dá em conseqüência de apostas entre amigos. Muitos pelados que surgiram em campos e quadras esportivas, deram essa explicação após serem detidos. Não passa de brincadeira mas deixam a nu a fragilidade da segurança. E isso não se mostra.
Quando quebraram a perna de Eduardo da Silva, o brasileiro que joga na seleção da Croácia e defendia o Arsenal, a TV inglesa não mostrou a agressão do jogador inglês argumentando que era uma imagem muito forte, que poderia ferir a sensibilidade de alguém. Se formos acreditar nisso chegaremos à conclusão que os ingleses são poupados das cenas da fome na África e dos massacres na Síria. Mas sabemos que pernas quebradas em gramados da Inglaterra são frutos de um tipo de arbitragem que é orientada para “deixar o jogo correr” e assim tornar o espetáculo esportivo mais palatável para os que não manjam muito do jogo da bola. Logo, há que esconder.
Mas enquanto nossa imprensa presta vassalagem a qualquer estupidez que venha do velho continente, podemos contar com a mal disfarçada antipatia que os europeus sentem uns pelos outros para obtermos alguma informação sobre os acontecimentos de lá.
Assim como a BBC foi quem mais falou das mazelas dos países sede da Eurocopa, foi a TV francesa quem produziu um ótimo documentário sobre o desastre marítimo recentemente ocorrido na costa italiana com um navio operado por uma companhia italiana no qual seu comandante italiano abandonou o barco e deixou que os passageiros se virassem sós.
Em 2014, pode ter certeza, nenhuma imagem será sonegada. Cada falha na organização da copa ou na segurança. Qualquer turista assaltado ou criança perdida, terá total cobertura de nossa imprensa que não poupará esforços para mostrar ao mundo o quanto somos incompetentes. O jornalismo brasileiro provará que no Brasil só se salva o jornalismo brasileiro.


quinta-feira, 14 de junho de 2012

Políticos







Depois das oitivas dos governadores na CPI do Cachoeira, estou pensando em transferir meu domicílio eleitoral para Brasília ou Goiás. Os senhores governadores não só me convenceram de sua inocência como também provaram que são ótimos gestores públicos. Ambos receberam governos falidos e cheios de irregularidades administrativas. Ambos sanearam as finanças e transformaram gigantescas dívidas em superávit. Encheram os cofres das unidades federativas governadas por eles. Economizaram milhões do erário promovendo uma disciplina de gastos poucas vezes vista. Combateram desmandos herdados de administrações anteriores, moralizaram a coisa pública e viraram exemplo de gestão para seus partidos.
Tudo fizeram para o bem de seus concidadãos sem descurar da família. Ambos fizeram transações imobiliárias para assegurar o futuro dos seus. Foram aplaudidos por correligionários e deles receberam palavras de elogio e incentivo para que perseverem na dura missão de transformar a gestão pública.  Estou certo de ter ouvido dois dos mais brilhantes administradores do país, quiçá do mundo. Agora temo que sejam cooptados por alguma nação européia em crise para solucionar os problemas do velho continente.
Mas nem tudo que ouvi dos governadores me trouxe contentamento. Descobri um homem solitário e me compadeci. Refiro-me ao empresário de jogos conhecido pela alcunha de Carlinhos Cachoeira.
Embora viva na metrópole de Goiânia, ninguém o conhece. Não sabem de sua atividade empresarial e se o governador Perillo vai ao seu prédio é para visitar outros apartamentos, nunca o seu. Todos os que depõem na CPI ou no Conselho de Ética, só estiveram com ele uma, no máximo duas vezes e mesmo assim por casualidade. Parece não ter vida social o bem sucedido empresário. Quem sabe lhe falte o dom da simpatia. Quando o governador de seu estado lhe telefona para desejar-lhe feliz aniversário, é apenas um ato protocolar pois faz o mesmo com todos os aniversariantes de Goiás. E olha que o homem presenteia. Na certa no afã de conquistar amizades. Os telefones que gentilmente regalou são na verdade um pedido de socorro para que o salvem da terrível solidão. Sua mudez na comissão de inquérito talvez seja um sintoma da falta de costume de falar frente a frente com outras pessoas.  
Mas acho que vou aguardar até depois das eleições para a transferência do título de eleitor para o centro-oeste. Digo isso porque durante as campanhas eleitorais para as prefeituras, hei de duvidar. Foi assim na eleição municipal passada quando assisti a propaganda do prefeito Kassab que tentava a reeleição. Pude ver no programa eleitoral daquele prócer que a maior cidade do país não é só maior em população, parque industrial, renda per capita e oportunidades, não. São Paulo é um modelo de saúde, saneamento, educação e segurança pública de causar inveja ao primeiro mundo. Tem remédio de graça que é entregue em casa, escolas que parecem a Dineylandia, hospitais limpos e bem equipados onde todo mundo sorri. Sorri a enfermeira, sorri o médico e até o moribundo sorri. Nunca havia visto hospital tão alegre quanto o hospital do Kassab. Dá vontade de arrumar uma doença e ir gargalhar na paulicéia.


