sexta-feira, 30 de março de 2012

Ocupem as escolas






            Com o anúncio do novo piso salarial nacional para os professores, o que poderia ser o começo de uma relação mais estável entre os docentes e o governo, tende a se transformar em mais um motivo de atrito. Governos estaduais não aceitam a imposição  e alegam diferenças regionais e cofres vazios. Mesmo o governo petista do Rio Grande do Sul, já remeteu à assembléia legislativa local, projeto de aumento salarial inferior ao proposto pelo Governe Federal.
Quanto aos professores, sua disposição para o diálogo é, no mínimo, duvidosa. Nas assembléias que decidem o posicionamento da categoria frente às propostas do governo, geralmente é uma minoria radicalizada, que há muito tempo não pisa em sala de aula, quem comanda as discussões e infalivelmente propõe a greve. Esses sindicalistas profissionais, pouco pensam nos colegas e em quem deveria ser o centro dos interesses da classe: os alunos da rede pública de ensino. Sua principal ocupação é fazer oposição ao governo, seja municipal, estadual ou federal, dependendo de quem está à frente do sindicato.
A baixa remuneração dos professores é fato notório e não creio que ninguém no país vá argumentar em contrário, mas distorção de tão grande vulto não pode ser corrigida do dia para a noite e o novo piso é um passo na direção certa. Não nos esqueçamos que há escassos 20 anos, o salário mínimo mal alcançava os 50 dólares e que antes da constituição de 88 havia aposentadorias que eram pagas em moedinhas, inclusive para ex-docentes. Nem o salário básico nem as aposentadorias atingiram um patamar que possa ser considerado digno, mas houve avanços significativos. Não se pode negar. O mesmo se poderia esperar no caso dos salários dos professores se estes se mostrassem propensos a apoiar a proposta do Governo Federal e ajudassem a anular os movimentos em contrário dos governadores. Mas parece que não se pode contar com tal apoio. Ao contrário.
Embora a categoria ainda não esteja se posicionando quanto ao novo piso salarial, pelo menos pelos meios de comunicação, há no ar um prenúncio de greve, que deve ser deflagrada tão logo os governadores, que se mostraram insatisfeitos com a imposição federal, proponham aumentos inferiores para os professores dos estados que governam.
Ora, a deflagração de uma greve no âmbito da iniciativa privada tem como objetivo forçar a negociação com os patrões, que vendo sua produção paralisada, suas datas de compromissos se aproximando e temendo não poder cumprir contratos assinados, tenderiam a aceitar as reivindicações de seus empregados ou pelo menos parte delas. No caso do funcionalismo público é bem diferente, na há produção parada e o patrão, o governo estadual ou municipal, pouco interesse têm na resolução do conflito. Os filhos dos políticos não freqüentam a escola pública. Os próprios eleitores se esquecem das greves havidas quando vão às urnas e o desgaste da paralisação só é sentida pelos próprios grevistas que acabam aceitando propostas ridículas ou que muitas vezes são do interesse do governo-empregador.
Me custa crer que a única maneira dos docentes demonstrarem seu descontentamento pelos baixos salários seja a greve se de antemão sabem que a educação pública é a última das preocupações da maioria dos políticos. Escolas fechadas e estudantes pobres sem aula são, para eles, até um motivo de tranqüilidade, no presente e no futuro. Para os verdadeiros professores deveria ser, pelo contrário, fonte de preocupação. A escola fechada é o ninho onde se abriga o político oportunista, o voto de cabresto, o sindicalismo profissional.
As manifestações em prol de uma educação decente com profissionais aptos e bem remunerados, deveriam ter como cenário a escola de portas abertas 24 horas. O tema interessa a toda a sociedade que, em última análise, é quem paga salários e é o cliente do ensino público. Como então envolvê-la na discussão e ter seu apoio nas reivindicações por melhoria salarial? A resposta me parece óbvia. Ocupar as escolas.  Romper a relação burocrática. Negar ao poder qualquer informação ou documento que lhe permita ter acesso às verbas repassadas pelo Governo Federal. Desenvolver currículos voltados para as necessidades reais dos alunos, esquecendo os ditames pedagógicos dos burocratas da educação. Levar para dentro da escola o conhecimento acumulado na sociedade em pé de igualdade com o conhecimento acadêmico Usar o espaço escolar para a conscientização dos pais-eleitores. Demonstrar, através do diálogo com os principais interessados, a necessidade de se cobrar das autoridades, pelo voto, um plano de educação que permita um ano letivo sem percalços. Romper com a tradição de se tratar os pais de alunos pobres como idiotas, e ouvi-los, pois muitas vezes é o professor quem leva para a sociedade, com seu discurso sibilino, a visão das classes dominantes e de seus dirigentes políticos. A escola aberta 24 horas seria a ponte de ligação entre os educadores e a comunidade nos momentos de negociação com o governo.
A escola fechada é algo que a sociedade não mais suporta. Não ter onde deixar os filhos em segurança enquanto se busca o pão, não entra na cabeça de ninguém. Mas quando esse argumento é usado se escuta as frases feitas em porta de sindicato. _Que escola não é depósito de criança. _Que a família tem de participar no processo. _Que o governo isto e aquilo. É como se o professor não tivesse parte da responsabilidade pelo estado precário da educação. Fazendo seu papel de eterna vítima, os docentes se omitem da resolução do problema educacional brasileiro.
Qualquer um, que tenha filhos ou netos na escola pública, sabe que uma melhor remuneração dos professores é algo indispensável, nem que seja para atrair gente mais qualificada para o ensino pois hoje o que se vê são professores sem a menor capacidade de ensinar nossas crianças. Se aí estão é porque a vida só lhes deixou 2 opções:_  Telemarketing ou sala de aula. Como o concurso público lhes dá estabilidade no emprego e outras garantias, optam por serem docentes sem que possuam talento ou vocação.
Depois da greve de 62 dias no ensino público de Santa Catarina no ano passado, em vez de  reporem as aulas perdidas, houve professores que disseram abertamente em sala de aula que ninguém seria reprovado e fizessem trabalhinhos valendo nota. Ao fim do ano, vendo que o Governador Raimundo Colombo voltava atrás no que havia pactuado com os docentes, estes ficaram indignados e já falam em greve para fazer valer o acordado na última greve. Ora bolas, será que os mestres não sabem com quem estão lidando? Que não sabem que o Governador Colombo é um típico político carreirista, oportunista e defensor dos interesses de sua classe? Que Sua Excelência está pouco se lixando para o ensino público e para os professores? Com sua reeleição em jogo apenas em 2014, o momento não poderia ser mais propício para o Governador endurecer em suas posições.
Por todo país se vê a mesma coisa:_Governantes que não se importam com a educação e professores que não se importam com os alunos. Claro que há exceções. No interior do Piauí, no município de Cocal dos Alves, os alunos de uma escola pública são os campeões brasileiros da olimpíada de matemática. Em 5 edições da competição eles ganharam 125 medalhas. Mais que 11 estados da federação. Lá não há políticos mais responsáveis nem salários melhores que no resto do país, tampouco os piauienses são mais dotados intelectualmente que outros brasileiros. Também não há milagre.. Apenas escola aberta e vontade de ensinar.









terça-feira, 27 de março de 2012

Seremos campeões







Nos primeiros meses de 1970, foi lançada no mercado a revista esportiva Placar. Em sua primeira capa estava a manchete:”Seleção brasileira vive sua pior crise”. Na matéria lia-se que era a pior crise não daquele grupo de jogadores e sim da história. Meses depois, a maior seleção que o mundo viu jogar, voltava de terras Aztecas com a Jules Rimet conquistada definitivamente.
Após o triunfo, descidas de seus poleiros, as mesmas aves agourentas que prenunciaram o fracasso de nosso scratch, aderiram com a maior desfaçatez ao ufanismo tão próprio da época. As vozes que criticavam desde a escalação até o massagista, passaram a citar aquele time como exemplo para desacreditar outras seleções que foram formadas nos anos seguintes.
O mesmo se deu com o time de 82 que saiu do Brasil sob suspeição e hoje é apontado pelos seus críticos de então, como um dos mais brilhantes de nossa gloriosa história futebolística. Em 94 foi igual, a crítica especializada, antes do mundial, era unânime em afirmar nossa incapacidade. Um velho jornalista, que foi no programa do Jô Soares para lançar seu livro sobre futebol, foi categórico ao afirmar que perderíamos o mundial por termos no ataque dois anõezinhos. Os anõezinhos eram Bebeto e Romário. Oito anos depois e mais uma seleção saiu do país derrotada antes de jogar. Jogou e ganhou. 7 jogos, 7 vitórias.
Estou contando esses fatos sobejamente conhecidos para fundamentar meu otimismo com relação a 2014. Hoje, como nos casos relatados, nossa imprensa especializada não economiza críticas ao trabalho de Mano Meneses. E como nas copas anteriores a comparação com outras seleções nos deixa, aos olhos dos especialistas, muito mal.
Nelson Rodrigues já dizia que o brasileiro é um Narciso às avessas. Um Narciso que cospe na própria imagem. Nossos cinco títulos mundiais deveriam ser motivo para uma confiança infinita nos jogadores brasileiros e sem embargo, estes são desacreditados. Até a medíocre seleção espanhola é citada como exemplo a ser seguido. E quando não é a espanhola é a uruguaia.
Nos canais de tv aberta e por assinatura que detêm os direitos de transmissão de campeonatos estrangeiros, as críticas à nossa seleção e ao nosso futebol chegam às raias do absurdo. Parece haver uma concorrência para ver quem é o comentarista mais xenófilo. O páreo é duro. Na ESPN Brasil, os comandados de José Trajano se esmeram em desacreditar o campeonato brasileiro que é transmitido pela concorrente Sportv. Querem que acreditemos que um campeonato disputado por dois times, como o espanhol, é emocionante. Um de seus comentaristas, que é de Niterói mas se crê Londrino, começou um artigo em seu blog com a seguinte pérola:_”Tivemos casa cheia em Wembley”. Um outro se refere à seleção Holandesa como “minha querida Holanda” e diz “meu querido Ájax”, quando trata do time de Amsterdã.
Nas transmissões da liga dos campeões da Europa pela Bandeirantes o comentarista Mauro Beting une o ridículo de sua pessoa com o mais idiota caipirismo, exaltando o Barcelona. Ora, o time catalão é um grande time e joga dentro da filosofia que Carlos Alberto Parreira sempre tentou impor nos times que dirigiu. Posse de bola. Mas Parreira foi execrado, tanto na seleção como nos clubes que dirigiu, embora tenha ganhado um Mundial, Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil. Acontece que Guardiola tem Messi que faz chover toda quarta e todo domingo.A seleção da Espanha que conta com todos os bons jogadores espanhóis do Barcelona e alguns bons do Real Madrid, não consegue fazer mais que um gol por jogo como no mundial passado.
Mano Meneses, que como todo técnico tem suas idéias fixas, é um sujeito sério pra burro embora tenha de aceitar o calendário caça níqueis da CBF, que nada tem de séria, e não tem tempo para treinar. No último amistoso contra a Bósnia pode fazer um longo treinamento de dez minutos depois de descer do avião. Ainda assim a seleção brasileira venceu, mostrou nítida superioridade sobre o adversário e também algumas falhas no sistema defensivo que podem ser facilmente sanadas com meia dúzia de treinamentos sérios. Os problemas de cobertura e posicionamento não devem assustar quem conta com pelo menos 7 grandes zagueiros para escolher e uma infinidade de volantes do mais alto nível. Muitos deles sequer terão chance de ir aos grandes torneios. Serão deixados pra trás jogadores como Felipe Melo, Andrezinho ( que é 2º volante e não meia armador como quer seu técnico no Botafogo) Paulinho e Ralfh do Coríntians, Arouca e outros.
Nosso maior problema segue sendo a armação da equipe, mas com Ganso que voltou a jogar bem e Kaká livre das contusões e da Igreja Renascer, alem de Alex que poderia ser chamado, ainda que Tite o deixe no banco por preferir jogar com três volantes e só um na armação, Daniel Carvalho que só não é titular absoluto do Palmeiras porque também Scolari não escala 2 armadores e prefere o mascarado Valdívia, Diego Souza que pode exercer a função, enfim, há opções para se criar um esqueleto de time que até 2014 ainda pode contar com alguma surpresa revelada na Olimpíada de Londres ou por aqui mesmo, no próximo campeonato nacional.
Mas meu otimismo com relação à seleção se baseia mesmo é no descrédito dos especialistas que não acertam uma. Seremos campeões.















