sábado, 31 de agosto de 2013

Os últimos dias da última flor do Lácio



O cara é apresentador de um programa esportivo e babaca profissional. Sempre que o escuto tenho a impressão que o português é uma língua morta da qual extraímos uma ou outra locução para embelezar o estilo, para colorir um período. Uma espécie de latim de pé de serra. Mas ele, não confiando na erudição de seus ouvintes, tão logo pronuncia uma frase inteira no idioma de Machado e Rosa, logo a verte para o inglês. Claro que não é o inglês de Shekspeare nem mesmo o de Bukowski. É esse inglês do universo corporativo, dos palestrantes motivacionais, da tecnologia e dos livros de auto-ajuda. O inglês rastaqüera dos mudernos da classe média.
Esse novo idioma sequer tem a graça do inglês de cais do porto com o qual putas e malandros se viram para atrair os gringos desembarcados. Não tem a inventividade do embromation, nem a verve do Joel Santana. É o idioma dos colonizados natos, dos tronchos da palavra, dos analfabetos por opção e credo.
Se fosse apenas nosso babaca profissional que se comunicasse assim, não haveria problema, era só mudar de canal. Mas não. De nada adianta. Esse novo idioma está em toda parte. Na TV por assinatura até o nome dos programas são em inglês e não me refiro aos enlatados americanos somente. Não, já há programas brasileiros com o título em inglês. Tem um de culinária cuja chamada nos convida a fazer sobremesas fáceis e rápidas e no seu título consegui compreender a palavra inglesa que significa sobremesa. Digo que consegui compreender porque os locutores se esmeram tanto em pronunciar do jeito que lhes parece ser o sotaque americano, que mesmo lendo a legenda (em inglês, é claro) fica difícil fazer a correspondência do que vai escrito com o que é falado.
Faz alguns anos, Aldo Rebelo, antes de se tornar ministro e defensor dos elefantes brancos amazônicos, propôs uma lei para normatizar o uso do idioma na comunicação social. A idéia amparava-se na Lei de defesa do consumidor visto que está ficando impossível saber dos benefícios e utilidade de vários produtos anunciados. Qualquer par de tênis, automóvel ou telefone celular, tem seu mote propagandístico dito e escrito em inglês. Nos anúncios de imóveis já não encontramos o quarto, sala cozinha e banheiro que buscávamos nos classificados do Jornal do Brasil. 
Por aquela época, Rebelo foi convidado de vários programas de TV para falar de seu projeto de lei, mas ninguém o levou a sério. Virou chacota e não mais se ouviu falar da iniciativa.
Ao lado dos gênios da propaganda, as emissoras de TV e seus apresentadores, tal qual nosso babaca profissional, são os maiores difusores e entusiastas do hibridismo lingüístico que assola o país. Para eles é sinal de prestígio falar assim, denota conhecimento da gringa, mostra que o sujeito é viajado, ou seja, que foi a Disneylandia fazer turismo cultural.