Minuto de silêncio






Nelson Rodrigues já dizia que no Maracanã se vaia até minuto de silêncio. É verdade. Mas se para o grande escritor isso causava uma certa graça, para os neo-jornalistas de hoje é motivo de sérias críticas. Comparam a atitude das torcidas brasileiras com a dos ingleses e sempre repetem que nos estádios da Inglaterra se escuta uma mosca voando quando se presta a homenagem silenciosa. Também isso é verdade, mas por que se faz a comparação? Para nos deixar mal.
A classe social da qual provêem os neo-jornalistas odeia o Brasil. O Brasil e os brasileiros. Querem que sejamos qualquer coisa, menos brasileiros. E se existe um povo que sintetiza nossa maneira de ser, esse povo é o carioca. Debochado, irreverente, pouco dado às mesuras e convenções pequeno burguesas, o povo carioca dos morros e subúrbios não se deixa engabelar pelas pompas do mundo. Vaia.
No afã de menosprezar o povo, os neo-jornalista não vêem o óbvio. Se na Inglaterra e em outros países a homenagem silenciosa é prestada a figuras queridas e conhecidas, entre nós não se dá o mesmo. Homenageiam-se ilustres desconhecidos.
Os ingleses são cobras em matéria de cerimonial. Séculos de monarquia os tornaram mestres do rapapé. Quando vão prestar uma homenagem póstuma num estádio de futebol, certamente o homenageado terá pertencido às fileiras do clube que ali manda seus jogos, geralmente um ex-jogador, um ex-técnico, um ex-presidente que tenha influído na história da agremiação. Não se fazem homenagens em casa de adversário nem com chapéu alheio.
No Brasil o minuto de silêncio serve para que o homenageado tenha o nome dito na televisão para regozijo de seus enlutados familiares, nada mais. Nem o público no estádio nem os jogadores nem o árbitro, sabem de quem se trata. Se assistimos o jogo pela TV, somos informados por um diligente repórter de campo da razão da homenagem. Pelo geral o alvo do tributo é um ex-conselheiro do clube, um ex-presidente de federação, um jornalista esportivo aposentado. Mas há casos mais intrigantes. Certa vez, depois de muito apurar, a reportagem descobriu que se faria o minuto de silêncio pela morte de um ex-jogador. O detalhe era que o atleta falecido tinha sido jogador do Flamengo nos anos sessenta mas na modalidade de basquete.
Ano passado eu ouvi que a homenageada era a mãe de um conselheiro do clube mandante que falecera na precoce idade de 87 anos. No último fim de semana, não lembro em qual dos jogos que assisti, prestou-se homenagem póstuma a um ex-conselheiro. Claro que enquanto o árbitro e os jogadores fingiam grande recolhimento, a torcida entoava seus cantos e batia seus bumbos.
Para reduzir o tempo de vaias e palavrões, enquanto o ilustre desconhecido é homenageado, o minuto de silêncio nunca ultrapassa os 30 segundos.
Quando é justa a homenagem póstuma, o torcedor brasileiro mostra seu afeto e seu respeito, à nossa maneira. Não sabemos nos fingir de mortos à moda britânica. Carnavalizamos, assim como fazemos nos velórios e gurufins.
Na final do returno do último campeonato carioca, jogaram Vasco e Botafogo. Na véspera havia morrido Dicró. Vascaíno famoso, o cantor recebeu a homenagem póstuma antes do jogo. Toda a torcida do Vasco gritou seu nome. Sem ensaio, sem cerimonial previamente concebido.. Silêncio não se fez. Foi, isso sim, um minuto de sonora identificação de vascaínos com outro vascaíno, do povo com o cantor popular. Lamentavelmente a torcida do Botafogo não se incorporou à homenagem.
Raramente se vê em um estádio brasileiro uma homenagem póstuma sendo prestada a um ex-jogador. Mas não é a torcida que o esquece. São os dirigentes e a imprensa. Mesmo antes da morte são esquecidos pela vaidade daqueles e a futilidade desta. O cúmulo do esquecimento proposital deu-se não faz muito tempo.
O Internacional de Porto Alegre organizou uma festa para comemorar o título do Mundial Interclubes. O convescote aconteceu pouco tempo depois da conquista e para seletos convidados. Sócios, beneméritos, conselheiros (esses estão em todas) e imprensa festiva lá estavam. Também presentes, os jogadores. Menos um: Adriano Gabiru, que já havia sido dispensado pelo clube, não foi convidado. Pra quem não se lembra, foi dele o gol do título.
