quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Quem pode errar por último


                Para definir a democracia, o que não falta é frase feita. De Fernando Henrique Cardoso já ouvi que “a democracia é como o ar, só quando falta é que nos damos conta de sua necessidade”. Não sei se a frase é de sua lavra ou se ele a recolheu no Almanaque Capivarol.
                Jô Soares já disse, mais de uma vez, que “a pior democracia é melhor que a melhor das ditaduras”. No meu humilíssimo entender nada que seja “o pior” de algo pode ser bom. Pelo menos, nem FHC nem o Gordo ousaram dizer que a democracia é uma plantinha que precisa ser sempre regada. Mas há quem diga e emende com a história do colibri e da floresta em chamas.
                Anônimos e famosos, idiotas e pensadores, muitos foram os que já disseram algo sobre a democracia. Falar é fácil, aceitar a decisão das maiorias ou respeitar as posições das minorias, é outra coisa. Quando contrariados em suas pretensões, os detentores do poder, seja ele político ou econômico, atacam a democracia dizendo defendê-la. O discurso dos golpistas de 64 era esse. Esse é o discurso que, hoje, deputados mensaleiros e seus defensores fazem desde a tribuna da Câmara. Acha a comparação exagerada? Pode ser que seja, pode ser.
                 Nem só de votos nas urnas vive a democracia. Nessa forma de governo há de haver a separação de poderes, sua independência e harmonia. E os deveres e poderes de cada um devem ser claramente estabelecidos pela constituição, cabendo ao poder judiciário zelar por seu cumprimento. Como disse Rui Barbosa, a alguém deve caber o direito de errar por último. No caso brasileiro esse direito cabe ao poder judiciário em sua última instância, o Supremo Tribunal Federal. Ainda que erre, cabe ao Supremo a última palavra. Infelizmente, não é assim que vêem alguns integrantes do Poder Legislativo. Para esses senhores parlamentares, democracia é tudo aquilo que favorece seus interesses, suas teses, seu partido. Caso contrário, é ditadura, intromissão indevida, arbítrio.
                Após ser colhido, na última segunda-feira, o voto do Ministro Celso de Melo, o plenário da Suprema Corte decidiu cassar o mandato dos deputados que o tribunal condenou no processo do mensalão. A corte se dividiu entre duas teses, ambas amparadas na Constituição. Acontece que nossa Carta Magna possui artigos conflitantes sobre a questão enfrentada. Venceu por 5 votos a 4, a tese que dá ao Supremo o direito da cassação.
                Por aí deveria ter ficado a discussão não fosse o pronunciamento feito na véspera pelo destemperado Presidente da Câmara, Marco Maia. O deputado, num ato de bravata pueril, ameaçou não acatar o parecer do Supremo. Depois da decisão foram outros deputados que subiram à tribuna para atacar o STF. O Deputado Sibá Machado, mesmo atropelando o vernáculo, disse que a cassação fora sumária. Ora, não só o placar apertado da votação como o próprio embasamento jurídico da decisão, dizem outra coisa.
                Uma deputada da base aliada foi além e, mais uma vez, tentou desqualificar todo o processo. Disse Sua Excelência que não havia provas para as condenações. Claro que ela se referia a José Dirceu. O que queria a deputada? Um recibo assinado? Uma confissão expressa? Não é preciso ser jurista para saber que as provas de um processo são de variada ordem: materiais, testemunhais, documentais, periciais, etc. Para a formação de sua convicção, o julgador pode valer-se de simples indícios. No caso da Ação Penal 470, houve mais de uma confissão de recebimento de dinheiro ilegal. Vários condenados citaram José Dirceu como o homem da última palavra, o que batia o martelo na distribuição de propinas.
                A deputada do PC do B também asseverou que o Supremo havia descumprido a Constituição ao cassar o mandato dos deputados condenados pelos mais diversos crimes na Ação Penal 470 e citou o artigo de nossa lei maior que embasou os votos vencidos no julgamento. Esqueceu-se, Sua Excelência, de citar a tese vencedora. Custa-me crer que a deputada desconheça o que motivou o veredicto da corte. Creio que ela apenas nos vê como idiotas patológicos incapazes de formar uma convicção a partir do confronto de duas visões distintas.
                Mas na verdade, isso já deixou de ter importância. O veredicto do tribunal foi dado, cabe acatá-lo ou não estaremos vivendo uma democracia. O que vale para o cidadão comum deve valer também para Suas Excelências, os deputados. Decisão judicial não se discute, cumpre-se.


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