Nelson Rodrigues era um homem conservador, um reacionário
segundo ele próprio. Sem embargo, cultivou amigos e admiradores entre o pessoal
da esquerda. Sua obra falava por ele. Seu filho, Nelson Rodrigues Filho, nos
conta que quando o velho Nelson ia visitá-lo na prisão formava-se uma roda de
presos políticos para conversar com o escritor mais censurado do Brasil. Fazia-se
uma festa.
Admirador de Kennedy e De Gaulle, Nelson Rodrigues adorava
espicaçar Dom Hélder Câmara e todos os padres progressistas. Chamava-os de
padrecos de passeata e dizia que qualquer dia um daqueles padres iria rezar uma
missa na praia vestindo sunga e chupando um Chicabon. Para os amigos da
esquerda, no entanto Nelson guardava delicadezas e tratava Antônio Callado, por
exemplo, como “meu doce radical”.
Nelson era genial.
Tirante, é claro, os botinudos da ditadura, havia também
entre os conservadores respeito por figuras ilustres da esquerda. Talvez o
Brasil civil ainda cultivasse a cordialidade ou, pelo menos, a lucidez.
Hoje, se é que ainda existem conservadores lúcidos, estes
devem estar escondidos no mais recôndito anonimato. Não é para menos, afinal
nesses dias interessantes que vivemos quem tenta dar voz aos reclames da
direita mata qualquer um de vergonha. De Bolsonaro a Lobão passando por
Shehrazade, Olavo de Carvalho e Kim Kataguiri, o que se vê e se escuta é a mais
espessa boçalidade. Boçalidade contagiante.
Depois de afirmar que o apoio de Chico Buarque à Presidenta
Dilma é interesseiro, essa direita de estrebaria agora deu de atacar Jô Soares.
O motivo: uma entrevista feita pelo Gordo com a Presidenta.
Entrevistar com exclusividade o dirigente máximo de qualquer
nação é algo que nenhum jornalista desprezaria. Jô, que comanda um programa de
cunho jornalístico, conseguiu a entrevista. Talvez o que tenha desagradado aos
relinchantes é que Jô tenha entrevistado Dilma com a cortesia e o respeito que
deve merecer quem está no poder ungido pelo voto livre, democrático e
universal.
No Brasil atual, quando gente como Aécio Neves é alçado à
categoria de liderança política, quem não relincha recebe coices.