Dentro de pouco tempo, ouviremos que o minuto de silêncio que será respeitado antes de um jogo no Beira Rio, é uma homenagem póstuma a um dirigente do clube que participou, sabe-se lá como, da conquista histórica.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Bandidos







Em seu livro, Viventes das Alagoas, Graciliano Ramos dedica 7 dos 39 textos ao Cangaço. Em um deles, intitulado “Dois cangaços”, o escritor compara os primeiros cangaceiros com Lampião e sua gente. A comparação, ainda que sem enfeitar demasiado os primitivos, deixa o Capitão Virgulino Ferreira em posição desvantajosa. Em feitos, em honra e mesmo em coragem. Acentua Graciliano o tamanho dos bandos que de poucos homens ou apenas envolvendo pessoas da mesma  família em fins do século 19 e começo do século 20, passou a enormes colunas chegando, segundo ele, a duzentos combatentes na invasão de Mossoró em 1927 (Graciliano data o episódio em 1926).
Em um momento da narrativa o autor de Vidas secas, que chegou a pertencer ao Partido Comunista, usa o termo “rebotalho social”, para referir-se a Lampião e seus cabras. Quando fala das moças defloradas pelos cangaceiros, se compadece das brancas que “inutilizam-se para sempre” pois “nenhum sertanejo de família vai ligar-se a uma pessoa ultrajada” ao contrário das moças da classe baixa que, segundo ele, não se aviltam por isso e recebem frascos de perfume, cortes de seda e cordões de ouro e casam-se como se nada houvesse acontecido.
Os crimes cometidos pelo bando de Lampião são destacados do contexto social do sertão. Temos a impressão, lendo o relato, que os cangaceiros inventaram a degola, o estupro, a castração, a mutilação. Essas práticas eram comuns e ainda são embora não cause indignação quando são perpetradas contra a população pobre, seja do sertão seja da favela.
Graciliano faz um relato estribado na sua condição de homem da classe média que se sente mais próximo ao proprietário, ao senhor. Embora condene a situação de penúria do povo trabalhador e veja nesse fato a origem do cangaço de seu tempo que ele distingue do cangaço de “origem social” de tempos atrás, não pondera que a atuação desses homens é apenas reflexo do entorno. Atos como os cometidos pelos cangaceiros eram comuns no sertão. A diferença era quem os cometia.
Acontece que nossas elites e os que se sentem próximos a elas, odeiam quando o povo resolve agir abolindo as leis que essas elites fizeram para se proteger. Assim que hoje em dia um traficante de drogas é mostrado como o pior dos celerados quando não faz mais que imitar o modelo de negócios dos grandes cartéis de armas, de bebidas ou de agrotóxicos. É na violência policial que busca inspiração para seus atos de repressão e punição para os que tentam enfrenta-los. Na corrupção do estado se ampara, na ausência do estado, reina.
Quando o Capitão Virgulino Ferreira resolveu ser o governador do sertão nada mais fez do que assumir as funções para as quais estava mais apto que os eleitos por currais eleitorais. Tinha a força das armas e o sentimento popular via nele o justiceiro de que carecia o sertão. É certo que espalhava o terror e uma traição era cobrada com requintes de crueldade exemplar. Mas o fato é que tanto no sertão como nas favelas, o poder estabelecido pela sociedade é muito mais cruel, sua presença só se faz notar quando reprime, humilha, segrega.
A rebeldia popular nem de longe se parece com o ideal romântico dos que querem orientá-la, conduzi-la. Não é uma força libertária, não busca alianças estratégicas. Apenas entra no jogo para ganhar. Não apóia a greve dos professores nem quer um meio ambiente sustentável. Não se importa com a imagem do país no exterior, não pensa num futuro melhor para as gerações vindouras. Quer afirmar-se como força social, anárquica e caótica.
A resposta da sociedade estabelecida é, e sempre será, a repressão. O melhor exemplo disso é Canudos. Os crimes ali cometidos tiveram total apoio social desde o início, quando as primeiras forças da ordem foram dar fim aos sertanejos que desafiavam a república e seus ditames. Nas cidades, cidadãos bem pensantes estavam plenamente convencidos que o extermínio de mulheres e crianças serviria para que a sociedade moderna e progressista seguisse seu passo. Os seguidores do Conselheiro seriam o atraso, o empecilho para que a nação confirmasse seu destino.
No caso dos cangaceiros havia que retomar o monopólio da crueldade, do estupro, da degola. Claro que as mocinhas brancas estariam em segurança, os negociantes poderiam seguir pondo preço na fome, os coronéis continuariam seu reinado despótico. Tanto em Canudos como no fim do Cangaço, cabeças foram cortadas mas isso não impediu grande regozijo das elites da época e dos que dela se sentiam próximos.
Hoje, mesmo que as polícias pacificadoras continuem matando meninos nos morros e favelas, as grandes redes de televisão seguirão fazendo reportagens elogiando o serviço de "limpeza". Armas e drogas serão prontamente exibidas para mostrar a todos que o morto era traficante e ousou enfrentar a polícia assim como Lampião enfrentava os macacos das volantes.
