quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Patrão, o trem atrasou


O samba, gravado em 1940 por Roberto Paiva dizia: “Patrão, o trem atrasou / por isso estou chegando agora / trago aqui um memorando da central / o trem atrasou meia hora / o senhor não tem razão para me mandar embora”.
Como sabemos, muita coisa mudou nesses 73 anos que separam a gravação do samba carnavalesco de protesto e os dias interessantes que vivemos.  Menos a precariedade do transporte ferroviário que serve aos subúrbios do Rio, mas a Central, ou melhor, sua sucessora privada na administração do serviço, não mais emite memorandos. Não dá satisfações.
Não precisa. Quando acontece algum problema, os exploradores privados do sistema de trens ou metrôs, contam com o auxílio luxuoso da imprensa para esconder o óbvio. Para escamotear os fatos. Um acidente que deixa feridos e pessoas sem transporte para chegar ao trabalho, merece umas poucas linhas nos jornais, uma ou outra palavra nos noticiários de TV. No dia seguinte é página virada. Nada é dito sobre causas e coincidências. Não são mostrados quadros comparativos como em casos semelhantes quando o operador é o governo. O caso dos portos é um bom exemplo.
A cada safra que é colhida e encontra enorme dificuldade para ser embarcada nos navios que a levará para longe de nossas bocas, as reportagens que assistimos na TV sobre o tema, mostram as vantagens econômicas que têm outros países cuja operação portuária é de iniciativa privada. Comparam-se tonelagens, custos, horas, o escambau.
Quando se trata do transporte urbano de passageiros, não se faz tal comparação.  Em vários casos quem cuida de explorar esse rico filão aqui no Brasil também o faz em outros países, mas com enorme diferença de qualidade (para melhor) e preço (para menor).
Eu não sou do tempo do samba que cito, mas cheguei a usar os trens da Central quando vivia no Méier, em Todos os Santos, lá pelos anos 70. A passagem, obviamente subsidiada, era uma fração do que era cobrado nos ônibus ou no metrô, daí a campanha pela privatização que iniciou-se ainda no governo Sarney. Subsidiar o transporte dos trabalhadores não estava na cartilha do neoliberalismo que chegava à América Latina.
A campanha surtiu efeito e as privatizações começaram no governo Collor, deslancharam com FHC e não mereceram reparos nos governos do PT.
A rede ferroviária foi entregue a preço de banana em fim de feira para empresas que prometiam, junto com a majoração das tarifas, um transporte moderno e de qualidade. Mas aí é que está: manutenção de trens é cara, o investimento em composições é alto e uma empresa privada visa o lucro. Para gerar cada vez mais dividendos, sucateia-se o serviço e onera-se a tarifa.. Usa-se da teoria Sérgio Naya. “A gente bota de segunda e fica parecendo de primeira”, como já dizia o profeta da coisa porca.
Hoje, os trens não apenas atrasam: descarrilam, sofrem panes, chocam-se. Passageiros ficam sufocados nos vagões superlotados ou caminham pelos trilhos. O mesmo se passa com o metrô, também privatizado, tanto no Rio como em São Paulo. Quando os usuários se revoltam e promovem uma quebradeira, a imprensa, defensora da propriedade privatizada, os trata por vândalos, baderneiros.
Na Argentina, onde também usei o transporte ferroviário urbano por mais de um ano, passa-se o mesmo. Quando lá vivia presenciei a campanha que se movia pela privatização dos trens suburbanos. A imprensa fazia grande alarde. Dizia-se que o transporte ferroviário causava prejuízo de um milhão de dólares aos cofres públicos diariamente, mas durante os dois anos que vivi em Buenos Aires não houve nenhum acidente de trens nem de metrô.
Depois das privatizações promovidas pelo governo Menem, os acidentes se repetem com uma constância assustadora. Numa única estação (Once), ocorreram dois acidentes com vítimas fatais. Houve vários outros e muitos foram os que perderam a vida. Morreram em nome do lucro máximo, do investimento mínimo em manutenção e pessoal. Morreram porque uma empresa privada visa o lucro e não a prestação do melhor serviço, principalmente empresas sem concorrência ou cujos concorrentes operam sob a mesma ótica.
Sim, a questão é assim de simples: a privatização e sua lógica do lucro, é responsável pelas sucessivas quebras, pelas paralisações nos serviços, pelos constantes atrasos, pelas mortes e mutilações ocorridas nos trens.

