terça-feira, 23 de agosto de 2016

A bandeira de Florentino Ariza





Não te invejo, Florentino Ariza
pelas mulheres que possuíste
às centenas
Tampouco te invejo, poeta
pela fortuna que amealhaste
aos milhões.
O que sim te invejo, velho Florentino
é a bandeira  do cólera que tinhas
e porque a hasteaste.








quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Elke Maravilha





            Eu andava aí pelos meus 13, 14 anos e  havia me mudado de bairro. Não tinha ainda feito amigos. Além do mais, minha casa ficava numa movimentada avenida. Esse tipo de lugar pouco propício às turmas de esquina. Para completar estava de férias. Eu vivia uma solidão que combatia jogando botão sozinho, escutando rádio e me iniciando nas primeiras leituras. Também fazia longas caminhadas pelo novo bairro. Nos fins de semana, confesso, eu assistia o programa do Silvio Santos. Todo o programa. Da manhã à noite. Ainda o tenho na memória. Creio que não se difere muito do que é apresentado hoje, passados mais de quarenta e cinco anos
            O primeiro quadro do programa reunia os compradores do carnê do Baú da Felicidade que haviam sido sorteados para participar de um concurso de perguntas e respostas. Os prêmios eram ótimos e minha mãe, que pagava o tal carnê, me havia prometido que caso fosse sorteada mandaria a mim responder as perguntas do programa. Eu acertava todas desde meu sofá. Seria barbada. Eu ia ganhar a casa ou o carro. No mínimo o carro.
            Havia também no interminável programa uma parte musical. Aí não se apresentavam os grandes nomes da musica popular brasileira que vivia uma de suas épocas de ouro, apenas cantores que faziam sucesso popular. Lembro de Waldick Soriano, Dom e Ravel, Os Incríveis com seu "Eu te amo meu Brasil" e de uma cantora que cantava "nosso amor foi uma aposta" Havia, como em todos os programas de auditório daquela época, um juri que criticava ou elogiava as canções apresentadas. Num daqueles domingos,  um dos jurados criticou duramente a música apresentada por um cantor novato. Era uma  música romântica cafona que ameaçava fazer sucesso nas rádios Claro que esse era o jurado ranzinza. Em socorro do rapaz acudiu Elke Maravilha que era a jurada simpática. Disse Elke que a música era boa e não era dessas músicas de gente que faz demagogia. Não lembro como nem porque, mas eu sabia que ela estava se referindo a Chico Buarque que naquele ano lançara Construção.
         Chico era (e ainda é) meu ídolo musical e a música,com suas rimas feitas todas com proparoxítonas, me parecia (e ainda me parece) uma maravilha. Desde aquele dia, coloquei  Elke Maravilha no rol dos muitos artistas que bajulavam a ditadura, pois para mim, que entrava na adolescência naqueles tempos de clara dicotomia, quem criticasse Chico só podia ser a favor da ditadura. Nunca mais simpatizei com Elke.
            Ao contrário de Dom e Ravel e os Incríveis que ficaram umbilicalmente ligados aos tempos de censura e repressão e foram apagados da cena artística, Elke sobreviveu. Depois do programa do Silvio Santos ela foi para o do Chacrinha e ficou conhecida e querida por todos. Creio que só eu me lembro do triste episódio ocorrido no distante domingo de 71.
            Ontem soube de sua morte e confesso que fiquei triste. Não sei porque, mas fiquei triste.
         