quarta-feira, 28 de agosto de 2013

A medicina do absurdo


Há alguns anos, o Fantástico, mostrou uma reportagem que tinha como pano de  fundo alguns números que denunciavam uma estranha realidade. Dizia-se que de um ano atrás até aquela data, mais de 2 mil denúncias contra médicos haviam sido feitas junto aos conselhos regionais de medicina. Dessas, apenas umas poucas dúzias redundaram em alguma sindicância e apenas em 6 (seis) casos houve punição. Das punições, a maioria foi de advertência. Nenhum diploma foi suspenso e muito menos cassado.
Vendo tais números podia-se pensar que de duas uma: ou o povo brasileiro odiava seus médicos e viviam inventando calúnias contra eles ou estávamos diante do mais espesso corporativismo. Hoje sei que a segunda opção é a verdadeira. A vinda dos médicos cubanos provou isso.
Nossos médicos estão tratando seus colegas cubanos como se fossem curandeiros ou charlatães. Aliás, muito pior, pois a atitude que tomam diante de pastores e bispos de araque que afirmam curar câncer e AIDS por intervenção divina, é, no mínimo, leniente. Com esses os médicos pegam leve.
Até bem pouco tempo eu não sabia da existência do Revalida, o tal exame a que são submetidos os médicos que têm diplomas de escolas de medicina estrangeiras. mas parece que só eu não o conhecia. Lendo as postagens das redes sociais e os comentários dos sítios informativos da internet, me dou conta que todos os meus concidadão dominam o tema e dele têm antigo conhecimento. Agora que sou sabedor, a exigência me parece sensata. Afinal como saber se alguém realmente fez o curso do qual exibe o diploma?
Mas com relação aos médicos cubanos estamos tratando com profissionais reconhecidos pelo governo de um país que, embora paupérrimo, dá lições de saúde pública ao mundo. Basta ver os resultados que alcançam os cubanos na prevenção de doenças, nos baixos números de mortalidade infantil, na erradicação de várias moléstias. Esses números não são de fabricação dos terríveis comunistas. São números da OMS, da ONU, da UNICEF. Quem dá garantias da qualidade dos médicos cubanos é o governo de Cuba e as entidades internacionais que tratam do tema. Para os médicos brasileiros e seus órgãos representativos isso não basta e os médicos cubanos deveriam prestar o exame do Revalida, que segundo os médicos daqui o os que os representam, é a única forma existente no planeta de aferir o gabarito de quem pratica a medicina. Mas tem mais.
            Em recente fala, o presidente do CRM de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, foi taxativo ao afirmar: _ “Vou orientar meus médicos a não socorrerem erros de médicos cubanos”. Não creio ter lido nada mais chocante nos últimos anos. O sujeito está dizendo que se um paciente for vítima de um erro médico e se esse erro for cometido por um médico cubano, essa vítima estará condenada à morte ou algo parecido.
Ainda que tal afirmação seja a própria negação do juramento de Hipócrates, nas redes sociais há quem defenda o presidente do CRM mineiro e, tergiversando, diga que é boa prática médica não acobertar erros de outros profissionais. Claro que você e eu sabemos a enorme diferença que existe entre socorrer alguém que foi vítima de um erro médico e acobertar esse erro. Sabemos que acobertar erros médicos é o que fazem os conselhos regionais de medicina que diante de mais de 2 mil denúncias punem, de forma leve, apenas seis profissionais. 





terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os médicos brasileiros e a guerra fria


                Quando nos anos 70, Pedro Nava lançou sua gigantesca obra de memorialística, crítica e público acorreram em aplausos. Estávamos diante de um monumento. Não havia como ignorar aquele monólito erguido nas nossas letras. Houve, claro, vozes que não se mostraram tão entusiasmadas. Melhor assim, ou estaríamos vivenciando uma burra unanimidade.
                Mas não foram os homens de letras a encontrar senões nas memórias do Dr. Pedro. Foram seus pares da medicina que se mostraram melindrados pela escrita do mestre mineiro.
                Acontece que Pedro Nava, defendia que, na pirâmide social, o médico deveria situar-se entre as classes médias. Bastou. Uma simples digressão, numa obra que nada tinha de panfletária nem se propunha a defender posições, pôs os médicos em polvorosa. Alguém estava dizendo que o sagrado direito dos médicos de tornarem-se ricos, milionários, não era nada sagrado.
                Nava não foi um médico qualquer. Na sua especialidade, a traumatologia, (se a memória não me trai) além de clinicar publicou trabalhos científicos, notabilizou-se. Recebeu homenagens, títulos, o escambau. Mas com as memórias começou a desagradar colegas seus.
                Creio que médicos, que já militavam naquela época, dirão que não, que nunca houve diatribes contra Nava e suas memórias. Deixe que eu diga: houve sim.
                Claro que aquela indisposição contra Nava e sua visão anti-mercantilista da medicina, nem de longe se assemelha ao que vem acontecendo hoje com relação aos médicos cubanos que o governo trata de trazer para tentar melhorar o atendimento da saúde em nosso país. Hoje o que se vê é algo surrealista.
                Desde que o governo federal lançou o programa “Mais médicos”, os profissionais da saúde foram tomados pela mais descontrolada histeria. Não há outra maneira de qualificar os “argumentos” que os médicos e seus órgãos representativos esgrimam na defesa de sua reserva de mercado.
                Esses órgãos, agora tão ciosos da saúde da população, querem nos fazer crer que qualquer estrangeiro profissional da medicina que não fizer uma estúpida provinha é um incompetente ou um charlatão. Mas não fica por aí a histeria dos médicos brasileiros.
                Nossos doutores, recordistas mundiais em cesarianas e no diagnóstico de viroses, agora falam que os médicos cubanos trazidos para cá, trabalhariam em condições análogas à escravidão. Querem fazer crer que além de preocuparem-se sobremaneira com a saúde da população, também são defensores dos direitos trabalhistas dos profissionais cubanos.
                Mas a quem querem enganar os médicos e seus representantes com essas e outras afirmações? A nós que freqüentamos os hospitais e postos de saúde? Que assistimos cenas de médicos fraudando os relógios de presença com dedos de silicone? Que não somos atendidos por que o médico não apareceu para trabalhar na véspera do feriadão?  Sim, a nós mesmos. E olha que conseguem algum sucesso com a manobra.
               Isso porque a vinda de médicos cubanos tornou-se um fato político e não de saúde pública e nossa classe média, que pode queixar-se dos seus planos de saúde e não freqüenta as filas do SUS, está pouco se lixando para a saúde da população pobre e desatendida e faz coro com os médicos num anti-comunismo anacrônico e imbecil.