Transporte público de massa não deve ser gerido pela iniciativa privada, não combina, não orna. 

domingo, 24 de novembro de 2013

As escolhas do PT


Em 1985 o PT fez uma escolha importante nas eleições para o governo do Rio: preferiu lançar candidatura própria e não apoiar Darcy Ribeiro, candidato do então governador Leonel Brizola. Os petistas diziam que Brizola era populista e Darcy autoritário. O sindicato dos professores do Rio, dominado pelo Partido dos Trabalhadores, concordava totalmente com essa análise e ia além. Os Cieps, principal realização do governo Brizola sob inspiração de Darcy, eram menosprezados pelos mestres. Segundo eles a escola carioca de tempo integral carecia de projeto pedagógico. Para aqueles burocratas de sindicato, Darcy não tinha um projeto pedagógico
Darcy perdeu a eleição e o povo fluminense deixou de ter o primeiro e único governador na história do país ligado à educação. Claro, os votos que foram dados ao PT não seriam suficientes para dar a vitória à Darcy caso o partido de Lula o tivesse apoiado, mas aqui estou falando de escolhas. De optar-se por que lado do balcão se quer estar.
O vencedor daquela eleição foi o carreirista Moreira Franco que disputou o pleito pelo PDS e que hoje é chefe da Secretaria de Aviação Civil do governo Dilma.
Anos mais tarde o PT fez outra escolha importante na sua história: escolheu apresentar seu candidato à presidência, Luis Inácio da Silva, como um novo candidato. De barba aparada e terno bem cortado, ele foi alcunhado de Lulinha paz e amor.
A candidatura veio acompanhada por carta aberta que tinha como alvo a calma dos mercados. Essa escolha trouxe outras em seu bojo, como, por exemplo, a contratação do marqueteiro Duda Mendonça para comandar os aspectos propagandísticos da campanha. Aliás, o banho de loja e barbearia foi idéia de Duda.
Optou-se também por uma política de alianças das mais heterodoxas. Vencidas as eleições, com o apoio do PMDB, PL, PTB, PMN e PP, Lula iniciou seu governo com a reforma da previdência já esboçada no governo de FHC. Essa reforma, a única posta em prática pelo governo de Lula, trouxe prejuízos consideráveis aos trabalhadores. De lá pra cá foi uma no cravo e outra na ferradura.
Se por um lado o governo encabeçado pelo PT lançou políticas sociais que melhoraram as condições de vida de milhões de brasileiros, por outro, as reformas mais importantes para o país foram esquecidas.
A reforma agrária continuou no mesmo passo de tartaruga que os governos anteriores haviam adotado, chegando-se ao ponto do atual governo da Presidenta Dilma só estar à frente nesse quesito do infame governo de Fernando Collor de Merda.
O que assistimos hoje no campo, é uma mudança de estratégia dos robustecidos latifundiários que, no vácuo deixado pelo governo, partem para a ofensiva sobre terras indígenas, quilombolas e de preservação, como há muito não se via. A porta voz dos ruralistas, como eufemisticamente deu-se de chamar os latifundiários, senadora Kátia Abreu, mudou de partidos duas vezes, apenas nesse ano, para estar na base do governo.  Do oposicionista DEM transferiu-se para o partido de Kassab que não é nem de direita nem de esquerda nem governo nem oposição e deste para o saco de gatos gordos que é o PMDB, maior partido da base de sustentação do governo.
Como é agora situação, a líder do atraso rural e mental exige a demissão do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e ameaça com derramamento de sangue de índios e sem terras. O morticínio indígena já começou e suas lideranças vão sendo vítimas do terror dos senhores feudais que dominam o campo brasileiro.
Pode-se dizer que essas mortes são outra escolha do PT.



sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Biografias são imorais


Há muito que passei dos 50 e as coisas já não são as mesmas. Depois dessa idade-marco, dessa idade-limite, começa a falhar o que era nossa fonte de orgulho e de satisfação. Nossa única maneira de prolongar a juventude. Refiro-me à memória, é claro, amiga licenciosa e debochada. O baú da cachola, já cheio de inutilidades mais contemporâneas, vai aos poucos escondendo certos tesouros no seu fundo.
 Quer um exemplo? Não sei se gosto de biografias, pois não recordo se li muitas ou poucas. Nesse dia nublado de minha consciência, só me lembro de ter lido a biografia do Garrincha escrita por Rui Castro. De outros personagens posso ter lido pequenos artigos biográficos ou ter visto documentários. Realmente não lembro. Os retalhos de vidas alheias estão lá, no fundo daquele baú sob toneladas de outras memórias inúteis.
Sei sim que gosto de autobiografias. Desde a obra gigantesca de Nava, que conheci ainda jovem, passei a amar o gênero. O “Confieso que he vivido” de Neruda também me tocou, embora me pareça obra pouco cuidada. Acho que quando li as memórias do poeta  chileno, me passou pela cabeça que faltava poesia no relato. É muita pretensão, eu sei, mas creio que foi isso o que pensei na época, se a memória das sensações não me falha.
Talvez a autobiografia que mais se enquadra naquela definição de que toda autobiografia é uma obra de ficção, seja a de Luis Buñel. Gostei do tom que o cineasta usou para relatar sua vida e seu ofício. Realmente tem muito de ficção, mas pelo menos é ficção criada pelo dono da vida, pelo protagonista da estória, pois afinal uma biografia escrita por outrem, autorizada ou não, também transita pelo terreno ficcional. Biografias são, penso eu, obras de amor ou ódio, nada menos. Ama-se ou odeia-se adornando de invencionice o objeto desses sentimentos. A imparcialidade é vedada ao ser humano. Na melhor das hipóteses sempre haverá a simpatia e seu antagônico.
Como você já notou, estou voltando ao assunto das biografias não autorizadas.
Pois é, enfim cheguei a uma conclusão sobre o tema. Deixei de pensar nos aspectos jurídicos, filosóficos e outros que tais. Deixei de levar em conta a campanha injuriosa que os defensores da liberdade de imiscuir-se na vida alheia perpetraram. Deixei pra lá o cotejar das idéias dos outros. Deixei de sopesar argumentos prenhes de citações eruditas. Resolvi consultar o único oráculo que me tem sido fiel em todos os erros: meus botões.
Foi depois dessa consulta que conclui que escrever biografias é imoral. Sob todos os aspectos é imoral. Seja exercendo a arte da louvaminha e do panegírico ou buscando nas fraquezas humanas o mote para o texto, biografar é imoral, é antiético, é, muitas vezes, desumano. Expor a intimidade de alguém que não deseja ver suas  vicissitudes dadas ao julgamento público, é um desrespeito, um atentado à dignidade humana.

Biografia é a fofoca com título de bacharel, é o fuxico que recebe subvenção estatal, é a maledicência que quer entrar na academia. Biografando, se enaltece o canalha amigo tão facilmente quanto se execra o desafeto. 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Por que simpatizo com os gays