segunda-feira, 26 de março de 2012

Salita


 



Gersom tem esse nome por causa do pai. Não que o velho o tenha batizado assim para homenagear o Canhota campeão do mundo. Seria até natural. Sãopaulino, ele vira, quando menino, Gerson de Oliveira Nunes defender as cores de seu clube e também a seleção, da qual fora o maestro. Mas não. Gersom tinha esse nome por que seu pai também se chamava assim. Mas diferentemente do craque seu nome se escrevia com “M” no final. Portanto ele é Gersom com “M” Júnior. Para nós e a família, Gersinho.
Gersinho foi um menino comum e adolescente meio problemático ou seja, adolescente comum. Fez suas bobagens, tomou seus porres, namorou e fumou maconha. Para assombro da família, quando entrou na idade de homem, tomou jeito por linhas tortas. Gersinho ficou religioso. Começou a freqüentar um centro hinduísta e meses depois era só do que falava. Tinha até um mestre espiritual que venerava, ademais de roupas e adornos sagrados que eram postos e despidos com grande solenidade. Virou vegetariano. E era namastê pra todo lado.
Alguns anos atrás, Gersinho, que adotou um nome impronunciável e que não ouso tentar escrever, foi à Bahia para escutar as palestras que um afamado líder hindu, importado da Índia, lá proferiu. Na saída do mosteiro, após escutar a primeira das muitas charlas que o mestre daria, experimentava um certo desconforto pois alem das palavras que já decorara em sânscrito, pouco entendera da conferência que fora dada em inglês com forte sotaque indiano. Mas o desconforto foi logo desfeito por outro adepto com quem conversou à saída do templo. O rapaz, que também não falava inglês, tinha nos lábios aquele sorriso que só os neófitos de seitas orientais têm e embora nada tivesse entendido dos ensinamentos trazidos de tão longe, lhe assegurou que a energia que emanava do mestre era tão poderosa que valia mais que milhões de palavras. Sim, era verdade, Gersinho também se sentia pleno daquela energia. Quase ficou envergonhado por ter, minutos antes, feito as contas de seus gastos com passagem, hospedagem, e “contribuição” para as palestras. Quase, pois seu mestre local já lhe ensinara atos de contrição e auto-humilhação para esses pequenos deslizes do pensamento.
Sentindo toda a energia do mestre anglófono, Gersinho se encaminhou para a parada de ônibus. Lá, protegida por escassa sombra estava uma moça lendo um livro. Ele reconheceu a capa e sorriu para si pela coincidência de levar na bolsa indiana o mesmo livro: uma biografia de Gandhi. Fazendo-se distraído tirou o livro da bolsa e aproximou-se. A moça se deu conta da presença de Gersimho e do livro que ele abrira mostrando a capa. Foi ela quem puxou conversa e graças ao sistema de transporte público tiveram tempo para falar do líder indiano, do colonialismo inglês, da política nacional e da formação geológica de Salvador. Ela também ia pro Garcia assim que embarcaram juntos.Quando baixou do ônibus Gersinho estava apaixonado.
A moça se chamava Salita mas seu nome nada tinha a ver com o idioma castelhano. Seu pai era natural de Salvador e sua mãe de Itaparica. A cidade natal de cada um dos cônjuges era o único motivo de desavença do casal. O amor de D. Catarina pela por sua ilha era tão grande que certa feita chegou a afirmar que a Doriana de Itaparica era melhor que a de Salvador. Seu Cristóvão, sentindo sua honra de soteropolitano ofendida, brigou sério com a mulher mas a paixão que sentiam um pelo outro foi mais forte e veio a reconciliação. Desta, a gravidez e o nascimento da menina. O nome era como um selo no tratado de paz.
Se alguém fosse descrever aquela moça, jamais pensaria em “salita” e sim em varanda, copa, cozinha, área de serviço, lavanderia e amplo quintal com horta e árvores frutíferas. Gersinho fingia não ver as qualidades físicas de Salita.  
Ela o convidou para que fosse à sua casa no dia seguinte, haveria uma festa. Não disse que era festa de santo pois sempre que se referia à fé de sua gente, a olhavam atravessado. Mesmo em Salvador, mesmo na faculdade de direito. Sua mãe era uma afamada yalalorixá. Não referira ao rapaz o motivo e o caráter da festa mas intuía que ele era uma pessoa aberta, não haveria de ter preconceitos religiosos. Gersinho tampouco mencionou sua crença pois, para ele, tal menção seria algo como agrandar-se diante da moça, mostrar-se superior. Seu mestre já falara sobre isso e pedia humildade ao se tratar com pessoas que ainda não estavam no caminho da luz.
No dia seguinte Gersinho, que cultivava o hábito de sempre chegar atrasado onde quer que fosse, corria pelas ruas da velha cidade para ver Salita. Quando enfim encontrou a rua, ainda ensaiava umas frases interessantes para fazer boa figura com a família da moça. Enquanto buscava na rua o número que já havia decorado, ouvia tambores que pararam de tocar justo quando achou a casa que procurava.
Era uma casa baixa, ampla de frente. Na varanda, uma mulher mostrava o torso vestido de branco e adornado de colares de contas. Na cabeça um turbante da mesma cor que fez com que Gersinho a associara a uma vendedora de acarajé. Perguntou por Salita. Com um prodigioso sorriso a mulher do turbante lhe indicou que tomasse por uma passagem lateral que ele percorreu sob vasto caramanchão. Sentiu o perfume de flores que não sabia o nome enquanto via ao fundo uma verdadeira floresta contida por muros. Ao fim do corredor, atrás da casa, havia outra construção mais baixa e aberta para o quintal. Atraído pelo burburinho Gersinho deixou de olhar para o verde profundo do quintal e torcendo a cabeça para a esquerda estancou vendo que vários homens sujeitavam um grande bode pelos cornos e no exato momento que seus olhos se cruzaram com os do animal, uma lâmina fez brotar um jorro de sangue do pescoço do bicho que soltou um berro afogado.
Salita, que o vira chegar, fez menção de ir ao seu encontro. Chegou a dar dois passos mas encontrou em seu rosto um esgar de repulsa que a reteve. Ele não a reconhecera de imediato com seus atavios da tradição. Ao dar-se conta de sua presença, vislumbrou o ocaso de seu sorriso e voltando-lhe as costas saiu apressado pelo corredor que instantes antes cruzara sorvendo o aroma das acácias..

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             Sei bem, minha amiga, que o relato que acabo de fazer não lhe causou graça nenhuma. Um amor que se desfaz mesmo antes de começar e sem Capuletos nem Montecchios  não é coisa que se apresente.. O que aqui foi narrado é apenas um pálido retrato do que a religião vem fazendo há séculos: separar pessoas. Como consolo, posso lhe afirmar, que os dois são ainda jovens e a vida não lhes será mesquinha em afetos.
             Mas no Rio de Janeiro não é o acaso dos encontros nem o fortuito das discrepâncias religiosas que separam. Não. No Rio fez-se uma lei com muitos artigos, parágrafos e alíneas, com o intuito de separar crianças da escola pública segundo as crenças de seus pais. Sim, pois mesmo quem é capaz de perpetrar semelhante aberração legal, sabe que não existem crianças cristãs, islâmicas, budistas ou judaicas e sim crianças filhas de cristãos, islâmicos, budistas ou judaicos.
A prefeitura da cidade pretende dividir as crianças em 7 grupos, para que recebam instrução religiosa.  Um dos grupos está denominado de “religiões orientais”. A lei de iniciativa do executivo local, parece desconhecer fatos básicos que separam, por exemplo, budistas e hinduístas. Seria o mesmo que outro grupo fosse composto por judeus e cristãos. Um oitavo grupo será destinado àqueles que não professem nenhuma religião., e será denominado “educação para valores”.
A escola, que em muitos casos, era o refugio onde as crianças podiam livrar-se da estreiteza das crenças familiares, pretende transformar-se na continuação do ambiente opressor das igrejas e templos. Temas que antes só eram mencionados por elas esporadicamente e em situações muito específicas, serão, agora, o cerne das classes extracurriculares a serem ditadas por professores concursados e aprovados por dirigentes religiosos. Crendices, sofismas e mitos ganham foro de matéria escolar.
Ainda que eu fosse o maior dos ingênuos e acreditasse que semelhante afronta ao estado laico fosse algo advindo da boa fé das autoridades cariocas e não das pressões de fanáticos fundamentalistas pentecostais e católicos carismáticos, ainda assim não poderia deixar de pensar nas conseqüências que a lei absurda trará, tanto nas relações entre os estudantes, como nas relações do estado com esses futuros cidadãos.
No início do século 20, o governo holandês realizou um censo para informar-se sobre as religiões praticadas por seus nacionais. O intuito do governo era dar àqueles que morressem sós, um enterro condizente com seu credo. Anos depois, quando os nazistas invadiram a Holanda os arquivos com os dados sobre religião dos holandeses, serviram para facilitar a perseguição aos judeus e à outras minorias religiosas.