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Perdão





Queria saber como tocar-te
e não  ferir-te
Queria poder falar de nós
e não trazer-te más lembranças
Queria dedicar-te um poema
e não sentir vergonha
dos versos pobres
que nunca serão dignos de ti
(assim como eu)
Queria pedir-te o perdão
que não consigo dar-me





A Presidente Cármen Lúcia




            A Ministra Cármen Lúcia, nova presidente do STF,  falou uma bobagem. Disse ser amante da língua e por isso quer ser chamada de presidente. Não é a primeira pessoa que comete esse erro desde que Dilma disse preferir a forma presidenta. O vocábulo presidenta está nos dicionários desde 1872. Muitos ignoram, inclusive gente que vive do ofício de escrever. Cármen Lúcia poderia ter dito que gosta mais de presidente e pronto, mas preferiu alegar seu amor pelo idioma. Ficou feio, até grosseiro e a Ministra passou a ser alvo dos ataques de petistas que viram na sua fala uma ofensa à Presidenta Dilma.
            Muitos dos que criticam a Ministra jamais assistiram uma sessão do Supremo, jamais acompanharam os votos de Cármen Lúcia. No entanto, creem que podem julgá-la assim como fizeram com o Ministro Joaquim Barbosa quando este mostrou no seu relatório toda a podridão que havia dentro do governo no caso do mensalão.
            Cármen Lúcia foi a primeira autoridade do judiciário a tornar público seus vencimentos tão logo a lei de transparência foi aprovada. A Ministra dirige seu próprio carro e dispensa motorista pago com verba pública. Ao contrário de muitos petistas e de seus aliados, dá mostras de honestidade e competência. Diferentemente de certo ministro da Corte Suprema, cuja preferência política norteia o voto, os votos da Ministra Cármen Lúcia são sempre estribados em vasto conhecimento jurídico. Assisti a vários julgamentos do STF em que a Ministra deixou isso claro. Pelo menos para meu leigo entendimento.
            Certa vez, ela dirigiu palavras duras contra integrantes do governo pegos com as mãos em dinheiros públicos. Isso a indispôs com alguns petistas acríticos que querem negar que houve corrupção nos governos do PT. (Há ainda hoje os que negam o mensalão).
            Agora começaram a aparecer fotos "comprometedoras" da Ministra  postadas por indignados petistas. Acabei de ver uma na minha página do facebook em que a vemos  ao lado de Antônio Anastasia, ex governador mineiro e relator do processo de impeachment no senado. É omitida a data da foto e seu contexto. Como a ministra está togada possivelmente se trate de algum beija mão nas dependências do Supremo. 
            Até pouco tempo ninguém sabia das falcatruas de Anastasia que já foi aliado do PT em Minas, sendo inclusive elogiado pela Presidenta Dilma que o tratou como parceiro em um comício no qual pregava a continuação da aliança com o PSDB naquele estado visando as eleições de 2012 para a prefeitura de B.H. (Há fotos do comício)
            Aliás, postar fotos "comprometedoras" é uma coisa que os petistas e seus aliados deveriam evitar. Ou será que já se esqueceram da foto do Presidente Lula e do então candidato Haddad com Maluf? Ou das fotos de Jandira Fegalli com Eduardo Paes, Sérgio Cabra Filho e outros integrantes do PMDB fluminense? Ou ainda da foto de Lindbergh Farias sorridente ao lado de Collor quando este apoiava o governo e ajudava o PT a manter na presidência do Senado o indefectível José Sarney?
            Para muitos petistas quem não demonstra apoio incondicional ao partido e não é subserviente à legenda, é golpista. Fingem ignorar que os verdadeiros golpistas estavam ate ontem na vice presidência, compondo a base de apoio do governo e ocupando ministérios.
            Hoje, os petistas já não ofendem o ex-Ministro Joaquim Barbosa como faziam na época do julgamento do mensalão. Barbosa, cioso da legalidade, anda espinafrando o processo de impeachment que tenta tirar o mandato da Presidenta Dilma. Tampouco elogiam o Ministro Lewandowski, que julga o processo no Senado, como faziam quando ele defendia com unhas e dentes José Dirceu e outros petistas na Ação 470.
            Mas para os desesperados petistas a ficha não cai e os que descarregam sua fúria contra a Presidente Cármen Lúcia por causa de uma frase desastrada são os mesmo que deram de elogiar Kátia Abreu.








quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Galvão Bueno e as coxas de Dona Telma





