O ônibus ia lento pela Nª Sª de Copacabana naquele final de
tarde e num certo momento se deteve no meio do quarteirão. Havia uma banquinha
como as dos camelôs e uma moça belíssima parou junto a ela. Não era o negócio
de um camelô, era a banquinha do Amaral Neto e recolhia assinaturas de apoio
para o único projeto do deputado: a instauração da pena de morte no Brasil.
Essas banquinhas estavam espalhadas pelas ruas do Rio no final dos anos 70.
Amaral Neto elegeu-se várias vezes tendo como única bandeira
essa proposta. A pena de morte, segundo ele, era a cura para todos os males,
para todas as mazelas do país. Claro, ele nunca conseguiu sua aprovação, mas
acumulou mandatos na Câmara Federal graças ao projeto demagógico e conservador.
Naquela tarde de que falo, a moça belíssima parou para dar
seu apoio ao projeto da pena de morte. Tomou da caneta, acomodou o carrinho de
bebê que empurrava e firmou. A moça era uma típica carioca de Copacabana com sua
pele bronzeada, cabelos escorrendo pelos
ombros e uns óculos escuros que lhe davam ares de artista de cinema. Devia
andar pela casa dos vinte anos. Teria uns sete ou oito anos mais que eu que
acabara de entrar naquele tramo da vida.
A beleza da moça, o carrinho de bebê, (daqueles chiques com
amortecedores e rodas brancas) o bebê que eu não via desde meu assento no
ônibus Copacabana – Castelo, o fim de tarde maravilhoso da cidade maravilhosa,
nada combinava com Amaral Neto e com sua pena de morte. Principalmente a moça
com sua copacabanesca beleza. Aquilo não fazia sentido para mim.
No entanto, eu já era grandinho. O que eu esperava? Velhas
bruxas de verrugas no nariz apoiando a demagogia de Amaral Neto? Por que não a moça de óculos
de artista de cinema?
Não sei o que pensava naqueles dias, mas me dou conta que
ainda hoje espero que somente as velhas bruxas com verrugas no nariz sejam
reacionárias e más. As princesas eu as quero com todas as virtudes e vestindo
uma camiseta com o retrato do Che.
Mas basta uma entrada no facebook, basta ler uns comentários postados
nos sítios informativos e minha idealização de contos de fadas se esfuma.
Outro dia uma moça tão linda quanto a que vi firmando o abaixo-assinado de Amaral
Neto lá nos anos 70, postou nas redes sociais um cartum que mostrava meninos de
uma favela mortos e uma mãe chorando. Um balão saído da figura de um policial
com a arma ainda fumegante fazia troça da dor da mulher que chorava seu filho
morto. A menina achou tudo muito engraçado escreveu muitos ha has e acrescentou que quem defende bandidos merece
o mesmo fim. Até em um cartum ela encontrou a certeza de que se tratava de
bandidos e que mereceram ser mortos sem defesa ou julgamento.
Não resisti e entrei na página da moça no facebook. Lá
estavam muitas fotos de sua beleza juvenil, muitos cachorrinhos fofos, frases
do Paulo Coelho e mensagens cristãs adornadas por flores e paisagens bucólicas. Notei que nas fotos ela sempre mostrava seu
perfil esquerdo exceto numa. Era uma foto mais descontraída com várias outras moças, todas sorrindo com muitos dentes. E foi aí que eu vi. Pensei que fosse uma
sujeira na tela do computador. Não era. Busquei os óculos e tive a certeza de
que sobre sua narina direita crescia uma verruga. Ainda era um projeto de
verruga, mas lá estava.
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