quarta-feira, 21 de agosto de 2013

1001 utilidades


                A propaganda do Bom Bril é que dizia que ele tinha mil e uma utilidades. Houve gente que fez listas de como utilizava o produto, mas nem de longe chegou-se perto desse número. Claro, era só uma maneira de dizer. Mas, cá entre nós, o que tem mesmo mil e uma utilidades é a maisena. O amido de milho. Você, minha amiga, que encara o fogão e o forno com prazer e sabedoria, sabe do que estou falando.
                Mas não foram movidos pelo paladar nem pela tradição culinária que pesquisadores deram  uma nova utilidade para o amido de milho. Vi num desses programas de ecologia da TV que ele agora será utilizado para fabricar um substituto para o isopor. Pois é, a maisena será usada em embalagens substituindo o produto que vem de um refugo da indústria do petróleo.
                Alegam os defensores da utilização do amido de milho para esse fim pouco nobre, que o isopor é causador de poluição, não se degrada com facilidade e seu grau de reutilização é muito baixo.
                As recicladoras pagam uma ninharia pelo isopor e para ganhar um mínimo, os catadores devem deslocar enormes fardos. Por ser muito volumoso, embora leve, e ter seu preço como produto reciclável muito baixo, não há interesse dos catadores em recolhê-lo. É muito mais negócio catar o papelão ou as latinhas de alumínio. O isopor, via de regra, vai parar nos aterros sanitários.
                Então por que não responsabilizar a indústria pela coleta e destinação correta do isopor? Ora, porque não se quer onerar a indústria. É mais prático usar o solo para plantar embalagem e encarecer o milho que é largamente consumido no país tanto in natura como na forma de fubá e de maisena. Sem contar que o milho é também usado como ração animal tanto na suinocultura como na avicultura.
                No programa que assisti, o jornalista exultava com a novidade e aqui, ai de mim, vou sofrer mais uma vez pela escassez de vocabulário. Sim, pois se digo que o jornalista exultava com o amido de milho virando embalagem, o que dizer de outro entrevistado que no mesmo programa falava do fim dos combustíveis fósseis e da grande vantagem que tem o país por poder produzir cana para mover automóveis. Combustível sustentável, segundo ele.
                Mas desde quando é sustentável usar a terra para produzir combustíveis e embalagens em vez de alimentos? A fome, endêmica em muitos cantos do mundo, não parece fazer parte das preocupações dos preservacionistas e afins. O importante é preservar o planeta para quem possa pagar por ele.



terça-feira, 13 de agosto de 2013

Quem é o criminoso?


