sexta-feira, 17 de julho de 2015

Do Mão Branca a Sheherazade



A Última Hora foi um grande jornal carioca até o golpe de 64. Seu apoio a Getúlio na crise de 54 indispôs o diário com aqueles que viriam a tomar o poder com a derrubada de Jango. Depois da quartelada, a Última Hora foi minguando tornando-se um jornal secundário.
No começo dos anos 80, distanciando-se de sua linha editorial muito voltada aos assuntos que interessavam ao funcionalismo público, a Última Hora publicou na primeira página matéria sobre um assassinato cujo autor seria um justiceiro que ao lado do cadáver deixara um bilhete dizendo que o morto era um bandido, enumerava os crimes cometidos pelo suposto malfeitor e assinava com a alcunha de Mão Branca.
Depois dessa reportagem outras vieram. Várias mortes nesse estilo foram atribuídas ao tal Mão Branca. Para corroborar a existência do personagem a Última Hora divulgava novos bilhetes deixados pelo justiceiro ao lado de cadáveres.  A população que se sentia acuada pelos altos índices de criminalidade na cidade do Rio e na Baixada começou a comemorar os feitos e fez do Mão Branca um herói.
As vendas do jornal dispararam e até um novo parque gráfico foi inaugurado.
Durante o período que durou o interesse dos leitores pelo Mão Branca, o esquadrão da morte nadou de braçada e matou à vontade. Ia tudo pra conta do Mão Branca.
Tendo como exemplo o justiceiro que defendia a “lei e a ordem” a população resolveu agir também e deu-se início uma série de linchamentos de supostos infratores. Diferentemente do Mão Branca que era quase que uma exclusividade da Última Hora, os linchamentos ganharam as manchetes de outros jornais mais experientes na cobertura do mundo cão. O modo como eram cobertos esses crimes (desculpando, justificando ou até mesmo elogiando os que deles participavam) ateava mais lenha à fogueira santa dos justiçamentos por conta própria.
Em outros momentos da história recente do país (sempre tendo como pano de fundo uma crise econômica ou política) esses atos de violência alavancaram a venda de jornais e a audiência dos programas policialescos da TV que por sua vez incentivaram (seja pela visão acrítica dos fatos, seja pelo apoio explícito) novos linchamentos, novas atrocidades.

Essa nova onda de linchamentos que agora assistimos teve início (é bom não esquecer) num episódio acontecido no Rio quando um rapaz foi espancado e amarrado num poste. O suplício do suposto ladrão foi aplaudido por Rachel Sheherazade em horário nobre da TV. O que veio depois é apenas conseqüência.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Volta Severino!



Um dia, um pensador, filósofo e estadista alagoano que ocupou a presidência do Brasil por um curto período disse citando não sei quem: _”O tempo é o senhor da razão.” Pois é, aquele sábio sabia das coisas. Por vias tortas, mas sabia. Apeado do poder ele voltou triunfalmente para a política e hoje ocupa uma cadeira no senado. É um pai da Pátria. O tempo, senhor do olvido, se ocupou de esfumar as graves acusações que pesavam sobre ele na época em que habitava a Casa da Dinda. Seu povo o reconduziu para as terras secas de Brasília. Lá, ele preside comissões, discursa no plenário e ilumina seus confrades com conselhos e frases edificantes.
O tempo, senhor das amnésias, é o responsável por essa e outras coisas da política brasileira.
Outro estadista, que ostenta o nordestino nome de Severino, não deixou citações quando foi removido da presidência da câmara, mas hoje, o tempo, senhor da justiça, lhe pede perdão.
Severino, embora ocupasse a cadeira de presidente da câmara e fosse o segundo na linha sucessória em caso de vacância da presidência, era humilde. Tudo que queria era um reforço salarial e para isso não recorreu aos cofres públicos. Foi pedir uma mesada ao concessionário do restaurante da câmara. Nada mais normal para os padrões daquela casa de leis. O homem do restaurante dependia do presidente da casa para continuar servindo aos senhores deputados suas frugais refeições. Nada mais justo, pelas normas jamais escritas da política brasileira, que retribuísse a benesse de Severino com algum cascalho. O sujeito mui mão de vaca não quis repartir seus vultosos lucros com o humilde Severino e fez um escândalo danado. Reclamou que estava sendo achacado por Severino. Deu entrevista coletiva ao lado de sua jovem (claro) mulher e chorou (quem não chora, não mama) para constrangimento da senhora esposa e de jornalistas presentes. Severino caiu.
Agora temos Eduardo Cunha na presidência da câmara e o tempo, senhor dos arrependimentos, mostra como fomos injustos com Severino quando exigimos sua destituição do nobre cargo. Diante de Cunha, Severino fica parecendo um menino travesso que, depois de repreendido, nos causa algo assim como ternura.
Severino pouco se importava com os grandes temas nacionais, queria apenas comprar mais umas cabras pro seu sertanejo rebanho, fazer um puxadinho no curral, comprar um votinho aqui outro acolá. O exíguo salário de deputado não bastava e ele teve de recorrer às práticas comuns e usuais na política brasileira. Por ingênuo foi pego.