A verdadeira história de Canudos já pode ser contada sem encher de pejo a sociedade que se vê distante do terrível massacre. O culto a Lampião e seus seguidores é franco entre os sertanejos pobres embora, para não deitar idéias, os bem formados continuem louvando os que cortaram suas cabeças.
Os traficantes das favelas seguem sendo mostrados como a própria encarnação do mal e sua imagem associada à degeneração do tecido social. Os assaltantes de joalherias e os arrombadores de caixas bancárias aparecem no horário nobre da TV como inimigos públicos de primeira linha. Querem fazer crer que os investimentos em segurança aumentam o custo Brasil e praticamente explicam o alto valor das taxas cobradas pelos bancos de seus correntistas.
A recente publicação de pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP, nos dá uma idéia de como a sociedade brasileira vê aqueles que ameaçam seus bens. Se em 1999, 71,2% da população rejeitava o uso da tortura pelas forças de repressão, em 2010 esse número caiu para 52,5%. Quase metade da população brasileira apóia o uso da tortura pela polícia para “investigar” crimes.
Ora, a tortura é muito mais um ato de punição do que outra coisa e a sociedade sabe bem disso. Sabe e concorda. O que assusta nesse número, é que cada vez mais pessoas aderem ao pensamento repressor das elites. Isso talvez advenha do crescimento da classe média em nosso país. Cada vez mais pessoas têm o que perder e o ladrão de carros recebe uma carga de ódio que não vemos sendo dirigida ao estuprador ou ao pedófilo.
Certamente os programas televisivos de cunho policialesco têm sua parcela de responsabilidade quando, na corrida por índices de audiência, chegam às raias da insanidade com seus apresentadores e “repórteres” falando da impunidade dos bandidos.  Fato que a superpopulação carcerária desmente. Mediante a suposta impunidade, que os ditos programas proclamam como falha da justiça e não da valorosa polícia, a tortura teria o condão de punir aqueles que atentam contra o patrimônio. Pois disso se trata.
Os crimes contra a vida têm menos repercussão na TV que assaltos a joalherias de “shoppings” ou explosões de caixas eletrônicos. Nesses casos sempre é destacada a ousadia dos bandidos como uma ofensa à sociedade. Chacinas cometidas por milícias e grupos de extermínio ocupam os poucos minutos que são necessários para criminalizar as vítimas. Os mortos são tratados, invariavelmente, como pessoas ligadas ao tráfico de drogas ou viciados. Ajuste de contas é o veredicto dado por “jornalistas” e policiais enquanto os corpos ainda estão no chão de bares e biroscas da periferia.
Canudos e o Cangaço teriam muito que ensinar mas para isso a sociedade teria de deixar de ver pobres e favelados como rebotalho social.




quarta-feira, 6 de junho de 2012

Ronaldinho Gaúcho







Muitas vezes recorro às minhas lembranças de outros tempos para pensar sobre fatos atuais. Creio que é coisa de quem vai ficando velho e sabe que os dias vindouros serão poucos comparados aos passados. Muita coisa que ouço, vejo e leio, tem o gosto, o aroma, a pele do déjà vu (desculpe o estrangeirismo). Ontem mesmo, estava feliz pela contratação de Ronaldinho Gaúcho pelo Galo e escutando nossa crônica esportiva comentar o fato, me lembrei de Afonsinho.
Em 74, o jogador do Botafogo conseguiu na justiça o passe livre e se tornou o primeiro jogador de futebol a ser dono de sua vida profissional. Antes disso, enquanto travava uma batalha judicial pelo seu direito de ir e vir, a crônica esportiva da época implicava até com sua barba. Estávamos no período mais negro da ditadura. A rebeldia de Afonsinho tinha de ser punida de qualquer maneira e na falta de argumentos sua barba servia de mote para críticas de jornalistas que deveriam escrever sobre futebol. O jogador, estudante de medicina, podia freqüentar seu curso e fazer dissecações usando sua volumosa barba, mas jogar futebol, não. Claro que o problema era outro. Um jogador de futebol ousara pensar.
 A imprensa, principalmente a esportiva, em sua grande maioria é servil e careta. Sempre foi assim. Naqueles tempos até a polícia política perseguia Afonsinho e há relatórios do serviço secreto da ditadura dando conta das excursões do Santos quando o jogador se transferiu para o time peixeiro, já dono de seu passe. Certamente os boçais agentes da boçal ditadura viam no fato de Afonsinho ser universitário e rebelde, um claro indício de ligações com o comunismo internacional. A imprensa fazia eco e ajudava na marginalização do atleta. Exceção feita a João Saldanha que sempre defendeu Afonsinho e os jogadores em geral.