                O crime chamou a atenção mesmo nesses dias violentos que vivemos. Um casal de policiais foi assassinado dentro da casa de ambos juntamente com duas idosas da família. Como principal suspeito está o filho adolescente de 13 anos que teria se suicidado várias horas depois que perpetrou a chacina.
                Peritos e legistas divergem em altíssimo grau. Os peritos, apostando no seu olfato, garantem que as idosas teriam sido mortas primeiro pelo que  denotava o odor mais forte no quarto delas. Bem, eu que sou leigo em perícias, assim como em tudo, posso imaginar pelo menos meia dúzia de razões para que o odor fosse mais pronunciado no quarto das idosas.
                Quanto aos peritos, esses afirmam que o policial teria morrido pelo menos 10 horas antes das outras vítimas. Mas então o que faziam essas 3 mulheres adultas, que dividiam um pátio comum numa residência de pequenas dimensões, que não perceberam a falta dele nem encontraram o cadáver? Estariam em cárcere privado? A localização dos corpos não sugere isso.
                Talvez o mais estranho desse caso foi o que disse o delegado que o investiga. O doutor delegado apressou-se em esclarecer que a polícia acredita que o crime foi executado pelo garoto que se suicidara depois. Disse que esse rápido esclarecimento se fazia necessário para não haver um banho de sangue na cidade. Nunca uma autoridade foi tão explícita para mostrar como agem nossas polícias.
                Não havia passado nem uma semana do crime brutal e outro policial, dessa vez um guarda municipal, foi morto junto com sua companheira na casa em que moravam. Nesse caso os indícios são de execução. Um tiro na cabeça de cada um e outro no filho do casal.
                Para corroborar a hipótese de execução, a reportagem relatou que nada fora roubado da residência, exceto os 2 carros do casal. Pois é, o cara é guarda municipal e a família possui 2 carros. Nem os jornalistas nem a polícia aventaram a possibilidade de o guarda municipal estar envolvido em atividades ilegais assim como fazem no caso do desaparecimento de Amarildo. De certo crêem que ele é um sujeito econômico e pode assim comprar 2 carros para uma família de 3 pessoas. Amarildo que, segundo a polícia, trabalha no lucrativo negócio do tráfico vive miseravelmente num minúsculo barraco que sequer possui janelas.
                Bem, era aqui que eu queria chegar. No desaparecimento de Amarildo.
                Autoridades da Polícia Militar do Rio dizem não acreditar no envolvimento de membros da corporação no episódio. Simples assim: não acreditam. Um delegado já expediu um pedido de prisão para a mulher de Amarildo por envolvimento com o tráfico de drogas. Baseou-se no relato de uma suposta vítima do tráfico que saíra viva de uma sessão de tortura. O denunciante aparece com o rosto oculto na tela da TV e assim você e eu não podemos identificá-lo. Mas e os traficantes, não sabem quem eles teriam torturado e deixado com vida?
                A versão policial para o desaparecimento de Amarildo seria mais ou menos assim: Amarildo e sua mulher trabalhariam para o tráfico. Os traficantes desconfiaram que Amarildo fosse dedo-duro e o teriam assassinado. Sua mulher simula desconhecer o fato e bota a boca no trombone tentando incriminar a valorosa Polícia Militar e com isso atrai mais polícia para o morro que agora está na mira das reportagens das TVs e dos jornais. A maior sujeira. O tráfico parado. 
                Para quê Bete, a mulher de Amarildo, faria isso? Para que ninguém soubesse que os traficantes matam pessoas? Para incriminar a polícia que goza de tanta credibilidade na sociedade? Para aparecer no Fantástico?