Nunca um gay bateu na minha porta domingo de manhã tentando me convencer a ser gay. Nem domingo de manhã nem em outro dia e hora.
Nunca li um livro que dissesse que Deus criou o gay à sua imagem e semelhança e que depois, de sua costela, fez a lésbica.
Nunca ouvi nenhum gay pregando contra o casamento de pessoas de sexo oposto. Nunca.
Jamais vi um gay quebrando imagens que para algum crente fosse sagrada.  No máximo um bibelô horroroso.
Não conheço nenhum caso de criança abandonada por casal gay. Nenhum.
Jamais um gay propôs a cura do fanatismo religioso. Ainda que muitos acreditem que isso seja possível. Eu não creio.
Embora alguns gays pensem que Oscar Wilde seja Deus e Fred Mercury seu profeta, eles não têm um livro sagrado que afirme isso.
Os gays não têm isenção fiscal nem atendimento preferencial. Não buscam privilégios, querem igualdade.
Gays não pedem dízimo nem defendem o ensino gay nas escolas.
Gays contam as melhores piadas de gays.
Gays não fazem fofoca, apenas produzem biografias não autorizadas.
Ser gay não nega a ciência. Ser gay não é uma crença ou uma opção. Não é um posicionamento político nem uma ideologia.
 Há quem diga que gay não nasce, estréia. Que não morre, vira purpurina.
Há gays médicos e estivadores, policiais e costureiros, músicos e açougueiros. Uns usam gravata, outros um echarpe divino. Uns freqüentam saunas, muitos o Maracanã. Há os que querem casar e há os que vivem na gandaia.
Os gays formam um grupo minoritário que quer ver seus direitos respeitados. Nada mais.



quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Tem alguma coisa errada


Jogador internacional contratado a peso de ouro: Pato
Comediantes que fazem sucesso: Danilo Gentili, Rafinha Bastos e Marcelo Tass
Comentaristas de futebol: Neto e Muller
Ícone da juventude cabeça: Steve Jobs
Jornalistas que escrevem em órgãos de imprensa da esquerda: Paulo Henrique Amorin e Luis Nassif.
Poeta: Renato Russo.
Símbolo sexual masculino para adolescentes: Justin Bieber
Líderes espirituais: Malafaia, Macedo, R.R. Soares e Valdomiro.
Filísofo: Luiz Felipe Pondé.
Jornalistas: Datena e Marcelo Rezende.
Ritmo musical preferido pelos brasileiros: Sertanejo universitário.
Filantropo: Luciano Huk.
Personagem da semana: O rei do camarote.

Tem alguma coisa errada nesse país.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

Proibir está na moda


Uma sociedade extremamente conservadora, quando tenta ser progressista paga mico. Confunde histeria coletiva com consciência ambiental. Opressão com choque de ordem. Chama urubu de meu loro. Apóia-se na pseudociência, na falácia, no modismo mais à mão. Proíbe. Não aponta soluções para os problemas que surgem, proíbe a existência do problema. Quando não há problemas para serem proibidos, inventa-se o problema para proibi-lo. Assim é a sociedade brasileira.
O caso das sacolinhas plásticas é emblemático. De repente surgiu a idéia que eram o grande problema da poluição ambiental. Seu uso foi proibido em muitas cidades brasileiras. Não se pensou em sua reutilização nem na reciclagem nem em nada, proibiu-se sua distribuição gratuita pelos supermercados. De tão esdrúxula, foi mais uma proibição que não colou. E já não se fala mais nisso. Os donos de supermercado adoraram ser proibidos de cumprir a lei que diz que mercadorias devem ser entregues embaladas. Economizaram milhões. Em muitos lugares a proibição segue valendo, mas não se expandiu como era esperado pelos proibidores de plantão.
No caso do cigarro, a proibição prosperou. Fumar passou a ser o ato mais vil, mais abominável, mais antissocial que um sujeito pode cometer. E em que se baseia a proibição de fumar-se em bares, restaurantes e outros lugares públicos? Na existência, nunca provada, de danos à saúde do fumante passivo. Poderia estar embasada no incômodo que a fumaça dos cigarros causa a outras pessoas, mas não. Mente-se para proibir. Inventaram os danos à saúde do fumante passivo. Ora, o fumante também é fumante passivo. Como se explica que ainda esteja vivo?  Inventaram que uma guimba de cigarro demora trocentos milhões de anos para decompor-se. O único caso em que o todo é muito maior que a soma das partes.
 Uma solução civilizada seria a existência de bares e restaurantes para fumantes, que pagariam impostos e taxas mais altos para a criação de um fundo que subsidiaria os gastos que a saúde pública supostamente teria com os fumantes. Ambientes livres de tabaco poderiam ostentar cartazes que os diferenciasse. Uma solução civilizada, democrática. Mas quem disse que é isso que se busca? A proibição é mais contundente, mais viril. Dá aos que a exigem e aos que a apóiam, um halo de superioridade, de ascendência moral.
Mas então é só no Brasil que proibicionismos estão na moda?  Parece que não.
Na França, está pronto para ser votado pela assembléia nacional, um projeto de lei proposto por deputados socialistas, que pretende punir com multas de 1.500 euros os fregueses das prostitutas. Em caso de reincidência a multa saltaria para 3.000 euro. A justificativa para a lei moralista é que desestimularia o tráfico de pessoas. Ora, se proibições servissem de desestimulo, ninguém usaria drogas nem haveria prostituição nos EE.UU, pois lá em apenas 3 dos 50 estados, a prostituição é legal.
A medida proposta pelo partido no poder, parece ter o intuito de agradar os eleitores de direita que associam o aumento da prostituição à imigração do leste europeu. Com uma só lei perseguem-se prostitutas e imigrantes. Bem ao gosto do eleitorado que a cada eleição deixa mais claro seu apoio ao que existe de mais reacionário naquele país.