A bola da vez é Ronaldinho Gaúcho. Não que o craque tenha atitudes rebeldes e contestadoras. É apenas um cara que gosta de festas e mulheres. Bastou. Qualquer falha sua nos gramados desata uma indignação da imprensa que deveria ser usada, por exemplo, no caso do menino Wendel, que morreu durante uma peneira do Vasco. Não foi.
Assistindo o programa Linha de Passe da ESPN Brasil (?), pensei ter voltado no tempo. Vi-me de novo diante da inquisição moralista dos anos de chumbo. A contratação de Ronaldinho pelo Galo foi tratada por Juca Kfouri como “insânia”. Daí em diante evocou-se Freud, a Constituição, Marx e o escambau para desqualificar o jogador, seu irmão e procurador, Assis, o presidente do Galo, Alexandre Kalil e os torcedores atleticanos contentes com a contratação daquele que por duas vezes foi eleito o melhor jogador de futebol do mundo, jogou duas copas e foi campeão de uma delas.
No programa, Paulo Vinícius Coelho, abrindo o manual do bom mocismo, detalhou os passos que Ronaldinho deveria ter dado no episódio da ruptura com o Flamengo. Kfouri, para acompanhá-lo, disse três vezes a palavra moleque, referindo-se ao jogador. O balbuciante Calazans, que não assiste um treino desde o primeiro de Garrincha em General Severiano, afirmou que mesmo querendo Ronaldinho não consegue mais jogar futebol. Márcio Guedes, comentando o salário que o craque receberá no Atlético, citou duas importantes rádios do Rio que afirmaram que o Gaúcho iria ganhar 20%  mais do que o Flamengo ficava lhe devendo a cada mês. Você já ouviu a programação esportiva das principais rádios do Rio? Conhece algo pior? Acha que alguma informação veiculada por essas rádios merece ser citada em conversa do botequim?
Mas não foi só. O tom das críticas foi subindo à medida que esgotavam os argumentos e o xenófilo comentarista Mauro Cézar Pereira torceu os números e antes que alguém (em sua casa, no estúdio reinava a mais burra das unanimidades) pudesse argumentar que Ronaldinho marcou 14 gols pelo Flamengo no campeonato brasileiro do ano passado e foi protagonista numa das melhores partidas de futebol já jogadas no planeta, chamou isso de brilhareco. A tudo, Nerso da Capitinga, o condutor do programa, assentia.
Paulo Vinícius Coelho também falou do “produto” Ronaldinho. Kfouri mencionou sua falta de carisma comparado-o a  Ronaldo Fenômeno. Mister Magoo balbuciou algo sobre o olhar de robô do R 10.  Foram unânimes: Ronaldinho Gaúcho não era um bom profissional.
Se Ronaldinho fosse um assíduo freqüentador de programas esportivos não se falaria de sua falta de carisma. Se fosse garoto propaganda das marcas patrocinadoras das emissoras, sua vida fora dos gramados seria esquecida. Se fizesse o discurso do atleta de vida regrada, poderia viver no departamento médico de chinelinho como ocorre com muitos jogadores “sim sinhô” que não agüentam um jogo inteiro mas são  queridinhos da imprensa careta.
Esqueceram-se, os senhores comentaristas, que Ronaldinho esteve em campo pelo Flamengo em quase todos os jogos do time em 2011. Foi o artilheiro do campeonato enquanto o clube mais avacalhado do Brasil fingia que pagava seus salários. Com seus gols deixou a time em terceiro lugar no Brasileiro e com vaga na Libertadores.  Nesse período voltou à Seleção por seus méritos e gols. Não é possível que em alguns meses ele já não possa mais jogar futebol como afirmou Magoo Calazans.
Um vídeo divulgado pela diretoria do Flamengo com o intuito de baixar a conta do que deve ao craque e que teve ampla difusão pela imprensa, mostra Ronaldinho Gaúcho entrando no quarto de uma mulher num hotel onde o time estava concentrado. Até o libertário Juca kfouri fez disso um caso. Ora, um homem solteiro come uma mulher de noite. De manhã veste seu uniforme de treino e vai cumprir suas obrigações. Isso não acontecia na democracia corinthiana? Isso não acontece em todos os clubes nos quais a concentração foi abolida? Vai agora o Juca Kfouri fazer apologia dos benefícios do regime de concentração de atletas? Por fazer sexo, Ronaldinho estaria pondo em risco seu desempenho em um treino?
Assim como no tempo de Afonsinho, a imprensa continua querendo ditar regras morais e de comportamento aos atletas. Não importa que a tal vida desregrada levada por muitos não lhes provoque danos (Ronaldinho jamais teve uma contusão séria), importa sim, seguir a cartilha do bom moço, comparecer aos programas esportivos mesmo durante as férias e tornar-se um produto vendável para toda a família.






domingo, 3 de junho de 2012

Ai se eu te pego







Comentando os 100 anos do naufrágio do Titanic, Luis Fernando Veríssimo nos fala de uma cidade que foi porto de escala da trágica travessia, Cherbourg. Lá, também, a cobertura da imprensa sobre o centenário do desastre foi quase tão grande quanto a que foi feita por ocasião do lançamento ao mar da nave indestrutível. O escritor visitou na cidade uma exposição dedicada ao navio. Gostou.