                Arma-se mais uma farsa.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

O clã Sarney em apuros


                Sarney, o último coronel, está internado com pneumonia e dengue. Está em São Paulo, no Hospital Sírio e Libanês. Sua filha Roseana, governadora do Maranhão, entre outros familiares, faz-lhe companhia. O Senado tem convênio com o grande hospital paulista e para lá se dirigem os senadores para curar qualquer pereba, calo ou queimadura provocada pelos colorantes de cabelo.
                As enfermidades de Sarney, de fácil tratamento em pessoas mais jovens, conferem grave risco à gente que já está com prazo de validade vencido. É o caso do velho senador. Mas mesmo que assim não fosse, o ex-presidente não seria besta de tratar-se em sua terra natal, sob os cuidados e dengos da sua numerosa família. Por dois motivos: gente rica adora coisas de graça. Se o moribundo senador pode tratar-se a expensas do povo brasileiro, por que iria pagar?  E também tem a questão de Sarney ser maranhense. Seu estado é um dos mais miseráveis do país. Não atrai nem investimento especulativo, muito menos médicos ou empresas hospitalares. No Maranhão todo parto é de risco, toda doença é grave. Durante o tempo que a famiglia Sarney governou aquele estado, a penúria dos maranhenses só aumentou. Nem mesmo os avanços sociais que se verificaram no país chegaram por lá.
                Enquanto acompanha o pai enfermo, Roseana deixa seu vice na condução do desgoverno maranhense. E aí reside uma dessas coisas que nos faz descrer de tudo e de todos; o vice-governador do Maranhão é do PT. O Partido dos Trabalhadores está em aliança com o clã Sarney naquele estado. Quem poderia imaginar?
                Pois bem, agora a Procuradoria Geral da União através de seu titular, Roberto Gurgel, deu parecer favorável a  um pedido de cassação da governadora e seu vice por abuso do poder político e econômico nas eleições passadas. Disputando sua reeleição, Roseana, às vésperas do pleito, firmou nada menos que 979 convênios com prefeituras maranhenses. Os senhores prefeitos teriam retirado apoio aos candidatos de oposição Jackson Lago e Flávio Dino de olho nas verbas que fluíram do caixa do governo estadual para as prefeituras. O dinheiro foi depositado em tempo recorde (2 dias) nas contas municipais e sacado em espécie na boca do caixa. Uma maravilha.

                Esse é mais um caso escabroso em que o PT se vê envolvido por misturar-se com o que há de mais podre na política nacional. Vai ser duro para a imprensa chapa branca defender a lisura de Roseana e seu vice. Mas não tenho dúvidas que em nome da governabilidade e do apoio do poderoso clã ao governo, isso será feito. Deve-se repetir a estratégia de lançarem-se acusações contra Gurgel e o Supremo quando o caso lá chegar. 

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Igrejas acima da constituição


                Era um projeto de lei que propunha uma tímida mudança. As igrejas e outras instituições sem fins lucrativos perderiam a isenção impositiva caso não cumprissem o que determina a lei que as isenta. Antes mesmo de percorrer as devidas comissões da Câmara, seu autor resolveu voltar atrás e retirou o projeto que, segundo ele, padecia de “inconstitucionalidade total” e não passaria pela CCJ. O argumento é que as igrejas têm “proteção absoluta”.
                Na verdade, o autor do PL original era o ex-deputado e atual prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet. O projeto que hoje tramita, ou melhor, tramitava, era um substitutivo do deputado Marcus Rogério (PDT-RO). Ora, este deputado é da bancada evangélica. É a raposa cuidando do galinheiro. A apresentação do projeto e sua posterior retirada para que nada acontecesse, foi uma manobra vil. Bem ao gosto dos pastores e bispos de araque que amealham fortunas e delas não prestam contas.
                No texto do projeto original a isenção impositiva não era retirada das igrejas, pois isso dependeria de uma emenda constitucional, apenas previa que o não cumprimento dos preceitos previstos em lei acarretaria em tal perda. E olha que o que exige a constituição no artigo que trata de isenção fiscal para entidades sem fins lucrativos é o mais óbvio e simples: escrituração decente, distribuir parte do patrimônio ou renda, empregar os recursos no país.
                Como pode haver inconstitucionalidade em um projeto que visa apenas fazer com que se cumpra a lei maior? Como se pode falar de “proteção absoluta”? Não seria o mesmo que dizer que as igrejas podem não cumprir a constituição? Pois é isso que diz Marcos Rogério.
                O deputado também diz que vai reapresentar o projeto, mas as igrejas vão ficar de fora. Apenas partidos políticos, sindicatos e instituições educacionais e de assistência social serão alvo do que determina a Carta Magna.
                Não é a primeira vez que deputados tentam colocar as seitas e igrejas acima da constituição. O que acontece agora é apenas a explicitação do fato. Falar de proteção absoluta é um escárnio, uma afronta. Nem o mais leigo, o mais inocente, o mais idiota dos cidadãos deixa de ver que o argumento do deputado carece de qualquer fundamento.
                Não há proteção absoluta para ninguém descumprir a constituição. Simples assim. Mas o projeto de Fruet já era.