domingo, 25 de março de 2012

Tele-fé






Perdi um texto que havia escrito sobre as grandes denominações neo-pentecostais que dia a dia vêm ganhando mais espaço e poder em nossa sociedade. Apertei alguma tecla errada e lá se foi o escrito. No mesmo dia, encontrei num blog que gosto, o “Paulopes’, um artigo assinado por Luiz Cláudio da Cunha sobre o mesmo tema e escrito sob a mesma ótica do texto que eu havia perdido. Lendo o artigo me senti aliviado pelo sumiço eletrônico do que escrevera. O articulista o fizera com  finura, humor e brilhantismo. O texto foi publicado originalmente para o Sul 21 e está cheio de informações sobre os tele-evangelistas.
 O tema me interessa desde que, no início dos anos 90, eu passava tardes inteiras escutando os pastores e bispos nas rádios do Rio. Alem de quase enlouquecer minha mulher, eu me divertia muito com os mais esdrúxulos pastores e os insultos que trocavam os que encerravam seus programas com os que os sucediam nas rádios de aluguel. A briga pelo bolso dos fiéis era a mesma que se vê hoje entre os tubarões da fé.  
Foi lembrando desses programas do rádio, que me dei conta que o autor do artigo da Sul 21 ainda não havia esgotado o assunto pois só mencionou os mais famosos e mais ricos homens de Deus, a primeira divisão, a premiere league, a champions league da fé televisiva. Sobrou-me para comentar, a segunda divisão do fanatismo, a copa do Brasil do dízimo perdido, o campeonato gaúcho do milagre por atacado
Como no futebol a sengundona muitas vezes é mais emocionante e a copa do Brasil mais rica em tipos e personagens, também no tele-evangelismo os menos falados nos reservam mais surpresas. Há muita inovação e formatos variados são usados para roubar...seu coração.
Você não encontrará entre a elite evangélica ninguém como o Prof. Dr. Kleber Gonçalves, pastor da Igreja Adventista do 7° dia - Nova semente. O homem tem currículo. Em 1991 formou-se em teologia pelo Seminário Adventista Latino-americano de Teologia – IAE - São Paulo. Completou a equivalência ao mestrado em Divindade e tornou-se Mestre em Administração Eclesiástica pela Andrews University nos EE.UU. Depois concluiu o PhD em Religião com ênfase em MIssiologia Urbana pela mesma universidade, defendendo a tese: “Uma reavaliação da missão urbana da igreja à luz de uma emergente condição pós-moderna”.Está achando pouco? Pois o homem é também Diretor mundial do Centro de estudos seculares e pós-modernos. O trololó do Dr. Kleber não é pra qualquer um, se dirige aos jovens universitários, profissionais liberais, empresários e pessoas de fino trato.
Mas mesmo com todos os seus títulos e pergaminhos, o Prof. Dr. Kleber não consegue competir com o campeão Paiva Neto, da Legião da Boa Vontade. De acordo com o programa exibido em sua televisão, ele é tratado por jornalista, radialista, diretor- presidente da LBV mundial, escritor, educador, poeta, compositor, comunicador, presidente pregador da religião de Deus, presidente do ParlaMundi etc. Comendas e condecorações, Paiva Neto coleciona centenas, assim que também atende por comendador.
O irmão Paiva Netto, como é chamado em momentos de extrema humildade, já escreveu dezenas de livros e em seu último “best seller”, “É urgente reeducar” uniu o escritor ao educador. Não conheço a obra mas pelo que assisto nos programas infantis da emissora do pregador “100% Jesus”, posso ter uma idéia do que ele chama de reeducação. Os soldadinhos de Jesus, como são alcunhadas as crianças da LBV, também citam o Irmão Paiva sem nenhum motivo aparente.
Duas coisas distinguem o comunicador ecumênico da concorrência: sua forma de arrecadação de fundos se baseia no tele marketing e na venda de seus livros que são propagandeados durante 24 horas na televisão de sua propriedade. Até o programa que dá dicas de português, no estilo professor Pasquale, utiliza seus textos para exemplificar o uso correto da língua. A LBV também conta, como fonte de renda, com os direitos autorais da obra fonográfica de Paiva Netto. Segundo o sítio oficial da LBV, ele é o compositor erudito que mais vende no Brasil.
Outra particularidade do Diretor-presidente da LBV é o culto à sua personalidade que só encontra paralelo na Coréia do Norte e se faltam estátuas gigantescas reproduzindo sua pequena e gorducha figura, sobram sorridentes fotos suas nas capas e contracapas de sua nutrida obra filosófica.
Paiva Netto também é frasista e seus dizeres ornam as paredes do monstruoso Templo da Boa Vontade, em Brasília. As frases, de uma profundidade abissal, estão forjadas em metal dourado e firmemente encravadas na pedra, para desestimular algum futuro substituto reformador, de retirá-las.
A Igreja Bola de Neve é nova no pedaço, foi fundada no ano 2000 e aposta na segmentação do mercado neo-pentecostal.  O público alvo são os surfistas de Cristo e outros “radicais”. Seu dístico é “In Jesus we trust”. Assim mesmo, em inglês, afinal estão se dirigindo aos brother que se amarram num inglês de praia. O fundador da seita,  Apóstolo Rina ( Rinaldo Luis de Seixas Pereira ) já foi pastor de Igreja Renascer em Cristo que é propriedade do Apóstolo Estevam Hernandes, figurinha carimbada e fotografada pela polícia americana.
Apesar das bermudas, do rock and roll e dos chiclets, a Bola de Neve Church é uma igreja como outra qualquer do ramo pentecostal; prega a virgindade antes do casamento, não usar droga nem beber etc. Também alia, como as outras denominações mais antigas, aos métodos usuais de arrecadação, a venda de cds de música e tem como missionário um ex-integrante do grupo Raimundos. A Church já possui mais de 150 templos no Brasil e cresce também no exterior. Podemos ver seus sarados pastores nas madrugadas de sábado para domingo na Rede TV falando desde paradisíacas praias ao redor do mundo.
Nos sábados pela manhã, televisões abertas e por assinatura, estão repletas de tele-evangelistas da segunda divisão. A franquia Assembléia de Deus é a mais presente com seus pastores se revezando na gritaria. Malafaia fez escola e muitos já o imitam nos falsetes e nas gírias. Alguns estão fadados a permanecer na segundona pela falta de carisma e pelo olho grande. Outros, oriundos das igrejas top de linha, preparam seu acesso com passos firmes e templos lotados. Mas no caso dessas igrejas não se pode fazer muitos prognósticos. Quem apostaria no apóstolo Waldemiro alguns anos atrás? Portanto não se surpreenda se o Reverendo João Batista chegar à elite do tele-evangelismo. João Batista já abandonou até o título de reverendo e agora se autodenomina “Profeta da Nação”.
O Profeta é patrocinado por R.R. Soares. Há alguns anos atrás o víamos na CNT envergando um jaleco branco que fazia lembrar um atendente de farmácia ou um açougueiro chegando para trabalhar. Ano passado, já estava na Rede TV, emissora na qual seu padrinho despeja milhões de reais por mês. Já não envergava seu jaleco e sim uma camisa xadrez com um lenço maragato no pescoço dando pinta de garçom de churrascaria. O arsenal do homem santo deixa Waldemiro no chinelo. Tem gruta dos milagres, perfume ungido, tapetão de fogo, farofa santa, pomada para hemorróidas, marreta de fogo, nuvem de fumaça da benção e o escambau. Segundo diz o próprio profeta com ele não tem esse negócio de teologia, hermenêutica, escatologia, nem nada. É no milagre mesmo.
Na verdade faz tempo que não o vejo no horário pouco conveniente da 1 da tarde. Mas se não morreu, deve estar jejuando no deserto ou coisa que o valha. Sua página na internet não responde. Como todo tele-evangelista que se preze, João Batista já foi processado na justiça. Ele escolheu os ateus como alvo preferencial e acabou ofendendo grosseiramente os descrentes.Deu processo.
Se você conhece o Profeta da Nação, que nesse mundo atende por João Batista, deve estar pensando que com tanta bizarrice fica difícil chegar ao estrelato pentecostal. Não se esqueça que os que hoje dominam o horário nobre de várias de nossas televisões abertas, também vendem toalhinhas, rosa ungida, óleo de Israel marca Soya e muitas outras utilidades de fé. E se a fala do Profeta lhe parece muito tosca, saiba que na madrugada da última terça-feira, o Bispo Clodomir Soares, homem forte da Universal, disse no programa “Fala que eu te escuto”, que a expressão “ou dá ou desce” é bíblica. Pra não dizer que eu estou tirando a frase do contexto em que foi dita, esclareço que Clodomir queria apenas demonstrar a legitimidade do dízimo.
Como você vê, a segunda divisão da fé televisiva também é rica em milagres. Se nem todos possuem as mansões, carros importados e aviões como os da primeira liga, tampouco andam duros. Já têm seus milhõezinhos para pagar programas de tv e abrir templos pelo mundo. Em todos os sentidos, para  esses criativos homens de Deus, o céu é o limite.
  









sábado, 24 de março de 2012

Ministério da Pesca





Ao tomar posse como Ministro da Pesca, Marcelo Crivela brincou dizendo que não sabia nem botar uma minhoca no anzol. Malandro como o gato, antecipou-se aos seus possíveis críticos que poderiam perguntar que conhecimentos teria o bispo para ocupar tal posto. A cautela do sobrinho de Edir Macedo foi até exagerada pois ninguém  espera nada desse ministério nem de seu titular. Mas, como se sabe, cautela, água benta e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
O ministério, agora doado ao PRB, foi uma criação do governo Lula para acolher José Fritsch do P.T catarinense. Não sei se o ex-prefeito de Chapecó fez jus à indicação por ser do estado de Ideli Salvatti, fiel escudeira e pau pra toda obra do P.T, ou por pertencer a alguma das inúmeras facções petistas que ficara sem cargo de relevância após o loteamento ministerial. Mas o fato é que depois de inaugurado o ministério não se ouviu falar mais do Ministro.
 Fritsch, pelo que sei, teve um bom desempenho como prefeito de Chapecó. Homem do oeste de Santa Catarina, ele conseguiu resolver um dos graves problemas que a região enfrentava: a poluição provocada pelos dejetos de suínos. Sim, pois se falta mar e peixes naquelas bandas, a suinocultura tem grande importância econômica por lá, sendo das maiores do país. Fritsch mostrou que entendia do assunto mas como ficaria estranho criar um Ministério da Feijoada ou uma Secretaria do Leitão à Pururuca, o jeito foi criar o Ministério da Pesca e lá, abriga-lo.  
Passado algum tempo Lula, num ato público, falou de seu ministro, talvez para que não fosse de todo esquecido e embora nosso ex-presidente seja bom de conversa e de palanque, nesse dia, ao referir-se ao ministro, lhe saiu um elogio à moda de Antônio Carlos Magalhães. Você manja, não? O falecido proprietário da Bahia não era homem de elogiar. Preferia mandar e quem manda não precisa estar de delicadezas com ninguém. Claro que às vezes é necessário uns salamaleques para azeitar uma aliança política ou conseguir algum apoio no bas-fond do congresso. Assim que um dia, ACM, meio a contra gosto, teve de fazer um cumprimento ao então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho. Disse o bahiano:_”Engraçado esse Fleury. Parece velho mas é moço. Parece burro mas é inteligente”. Mais elogioso do que isso, não lhe saía.
Lula, por sua vez, para lembrar Fritsch recorreu a uma de suas analogias futebolísticas:_ “Ele não é o melhor jogador do time mas a torcida gosta dele” Mesmo para Lula, que é franco no elogio e na crítica, não dava para ir muito alem. O desempenho do Ministro o proibia.
Não creio que a Presidenta Dilma espere de seu novo ministro algo mais que um auxílio na costura política. Um chuleado aqui, um cerzido ali, já estaria de bom tamanho. Mas é uma lástima que para tal fim faça-se uso de um ministério que deveria ser de suma importância para a nação. Na verdade nem precisaria ser ministério. Uma secretaria da pesca ligada ao Ministério da Agricultura seria o suficiente para estimular a atividade pesqueira.
Ao contrário do que dizia o discurso ufanista vindo da época da ditadura, nosso mar não é tão piscoso, mas uma política de incentivo à pesca poderia contribuir em muito para a alimentação dos brasileiros. No que consistiria essa política? Bem, o Fritsch, o Crivela e eu não temos a menor idéia mas é claro que teria de ser algo que englobasse desde a construção naval até a criação de espaços nos quais o pescador pudesse comercializar o produto de seu trabalho, fugindo do intermediário. A aquisição do pescado pelas prefeituras para ser inserido na merenda escolar também poderia ser considerada nas cidades litorâneas. Em lugares, como minha cidade, em que a pesca diminuiu drasticamente de uns anos para cá, o incentivo e a qualificação profissional de pescadores para gerirem fazendas de peixes, não é má idéia.
 Infelizmente toda política pública que pretende beneficiar diretamente o cidadão, tem de passar pelo poder local e, verdade seja dita, nossos prefeitos, em sua grande maioria, roubam. Quando não roubam, privilegiam seus correligionários e perseguem os opositores. Em muitos casos atuam nas duas especialidades. Com a economia que se faria extinguindo-se um ministério como o da pesca, com seus assessores, secretárias gostosas, motoristas, contínuos e puxa-sacos em geral, se poderia criar muitas delegacias regionais, comandadas por pessoal técnico, que responderiam a uma secretaria nacional também gerida por quem entendesse do riscado e não eu ou o Crivela. Isso vale para a pesca e para outras atividades nas quais o Governo Federal injeta verbas, que hoje são escoadas para os bolsos ávidos de prefeitos e outros políticos.
Por enquanto teremos que nos conformar com o total imobilismo na área da pesca assim como em outras, cujos ministérios, foram terceirizados em nome da coalizão e do apoio no congresso. Do Ministro Crivela, ouviremos falar mais do que ouvíamos falar de Fritsch. O sobrinho de Edir Macedo tem planos ambiciosos para sua carreira política e não deve desperdiçar o posto e a caneta. Se lhe falta conhecimento técnico sobre a área que agora comanda, ele de certo saberá suprir essa lacuna com sua experiência de pescador de almas que adquiriu ao longo de seu ministério na Igreja Universal. Quando algum desavisado quiser falar sobre minhocas e anzóis, bastará citar Pedro e os outros apóstolos que, estes sim, eram do ramo.