Veríssimo fala, em sua crônica, das metáforas que podem ser feitas a partir do Titanic e seu destino. Ao fim, nos diz que no rádio do carro que usava na cidade francesa, tocavaAi se eu te pego”._ “Simbolizando, pensando bem, nada”.
 Semana passada, enquanto aguardava o jogo entre Brasil e Dinamarca, assisti a reportagem feita na entrada do estádio com torcedores dinamarqueses. Nesse tipo de jogo, realizado fora dos países dos contendores e com ingressos caríssimos, não há torcedores tradicionais e sim turistas que pouco ou nada manjam do esporte. Os dinamarqueses entrevistados sequer conheciam Tiago Silva ou David Luis, estrelas internacionais, mas cantavam, em português, “Ai se eu te pego”.
Na TV portuguesa, num desses programas sobre decoração de interiores, o tema de encerramento, quando são mostrados os móveis e tapetes que foram os protagonistas do episódio, é “Ai se eu te pego”. A “música” está em primeiro lugar na parada de sucessos (será que ainda se usa esse termo?) de Praga. Também já ouvimos seus (seu?) acordes num vídeo clip israelense que, pelo menos, era satírico.
Um locutor esportivo daqui, que não merece ser citado nem viver, tenta fazer dos “versos” cantados por Teló, um bordão, e os repete inúmeras vezes durante a transmissão dos jogos de futebol.
Já não se pode tentar ignorar o fenômeno e aqui tenho de discordar do grande Veríssimo. Creio que a ascensão (e futura queda) de Michel Teló pode simbolizar muitas coisas do mundo e do tempo em que vivemos.
Como um produto de tão má qualidade pode se tornar referência para milhões (bilhões?) de pessoas ao redor do mundo? Poucos anos atrás sua repercussão estaria restrita ao território nacional, alojada num nicho do mercado fonográfico onde estariam outros produtos da mesma natureza catalogados com o rótulo “abaixo da crítica”. O fenômeno se deu graças, principalmente, à internet e sua capacidade de gerar fatos e factóides. Os vídeos e postagens virais fazem com que milhões embarquem na primeira canoa furada que passe. No caso de Teló e sua “produção artística”, o mal causado é de menor importância. A imbecilização provocada só causa danos no indivíduo e por curto período. Como efeito secundário, apenas uma histeria coletiva que se desinflará pela ação do tempo e do pouco oxigênio que carrega. Passados alguns anos e será lembrada como uma gripe forte, um surto de dengue. A Macarena e o Mister M estão aí para não me deixar mentir. Mas há pior.
“Ai se eu te pego” (minhas aspas já estão acabando) nos fala de algo mais sinistro e destrutivo: O poder de se disseminar a loucura e a insensibilidade usando-se da mais maravilhosa das tecnologias de comunicação.
A cada dia que abrimos o facebook ou algo parecido, nos deparamos com o maior surto de tolices que a humanidade já conheceu. As idéias mais absurdas, os comentários mais imbecis, o compartilhamento de imagens de bichinhos para decorar frases feitas, o horóscopo, o horóscopo chinês, o calendário maia, o catastrofismo dos bio desagradáveis, as charges de segunda categoria, enfim, todo um universo difícil de engolir sem sentir as náuseas da saturação. E o pior é que está apenas começando.
Já imaginou se Hitler contasse com a internet quando começou seu “ai se eu te pego” com os judeus e outros povos tidos como daninhos à sociedade alemã? Pois pare de imaginar. As redes sociais, que colocaram no imaginário popular a idéia de que foram importantes na derrubada de líderes indesejáveis no oriente médio e no norte da África, hoje guardam sepulcral silêncio sobre o novo inferno líbio, a xenofobia européia, a farsa eleitoral egípcia, a degradação da Grécia, o crescimento da extrema direita na Europa. Sobre Guantánamo, nem uma palavra. O maior campo de concentração do ocidente, desde a segunda guerra, continua propagando que usa tortura sim, e daí?  Não há ação espontânea de indivíduos indignados nem solidariedade internacional. Anonymous está mudo.
“Ai se eu te pego” é um sinal dos tempos. De um tempo onde tudo é possível. A mentira mais deslavada não dorme em secretas alcovas, não se esconde em porões, não se envergonha. Assim como a música infeliz, ela se espraia na maré alta e você nem nota ou quando nota, ela já viajou para ser primeiro lugar na parada de sucessos de Praga.
Michel Teló é um profeta que veio anunciar o reino de Steve Jobs. “Ele voltará e se sentará à direita de Bill Gates”
Primo irmão de Luan Santana, neto de Sidnei Magal e filho da puta, o sertanejo universitário, graças a Zuckerberg, (o espírito santo da trindade cu de ferro), deixou claro que tudo é possível se a cara é de pau. Basta postar.