            Sempre me arrependo de ter abandonado a escola. Eu gostava da escola. Não lembro de ter faltado a um dia de aula sequer. Houve um tempo que eu ia até aos domingos pra escola, que ficava aberta para que os alunos tivessem um lugar de recreação e estreitassem laços de amizade. Muita gente ia. O pátio ficava cheio e era legal ver os colegas e, principalmente, as colegas em roupas civis.
            Durante os dias letivos (de segunda a sábado) havia a camaradagem, as peladas e as primeiras paqueras. E havia as professoras. Quase todos os mestres eram professoras. Quase todas mal entradas na casa dos trinta anos ou nem isso. Lembro de Dona Telma, professora de português que me apresentou Drummond e Rubem Braga. (Os dois autores tinham textos no nosso livro didático, mas acho que foi ela que me fez gostar deles. Não saberia explicar porquê.) De Dona Helena que ensinava desenho e era capaz de traçar um círculo perfeito à mão livre no quadro negro. De Dona Maria Helena, professora de história, que tinha alergia à giz e passava toda a aula coçando o nariz com a parte externa das unhas compridas. Era muito charmosa coçando o nariz. Teve também uma professora de matemática que só lecionou no primeiro ano do ginásio e de quem não consigo lembrar o nome. Ela era gaga e falava cantando para contornar o problema. Era a mais bonita. Pelo menos para nosso gosto adolescente. Hoje sei que a mais linda era Dona Telma, uma ruiva maravilhosa. Quando digo ruiva é ruiva mesmo e não uma mulher com o cabelo pintado de vermelho. Ela era todas sardas e nós, meninos de 12, 13, 14 anos, nos perguntávamos aonde iriam parar aquelas pintas cor de ferrugem. Estávamos no tempo das mini-saias.
            Mas fico lembrando das coxas de Dona Telma e quase me esqueço de quem queria falar. Foi de Dona Beatriz que me lembrei umas noites atrás. Ela ensinava ciências, era baiana e também tinha lindas coxas, embora suas mini-saias fossem menos reveladoras que as de Dona Telma. Era séria e simpática. Suas aulas eram ministradas no laboratório onde abríamos rãs, misturávamos produtos químicos e víamos no microscópio nossas células. Bico de Bunsen, pipeta, proveta, foram nomes que aprendi aí e nunca esqueci. Foi também com Dona Beatriz que  tivemos nossas primeiras aulas de educação sexual. Estou certo de que essas aulas estavam fora do currículo, que eram iniciativa da mestra. Aqueles anos eram anos de chumbo. A ditadura, que estava no auge do autoritarismo, da censura e da tortura, também tinha seu vezo moralista e duvido que o MEC autorizasse tais classes. Foi Dona Beatriz quem quis nos instruir nas questões sexuais.
            A essa adorável professora devo o conhecimento de meu primeiro ídolo científico: Arquimedes. Até então, Eureka era para mim apenas o nome de uma rede de lavanderias de Belo Horizonte. Com Dona Beatriz conheci um sábio que até hoje tenho por gênio. Depois, conheci outros que também passaram a figurar no panteão de minhas devoções. Vieram Tales de Mileto, Leonardo da Vinci, Einstein, Hawking  E nas artes, Bach, Mozart, Van Gogh, Dostoiévski, De Sica.
            Toda vez que vejo um documentário sobre Arquimedes ou leio algum artigo sobre novas descobertas científicas penso, com carinho, em Dona Beatriz e na sorte de ter sido aluno de tão boas e lindas professoras naquela escola do SESI, na cidade industrial de Contagem.
           Mas dessa vez quem me fez lembrar da mestra e de Arquimedes foi Galvão Bueno. Pois é, logo ele. O que se deu foi o seguinte: Estava acompanhando o jogo da seleção feminina de futebol e para meu espanto cortaram a transmissão para mostrar uma prova de natação na qual participava Michael Phelps. Para cúmulo a prova era narrada por Galvão Bueno. Quase tive um piti. Terminada a disputa, vencida pelo nadador americano, Galvão, em pouco mais de um minuto e meio, chamou Phelps de gênio pelo menos umas cinco vezes. Isso mesmo, para Galvão Bueno um cara que nada rapidinho pode ombrear-se com Arquimedes. Pode medir-se com Van Gogh. Pode comparar-se com Bach. Qualquer bacalhau, baiacu ou tainha faz melhor o que Phelps faz, mas para Galvão o sujeito é um gênio.
            Prefiro ficar com o meu panteão inaugurado nas aulas de Dona Beatriz. Nele não há lugar para bagres nem pacus e muito menos para um sujeito que dá voltas numa piscina.
            Pelo menos o chatíssimo narrador me fez lembrar dos dias felizes da escola, de Arquimedes, de Dona Beatriz e das coxas sardentas de Dona Telma. Que saudade. Que coxas!
         