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sexta-feira, 23 de março de 2012

Cony e os formadores de opinião

  




Outro dia tive de ir a Florianópolis para buscar um documento. Levava pouco dinheiro, ou melhor, dinheiro nenhum, assim que não pude desfrutar da bela capital dos catarinenses. A ilha é desses lugares onde qualquer ida e vinda, é um passeio. Lá, fiz muitas vezes o que mais gosto: andar a esmo, parar num botequim qualquer num sítio desconhecido e ficar vendo as modas, escutando as conversas. Mesmo no centro da cidade me divirto com o burburinho que me faz falta depois de tantos anos vivendo em cidade pequena.
Desta vez não deu. Desci do ônibus na rodoviária, cruzei a passarela, percorri a rua feia e suja até atingir o mercado público que para mim é como um portal da cidade e determina seu caráter, seu jeito. Cheguei à Praça Deodoro e cruzei-a sob sua velha figueira. Do outro lado da praça tomei uma rua que, embora central, ostenta um ar de bairro com seu escasso comércio e pouco movimento de carros. Sem ter nada de especial, é agradável, acolhedora como toda a cidade. Dois quarteirões adentro encontrei a agência do Ministério de Trabalho que era meu destino. Estive aí por uns minutos e por caminho um pouco diverso retornei a estação de ônibus. Não senti lástima por não ter podido passear por Floripa. Fora e voltaria em boa companhia, levava comigo um livro de Carlos Heitor Cony.
“Um romance sem palavras” não é nem de longe seu melhor livro, mas a prosa solta, despretensiosa e envolvente é do Cony de sempre. Havia lido a metade na ida até a capital torcendo por um engarrafamento que adiasse a chegada do ônibus mas o trânsito era de uma tediosa normalidade, chegamos na hora.  A segunda parte do livro ficou para volta.
Tardiamente tomei contato com a obra desse autor que hoje leio com deleite. Foi no final dos 70. Num carnaval, conheci Valéria na Av. Rio Branco e horas depois estávamos na sua cama. No dia seguinte, indo para a cozinha, me surpreendi com um sujeito nu que cruzava a sala com o mesmo propósito. Era João, o cara que dividia o apartamento com minha namorada. Começamos aí uma amizade que dura até hoje com seus poucos percalços. Nos encontramos conterrâneos e próximos. Já nos primeiros papos ele me perguntou o que eu achava do Cony. Querendo impressionar, a resposta me saiu pronta: _Conyvente.
Quando somos jovens é assim, falamos barbaridades de quem jamais conhecemos, comentamos livros que nunca lemos e muitas vezes amamos o que não compreendemos. Talvez esta, seja a atenuante das tolices da juventude, nós amamos. Amamos e odiamos com grande paixão.
Eu me referira assim ao escritor não por pensar daquela maneira, estava apenas repetindo o que lia no Pasquim que sempre grafava seu nome fazendo o trocadilho infame. (Você me dirá:_Mas existe algum trocadilho que não seja infame?) Acontece que quando comecei a ler esse jornal, Carlos Heitor Cony já havia sido preso seis vezes pela ditadura com a qual seria conivente segundo o hebdomadário. Na primeira prisão ele fora enquadrado na lei de segurança nacional por ter chamado o Gal. Costa e Silva de imbecil numa de suas crônicas publicadas logo após o golpe civil-militar de 64. Costa e Silva que viria a substituir Castelo Branco na chefia do governo de fato, poucos anos depois, era um imbecil. Imbecil e vaidoso. Já nos estertores da ditadura, outro general, Mourão Filho, que fora preterido pelos companheiros de golpe durante todo o período de força, embora tenha sido o primeiro a movimentar as tropas que comandava em Minas rumo ao Rio, concedeu entrevista na qual qualificou Costa e Silva como portador de uma burrice sesquipedal. O ditador já havia desencarnado há muito tempo e Mourão não foi processado por insuflar o ódio entre civis e militares.
Mas quando a ditadura ainda cheirava a tinta, Cony, através de seu advogado, conseguiu descaracterizar o “crime” e foi julgado pela lei de imprensa sendo condenado a um ano de prisão. Cumpriu metade da sentença e foi solto por bom comportamento. Se fosse enquadrado na lei ditatorial, poderia pegar até 30 anos de prisão. Na época eu não sabia disso mas os caras do Pasquim sabiam. Quem também não sabia desses fatos era o João que simplesmente me emprestou um livro de Cony e depois outro e outro. Fiquei fã de carteirinha do grande escritor carioca a despeito do preconceito que eu deixara entrar em mim, por quem me era desconhecido.
Com o passar dos anos fiquei sabendo alguma coisa sobre Cony através de entrevistas deliciosas que ele às vezes concede. Soube, por exemplo, que ele apoiara o golpe de 64 mas após os primeiros atos do governo golpista, se arrependeu e passou a criticá-lo veementemente. Até então, era um cronista de amenidades e talvez por isso sua postura de opositor ao regime tenha causado mal estar entre os militares que não esperavam que viesse dele críticas tão ácidas e que eram lidas por gente, supostamente, simpática ao golpe. Mete mais medo o ex-amigo que o inimigo de sempre.
Nos tempos bicudos da ditadura havia muito patrulhamento e não era pra menos, ou se estava de um lado ou se estava de outro mas também havia casos de antipatias pessoais levadas ao extremo. Acho que por aí se explica a diatribe dos pasquinianos com relação a Cony.
Depois de mais de 30 anos de democracia isso não mudou. Os formadores de opinião seguem servindo seus leitores com o mais tacanho juízo sobre aqueles que são seus desafetos ou simplesmente não compartilham de sua visão de mundo. Para se contrapor às campanhas que a grande imprensa engendra a cada dia para desestabilizar o governo, órgãos de notícias afinados com este, não admitem qualquer crítica vinda de quem quer que seja. O sítio “Carta maior”, por exemplo, está se especializando em desacreditar qualquer um que não reze pela sua cartilha. Basta que se critique o governo do P.T  para ser chamado de “esquerda que a direita gosta” ou “udenista”. Mesmo no patético episódio dos atos secretos do senado em que seu presidente José Sarney foi flagrado em gravações exercendo descarado nepotismo, o sítio de Mino Carta apoiou a espúria manobra petista e da base aliada para evitar o afastamento do último coronel em nome da governabilidade. Ou seja, posicionou-se junto a Renan, Collor e Jucá. E ai de quem não concordasse com a visão desses defensores do governo popular. O engraçado é que num único episódio o Ítalo-jornalista contestou o governo: foi no caso Cesare Batisti..
Outro paladino neo-esquerdista é Paulo Henrique Amorim. O fanho que por tanto tempo trabalhou nas organizações Globo, é agora um terrível adversário da emissora dos Marinho. Querendo ser homem de gênio, cunhou a expressão PIG (partido da imprensa golpista) para alcunhar a grande imprensa e caiu nas graças dos puxa-sacos do governo. Contratado pela Record, já o vimos fazendo reportagem de desagravo a Edir Macedo e apoiando os pactos de virgindade de estudantes pentecostais americanos.
Como P.H. Amorim, também Luis Nassif mudou de lado. Deste mesmo lugar onde estou agora escrevendo, o escutei no início do governo FHC defender, desde a tribuna dos Marinho, as privatizações com argumentos tão pueris quanto entusiasmados. Naqueles tempos Nassif estava alinhado com Lílian Fritebife e outros para apoiar o desmantelamento das empresas públicas. Hoje tem seu próprio programa na rede pública de tv.
Nenhum dos neo-esquerdistas explicou aos seus leitores e ouvintes o motivo de sua nova postura. Não houve um ato de contrição nem um simples mea culpa. Pelo contrário, agora vigiam o pensamento alheio para evitar algum desvio ideológico por parte da esquerda histórica. Ninguém escapa de seu patrulhamento.Basta criticar para ser atirado na vala comum da oposição oportunista e sem idéias.
Deve haver muitos eleitores que comparando os governos do P.T com os anteriores, veja uma fundamental diferença em favor dos petistas, no que tange às políticas públicas. O que talvez nem todos vejam é que quem critica este governo não o faz mirando estas políticas e sim o tipo de alianças que foram feitas sem nenhuma base ideológica e que, de uma maneira ou de outra, contribuem para que as conquistas do governo que se quer popular, estejam sempre ameaçadas pelo jogo do toma lá, dá cá. Qualquer medida saneadora tomada pela Presidenta Dilma é tida como ofensa pessoal pelos donos dos partidos que compõem a base de sustentação. Esta semana, isso ficou evidente com a ameaça do PR de abandonar o barco governista caso não seja satisfeito em sua reivindicação de possuir o Ministério dos Transportes que perdeu depois que seu titular, filiado a essa legenda, protagonizou mais um escândalo de corrupção.  .
Mais acostumada às mudanças circunstanciais de discurso, a direita abrigada nos principais meios de comunicação do país, elogia a vaselina lulista para criticar o pouco “jogo de cintura” da Presidenta Dilma com relação à base aliada no congresso. E os neo-esquerdistas que tanto elogiavam o tino político de Lula na manutenção da governabilidade, agora não podem ir contra a Presidenta justo quando ela enfrenta o fisiologismo e a chantagem explícita de seus “aliados”.Com isso o discurso vai ficando confuso pois não se pode elogiar a postura moralizadora de Dilma sem criticar o comportamento leniente de Lula, que não obstante ter legado à sua sucessora um país em pleno desenvolvimento social e econômico, também deixou uma herança de alianças com o que há de pior na vida pública brasileira.


