quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Galvão Bueno e as coxas de Dona Telma





            Sempre me arrependo de ter abandonado a escola. Eu gostava da escola. Não lembro de ter faltado a um dia de aula sequer. Houve um tempo que eu ia até aos domingos pra escola, que ficava aberta para que os alunos tivessem um lugar de recreação e estreitassem laços de amizade. Muita gente ia. O pátio ficava cheio e era legal ver os colegas e, principalmente, as colegas em roupas civis.
            Durante os dias letivos (de segunda a sábado) havia a camaradagem, as peladas e as primeiras paqueras. E havia as professoras. Quase todos os mestres eram professoras. Quase todas mal entradas na casa dos trinta anos ou nem isso. Lembro de Dona Telma, professora de português que me apresentou Drummond e Rubem Braga. (Os dois autores tinham textos no nosso livro didático, mas acho que foi ela que me fez gostar deles. Não saberia explicar porquê.) De Dona Helena que ensinava desenho e era capaz de traçar um círculo perfeito à mão livre no quadro negro. De Dona Maria Helena, professora de história, que tinha alergia à giz e passava toda a aula coçando o nariz com a parte externa das unhas compridas. Era muito charmosa coçando o nariz. Teve também uma professora de matemática que só lecionou no primeiro ano do ginásio e de quem não consigo lembrar o nome. Ela era gaga e falava cantando para contornar o problema. Era a mais bonita. Pelo menos para nosso gosto adolescente. Hoje sei que a mais linda era Dona Telma, uma ruiva maravilhosa. Quando digo ruiva é ruiva mesmo e não uma mulher com o cabelo pintado de vermelho. Ela era todas sardas e nós, meninos de 12, 13, 14 anos, nos perguntávamos aonde iriam parar aquelas pintas cor de ferrugem. Estávamos no tempo das mini-saias.
            Mas fico lembrando das coxas de Dona Telma e quase me esqueço de quem queria falar. Foi de Dona Beatriz que me lembrei umas noites atrás. Ela ensinava ciências, era baiana e também tinha lindas coxas, embora suas mini-saias fossem menos reveladoras que as de Dona Telma. Era séria e simpática. Suas aulas eram ministradas no laboratório onde abríamos rãs, misturávamos produtos químicos e víamos no microscópio nossas células. Bico de Bunsen, pipeta, proveta, foram nomes que aprendi aí e nunca esqueci. Foi também com Dona Beatriz que  tivemos nossas primeiras aulas de educação sexual. Estou certo de que essas aulas estavam fora do currículo, que eram iniciativa da mestra. Aqueles anos eram anos de chumbo. A ditadura, que estava no auge do autoritarismo, da censura e da tortura, também tinha seu vezo moralista e duvido que o MEC autorizasse tais classes. Foi Dona Beatriz quem quis nos instruir nas questões sexuais.
            A essa adorável professora devo o conhecimento de meu primeiro ídolo científico: Arquimedes. Até então, Eureka era para mim apenas o nome de uma rede de lavanderias de Belo Horizonte. Com Dona Beatriz conheci um sábio que até hoje tenho por gênio. Depois, conheci outros que também passaram a figurar no panteão de minhas devoções. Vieram Tales de Mileto, Leonardo da Vinci, Einstein, Hawking  E nas artes, Bach, Mozart, Van Gogh, Dostoiévski, De Sica.
            Toda vez que vejo um documentário sobre Arquimedes ou leio algum artigo sobre novas descobertas científicas penso, com carinho, em Dona Beatriz e na sorte de ter sido aluno de tão boas e lindas professoras naquela escola do SESI, na cidade industrial de Contagem.
           Mas dessa vez quem me fez lembrar da mestra e de Arquimedes foi Galvão Bueno. Pois é, logo ele. O que se deu foi o seguinte: Estava acompanhando o jogo da seleção feminina de futebol e para meu espanto cortaram a transmissão para mostrar uma prova de natação na qual participava Michael Phelps. Para cúmulo a prova era narrada por Galvão Bueno. Quase tive um piti. Terminada a disputa, vencida pelo nadador americano, Galvão, em pouco mais de um minuto e meio, chamou Phelps de gênio pelo menos umas cinco vezes. Isso mesmo, para Galvão Bueno um cara que nada rapidinho pode ombrear-se com Arquimedes. Pode medir-se com Van Gogh. Pode comparar-se com Bach. Qualquer bacalhau, baiacu ou tainha faz melhor o que Phelps faz, mas para Galvão o sujeito é um gênio.
            Prefiro ficar com o meu panteão inaugurado nas aulas de Dona Beatriz. Nele não há lugar para bagres nem pacus e muito menos para um sujeito que dá voltas numa piscina.
            Pelo menos o chatíssimo narrador me fez lembrar dos dias felizes da escola, de Arquimedes, de Dona Beatriz e das coxas sardentas de Dona Telma. Que saudade. Que coxas!
         
         

         

Nenhum comentário:

Postar um comentário