domingo, 25 de setembro de 2016

Os ex-paneleiros e a cidade aberta.





            Já faz um tempo. Dois ou três anos. Eu escutava a Ivana Bentes falando num programa de TV. Não lembro qual era o tema da discussão, mas num determinado momento a professora citou um filme que é um dos meus favoritos: "Roma, cidade aberta" de Rosselini. Disse Ivana que quem assiste o filme tem a impressão de que havia naquele momento da história italiana um governo fascista e uma sociedade anti-fascista, nas que a impressão é equivocada e que o governo dos camisas pretas tivera e continuava a ter, mesmo naqueles dias finais do regime infame, grande apoio popular.
            Confesso que nunca havia pensado no filme sob esse ângulo. Toda vez que o recordo me vem à mente aquela última cena protagonizada por Anna Magnani em que a personagem corre desesperada pelo destino de seu amado. É cena para se assistir com a respiração presa, num só fôlego. Um dos momentos mais belos e tocantes do cinema italiano. O que disse  Ivana Bentes não turvou meu fascínio pelo filme, apenas me chamou a atenção para a questão da auto-imagem que têm as sociedades.
            Na produção de 1946, Rosselini queria que aquilo tivesse sido verdade. Queria que seus compatriotas tivessem agido daquela forma, execrando o regime que por mais de doze anos comandou a política de seu país, mas simplesmente não fora assim. O regime fascista foi apoiado pelo povo italiano até seus estertores. Claro que esse apoio diminuiu com o desenrolar da guerra e das agruras pelas quais a população teve de passar.
            Entre nós aconteceu o mesmo com relação à ditadura civil-militar começada em 64. Quem hoje assisti aos documentários sobre as multitudinárias manifestações pelas eleições diretas poderia supor que durante todo o tempo em que durou o regime de exceção a sociedade brasileira era crítica com relação aos governantes de fato e suas políticas. Na verdade o que viabilizou o movimento pelas dietas foi a crise econômica que o país vivia depois de alguns anos de "milagre brasileiro". A classe média já não usufruía das benesses da ditadura, a bolsa de valores deixou de produzir novos ricos e a repressão desenfreada  também matava jovens e profissionais vindos das classes mais abastadas. Criou-se um caldo de cultura que, jogando o povo nas ruas, possibilitou o fim do regime. Como não foi um movimento político organizado o fim do regime pode ser negociado mantendo em posição de destaque na cena pública figuras que sempre apoiaram qualquer regime e quaisquer métodos  que lhes garantisse os privilégios de classe. E aí estão até hoje. E não só no congresso, governos e prefeituras. Estão também nas ruas, nas varandas gourmet e salões da casa grande.
            Hoje, ex-paneleiros fazem coro de "Fora Temer" como se a presença do decorativo no comando da nação não fosse, em grande parte, por obra das panelas e passeatas verde-amarelas que esses neo democratas protagonizaram ao lado de Malafaia, Bolsonaro, Alexandre Frota e outros que tais. Não me comovem.



         
         

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