terça-feira, 23 de outubro de 2012

O livro dos recordes


                O mais novo inscrito no Livro Guinness de recordes é o austríaco que saltou de para quedas de uma altura enorme. Preparou-se 5 anos para executar o salto e bateu 2 ou 3 recordes. Até aí nada de mais, afinal, a estupidez humana não tem limites. O que merece menção é a atenção que os meios de comunicação dedicaram ao feito.
                Havia uma empresa de comunicações patrocinando o evento e, imagino, contratos publicitários e de direito de imagem com dezenas de páginas e milhares de cláusulas. A Globo News transmitiu ao vivo e com grande expectativa no estúdio, suas jornalistas numa excitação de entrega do Oscar, casamento da realeza inglesa ou outro acontecimento transcendental. Com a ingenuidade digna de um asno, cheguei a pensar que se tratasse de algum experimento científico. Não. Era apenas o velho ser humano movido pela idiotice.
                Eu sou um homem comum, e por uns instantes pensei em seguir a transmissão que poderia terminar com um purê de sangue e vísceras no deserto.  Fiquei curioso por saber qual seria a profundidade do buraco que faria um corpo despencando de tão grande altitude. Mas deixei pra lá. Afinal, saiu tudo bem para o “herói contemporâneo”. Nas TVs e jornais, houve opiniões de “especialistas” e de um brasileiro que ambiciona repetir e melhorar a façanha.
                Nunca entendi o fascínio que  provoca no ser humano assistir outros seres humanos fazendo coisas inúteis e tontas. O livro dos recordes é a prova cabal que esse fascínio vai além do que se possa imaginar.
                Assim é toda vez que alguém atinge o cume do Himalaia. Depois de descer com os pés congelados, o sujeito é alvo de toda espécie de reportagens e entrevistas. Conta das agruras pelas quais passou para realizar seu objetivo, fala dos filhos, do sonho de infância, de seu amor pelo Corínthians e o escambau. E olha que uma porção de gente já fez o mesmo. Claro que para entrar no livro dos recordes fazendo o que muita gente já fez, os novos “heróis” recorrem à especificidades que, supostamente, os distinguiria. Por isso, no livro Guinness está registrado o nome do 1° cearense que chegou ao cume do Everest subindo pelo lado norte, de tardinha e do escocês que atingiu aquelas alturas acompanhado pela sogra sem equipamento de respiração.  (Pra sogra, é claro)
                Quando alguém como eu, que não vê o menor sentido nesses feitos, tem a ousadia de perguntar pelo propósito daquilo, o detentor do recorde de saltos sobre uma perna só ou o escalador de geleiras em traje de banho, mira do alto o estúpido interlocutor e fala de auto-superação, do limite do ser humano ou de uma promessa feita ao pai moribundo.
                O fato incontestável é que estamos cheios desses “heróis contemporâneos”. Qualquer um que nade bem, corra rapidinho, ou pule mais longe, recebe logo adjetivos que antes estavam reservados àqueles que salvavam vidas, lideravam revoltas contra tiranos ou dedicavam seus dias expandindo o conhecimento humano.
                Mas parece que essa gente não sai bem na foto e precisamos, hoje em dia, de gaiatos que são apontados como exemplo de superação, de disciplina, de dedicação ao inútil.



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