         

         

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Os dias felizes





Naqueles dias
felicidade
era buscar conchinhas perfeitas
e escrever com elas
teu nome na areia




sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Magda





            Magda era doida. Acho que era isso o que me atraia nela. Sempre gostei de mulher doida. Não lembro como nos conhecemos, mas houve um momento em que estávamos gostando um do outro. Ela gostava à sua maneira doida de gostar. Eu me apaixonava fácil. Nos entendíamos. Às vezes.
            Naqueles dias, eu tinha uma namorada e tentava conciliar o namoro com meu caso com Magda. Ela era casada, mas tinha menos problemas que eu para manter as coisas equilibradas. Assim são os doidos.
            Não havia um encontro com Magda que fosse normal. Um dia ela me levou até a porta do apartamento onde morava com o marido e as duas filhas para arrumar um dinheiro para irmos pro hotel. O prédio ficava na Rua da Relação e isso me causava graça. Demorou mais de meia hora lá dentro e eu ali no corredor tentando planejar uma rota de fuga caso fosse necessário e sem saber o que esperar: se um marido furibundo vindo tirar satisfação com um amante tão folgado ou uma noite de amor.  Noutra ocasião a levei pro melhor hotel vagabundo que conhecia e ela, depois de entrar no quarto e se despir a meias, cismou que não queria transar. Não houve jeito. Desisti. Fomos embora rumo a Santa Teresa e no meio duma escadaria deserta ela resolveu que queria e já estávamos nisso quando ouvimos vozes antes de vermos uns caras descendo os degraus em nossa direção. Onde estava, fiquei. Consegui manter a concentração no que estava fazendo enquanto os caras passavam por nós. Os caras foram discretos. Só deram uma olhadinha e seguiram seu caminho.
            Mesmo sendo casada e tendo duas filhas pequenas, Magda estava sempre na noite e sempre só. Algumas vezes a vi acompanhada de seu amigo Guaraná, uma figurinha difícil, de poucas palavras e olhar gateado. Eu não o suportava. Acho que por ciúmes. Nunca soube se ele era gay ou bi e isso me inquietava.
            Magda tinha uma voz doce e misturava seu sotaque do norte de Minas com o palavreado carioca. Tinha seu charme. Não era bonita, acho até que éramos parecidos. Magrinha, de poucas curvas e andar de menino não era tampouco uma mulher que alguém chamaria de gostosa. Acho que era mesmo seu jeito de doida mansa o que me cativava.
            Nosso caso durou mais de um ano. Mais que o namoro que eu tinha quando a conheci, mais que outros namoros. Por um tempo levei uma foto sua na carteira e um dia terminamos. Foi uma briga feia. Levei mais de vinte pontos no antebraço direito. A costura feita por algum residente do Souza Aguiar numa madrugada de sexta pra sábado deixou uma cicatriz repuxada que dói quando faço esforço. Nessas horas me lembro de Magda. Com carinho.




Espelho





Como devem ser felizes essas pessoas que não se arrependem de nada.
que fariam tudo novamente, tal e qual
Como devem passar bem os que não têm culpas para carpir
remorsos para atormentar-se, dores e saudades
Como devem viver contentes os quem têm a sensação do dever cumprido
com o mundo, consigo, com os outros.
Como devem desfrutar os dias
os que miram o espelho sem asco.