domingo, 3 de novembro de 2013

Entre monstros

Desde o princípio do ano até agora, foram assassinados 195 moradores de rua no Brasil. Fatos como esses são comuns no país. Lembro dos mendigos jogados no Rio da Guarda, no Rio dos anos 60, do massacre da candelária no princípio dos 90 e tantos outros conhecidos e esquecidos por nossas consciências tão lenientes.
Casos como o do pedreiro Amarildo, levado pela polícia e morto sob tortura, também são comuns. Do menino Douglas, assassinado com um tiro ao lado de casa, também. Todos os dias, jovens das favelas e periferias são mortos pela polícia, que já nem se dá ao trabalho de forjar autos de resistência ou plantar armas e drogas junto aos cadáveres. Basta uma nota da respectiva corporação do policial assassino e o aval da secretaria de segurança. Mesmo antes da chegada do rabecão, o laudo, a necropsia e o atestado de óbito já estão prontos, e o máximo que os acobertadores desses assassinatos fazem é dizer que haverá uma investigação para provar que a vítima estava envolvida com o tráfico de drogas e que o tiro que o matou foi acidental. Ou que morreu de uma queda como disseram ter acontecido com Paulo Roberto Pinheiro, morto após abordagem policial em Manguinhos.
Tamanho desleixo na ocultação dos próprios crimes se dá por uma razão muito simples: grande parte da sociedade brasileira apóia o morticínio, aplaude o programa estatal de extermínio das populações pobres.
Está na internet o vídeo, em que um vereador de Barra do Piraí diz que “mendigo deveria virar ração para peixe”. Se no primeiro momento vimos alguma indignação pela declaração do vereador, podemos estar certos que sua reeleição está garantida, pois o número de eleitores que comunga com esse pensamento tem crescido na mesma proporção do Ibope do Datena, do Marcelo Resende e outros que tais.
O oficial da PM que comandou a chacina do Carandiru em 92, foi eleito deputado dois anos depois de executar a façanha que chocou o mundo. Pessoas notoriamente envolvidas com esquadrões da morte e milícias ocupam cargos eletivos em nossas assembléias legislativas e câmaras de vereadores. Brasília também conta com esses representantes do gatilho ligeiro. Todos eleitos com o voto soberano da cidadania. 
Assim como os governadores se vangloriam de suas políticas de “tolerância zero” para com pobres e favelados, esses senhores parlamentares tampouco ocultam sua visão de justiça. Ao contrário, dela fazem alarde e se elegem seguidamente.
Ainda hoje assisti um documentário que narrava o episódio da prisão, tortura e assassinato de Vladmir Herzog ocorrido em 1975. Naqueles dias ainda não se falava em abertura do regime. Os órgãos de repressão agiam livremente, impunimente e com enorme brutalidade Mesmo assim a ditadura tentou forjar um suicídio para encobrir o assassinato de Herzog. O mesmo foi feito no caso de Manuel Fiel Filho, o operário morto sob tortura nas dependências do DOI-CODI em 1976. Vários outros assassinatos de presos políticos também foram ocultados, daí os desaparecidos.  
Mesmo tendo a faca e o queijo na mão, podendo amparar-se em leis de exceção, na censura à imprensa e em massiva propaganda, a ditadura temia a opinião pública. A sociedade de então, que em grande parte apoiava o governo militar, queria acreditar que o combate aos comunistas, terroristas e outros inimigos do regime, obedecia à lei. A prática da tortura era negada veementemente tanto por generais quanto por subordinados. Assumir assassinatos de presos por torturas, não fazia parte do arsenal de imposturas da ditadura.
Hoje não. A sociedade brasileira quer ver-se livre de qualquer ameaça à sua segurança e à sua propriedade. Crê que matando jovens negros e mulatos da periferia, a polícia alcançará êxito no combate à violência urbana. A tortura, que nunca deixou de ser usada nas delegacias, casas de custódia e presídios, é vista nos dias de hoje como algo tolerável, aceitável, até mesmo necessário. 
As declarações de mandatários e autoridades depois de assassinatos e chacinas promovidas por policiais, são de um despudor inusitado. Cada vez que esses senhores e senhoras se postam frente às câmeras de TV para dar as mais absurdas explicações, parece que estamos vendo uma piscadela dirigida à sociedade que apóia seus atos infames. É como se estivessem dizendo:_”Esse papo é só pra sacanear os defensores dos direitos humanos. É nós”.
Quem viveu os dias escuros da ditadura sabe até onde pode chegar o abuso, o terrorismo de estado, a intimidação. O que nem os que vivenciaram aquela época sabem, é como conviver com uma sociedade que apóia, incentiva e aplaude os atos mais vis contra pobres, favelados, mendigos e outros desfavorecidos.