Eduardo Cunha ainda não foi pego. Talvez jamais o seja. Apossou-se da câmara, dita a pauta do legislativo e acena para o executivo com um pedido de impeachment que ele pode ou não colocar na ordem do dia. Mestre dos golpes de mão, tornou-se imbatível nas votações daquilo que lhe interessa. Para ele nada está acima de seu querer; nem a constituição, nem o regimento interno, nem a vontade dos outros parlamentares. Jamais, mas jamais mesmo, a câmara esteve sob o jugo de alguém tão inescrupuloso, tão salafrário. Depois da ascensão de Eduardo Cunha só nos resta clamar: _Volta Severino! 

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Operação gincana



O julgamento de Cesare Batisti na Itália foi uma farsa jurídica. As únicas provas dos assassinatos imputados a Batisti eram testemunhais. Testemunhos dados por antigos companheiros do militante que, culpando-o isoladamente pelos feitos inocentavam-se. Eram os beneficiários da delação.
A Itália vivia momentos de sede de justiça, eram muitos os casos de atos “terroristas” que deixavam os italianos em estado de constante prontidão e medo. A prisão, julgamento e condenação de Batisti traziam para aquela sociedade um falso sentimento de segurança e conforto. Era a resposta rápida do estado que a população exigia. Essa, como outras farsas ocorridas naquele país, serve até hoje de paradigma para os justiceiros e indignados daqui. A delação premiada dos ex-companheiros de Batisti virou exemplo a ser seguido. Pelo menos para o juiz Sérgio Moro.
É o que estamos vendo no caso da operação lava-jato e seu desdobramento jurídico.
Todo o caso, que deveria contar com o mais apurado serviço de Inteligência e investigação, visto que os implicados são detentores de grandes fortunas e força política, vem se tornando uma espécie de gincana de delações. Ganha quem mais delatar. Os pontos são contados em dobro quando o delatado faz parte do governo federal ou está filiado ao PT. A imprensa hegemônica comanda o show de prêmios no horário nobre da TV com direito a caras e bocas de seus “jornalistas” no melhor estilo Pedro Bial. E quando o show parece esfriar vem de encomenda uma nova delação tão imprecisa e filtrada quanto as que a antecederam.  (As delações são sempre feitas às sextas-feiras para entrar na edição das revistinhas semanais).
Num país como o nosso onde os direitos fundamentais são negados aos cidadãos mais pobres quando estes se defrontam com a justiça, parte da população acha natural que esses mesmos direitos sejam negados também aos ricos e poderosos. Não advoga pelo respeito aos preceitos que devem reger uma sociedade baseada no estado de direito. Clamam isto sim, pela cova rasa do atropelo do devido processo legal para todos.  A esse clamor os meios de (des) informação fazem eco.
Claro que os que detêm dinheiro e poder, diferentemente do povo pobre, recorrem das arbitrariedades na Corte Suprema e acabam ficando impunes quando os processos pelos quais respondem são considerados nulos por vício original. Foi o que aconteceu na Operação Satiagaha que teve esse fim depois de todo o esforço policial que indiciou graúdos do mais alvo colarinho. A Lava-jato vai pelo mesmo caminho.