quinta-feira, 15 de março de 2012

Torcedores






Pensemos num jovem casal. Um dos cônjuges ganha, líquidos, 1100 reais, o outro 800. Pelos padrões vigentes eles formam parte da nova classe média. Pagam seu aluguel no apartamento modesto e distante, comem todos os dias, pagam as prestações da geladeira e da máquina de lavar. Com o que sobra se vestem e calçam o garoto. Têm sorte, conseguiram uma creche pública onde deixam o filho mas como o horário não é totalmente compatível com o das duas conduções que tomam para voltar do trabalho, é a avó quem busca o menino e o leva para casa até a chegada deles. Têm sorte, a sogra mora perto.
Alem dos planos e sonhos eles têm muita coisa em comum inclusive a paixão pelo mesmo time. Desde os tempos de namoro que cultivam o hábito de irem juntos ao estádio uma vez por mês, quando sai o pagamento de um deles. Gostariam de comprar a camisa do clube para poderem fazer o gênero parzinho de jarros mas não dá. Cada camisa custa, na promoção, 190 reais. Tem umas genéricas no camelô mas não agüentam nem duas lavadas. A camisa que ele tem, ganhou numa rifa cinco ou seis anos atrás e já está desbotada e cheia de furinhos. Até o banco que patrocinava o time naquela época, já foi comprado por outro. Ele só a usa em casa para chatear o cunhado, que é adversário, quando este o visita.
Quando vão aos jogos usam roupas com as cores do time. Ele bota uma camisa branca, leve e confortável. Ela, uma calça preta que valoriza sua brasilidade. Sempre que seu time ganha, eles pensam em comprar as camisas oficiais mas 380 pratas fica salgado. Com essa grana poderiam pagar 6 meses de tv a cabo ou comprar aquele plasma que um colega de trabalho está vendendo por 500. É usado, a origem é incerta mas é da melhor qualili e só faltariam 120 que poderiam ser pagos no outro mês.
Claro que as camisas eles poderiam parcelar no cartão mas quando terminassem de pagar os uniformes já teriam passado por umas 40 lavadas. É por essas e outras que esses fiéis torcedores não têm a camisa de seu time do coração.
Mas por que não existe no mercado uma camisa que caiba no orçamento do nosso jovem casal e dos milhões de torcedores iguais a eles?  Porque nossos dirigentes não enxergam um palmo alem do nariz. Pensam que como existe um grande número de otários que lhes compram as caríssimas camisas, podem desprezar milhões de consumidores que qualquer empresa cobiça.
Os licenciamentos de produtos que fazem são lucrativos apenas para os licenciados. Não se entende como esses homens que comandam os clubes possam ser tão bem sucedidos em seus negócios particulares se nem sequer sabem ler os números mais gritantes. Há pouco tempo uma revista ou um jornal, não me lembro bem, encomendou uma pesquisa para aferir qual o time mais querido do país. Fizeram como é feito nas pesquisas de intenção de votos e publicaram o resultado. Acontece que nas pesquisas eleitorais todos os entrevistados são eleitores e os números obtidos são ampliados para o quadro de eleitores inscritos na justiça eleitoral. Alem do mais o voto é obrigatório. Quando os institutos de pesquisa querem, o resultado dessas consultas se aproxima muito do resultado das urnas. No caso da pesquisa futebolística, foram entrevistadas pessoas de certa idade para cima e os números coletados foram ampliados por toda a população brasileira. Hoje os flamenguistas menos críticos vivem dizendo que o time da Gávea tem mais de 30 milhões de torcedores. Ora, se fizermos as contas descobriremos que no Brasil deve haver, com muito boa vontade, entre 80 e 90 milhões de torcedores. Se o Flamengo ficasse com 30 milhões deles, haveria times com torcida negativa. O América carioca, por exemplo,deveria estar na casa de –1 milhão de adeptos.
O resultado da pesquisa deveria ser considerado uma brincadeira e só o Rui Castro levaria a sério. No entanto ouvi de Márcio Braga, figura sempre influente no Flamengo, a citação da pesquisa como fato. Braga, que já dirigiu o clube várias vezes, ao super dimensionar o número de adeptos nunca poderia fazer os negócios que seriam lucrativos para seus cofres.Seus produtos licenciados encalhariam nas prateleiras. Com meu time passou o inverso.
Quando fomos para a segunda divisão, começamos mal a competição e em determinado momento estávamos mais próximos da terceira do que da volta à elite. A torcida resolveu carregar o time nas costas e o Mineirão lotado entoava o grito de “vamos subir Galo, vamos subir Galo”. Faltando poucas rodadas para confirmar a volta à primeira divisão, a diretoria que contava com um banqueiro à cabeça, mandou confeccionar uma camisa com os dizeres que a torcida entoava. Em seis horas acabou o estoque do produto. Haviam subestimado a própria torcida, alem, é claro, de agirem a reboque dos fatos e não dirigindo-os. Deixaram de colocar nos cofres do clube 3 ou 4 vezes o lucro obtido com a venda das camisas.
O Palmeiras que até pouco tempo era comandado por Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos grandes economistas do país, hoje faz vaquinha para contratar um jogador. A atual diretoria não gosta do termo “vaquinha” e prefere usar eufemismos. O pior é que querem dizer que tudo é muito moderno e a “intera” é feita com cartão de crédito, pelo computador.
O rival, o Coríntians, enquanto constrói seu estádio com empréstimo do BNDS que jamais será pago, vende em sua loja toda espécie de cafonice com o emblema do clube, tem até uma geladeira que custa 3 ou 4 vezes mais que uma igual, vendida em lojas especializadas sem o escudo mosqueteiro.Todos os artigos da loja são caríssimos e seu gerente deve estar satisfeitíssimo com as vendas, talvez. O certo é que um dos clubes mais populares do país não faz caso de seu maior patrimônio: a fiel torcida.
Sou capaz de apostar que o Itaquerão terá grande parte de suas dependências tomadas por camarotes e outros locais nobres deixando o restante para domínio dos imbecis das organizadas, que alem de não pagarem o ingresso, tornam impossível a vida de torcedores comuns e fiéis. Mesmo utilizando um próprio do município, o Pacaembu, o time de Parque São Jorge já vende seus ingressos para a Copa Libertadores por preços exorbitantes e em jogos dos campeonatos locais também cria seus cercadinhos de ricos. O resultado é que jogam para uma assistência ínfima se tivermos em conta o potencial da torcida.
Todos os “entendidos” são unânimes em afirmar que a venda de ingressos representa pouco para as finanças dos clubes. Então por que alijar os torcedores mais pobres de seus estádios? Acontece que a renda advinda das bilheterias não é tão desprezível assim. Se um time joga duas vezes por mês em casa, poderia faturar 800 mil reais brutos se contasse com um público de 20 mil pessoas pagando um ingresso de 20 reais. Num estádio próprio do clube poderia sobrar mais de 600 mil cada mês, 6 milhões cada ano. Quanto paga a Libertadores em prêmios?
Ninguém fala mais em construir estádio próprio e faturar pela bilheteria. Nem se fala mais em estádio, o nome agora é “arena multiuso”. Qual a diferença? Basicamente, nenhuma. Mas quando dizem “arena” querem dizer que vão alugar suas dependências parta o Edir Macedo e o Justin Bieber. Qual a novidade? Isso sempre foi feito nos estádios tradicionais.O Sinatra cantou no Maracanã no século passado. Muitos dirigentes falam em atrair negócios para dentro de suas arenas. Mas como atrair investimentos para lugares que ficam vazios mesmo em dias de grandes jogos? Não é o shopping ou os cinemas que atrairão torcedores para o estádio, senão o inverso. Torcedores fiéis e presentes nas competições esportivas é que tornariam uma “arena”em local atrativo para os negócios.
Mas como trazer de volta os torcedores que nos anos 50, 60 e 70 esgotavam ingressos de estádios muito maiores que os de agora? (Sim, porque os estádios encolheram. O novo Maracanã terá capacidade máxima para 89 mil torcedores.) Creio que o primeiro passo seria uma nova estratégia na negociação com a televisão que hoje, através da compra dos direitos de transmissão, manda e desmanda no futebol. Impõe horários incompatíveis, determina fórmulas de disputa, como acontece com os estaduais e usa sua grande equipe de paus mandados para dizer ao torcedor o que é importante ou não nas competições. Claro que o interesse da tv não é encher estádios e sim vender publicidade durante as transmissões e pay per view nos canais fechados. Estádio vazio é sinal de lucro maior para a emissora, e maior submissão dos clubes aos seus interesses. As negociações deveriam ser feitas pelo conjunto dos clubes que teriam inclusive o poder de negar o direito de transmissão à emissora dominante e vender barato à outra menor, desestabilizando através do horário dos jogos, a grade de programação da todo poderosa. Alguns poucos anos de sacrifício seriam suficientes para pressionar e virar o jogo em favor dos clubes. Vendendo menos jogos se valorizaria o produto.
Outra medida a ser tomada é no campo legislativo. Se houvesse uma lei que dissesse que iniciada uma competição os atletas que nela estivessem inscritos só poderiam se transferir de clube ao final da mesma, o torcedor se sentiria mais seguro para adquirir carnês de ingressos para toda a competição injetando algum dinheiro no clube mesmo antes de iniciar-se a disputa. A fidelização do jogador levaria à fidelização do torcedor. Nenhum jogador teria ferido seu direito de jogar onde bem entendesse mas teria de assumir compromisso contratual mais seriamente.
Mas voltando ao nosso jovem casal. Seu filho vai completar seis anos e já vê os jogos do time dos pais com grande interesse. Ano que vem ele poderia levar para a escola seu caderno que teria na capa um enorme emblema do time que já começa a entrar em seu coração. Na contracapa ele teria, logo abaixo da letra do Hino Nacional a letra do hino do clube. Seus lápis e borracha também poderiam ter o escudo. Nos fins de semana poderia levar para a praia sua bola que falaria de seu time através do brasão estampado. Mas nada disso há no mercado. Os times de futebol não fazem bolas de futebol com seu símbolo, nem cadernos, nem nada. Ninguém tentou um negócio com a São Paulo Alpargatas para que fossem produzidas sandálias Havaianas com cores que lembrassem um time.
Não, embora cadernos e sandálias de dedo sejam vendidas aos milhões todos os anos, nossos clubes não se interessam por essas ninharias. Preferem vender ingressos e geladeiras caríssimos para os que podem gastar e falar de engenharia financeira enquanto fazem uma vaquinha ou tentam convencer a Caixa Econômica a criar mais uma loteria que possibilite o pagamento do que devem ao INSS.
Mais prático, Diego vai mesmo comprar aquele plasma da melhor qualili. Mais econômica, Suelem vai continuar indo ao estádio com sua calça preta fazendo reclame do Brasil e o Júnior já pediu o caderno do Bob Esponja.







quarta-feira, 14 de março de 2012

Passeios

           