 

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Sul maravilha


                Sempre penso na pequena cidade onde moro como um microcosmo do Brasil. Claro, não temos a diversidade étnica nem a pluralidade religiosa que vemos nas grandes cidades do país. Ademais vivo em uma cidade onde não há um só mendigo, uma única criança que durma nas ruas nem tampouco famílias vivendo em áreas de risco. Bem, é o sul maravilha.
                Sem embargo, há similitudes com outros lugares do país. Por exemplo: o conservadorismo é o mesmo. A mesma sociedade conservadora e careta habita essas latitudes. Nas redes sociais pedem pela diminuição da maioridade penal, execram o sistema de cotas raciais nas universidades, clamam pela pena de morte e odeiam qualquer sintoma de mudança social. Criticam o governo não pelo o que ele faz de equivocado e sim pelo que acerta. É o velho ranço direitista e reacionário.
                Também, como em todo o Brasil, há um número enorme de igrejas neo-pentecostais, evangélicas tradicionais e, é claro, a igreja católica em luta frenética por corações, mentes e bolsos de fieis. O rebanho cresce e é manso.
                Pois bem, assim como em todo o Brasil, os membros dessa sociedade conservadora em quase tudo que pensa e diz, estão indignados e fazem manifestações.  Manifestam-se contra o precário transporte público que temos, contra a corrupção, contra o aumento do gabarito das construções, pela reforma política. E também como em todo o país nem um cartaz, nem uma voz de indignação contra a proposta de reforma do código penal, contra a expulsão de famílias para construção de estádios de futebol, contra a ação violenta da polícia nas reintegrações de posse autorizadas pela justiça ou o assassinato de indígenas e líderes camponeses.
                Como em todo o Brasil, o que vemos é uma sociedade partida, na qual o interesse de alguns assume papel de reivindicação de todos.


domingo, 4 de agosto de 2013

Riso de perplexidade


                Se não fosse o drama do desaparecimento de Amarildo, poderíamos estar rindo do que vem sendo noticiado nos telejornais. Claro, não seria um riso de alegria ou de galhofa, e sim o riso nervoso de quem se sente impotente diante dos atos infames que, a todo momento, são perpetrados contra o povo e sua indignação.
                O Comandante da Polícia Militar do Rio anulou todas as punições administrativas, inclusive as de prisão, que foram aplicadas a policiais de 2011 para cá. Alega o comandante que isso se deu pelo comportamento altamente profissional demonstrado pelos comandados durante a Copa das Confederações, a Jornada Mundial da Juventude e nos protestos e manifestações que vem ocorrendo na capital do estado. Ora, se o sujeito estava preso, em que teria ele contribuído para o tal “profissionalismo” Parece, e é, um escárnio. Além do mais, chamar de profissionalismo as cenas que assistimos na TV e na internet é um escárnio e uma clara manifestação de apoio à violência policial.
                Anular punições é também um recado para quem pensa que pode incriminar policiais. E não é só a Polícia Militar que trabalha pela impunidade de seus membros.
                O delegado que investiga o caso do desaparecimento de Amarildo já anda providenciando o que parece ser uma farsa. Mandou intimar um policial que teria dito (não se sabe pra quem) que um tio seu, que é motorista de um caminhão de lixo que serve a comunidade da Rocinha, fora obrigado por traficantes a levar um corpo para um depósito de lixo no Caju ou para Seropédica (as reportagens que dão conta do fato, divergem).
                A versão policial para o desaparecimento de Amarildo é que este havia saído a pé da UPP após prestar esclarecimentos. As câmaras de segurança que poderiam confirmar a versão do Comandante da Unidade de Polícia “Pacificadora”, estavam desligadas aquela noite.
                Como diria o gerente de banco:_Eh, veja bem... as câmaras não estavam fora de operação, não estavam quebradas, avariadas ou algo parecido. Estavam desligadas, assim como o GPS das viaturas da “pacificadora”.
                O Doutor Delegado talvez devesse partir dessa estranha coincidência para começar as investigações, mas ele prefere acreditar que Amarildo, após prestar os tais esclarecimentos, saíra andando, fora seqüestrado e morto por traficantes e depois desovado num lixão por um caminhão de coleta cujo motorista é tio de um policial e tem a boca nervosa.

