quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Elke Maravilha





            Eu andava aí pelos meus 13, 14 anos e  havia me mudado de bairro. Não tinha ainda feito amigos. Além do mais, minha casa ficava numa movimentada avenida. Esse tipo de lugar pouco propício às turmas de esquina. Para completar estava de férias. Eu vivia uma solidão que combatia jogando botão sozinho, escutando rádio e me iniciando nas primeiras leituras. Também fazia longas caminhadas pelo novo bairro. Nos fins de semana, confesso, eu assistia o programa do Silvio Santos. Todo o programa. Da manhã à noite. Ainda o tenho na memória. Creio que não se difere muito do que é apresentado hoje, passados mais de quarenta e cinco anos
            O primeiro quadro do programa reunia os compradores do carnê do Baú da Felicidade que haviam sido sorteados para participar de um concurso de perguntas e respostas. Os prêmios eram ótimos e minha mãe, que pagava o tal carnê, me havia prometido que caso fosse sorteada mandaria a mim responder as perguntas do programa. Eu acertava todas desde meu sofá. Seria barbada. Eu ia ganhar a casa ou o carro. No mínimo o carro.
            Havia também no interminável programa uma parte musical. Aí não se apresentavam os grandes nomes da musica popular brasileira que vivia uma de suas épocas de ouro, apenas cantores que faziam sucesso popular. Lembro de Waldick Soriano, Dom e Ravel, Os Incríveis com seu "Eu te amo meu Brasil" e de uma cantora que cantava "nosso amor foi uma aposta" Havia, como em todos os programas de auditório daquela época, um juri que criticava ou elogiava as canções apresentadas. Num daqueles domingos,  um dos jurados criticou duramente a música apresentada por um cantor novato. Era uma  música romântica cafona que ameaçava fazer sucesso nas rádios Claro que esse era o jurado ranzinza. Em socorro do rapaz acudiu Elke Maravilha que era a jurada simpática. Disse Elke que a música era boa e não era dessas músicas de gente que faz demagogia. Não lembro como nem porque, mas eu sabia que ela estava se referindo a Chico Buarque que naquele ano lançara Construção.
         Chico era (e ainda é) meu ídolo musical e a música,com suas rimas feitas todas com proparoxítonas, me parecia (e ainda me parece) uma maravilha. Desde aquele dia, coloquei  Elke Maravilha no rol dos muitos artistas que bajulavam a ditadura, pois para mim, que entrava na adolescência naqueles tempos de clara dicotomia, quem criticasse Chico só podia ser a favor da ditadura. Nunca mais simpatizei com Elke.
            Ao contrário de Dom e Ravel e os Incríveis que ficaram umbilicalmente ligados aos tempos de censura e repressão e foram apagados da cena artística, Elke sobreviveu. Depois do programa do Silvio Santos ela foi para o do Chacrinha e ficou conhecida e querida por todos. Creio que só eu me lembro do triste episódio ocorrido no distante domingo de 71.
            Ontem soube de sua morte e confesso que fiquei triste. Não sei porque, mas fiquei triste.
         

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