Eu tinha uns 10, 11 anos e como toda minha turma, era doido por futebol. No recreio das aulas da Escola Cócio Barcelos, D. Ilka, nossa professora, deixava que alguns de nós permanecêssemos na sala para jogar botão. Éramos quatro, Sérgio Franco Flores, Ricardo eu e um tricolor que embora tenha o rosto gravado na minha memória, não consigo lembrar seu nome. Disputávamos um interminável campeonato que nunca teve um vencedor. O campo de jogo era feito juntando-se quatro carteiras, que nessa época, eram planas e enormes. Nosso torneio, alem das sempre discutidas regras do botão, tinha mais uma que permitia que tocássemos nos jogadores quando esses não transpunham, só com o toque da palheta, as barreiras que a união dos móveis escolares formavam nos dois sentidos do campo. Mas os botões eram só a representação de nossa verdadeira paixão; o futebol.
Vivíamos uma das épocas de ouro do esporte no Brasil. A xenofobia européia mantinha fechados, vários mercados aos craques sul-americanos e não éramos saqueados em mais essa riqueza. Nossa seleção, que nos dias em que se passa essa narrativa encaminhava sua classificação para o mundial do México, era composta apenas por jogadores que aqui atuavam e eram os ídolos de nossos clubes. Futebol na televisão era raro. Acompanhávamos os campeonatos  pelo rádio e pelos jornais que afanávamos das bancas principalmente nas segundas-feiras. Naqueles tempos os jornaleiros penduravam os diários inteiros, e não só a primeira página, na parte externa de seus negócios. Nossa técnica de afano era simples e funcionava sempre. Enquanto um de nós fazia uma tremenda onda para comprar um único pacotinho de figurinha distraindo o dono da banca, um outro ia por trás e de um só puxão se apossava do Jornal dos Sports. Quando o jornal de Mário Filho estava muito próximo à parte aberta da banca, líamos O Globo. O único cuidado era trocar de banca toda semana. 
Domingos a noite todos assistíamos a Grande Resenha Esportiva Facit pela televisão e durante a semana as impressões de João Saldanha, Nelson Rodrigues e José Maria Scassa, eram a base de nossas discussões. Eu, como atleticano, tinha de me conformar com as pequenas notinhas que saíam nos jornais com resultados e escalação dos times de outros estados. Para não ficar sem ter o que discutir eu me inclinava pelo Botafogo que na época tinha o melhor time do Rio com uma linha ofensiva que contava com Gerson, Rogério, Roberto, Jairzinho e Paulo César. Todos da seleção.
Naqueles tempos gozávamos de muita liberdade e nas tardes cariocas andávamos por todo lado, desbravando Copacabana e arredores. Um de meus passeios favoritos era a Lagoa Rodrigo de Freitas. Havia na Rua Gastão Bahiana, se não me falha a memória, um edifício cujo elevador tinha uma saída para o corte do Cantagalo. Tomar esse elevador fazia parte da aventura pois o porteiro estava lá para impedir o acesso a quem não fosse morador do prédio. Havia que esperar o momento oportuno e entrar de fininho pelo corredor que levava ao transporte. A volta, por algum motivo que já não lembro, tinha de ser feita da maneira mais cansativa, subindo por todo o corte do Cantagalo até atingir Copacabana por seu extremo oeste.
Gostava também de cruzar os quatro túneis do bairro. O túnel Novo, mais extenso e ruidoso, o túnel Velho que me parecia sombrio e úmido, o túnel da Rua Toneleros, e o túnel que separa a Barata Ribeiro da Raul Pompéia, muito mal cheiroso e que eu cruzava diariamente, caminho da escola, quando morava na Sá Ferreira e depois na própria Raul Pompéia.
A Francisco Sá me levava até Ipanema, eu gostava da Praça Gal.Osório com seu laguinho com plantas aquáticas. Naqueles dias tinha aprendido sobre a vitória régia e o laguinho da praça era quase um igarapé. Esse passeio eu fazia só. Também era difícil encontrar companhia para o cruzamento de túneis.
As muitas horas passadas nas ruas não preocupavam muito nossas mães.Pelo menos eu pensava assim. Quando o bate-pernas se prolongava em demasia uma explicação genérica: _“tava por aí mesmo” ou uma mentirinha tranqüilizadora:_ “fui na casa do Nick”, aplacavam as broncas antes mesmo do jantar.
Um dia o Sérgio me chamou para vermos um treino do Flamengo. Ele, embora estudasse em Copacabana, morava no Leblon. A estranheza, nesse caso, provém da distância e não do fato de alguém que morava no bairro elegante estudasse na escola pública. Isso era comum. Muitos outros colegas moravam bem. O Márcio vivia de frente pro mar na Avenida Atlântica num prédio de dois apartamentos por andar. Outros eram moradores do Morro do Cantagalo ou do Morro do Pavão. Muitos deviam ser como eu e habitavam os inúmeros apartamentos conjugados que existem no bairro famoso.
Nesse tempo eu nunca tinha dinheiro no bolso a não ser que, pegando carona no ônibus para ir a escola, economizasse o que minha mãe me dava para a passagem. No dia que fui assistir o treino do rubro-negro eu só contava com umas moedinhas, assim que fui andando de Copacabana até o Leblon onde me encontraria com o Sérgio. Daí mais uma caminhada até a Gávea. Apesar de ser  sócio, meu amigo pulou o muro do clube comigo e caímos num cantinho que dava acesso ao campo. Nossa presença parecia não incomodar ninguém e ficamos cada vez mais perto até estar a poucos metros da linha lateral. Murilo passava por nós como um foguete. Doval treinava apartado fazendo corridas em volta do campo e nos chamou para correr com ele. Ficamos lado a lado com o Diabo Louro e quando disparamos, ele voltando-se, correu para o outro lado. Anos depois voltei a encontrar Doval na praia e fui vítima de outra brincadeira sua.
Quando o treino foi interrompido fomos para a arquibancada e encontramos Paulo César. O ponta do Botafogo assistia o treino do rival cercado de crianças e garotas. Na época, isso não era nenhum problema. Não havia os chatos das torcidas organizadas. Fazendo as contas me surpreendo com a idade que ele tinha então: 19 anos. Já era um monstro sagrado.
 Escurecia quando deixamos a Gávea. Sérgio foi para sua casa que ficava distante apenas alguns quarteirões. A mim cabia a caminhada de volta até a Raul Pompéia em Copacabana. Quando já estava em Ipanema, lembrei das moedinhas mas constatei que não alcançavam para um Grapete. Como a água mineral era mais barata, pedi uma no primeiro botequim que encontrei. O português me serviu uma com gás e  experimentei uma das coisas mais asquerosas que já havia bebido. A sede era muita e ainda faltava um bom pedaço até em casa. Tomei quase toda a garrafa do líquido esquisito. Quando cheguei escutei a ladainha de sempre e respondi que “estava por aí mesmo”.
 Me deitei cedo aquele dia, cansado pelo passeio e rindo ainda da brincadeira de Doval. Na minha cabeça, Murilo seguia passando como um foguete

segunda-feira, 12 de março de 2012

Publicidade e preconceito







Alguns anos atrás, enquanto esperava a transmissão de um jogo do Galo pela tv, eu assistia pacientemente os comerciais. Apareceu na tela um novo modelo de carro que eu deveria comprar porque tinha um motor potente que ia de 0 a 100 em poucos segundos e um desenho inovador e aerodinâmico que fazia toda a diferença nas curvas de alta velocidade. Logo me vi dentro do confortável bólido sob o olhar cobiçoso dos outros motoristas no engarrafamento da marginal Tietê. Pelo menos 45 minutos de pura admiração e inveja. A seguir uma moça me ofereceu uma gelada acompanhada de uma promessa velada. Seria por causa do meu carrão? Acho que não, a moça com a latinha de cerveja tinha o olhar inocente de uma Eva renascentista. Toda ela feita de uma pureza que mal cabia no bikini.Não, não era uma Maria gasolina Quando já pensava em sair do carro e ir até a geladeira buscar a moça e a gelada, uma voz de locutor hiperativo me convidou ao maquidonaldi.
O comercial de hambúrgueres me fez pensar na globalização. Vendo aquela gente branquíssima, sorridente e bem alimentada eu imaginava quantas pessoas no mundo estariam vendo aquele mesmo anúncio. Pois estava claro que era uma dessas peças publicitárias que são produzidas em algum país central e reproduzidas por todo o mundo. De onde seria? Não era americana pois nos Estados Unidos eles sempre mesclam, nas publicidades, diversas etnias para evitar o rechaço de algum ruidoso grupo minoritário ao produto anunciado. Também não devia ser dos países nórdicos. Lá, um negro agrega valor e charme à mercadoria, alem de fotografar muito bem sob a luz boreal. Não era eslava. Talvez do mediterrâneo. Sim podia ser. Mas algo, algum signo me fez ver que aquele comercial havia sido produzido aqui mesmo. Mas cadê os brasileiros? Nem em Santa Catarina se vê tantos brancos juntos num maquidonaldi. Onde estavam os negros, os mestiços, os mulatos, os morenos, os caboclos, os cafuzos, os mamelucos que encontramos nas ruas? Ali não estavam. Talvez o produtor do comercial não freqüentasse lanchonetes ou, quem sabe, preferisse as do Mediterrâneo.
O que me chamou a atenção, de certo foi notado por outros e na campanha seguinte, algo mudou. Uma oriental fazia o papel de loura burra e se dizia confusa com as ofertas e a possibilidade de se trocar um acompanhamento por outro sem alterar o preço da iguaria principal. Havia também três negros, mas eles não saboreavam as delícias gastronômicas da famosa casa de pasto. Vestidos à moda dos anos 70, com cabelos no estilo “black power”, faziam uns passos de dança no fundo da cena. Em outro comercial da mesma campanha, uma jovem senhora, com pinta de executiva, está dentro de um táxi e o motorista, que também não desfruta dos manjares oferecidos pelo restaurante, balbucia algo que não tem nada a ver com hambúrgueres nem com nada. Está fazendo papel do povo.
Certa vez escutei de um publicitário que detinha a conta de uma marca de automóveis que ele não punha negros nos seus anúncios porque os negros não podiam comprar aqueles carros. Pode ser que a cínica explicação fizesse algum sentido décadas atrás, hoje não faz mais. Grande parte dos milhões de brasileiros que saíram da pobreza nos últimos anos, é composta por negros e mestiços. Então por que a loja que vende sanduíches os despreza como agentes de publicidade e consumidores?  Imagino que a explicação deva estar contida em algum estudo que mostra que negros não se identificam com negros e pobres não querem ver pobres na tela de sua tv. No apêndice desse estudo possivelmente está escrito que mulher não vota em mulher.
A presença negra nos comerciais de tv ainda é mínima e está mais evidente nos anúncios de instituições públicas como a Caixa Econômica, o Banco do Brasil e a Petrobrás. Engraçado é que só me dei conta da desproporção entre negros e brancos na publicidade brasileira quando fui ao Paraguai nos anos 80. Se nas ruas de Assunção os indígenas eram imensa maioria, na televisão paraguaia era diferente e todos eram brancos de olhos claros como seu ditador de então, cujas fotos, espalhadas por toda capital, mostravam-no com os olhos em todas as tonalidades do azul de acordo com quem havia retocado o negativo. Eu estava tão acostumado com a brancura de nossa televisão que foi preciso sair daqui pra cair a ficha. O ridículo alheio me fez ver o nosso.
É de se esperar que a busca pelos novos consumidores e a perspectiva do lucro que a nova classe média trará para o empresariado que saiba conquista-la, acabe por anular o preconceito racial e de classe presente na publicidade brasileira.
No entanto esse dia ainda está longe como nos sugere o comercial da Faber Castel alusivo à volta às aulas No anúncio veiculado num canal infantil da tv por assinatura, vê-se uma sala de aula Os alunos estão em plena balbúrdia antes da chegada do professor. Um garotinho chama a atenção não só por ser o mais focalizado no filme como por sua cor que é de um branco difícil de descrever. Algo assim como um sueco que ficou de molho na água sanitária. Mas o que realmente impressiona é que toda a turma é composta de crianças brancas. Creio que mesmo na escola mais elitista do Brasil não haja tantas numa só classe.
           Para os caras vendem lápis, que é o mais simples e barato dos utensílios escolares e todas as crianças os levam nas mochilas, não cabe a explicação do publicitário que queria vender carros de luxo. Mesmo que eu estivesse seguro que a propaganda se dirige apenas às classes altas da população porque os governantes estão dando o material escolar básico a todas as crianças das escolas públicas, ainda assim a ausência de crianças negras e mestiças no comercial me pareceria odiosa. Não pode haver razão de mercado que justifique a exclusão. Não se pode plantar no imaginário das crianças das classes abastadas que seu mundo será composto apenas pelos de sua cor e raça. Não se pode impingir à sociedade a ideia do gueto intransponível.