                Você, minha amiga, menos leiga do que eu nessas coisas de investigar, pode estar pensando que exagero quando falo em farsa, afinal se arrumarem um corpo para ser dado como o de Amarildo e jogarem a culpa em traficantes, tudo seria facilmente desmascarado por um simples exame de DNA. Pode ser, pode ser. Mas não se esqueça que esse exame seria feito por legistas que trabalham para o estado. O mesmo estado que levou Amarildo e que anistiou policiais punidos desde 2011.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O crime da pobreza


                Acabo de ver no facebook a foto de um rapaz muito simpático trajando uma camiseta com os dizeres, "sou catador". Abaixo da foto, entre parênteses, uma citação provavelmente dele. Aí se lê: “A gente tem que romper com esse paradigma que reciclagem é coisa de gente pobre ... Reciclagem é coisa de gente inteligente”. Vê? Embora vista uma camiseta na qual se lê que ele é catador, o rapaz simpático não gosta que sua atividade seja vista como algo de pobres. Contrapondo pobreza e inteligência, ele escolhe o lado e tira do pobre a capacidade de atilamento.
                 Reciclagem é, sim, coisa de pobre. Nenhum remediado vai pôr-se a catar os restos dos outros por amor à natureza. Há que ser pobre para aceitar ganhar uma ninharia por toneladas de detritos. A classe média faz-se de consciente do problema ambiental e separa suas latinhas e garrafas, mas catar restos é com os pobres, com os necessitados, com os despossuídos.
                Mas se esse simpático rapaz expressa seu preconceito para com a pobreza mesmo sendo pobre, é o estado que desempenha papel fundamental na sua marginalização e criminalização.
                Os atos de reintegração de posse de áreas ocupadas, que deveriam ser vistas como de interesse social, são praticados com a violência habitual de nossas polícias quando de pobres e favelados se trata. Usam-se bombas de efeito moral e gás lacrimogênio para atacar mulheres, idosos e crianças. Destroem-se moradias que custaram o suor e o sacrifício das pessoas que, sem nenhum apoio do estado, as construíram. Trabalhadores são espancados e presos sem que isso provoque a indignação da classe média e dos meios de comunicação tal qual ocorre quando um manifestante ataca uma agência bancária ou uma loja de artigos de luxo.
                E agora tem as polícias pacificadoras que levam o terror aos morros e favelas do Rio. Na sua incapacidade de combater o que o estado quer que seja crime, o consumo e venda de drogas, esse mesmo estado instaura a ocupação armada de comunidades pobres. Proíbem-se os bailes funk, viola-se o direito de ir e vir dos moradores, principalmente dos jovens, e é como se nada houvesse acontecido. Balas perdidas ceifam vidas e os policiais, acobertados pela imprensa, mesmo antes de qualquer perícia, dão como certo que elas partiram das armas dos bandidos. Ato de resistência é o eufemismo usado para justificar os assassinatos de supostos traficantes.
                A OAB não se pronuncia, o Ministério Público nada faz, os meios de comunicação se mostram francamente favoráveis à ocupação armada. Os cientistas sociais que freqüentam os estúdios das emissoras de TV fazem apologia do estado policialesco. A repressão é vista como solução para o problema da violência que é, em última análise, gerada pelas leis proibicionistas.
                Nas últimas semanas, o desaparecimento do pedreiro Amarildo numa comunidade “pacificada” foi narrado nos noticiários de TV no mesmo tom neutro que os repórteres usam para falar de acidente de trânsito. Até o boletim do tempo tem merecido mais entusiasmo.
                O caso não é único. Não é o primeiro cidadão pobre que desaparece depois de ter sido abordado pela polícia. O que há de novidade é que a família de Amarildo não se intimidou em denunciar seu desaparecimento e as circunstâncias em que isso se deu. Mas a indignação, nossa imprensa guarda para os vidros quebrados e os carros de luxo pichados nas manifestações.