A sede da prefeitura do Rio fica no Mangue, onde antigamente
era a zona. Por isso o grande edifício que abriga secretarias e demais órgãos
da administração municipal, ganhou o apelido de “Piranhão”. Por um motivo ou
outro, eu tive de ir algumas vezes ao Piranhão.
Entrava-se e sai-se do edifício mais facilmente que da zona.
Lembro-me bem que quando comecei a freqüentar puteiros, a coisa era mais
difícil. Todo moleque daquele tempo tinha uma carteirinha de estudante,
porcamente falsificada, para ter acesso às sessões de cinema impróprias para
menores, e à zona. As cafetinas eram mais rigorosas que os porteiros dos
pulgueiros e só em dias de semana, com pouco movimento, é que faziam vista
grossa e franqueavam nossa entrada. Eu não era um freqüentador assíduo, ia às
vezes, depois do namoro na varanda. Os amassos, os hormônios,
você sabe.
Mas como ia dizendo, era mais fácil entrar no Piranhão que
na zona. Um dia, o prefeito (creio que foi o Marcelo Alencar) resolveu acabar
com a zona no Piranhão e mandou instalar catracas eletrônicas no prédio. A
medida não visava impedir a entrada do público e sim a saída dos funcionários,
que deixavam o paletó na cadeira e iam cuidar de outros assuntos mais
importantes que a administração da segunda maior cidade do Brasil.
Tão logo foi anunciada a postura moralizadora, houve uma
grita geral. Os funcionários se revoltaram, fizeram manifestações e o escambau.
Lembro-me de uma entrevista em que um líder sindical, tentando esgrimir
argumentos contra uma insistente repórter, disse que as catracas dificultariam
a evasão do prédio em caso de incêndio. Na falta do que dizer, o sujeito
saiu-se com essa. O fato é que o Sindicato dos Funcionários Públicos estava
defendendo o direito de ganhar sem trabalhar, para seus filiados. Nada mais que
isso.
Hoje, a farsa do funcionalismo se repete. Veja se não é
similar.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (quem diria)
resolveu extinguir parte, somente uma parte, do serviço médico dessa casa
legislativa, mas precisamente, o atendimento ambulatorial. Seus funcionários já contam com plano de saúde bancado pelo Senado, e o serviço, além de dispendioso, era um
contrassenso. Os médicos que atendem os senhores funcionários serão transferidos
para unidades do SUS de Brasília.
Assim como no caso do 14º e 15º salários dos parlamentares, reduziu-se a gastança, mas não extinguiu-se totalmente a absurda regalia. O serviço médico
do Senado continuará existindo, embora diminuído. Dos seus 146 funcionários, 54 seguirão trabalhando aí.
Sem embargo, houve grande revolta por parte dos servidores
da casa, inclusive médicos e outros profissionais da saúde. Na falta do que
fazer, fizeram um protesto silencioso que teve início com um abraço simbólico
em torno do prédio onde funciona o tal serviço médico, todos de mãos dadas como
manda o figurino da palhaçada em que se transformaram os protestos de uns
tempos para cá. Só faltou uma “instalação” do Siron Franco. Depois os
servidores caminharam pelos corredores da casa usando um adesivo com os dizeres: “Reformar com respeito e dignidade”. A frase é totalmente vazia, não diz nada
porque não há o que justifique o protesto. É apenas o fim de uma das muitas
regalias que gozam nossos funcionários federais.
Claro que os médicos lotados aí, não querem nem saber de
atender nos hospitais superlotados do SUS. Preferem brincar de médico nas
cômodas instalações senatoriais. Caso a transferência seja efetivada, o que
duvido, podemos estar certos que haverá ações na justiça contra a
obrigatoriedade de trabalhar para receber.
De um funcionário que utiliza os serviços médicos gratuitos
da casa, ouvi uma comovente declaração. Dizia o pobre homem que o médico que o
atende, só o faz de forma particular fora do Senado. O coitado vai ter de
trocar de médico. Um drama.
Quanto à Renan, pode ter certeza, vai tomar cafezinho
cuspido.
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