O samba, gravado em 1940 por Roberto
Paiva dizia: “Patrão, o trem atrasou / por isso estou chegando agora / trago aqui
um memorando da central / o trem atrasou meia hora / o senhor não tem razão para
me mandar embora”.
Como sabemos, muita coisa mudou
nesses 73 anos que separam a gravação do samba carnavalesco de protesto e os
dias interessantes que vivemos. Menos a
precariedade do transporte ferroviário que serve aos subúrbios do Rio, mas a Central,
ou melhor, sua sucessora privada na administração do serviço, não mais emite
memorandos. Não dá satisfações.
Não precisa. Quando acontece algum
problema, os exploradores privados do sistema de trens ou metrôs, contam com o
auxílio luxuoso da imprensa para esconder o óbvio. Para escamotear os fatos. Um
acidente que deixa feridos e pessoas sem transporte para chegar ao trabalho,
merece umas poucas linhas nos jornais, uma ou outra palavra nos noticiários de
TV. No dia seguinte é página virada. Nada é dito sobre causas e coincidências. Não
são mostrados quadros comparativos como em casos semelhantes quando o operador
é o governo. O caso dos portos é um bom exemplo.
A cada safra que é colhida e encontra
enorme dificuldade para ser embarcada nos navios que a levará para longe de
nossas bocas, as reportagens que assistimos na TV sobre o tema, mostram as
vantagens econômicas que têm outros países cuja operação portuária é de
iniciativa privada. Comparam-se tonelagens, custos, horas, o escambau.
Quando se trata do transporte urbano de
passageiros, não se faz tal comparação.
Em vários casos quem cuida de explorar esse rico filão aqui no Brasil
também o faz em outros países, mas com enorme diferença de qualidade (para
melhor) e preço (para menor).
Eu não sou do tempo do samba que
cito, mas cheguei a usar os trens da Central quando vivia no Méier, em Todos os
Santos, lá pelos anos 70. A passagem, obviamente subsidiada, era uma fração do
que era cobrado nos ônibus ou no metrô, daí a campanha pela privatização que
iniciou-se ainda no governo Sarney. Subsidiar o transporte dos trabalhadores
não estava na cartilha do neoliberalismo que chegava à América Latina.
A campanha surtiu efeito e as
privatizações começaram no governo Collor, deslancharam com FHC e não mereceram
reparos nos governos do PT.
A rede ferroviária foi entregue a preço
de banana em fim de feira para empresas que prometiam, junto com a majoração
das tarifas, um transporte moderno e de qualidade. Mas aí é que está:
manutenção de trens é cara, o investimento em composições é alto e uma empresa
privada visa o lucro. Para gerar cada vez mais dividendos, sucateia-se o serviço e onera-se a tarifa..
Usa-se da teoria Sérgio Naya. “A gente bota de segunda e fica parecendo de
primeira”, como já dizia o profeta da coisa porca.
Hoje, os trens não apenas atrasam:
descarrilam, sofrem panes, chocam-se. Passageiros ficam sufocados nos vagões
superlotados ou caminham pelos trilhos. O mesmo se passa com o metrô, também
privatizado, tanto no Rio como em São Paulo. Quando os usuários se revoltam e
promovem uma quebradeira, a imprensa, defensora da propriedade privatizada, os
trata por vândalos, baderneiros.
Na Argentina, onde também usei o
transporte ferroviário urbano por mais de um ano, passa-se o mesmo. Quando lá
vivia presenciei a campanha que se movia pela privatização dos trens
suburbanos. A imprensa fazia grande alarde. Dizia-se que o transporte
ferroviário causava prejuízo de um milhão de dólares aos cofres públicos
diariamente, mas durante os dois anos que vivi em Buenos Aires não houve nenhum
acidente de trens nem de metrô.
Depois das privatizações promovidas
pelo governo Menem, os acidentes se repetem com uma constância assustadora. Numa
única estação (Once), ocorreram dois acidentes com vítimas fatais. Houve vários
outros e muitos foram os que perderam a vida. Morreram em nome do lucro máximo,
do investimento mínimo em manutenção e pessoal. Morreram porque uma empresa
privada visa o lucro e não a prestação do melhor serviço, principalmente
empresas sem concorrência ou cujos concorrentes operam sob a mesma ótica.
Sim, a questão é assim de simples: a
privatização e sua lógica do lucro, é responsável pelas sucessivas quebras,
pelas paralisações nos serviços, pelos constantes atrasos, pelas mortes e mutilações
ocorridas nos trens.
Transporte público de massa não deve
ser gerido pela iniciativa privada, não combina, não orna.