Outros fazem o mesmo que Teló, e de graça. Inundam o mundo virtual com suas tolices. Mesmo sem ter um milhão de amigos e bem mais forte poder cantar, fico estupefato como as mesmas bobagens me chegam das mais diversas fontes e em idiomas variados. A última foi uma que esclarece que eu não sei de nada e que se uma eleição tiver 51% de votos nulos, ela será anulada e que os políticos envolvidos na disputa inválida não podem mais concorrer. É a terceira ou quarta vez que leio essa mensagem no facebook postada por gente que nada tem de maldosa. Estão entre meus amigos ou são amigos destes.
Outra postagem faz referência às falcatruas dos sorteios de mega-senas e afins e também afirma que eu não sei de nada. Garante que uma denúncia foi veiculada no jornal da Record ou do SBT. Na Globo não. Fala de importantes figuras políticas metidas na roubalheira mas não dá nomes. A estória é mal ajambrada e torpe mas mesmo assim as pessoas passam-na adiante.
Também constante nas redes sociais são as figuras da já citada santíssima trindade; Jobs, Gates e Zuckerberg. Seus ensinamentos sobre a vida, o destino da humanidade, o aquecimento global e a procriação de artrópodes, são repassados como vírus. Os ateus os exibem orgulhosos, símbolos do livre pensamento. Os que crêem vêem Jobs como um mártir da fé. São os tempos.
Vladimir Ilitch Ulianov, o Lênin, depois que assistiu o Encouraçado Potenkin, ficou fascinado e previu um futuro maravilhoso. Ficou amigo de Eisenstein e sonhou com a conscientização do proletariado através do cinema. Hoje Bruce Willis e Mel Gibson lhe dariam uma chave de braço e o jogariam na realidade. Quem viu o nascer da internet e pensou nas possibilidades infinitas que a tecnologia trazia no ventre, vê-se diante do fato de que entre quatro arquivos baixados, três são de jogos eletrônicos. 75%. Dos 25% restantes Michel Teló tem grande parcela. Um clip com sua “obra” já alcançou 100 milhões de visualizações no youtube. Antes do similar com versão em inglês.
A televisão, que desde seus começos foi ruim, e por isso não frustrou tanto como as outras tecnologias, hoje também se rende aos joguinhos da internet. Há, na TV fechada, um canal especializado no tema. Durante a triste programação vemos jovens de 20 e poucos anos interessadíssimos no assunto. Discutem os tais joguinhos como alguém sadio discutiria a fome no mundo ou a crise européia. Aos 20 e poucos anos estão nessa. Nem quero imaginar sua vida sexual. Dá medo.
O fenômeno Michel Teló, como vimos, é o menor dos males mas “Ai se eu te pego” já encheu o saco.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Dura lex sed lex







Quando eu era menino, havia um produto chamado Gumex que nossas mães (sempre elas Dr. Freud, sempre elas) usavam em nossas cabeças para apascentar redemoinhos, formar topetes e corrigir barbeiros pouco hábeis. Enfim, domar nossas gafurinhas.
Esse produto parecia uma mistura de gel com goma arábica e era aplicado com o pente previamente imerso no potinho de vidro que tinha conveniente boca larga. Alguns minutos após a aplicação, aquela geléia plebéia se transformava num duro verniz, numa laca brilhante que deixava à mostra os sulcos feitos pelo pente. Sua serventia estava restrita às festas, missas, passeios e outras atividades que exigiam nossa total imobilidade. No pátio da escola, após umas correrias, os movimentos e o suor desmanchavam a escultura capilar e ostentávamos uns penachos hirtos como as cerdas do javali.
A primeira vez que usei Gumex o fiz com gosto e orgulho, não só por ser um produto masculino que não estava destinado somente às crianças, como também por ter propaganda na televisão (sim, engraçadinho, quando eu era menino já havia televisão no Brasil) fato que garantia sua qualidade e préstimo. Usei Gumex poucas vezes, acho que minha mãe não gostou muito do resultado. O menino da propaganda era menos irrequieto e sudarento do que eu.
Lembrei-me do Gumex enquanto assistia, atônito, o depoimento de Demóstenes na Comissão de Ética do Senado. O Senador entrou definitivamente em nossas vidas. Prova disso é que já o tratamos pelo nome de pia sem acrescentar cargo nem sobrenome. Já não dormimos sem notícias suas, reparamos na perda de peso que fez desaparecer suas rosadas bochechas e folgou seu paletó.
Na comissão, Demóstenes parecia ter recuperado a firmeza da voz, o tom belicoso do discurso. Foi capaz de encarar seus pares e mentir. Mentiu descaradamente como só alguém que sabe perfeitamente com quem está lidando pode mentir. Falou de Deus e da família como já era esperado e mesmo de sua propriedade privada fez menção. São apenas 500 mil reais de patrimônio, segundo declarou. Para sua lua de mel na Europa levou somente 4 ou 5 mil euros.