É duro aceitar que vivemos entre monstros.

sábado, 2 de novembro de 2013

Eu não leio



Se começa com ”aí galera”, eu não leio. Se vem misturado com inglês, também não.  Tampouco linguagem cifrada. Se tem gíria paulista, eu fecho a cara, mas vá lá, leio. Frases sibilinas, eu evito. Se citar o Renato Russo, pego nojo e não leio. Se disser que o segredo de alguma coisa é outra coisa, eu apago sem ler. Falou em milagres, só leio pra saber onde está a fraude. Papo de gente revoltada com o preço do novo joguinho eletrônico, rio e não leio. Se estiver escrito AKI, VC, TB e RS, me dá preguiça de decifrar e não leio. Se escrever para falar mal do samba, não vou ler. Se vier acompanhado da foto do Pe. Marcelo Rossi, não leio. Se tiver florezinhas adornando as frases, não adianta, não leio. Ensinamentos de gurus orientais, não dou bola e não leio. Citações bíblicas, não leio. Se uma explicação vier antecedida por “tipo assim”, não leio. Em caixa alta, nem pensar, não leio. Mensagens edificantes e exemplos de superação, não leio. Frases do Paulo Coelho? É ruim, heim, não leio. Palpite sobre alimentação saudável, não leio. Papo antitabagista, acho chato sem ler. Piadas achincalhando pobres, não leio. Comentário sobre os personagens da novela que nem vejo, não leio. A lista dos melhores do ano, não leio. Páginas de torcedores de qualquer time, não leio. Corrente? Nem leio nem dou seqüencia. Um bom artigo da revista Veja, se existisse e fosse de graça, eu não leria. Fofoca de quem comeu quem, não leio. Papo nerd, não leio. Papo furado, talvez eu dê uma olhada. Papo cabeça, tem hora. O mais recente estudo sobre qualquer coisa, não me interessa, não leio. Declaração da Marina Silva, leio, pra não ter de ouvi-la. Anúncio da morte do Silvio Santos, não leio. Anúncio da morte do Bolsonaro, estou esperando pra ler, mas nunca vem. Coluna do Merval Pereira, não leio. Humor gospel? Tem dó, não leio. Receita de felicidade, não leio. De feijão tropeiro sim, leio. Conselhos, não leio. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Jornalismo final de comédia