sexta-feira, 9 de março de 2012

A propaganda







Ontem pudemos ver a propaganda institucional que a União Européia produziu para sua campanha de adesão de novos membros. Na peça publicitária vê-se uma mulher andando num lugar que lembra uma gare ou um grande armazém portuário. De repente aparecem três homens: um oriental com gestos de praticante de artes marciais, um indiano com ameaçadoras espadas e um homem negro, brasileiro, executando movimentos de capoeira. A mulher multiplica-se por doze, que é o número de estrelas da bandeira da U.E, e os agressivos BRIC somem. No final, uma legenda diz mais ou menos que “se somos mais, somos mais fortes”. A mensagem xenófoba e racista foi logo retirada das telinhas européias mas estão no youtube para toda a eternidade.
Imagino que uma publicidade antes de ir ao ar passe por um largo processo de concepção, produção e pós-produção e jamais é tornada pública sem a aprovação do cliente. Entre uma e outra fase deve haver uma porção de reuniões com palpiteiros a granel, gênios de agência e sisudos gerentes. No caso em questão, o representante do cliente deve ter sido um alto burocrata com enorme influência política e permissão para matar. Alguém como Jérome Valcke.
 Aqui não se trata do comercial de algum fabricante de croissant defendendo seu mercado da invasão da tapioca. São governos nacionais unidos pela bandeira comum européia que dão seu recado. A Europa velha de guerra não nos quer crescendo. Não quer competir dentro das regras que ela mesma cria. Não quer compartir seus mercados, só os nossos. Quer, de novo, exportar os párias que seu modelo econômico gera a cada 50 ou 70 anos, mas não nos quer lá.
Creio que a retirada da extravagante propaganda, deu-se por pressão dos empresários e banqueiros europeus, que sabem que dependem muito de nossas crescentes economias, e não por pruridos éticos ou morais dos dirigentes políticos. Os bancos espanhóis, por exemplo, só não têm fechado no vermelho nos últimos anos por conta dos lucros auferidos no Brasil e nos outros países sul americanos. Estes bancos possuem aqui, carteiras de clientes que superam em número a população espanhola economicamente ativa. Imagine o que representa comprar, a preço de banana em fim de feira, o Banespa. Todo o funcionalismo público de São Paulo recebia seu salário por aquela instituição. Algo assim como ter toda Madrid por cliente. Só pra começar.
Mesmo em época de crise profunda, o velho e esclerótico  continente não perde a arrogância. Quando seus reizinhos não estão mandando presidentes eleitos calarem a boca, seus pequenos príncipes fazem passeios colonialistas pelas Malvinas.
Entre seus muros infernizam imigrantes de origem árabe com toda sorte de leis que dificultam suas vidas nas antigas metrópoles coloniais. A proibição de trajes tradicionais femininos, principalmente na França mas também em outros países, a proibição do abate de animais segundo as leis kosher e halal na Holanda, as declarações de David Cameron pondo fim ao muiticulturalismo no Reino Unido, o rechaço aos refugiados de guerra por todo continente, formam um mosaico de intolerância que lembra outros tempos, que lembra o sempre.
Não faz muito tempo que Portugal, estreando de novo rico na Comunidade Européia, criava empecilhos mil para a entrada de brasileiros, principalmente os que tinham formação universitária, no país. Isso aconteceu embora vigorasse acordo bilateral para livre trânsito dos cidadãos nos dois países. Esse acordo havia sido acertado para que o Brasil recebesse os portugueses que fugiam das ex-colônias da África depois que estas se tornaram independentes em meados dos 70. Na época se falou que mais de 200 mil pessoas para aqui vieram. Passadas algumas décadas e Pedro Passos Coelho, seu Primeiro Ministro, conclama os portugueses a emigrarem para fugir da crise econômica. Depois foi mais específico e deu o mesmo conselho aos milhares de professores, que o novo governo neo liberal pôs na rua, para que emigrassem para os países lusófonos. Eu acho que ele não estava pensando no Timor Leste.
Imagino que a idéia de emigração deve estar passando pela cabeça de muitos europeus, principalmente os nacionais dos países que até a primeira metade do século 20 tinham como principal produto de exportação, seus pobres. Muitos desses ex-pobres enriqueceram no Brasil, na Argentina, no Chile e agora podem receber a parentada que ficou dura na Europa por conta do desemprego massivo. Alem do mais, esses novos migrantes se crêem detentores de cultura superior e por certo encontrarão aqui todo o respaldo para exercer sua superioridade. O terreno é fértil para a vassalagem, o complexo de vira-latas domina a classe média brasileira, os formadores de opinião. Prova disso é a matéria que a revista Veja fez no seu site dizendo que o dirigente da Fifa que insultou o Brasil e os brasileiros, tinha sido “preciso” em suas críticas. Sobre o episódio pode-se dizer que o boquirroto Valcke apenas verbalizou o que qualquer europeu médio pensa de sul americanos, africanos e asiáticos: Que é preciso dar-lhes um chute na bunda para que façam algo ao gosto do sinhô. Mesmo o comportamento da patética revista, não pode causar estranheza, afinal, seu público alvo pensa assim mesmo e amaldiçoa Pedro Álvares Cabral como fazia uma tia avó de Ariano Suassuna, que dizia que se não fosse por ele, teria nascido na Europa.








terça-feira, 6 de março de 2012

República evangélica







Na última semana a Presidenta Dilma Roussef empossou seu novo Ministro da Pesca, Marcelo Crivela. Os analistas políticos dizem que a escolha do nome do sobrinho de Edir Macedo seria para tentar aplainar o caminho da candidatura Haddad em São Paulo. O ex-ministro sofreria forte rejeição dos eleitores evangélicos que associam seu nome ao que ficou conhecido como “kit gay”. Acontece que Crivela já anunciou que seu partido, PRB, terá candidato próprio na disputa pela prefeitura paulista. Por isso creio que a ascensão do “bispo” é uma tentativa de quebrar resistências ao próprio governo Dilma entre os eleitores neo-pentecostais visando não só o pleito de 2012, como também o de 2014.
Na semana que antecedeu a posse de Crivela, o Ministro Gilberto Carvalho foi alvo dos congressistas da bancada evangélica por ter dito no Fórum Social Mundial, que existe uma guerra ideológica entre os progressistas e as igrejas fundamentalistas pela captura de votos da nova classe média. Num dia morto na Câmara e no Senado, deputados e senadores dessa corrente religiosa subiram à tribuna e soltaram o verbo. O mais exaltado foi o boquirroto senador Magno Malta que fazendo uso de seu linguajar chulo, chamou o Ministro de safado entre outras coisas. Carvalho fez uma declaração por escrito explicando que não era bem isso e coisa e tal.
O uso de mais um pote de vaselina herdado de Lula se fez necessário porque a também recém empossada Ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci chegou chutando o balde do leite evangélico ao dizer que aborto não é questão ideológica e sim de saúde pública. Aclarou que era uma opinião pessoal, mas os fundamentalistas não perdoam nem dão a outra face quando se trata de suas interpretações da lei de Deus. As oitenta cadeiras que tem na Câmara dos Deputados, faz da bancada evangélica uma das mais poderosas e mais difíceis de agradar. Para abrandar sua fúria, foi necessário pagar o dízimo, com o Ministério da Pesca.
Não é só no Congresso Nacional que os pastores e bispos demonstram seu poder crescente na sociedade brasileira. Desde a pequena Araguaina até o Rio, capital cultural do país, suas exibições de força tem chamado a atenção. Na cidade do Tocantins, os vereadores aprovaram lei que determina que seja lido um trecho da bíblia no início das aulas. O Prefeito vetou mas teve seu veto derrubado na Câmara Municipal. O Ministério Público foi acionado e vai tentar junto à justiça acabar com a anomalia legislativa.
No Rio o caso é mais grave e mais complexo. A lei de iniciativa do Poder Executivo que institui o ensino religioso nas escolas públicas e que foi sancionada pelo Prefeito Eduardo Paes, é dissimulada e fala de pluralidade religiosa. Divide em 7 grandes grupos as tendências religiosas a serem atendidas:_Católica, evangélica/protestante, afro brasileiras, espírita, orientais, judaica e islâmica. 600 professores serão contratados através de concurso público para ministrar as aulas. Mas não basta que passem no concurso, eles terão de ser aprovados por autoridade religiosa do culto que postulam ensinar. No caso católico é fácil, basta que o Cardeal Arcebispo designe alguém para avaliar os méritos do professor mas quanto aos outros cultos o buraco é mais embaixo. Quem aprovará os professores evangélicos? Malafaia ou Edir Macedo? Qual é a autoridade responsável pelos cultos orientais? Islamismo chiita ou sunita?
Na reportagem que assisti na tv, vi uma Secretária de Educação titubeante que tentava defender a lei mas não conseguia esconder o constrangimento. Um defensor intransigente do diploma legislativo afirmava que cumpria-se a constituição adotando-se o ensino religioso. E ia mais alem defendendo que os professores sejam avaliados por autoridade religiosa e que sejam seguidores da fé que pretendem ensinar e não simples historiadores religiosos.
Talvez, por mostrar tantas incoerências em seu texto, a lei do ensino confessional seja facilmente derrubada no STF. Cabe ao Ministério Público agir de ofício pois não creio que nenhum político se anime a fazer alguma contestação por medo de perder votos de católicos e evangélicos que são, em última análise, quem incentiva e apóia atos contra o estado laico. Pelo menos eu nunca ouvi de nenhum rabino ou babalorixá tal idéia.
 Em Ilhéus, o Ministério Público já está tomando providências para anular a lei do “Pai nosso” que vigora no município bahiano. Lá é obrigatório rezar essa oração antes do inicio da aula. A Secretária Municipal de Educação diz que o professor que não quiser rezar não está obrigado mas os docentes afirmam que sofrem pressão para adotar a oração, que seria arma no combate à violência nas escolas, segundo a Secretária.
Embora partam de diferentes correntes evangélicas, essas leis de cunho religioso estão ligadas a uma estratégia maior; a tomada do poder civil no país através do voto. Não é teoria, os fatos aí estão. Não é conspiração pois tudo é feito às claras, diante de nossos olhos com o estardalhaço que é marca registrada dos crentes.  
O Deputado Chico Alencar do Psol do Rio, já alertou durante uma votação de lei que facilita a criação de seitas e respectiva isenção impositiva, para o risco de que dentro de pouco tempo só se elegerão candidatos que estejam associados a alguma igreja. Chico Alencar é cristão.
As grandes denominações evangélicas se notabilizam pelo senso de oportunidade e crescimento meteórico. Se hoje lutam encarniçadamente pelo dízimo dos fiéis e horários de televisão, dentro do congresso formam um só corpo e não aguardam, passivos, os acontecimentos. Os movimentos que ensaiam com leis esdrúxulas e incontinência verbal, ao mesmo tempo que forçam a porta os deixam em cômoda posição para abandonar o barco do governo, pois em grande parte aderiram ao poder, e lançar-se no vácuo deixado pelo DEM e pelo PSDB para ocupar o lugar de oposição. A disputa pela prefeitura de São Paulo pode ser decisiva para essa pretensão. Caso a candidatura Serra saia derrotada, os tucanos, que já não se bicam faz tempo, ficariam ainda mais divididos e fracos para impulsionar a candidatura de Aécio em 2014. Estaria aí a oportunidade para os evangélicos alçarem vôo rumo ao Planalto.
Para capitanear uma empreitada dessa natureza, eles têm o nome ideal; Marcelo Crivela. Jovem, bonito, com jeito de candidato americano, o sobrinho de Macedo tem, não só a simpatia dos religiosos como trânsito fácil entre seus pares no Congresso. Ademais possui seu próprio estoque de vaselina esterilizada e à sua disposição uma rede de televisão de alcance nacional.
Claro que tudo depende do desempenho de Dilma Roussef à frente do governo. Hoje ela seria imbatível numa disputa contra qualquer candidato oposicionista mas 2018 não está tão longe. Até lá haverá tempo suficiente para estruturar-se a candidatura de Crivela que facilmente entraria na disputa com algo em torno de 20% das intenções de votos. Para anular a rejeição que certamente existe a uma postulação de corte neo-pentecostal, seria necessário um partido com grande capilaridade e cabos eleitorais fortes. O tempo no horário eleitoral também conta muito. O PRB não é, ainda, esse partido e talvez seja necessário comprar um novo. O PSD de Kassab está na vitrine e seu líder parece ser homem de extrema flexibilidade e capaz de fazer qualquer tipo de negócio. Se a opção for a compra de uma legenda, dinheiro não será problema.