Demóstenes pinçou as falhas que abundam na investigação que serve de base para o processo por quebra de decoro, para tentar demolir, in totum, a peça acusatória. Não deu. Seu advogado deixou Carolina Dieckmann e sua transcendental querela por uns tempos e vai tentar, junto ao STF, anular todo o processo judicial alegando vício de origem na investigação no que tange a Demóstenes que, por ter foro privilegiado, não poderia ser investigado sem a licença da Corte Suprema. E quer saber de uma coisa? Eu acho que ele sai dessa mais inocente que o Collor, mais impoluto que o Alceni.
Mas outra coisa é a Comissão de Ética do Senado que o julga por quebra de decoro. Vai servir de boi de piranha. Pelo menos é o que indica o relatório do Senador Humberto Costa. Mas você dirá que no plenário tudo pode mudar e surpreender. Não duvido. Sei que Demóstenes tem um voto certo para sua absolvição. Sim o dele, Fernando Collor de Merda.
O ex-presidente aproveitou a presença de Demóstenes para o único fim que lhe interessa nessa comissão: atacar a ridícula revista Veja. E o Senador aproveitou a deixa, a tese de Collor lhe é favorável, fez mimos no menino mimado do clã alagoano:_Vossa excelência definiu muito bem. _ Vossa excelência tem toda a razão. Garantiu um voto pela sua absolvição. Demóstenes afirma ter mais de 30.
Você pensa que encontrou a relação entre o Gumex e a Comissão de Ética no momento em que leu o nome do ex-caçador de marajás. Certamente se lembrou de seus cabelos emplastados de uma gosma semelhante na cerimônia de posse naquele remoto ano de 1990. Você se equivoca.
Quando penso em Collor, e misturo minhas recordações dos tempos da inocência, vem-me à mente outro produto para cabelos masculinos: a Brilhantina. Se você já passou dos 50 sabe a que me refiro, caso contrário, apenas esclareço que esse outro produto se assemelhava mais ao gel dos anos 90 e tinha o aroma de quarto de zona. Mas não é isso.
Acontece que o mote publicitário do Gumex era:_ DURA LEX SED LEX, NO CABELO SÓ GUMEX. Fiquei pensando no quão dura é a lei para quem não tem dinheiro nem mandato parlamentar e o quão flexível  é, para esses.
Demóstenes, ao fim de sua oitiva no Senado, pediu que seus pares o julguem pelo que fez e não pelo que disse que faria. Segundo ele, promessas feitas ao chefe, Carlinhos Cachoeira, não foram cumpridas. Mas o conselho é de ética, de ética e ele é um Senador da República, Senador da República. Também segue afirmando que não conhecia as atividade zoológicas de Cachoeira. Fez-me lembrar Alceni Guerra quando dizia desconhecer que empresas contratadas pelo ministério que comandava, sediadas na metrópole de Pato Branco, pertenciam a parentes seus. Ora, em Goiânia até a vendedora de pamonha sabe que Cachoeira é bicheiro e filho de bicheiro.
Nos mesmos dias em que assistimos o depoimento de Demóstenes e a mudez de Cachoeira, uma mulher foi presa no interior de Minas por ter comprado de presente para a filha um vibrador. A menina completava 14 anos e pediu o regalo. A mãe comprou. Na loja, encomendou embalagem de presente e comentou para quem era. A vendedora, que também é professora de ensino religioso no turno matutino da mesma escola freqüentada pela menina, denunciou a mãe ao Conselho Tutelar. Pronto, Dura lex.
À mãe não será possível pedir que a julguem pelo que fez e não pelo que disse que faria. Não há presunção de inocência. Foi fotografada pela operosa imprensa brasileira tendo ao fundo um painel com o emblema da Polícia Civil de Minas Gerais. Já está condenada.
Se contasse com o advogado de Carolina Dieckmann e Demóstenes, a mãe liberal poderia ter dito que comprara o vibrador para uso próprio e que, por vergonha, envolvera o nome da filha. O vibrador que a menina mostrou, orgulhosa, para as colegas da escola, seria outro, comprado com suas economias. Fosse deputada, dona de empreiteira, governadora ou jornalista, teria saído da delegacia usando óculos escuros, Louis Vitton ao ombro e amparada pelo Dr. Kakaiy que prontamente entraria com um processo contra o delegado, o estado, o comércio de sacanagem e a vendedora puritana.
Caso ninguém a ajude, a mulher, que foi enquadrada no artigo 224 do Código Penal que trata por estupro presumido quando menores de 14 são expostos a situações de natureza sexual mesmo com o consentimento do menor, será presa e cumprirá a pena. Dura lex, sed lex.
Entre nós, o aforismo latino só se aplica aos pobres e só faz sentido na propaganda do Gumex.