Você, é claro, viu no youtube o vídeo no qual o repórter da TV Azteca, do México, pergunta ao diretor do filme “Gravidade” quais foram as dificuldades técnicas e humanas de se filmar no espaço. O vídeo, que se tornou viral, fez com que o jornalista fosse motivo de chacota em todo o mundo.
Não faço idéia se no México, para exercer a profissão de jornalista é necessário ter o curso superior em comunicação como era no Brasil até bem pouco tempo.
Aqui, tal exigência foi abolida pelo Supremo, gerando uma onda de indignação por parte de jornalistas como o veterano Alberto Dines que, apesar de não ser formado, é um dos mais acerbos críticos da decisão do STF. Creio que parte da indignação veio em conseqüência do voto do relator, Ministro Gilmar Mendes, que redigiu uma peça horrorosa, com citações e comparações esdrúxulas. Mas o fato é que quase todos os jornalistas que hoje exercem a profissão no Brasil são formados. Exceção feita aos mais veteranos que começaram na carreira antes de vigorar a exigência do diploma, no final dos anos 60.
Sou daqueles que não vêem a necessidade da formação acadêmica para o exercício da nobre profissão. Se não fosse a convicção que carrego há anos, os fatos me teriam convencido.
A espessa estupidez do repórter mexicano não é algo alheio a nós brasileiros que acompanhamos o jornalismo praticado em nossas TVs. Aqui também, o despreparo, a falta de   cultura geral, a subserviência e a burrice pura e simples fazem parte do cotidiano dos programas informativos.
Ter Leilane Neubarth, Raquel Sherazade ou Eduardo Grillo ancorando noticiários é o cúmulo do desrespeito ao telespectador. Sem falar nos comentários “especializados” de Carlos Alberto Sardenberg, Alexandre Garcia e Merval Pereira, entre outros. Mas tem pior.
Talvez, pelo próprio despreparo dessa gente, só lhes seja possível fazer o que fazem, ou seja, servir de voz aos interesses mais subalternos, aos jogos políticos mais oportunistas, à desinformação programada. São bonecos de ventríloquo que crêem ter opinião.
Nas manifestações que têm ocorrido em todo o país, esses jornalistas de comédia pastelão andam perdidos. Tão perdidos quanto seus patrões que já não sabem o que fazer para transformar a ira dos jovens mascarados em algo útil para seu propósito de desestabilizar o governo.
Uma mostra disso foi a participação do dublê de cineasta e palpiteiro, Arnaldo Jabor. Em quarenta e oito horas este senhor teve de mudar de opinião radicalmente. Num dia os jovens que lutavam nas ruas contra o aumento das passagens de ônibus eram escrachados e tratados como filhinhos de papai por Jabor. Não sei de onde ele tirou a idéia que os mascarados e outros manifestantes eram representantes da velha esquerda dos anos 50.
Dois dias depois, tendo seus patrões intuído que as manifestações poderiam ser dirigidas contra o governo do PT, Jabor passou a tratar esses mesmos jovens como agentes da transformação, da indignação, quase revolucionários. Disse que os pentelhos da véspera, e no momento seguinte heróis do inconformismo, estavam dando uma lição de cidadania.

Não passaram mais que alguns dias para que os patrões do ex-cineasta se tocassem que aqueles mascarados não eram domesticáveis e a verborragia apocalíptica de Jabor não estava ajudando. Mudou-se a estratégia e hoje o que é usado é o escasso vocabulário de Neubarth e Cia: vândalos, baderneiros, mascarados. Mil vezes ao dia escutamos: vândalos, baderneiros, mascarados. E um apelo à restauração da ordem.