Dias atrás, amargando uma insônia, corri os canais de TV em
busca de alguma coisa que me fizesse dormir. Talvez um jogo da seleção
espanhola ou um encantador de cachorros
ou ainda um desses falsos documentários com atores ruins interpretando
personagens históricos. Busca daqui,
busca dali, acabei encontrando um programa sobre alienígenas do passado ou algo
assim. Pronto, pensei: isso é sonífero pra elefante.
Mal comecei a escutar a lenga-lenga de Erich Von Däniken,
entrou uma seção de comerciais e um baixinho hiperativo gritava, berrava, tinha
ataques e convulsões tentando convencer os insones a comprar uma máquina que
esguicha água. Corri a mão tentando buscar o controle remoto que me livraria
dos gritinhos do baixinho hiperativo. Depois de alguns segundos de aflição,
consegui mudar de canal.
Julguei-me com sorte, pois se necessitava um anestésico, um
barbitúrico, ali estava um. Era um programa sobre arquitetura ecológica ou algo
do gênero. Eu já havia visto outro
episódio da série e me lembrava da casa, que para economizar energia em sua
iluminação, girava para ficar sempre voltada para o sol. Imagino a quantidade
de energia despendida para fazer girar a imensa construção. Seu criador parecia
não ser muito bom de aritmética e estava satisfeitíssimo com sua monstruosa
engenhoca.
Nessa noite de insônia, outro gênio mostrava sua obra. Segundo o arquiteto, a casa fora desenhada
para integrar-se à natureza e bla bla bla. Tudo fora concebido para economizar
energia com iluminação e refrigeração e bla bla bla. Ao fim da exposição, seu idealizador se disse realizado. A
casa era sua contribuição para a humanidade, para a salvação do planeta, para
um mundo melhor, para o futuro de seu neto e do meu. Bem, ele não disse com
essas palavras, mas foi o que quis dizer. A imodéstia do sujeito, sua
pretensão, eram maiores que a casa. Sua visão de mundo, que compreendia apenas
alguns centímetros ao redor do umbigo, se perdia na imensidão do terreno, de
grama aparada, sem nada que lembrasse a tal natureza. Imediatamente pensei em
Niemeyer.
Quando estava perto de completar 100 anos de vida, o
arquiteto concedeu uma entrevista na qual afirmava que “arquitetura não tem a
menor importância, que importante era mudar o mundo”. Naquela fase da vida, da
fama, do reconhecimento público, Niemeyer já estava muito além da falsa
modéstia. Sua frase correspondia às suas convicções de velho comunista.
Num outro momento de extremo comedimento, o poeta do cimento
armado, se auto definiu como “um homem comum que se divertiu e trabalhou, riu e
chorou, nada de especial”.
Niemeyer não lia nem gostava de conversar sobre arquitetura,
segundo suas próprias palavras, papo de especialistas era muito chato. Quando
foi para o cerrado plantar seus prédios e monumentos, suas igrejas e palácios,
levou em sua equipe não só arquitetos, levou gente. Gente era a matéria de sua
obra, mais que o cimento e o ferro.
Ao morrer, Niemeyer deixa além de sua obra, grandiosa e
originalíssima, a inspiradora visão de quem queria mudar o mundo. Ao lado do
povo.
Sou teu leitor incondicional, principalmente pelo fato da minha geração ter sido a que mais produziu e leu cronicas do cotidiano, iguais a que escreves.
ResponderExcluirMeus parabéns evamos esperar a próxima cronica escrita pelo camarada Manuel.
Manuel e eu, somos gratos pelas palavras e pela leitura. Um abraço.
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