Um sujeito comete um ato estúpido.
Faz o mesmo que fazem centenas de outros sujeitos todo fim de semana. A mesma
estupidez que é praticada a cada festa de ano novo, cada São João. O mesmo que
farão milhões de outros na próxima copa do mundo depois de cada gol do Brasil.
O sujeito, num ato de irresponsabilidade, soltou um rojão no meio de uma aglomeração. Desse ato irresponsável resultou uma morte. Um
acidente que poderia, que deveria ter sido evitado.
Pois foi isso: um acidente. Um
terrível acidente que causou a morte de uma pessoa. A lei prevê punição para isso.
Foi um homicídio culposo. Quem atirou o rojão não tinha a intenção de matar,
mas acabou provocando a morte do cinegrafista que registrava o protesto.
Embora o infeliz acidente tenha sido
filmado e mostrado à exaustão nas redes de TV, quase nada do que foi dito ou
escrito sobre o fato, sequer roçou a verdade que as imagens mostraram. Falou-se
e fala-se de assassinato. O jovem acusado de acender o artefato que matou o
jornalista, já foi chamado de terrorista. A peça acusatória que foi enviada ao
juiz, fala de crime doloso e pede júri popular. Em seu comentário na TV
Cultura, o advogado e ex deputado pelo
P.T , Airton Soares, chamou os Black Blocs de crime organizado e pediu punição
exemplar para os supostos autores do crime, para desestimular, não outras
práticas irresponsáveis, mas as manifestações em si. Airton Soares quer o
terrorismo judiciário. Quer silenciar pelo medo. Merval Pereira clamou
pela aprovação da lei antiterrorismo sem exceções e criticou o governo, claro, por
este, numa última manifestação de escrúpulo, fazer ressalvas quanto aos
movimentos populares no esdrúxulo projeto de lei.
Os oligopólios da desinformação
falaram em atentado contra a liberdade de imprensa. Todos os exageros foram
cometidos, todas as falácias foram postas a serviço dos que querem calar qualquer embrião de
insatisfação, todos os adjetivos foram usados, todos os chiliques puderam ser
vistos em rede nacional de televisão. E a verdade? Bem, foda-se a verdade
quando o que se quer é tirar proveito político. Quando o que se pretende é
fazer do cinegrafista morto, um mártir da causa da repressão às lutas populares.
Quando o que se pretende é aprovar uma lei repressiva para satisfazer a FIFA,
um novo AI 5 que coloque a salvo todos as ações de governos corruptos e de seus
sócios da iniciativa privada.
Creio que poucas vezes se viu tamanha
farsa jornalística. Da fotomontagem aos textos que se desmentem no dia seguinte
e que são republicados, passando pela calúnia a políticos de esquerda que
defendem as causas populares, usa-se de tudo para levar a população ao jogo da
histeria coletiva.
Do cadáver do cinegrafista, fez-se um
bastião, uma trincheira para a guerra da repressão. Do ato irresponsável e
estúpido, a desculpa para se perpetrar um atentado ao direito de protestar.