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quinta-feira, 1 de março de 2012

Em se plantando tudo dá







A vocação agrícola do Brasil é inegável. À grande dimensão territorial soma-se a fertilidade do solo e o gosto natural de nosso povo pelo trabalho do campo. Em contrapartida temos o maior dos empecilhos; o latifúndio e sua representação parlamentar que impede o estado de formular uma política agrária moderna. Nossa gigantesca produção de grãos convive com a subnutrição e o êxodo rural.
A falta dessa política faz com que imensas parcelas da melhor terra do país esteja ocupada para produção de soja, cana e outras culturas de exportação. O espaço para cultivo de produtos tradicionais na alimentação dos brasileiros mingua. Feijão e mandioca não são culturas típicas do latifúndio. Os grandes produtores a cada safra gabam-se dos números das exportações enquanto pedem mais crédito público e refinanciamento de suas dívidas jamais pagas. A choradeira desses milionários é a sinfonia do atraso.
Mas se temos muitos problemas no setor, nossos patrícios sabem buscar soluções e o melhor exemplo disso é a Embrapa. Suas pesquisas têm mostrado caminhos para diminuir a fome e melhorar o desempenho agrícola. O problema é que sendo ligado ao Ministério da Agricultura, depende do titular da pasta o direcionamento das pesquisas. Com o loteamento dos ministérios, tem cabido aos representantes do latifúndio geri-lo.
Estudos mostram que o Brasil poderia ampliar muito sua produção de alimentos utilizando apenas as terras que hoje são destinadas para esse fim sem que seja preciso desmatar ou criar novas fronteiras agrícolas, bastando a aplicação da tecnologia já existente no país. Mas com lucros tão vultosos dos grandes produtores rurais é difícil que estes se interessem em modificações e modernizações. Moderno para essa gente é adquirir maquinaria, expulsar o homem da terra e falar “agro busines”.
Alem desses inimigos tradicionais do avanço brasileiro na agricultura, somam-se outros e estes estão na moda, são os preservacionistas de araque. Desde os anos 60 são as mesmas pessoas que dizem defender o meio ambiente as que introduzem os preconceitos alimentares geralmente associados a práticas religiosas orientais. Vegetarianos não dizem que destino seria dado as mais de 200 milhões de cabeças de gado existentes hoje no Brasil caso todos lhes fizessem caso e deixassem de consumir carne. Negadores da tecnologia agrícola propugnam pelos  produtos orgânicos sem considerar que seu alto preço afastaria milhões de pessoas do consumo de alimentos básicos. Também não concluem que, os preços altos desse tipo de alimento, decorrem de sua menor produtividade Claro que existe a especulação mas no geral são os fatores lógicos que elevam os preços. O valor da terra, os juros bancários, o custo de maquinarias e mão de obra são os mesmos para quem produz organicamente ou não. Como a produtividade é menor no cultivo orgânico, o preço do produto forçosamente tem de ser maior para que se obtenha lucratividade igual. Os danos provocados por essas posturas só não são grandes porque as pessoas que as defendem na verdade não querem mudar o mundo através da alimentação nem que suas práticas “saudáveis” sejam copiadas por todos. Eles são seres tribais e preferem que esteja bem delimitada a diferença entre eles e os outros. Comer caro os distingue. 
Nos anos 70 se dizia, com razão, que alimentos havia para todos os habitantes do planeta e que o problema estava na distribuição. Citava-se, com razão, que os Estados Unidos apesar de terem menos de 5% da população mundial, consumiam mais de 25% dos alimentos produzidos. Nos dias de hoje esta relação permanece e países como o Brasil, a Índia e a China, entre outros, aumentaram, através da inserção social, sua demanda por alimentos. Por outro lado a F.A.O vem alertando há alguns anos para a diminuição da produção agrícola, a especulação e a extinção de áreas de plantio devido ao clima ou a simples ocupação de terras para abrigar a população crescente.
Por mais contraditório que seja, os que querem consumir alimentos especiais são os mesmos que querem abolir as sacolinhas plásticas dos supermercados para o bem do planeta. E o que propõem? Que plantemos sacolas. Para substituir o descartável querem sacolas duráveis feitas de fibras naturais. Nos próprios supermercados, que economizam negando a embalagem que temos direito por lei, estão à venda as novas sacolas fabricadas no mais puro algodão. Os ambientalistas deixam claro que não manjam nada nem de agricultura nem de indústria têxtil. O algodão que encontramos nas lojas de tecidos pronto para ser utilizado em roupas ou sacolas, já passou por um processo químico que é dos mais poluentes. Das fibras naturais é a que provoca maior impacto no meio ambiente para ser transformado em tecido maleável apto para confecção. Podemos usar outra ciência totalmente desconhecida pelos defensores do planeta para demonstrar o grande equívoco de sua proposição; a aritmética. Se tomarmos um tecido enfestado (1.20m de largura), precisaríamos de pelo menos 60 centímetros para fazermos uma bolsa de compras. Temos 40 milhões de lares no Brasil, se em cada um deles houvesse duas bolsas, necessitaríamos 48 milhões de metros de tecido. 48.000 km. Dá para circundar a terra, fazer um lacinho e esconder as pontas. Você sabe quantos pés de algodão seriam necessários para produzir 48 milhões de metros de tecido? Pois é. Eu também não faço a menor idéia. Nisso estou igual aos preservacionistas de araque.
Como as idéias absurdas têm o poder de propagar-se, é bem possível que algodoais venham a fazer concorrência com os canaviais porque também estamos plantando combustível. A cana que nos adoçava o café e a alma, agora é matéria prima do etanol. Já se pode imaginar o aumento do preço do açúcar e da cachaça como conseqüência imediata e para o futuro a escassez de ambos e do etanol também, pois como vivemos numa economia de mercado, nada impede que nossos latifundiários usem a terra brasileira para mover automóveis na China ou no Japão.
Com a demonização dos combustíveis fósseis, podemos prever também o avanço da soja no Brasil, pois o bio diesel terá essa leguminosa como principal matéria prima e não, como era propalado até bem pouco tempo, os restos não utilizáveis de outras culturas.
No caso dos combustíveis renováveis há um claro choque entre o estatal e o privado. Para facilitar a aceitação pelo público da utilização da terra para produzir menos alimentos e mais combustíveis, cada acontecimento negativo envolvendo a Petrobrás ganha dimensão de catástrofe ambiental mesmo que sejam uns poucos barris de petróleo que tenham vazado de alguma plataforma.
A experiência brasileira com o álcool combustível é das piores. Nos anos 70 e 80 chegamos a ter quase metade da frota nacional rodando com álcool mas como os preços internacionais do açúcar eram convidativos os usineiros preferiram agir naquele mercado deixando milhões de consumidores nas filas dos postos tentando abastecer seus veículos com o escasso combustível renovável. O final da história, já conhecemos. A fabricação de carros a álcool no Brasil chegou perto do zero. Hoje com a tecnologia dos carros flex, o contratempo para o consumidor deixa de existir. Mas a pressão, sobre as terras ainda não cultivadas, aumenta. Assim como aumenta a pressão sobre o preço dos alimentos. Com a terra prometendo dar lucros cada vez maiores aos que plantam combustível, é natural, numa economia que vive ao sabor dos ventos especulativos, que mesmo o pequeno produtor deixe de plantar feijão e se dedique à mamona que também é usada para fabricação de bio diesel.
O conceito de segurança alimentar passa longe dos interesses comerciais dos grandes plantadores assim como das idéias preservacionistas dos defensores do meio ambiente que parecem ter uma escala de valores na qual o ser humano é apenas um estorvo que insiste em se alimentar e morar.
É comum entre os ambientalistas a idéia do vegetarianismo e da defesa intransigente dos direitos dos animais. Nas redes sociais abundam postagens preocupadas com a vida e morte das galinhas nos aviários modernos. Outro dia vi uma dessas postagens em que seu autor comentava, horrorizado, que haviam inventado um método de matar as penosas por sufocação introduzindo espuma do tipo usado para lavar carros, nos locais onde estavam os animais. O dia que descobrirem que os peixes também morrem por sufocação vai ser um auê dos diabos.
Quando eu era menino, e as galinhas eram criadas livres pelos quintais ciscando a minhoca de cada dia, sempre ouvia nos programas humorísticos de tv que “quando pobre come galinha, um dos dois está doente” ou que”pobre só come frango quando joga no gol”. Que milhões de pessoas fossem privadas dessa fonte de proteínas não provocava horror, virava piada. Creio que minha avó, Benita, também ria dos chistes mas quando lhe caía nas mãos uma galinha viva, ela a segurava firme pela parte do pescoço mais próxima da cabeça, prendia as asas no chão com os pés e depois de dar umas pancadinhas no gogó da infeliz com o lado da faca, a sangrava com todo cuidado para não perder nem uma gota do sangue que era aparado numa cuia. E duas horas depois, meu amigo, era galinha ao molho pardo com muito temperinho verde por cima. Para acompanhar, arroz, feijão e bom senso.