Eu era adolescente e havia acordado com uma tremenda ressaca
de cachaça barata e otras cositas más. E o pior: não acordei por modo próprio senão
pelo vozerio que vinha da sala, separada de meu quarto apenas por uma porta de
vidro que ficara entreaberta.
Meti a cara para fora para ver quem minha mãe
estava recebendo naquele domingo de manhã. E lá estavam sentados, muito tesos
no sofá, dois caras falando com forte sotaque gringo. Eram mórmons e estavam
trajados com seus uniformes de mórmons: camisas brancas de mangas curtas e
gravata. Sobre os joelhos tinham pastas das quais sacavam papéis, folhetos, livros,
bíblias e o escambau.
Minha mãe, faladeira que só ela, dava trela aos santos dos
últimos dias. Aquilo durou um bom tempo.
O fato de ser incomodado por falastrões religiosos, que hoje vemos como banal e corriqueiro, não o era
naqueles tempos. Só um chato profissional perturbaria uma família numa manhã de domingo. E aqueles caras eram.Talvez
por serem gringos, os mórmons que encontrei na sala desconhecessem as normas da nossa
sociabilidade ou, quem sabe, se deixavam levar pela urgência de converter
almas. Os religiosos militantes são assim. No seu afã de arrebanhar seguidores,
desrespeitam qualquer convenção, qualquer conveniência. Crêem que sua pregação
é mais importante que o descanso e a ressaca alheios.
Só muitos anos depois é que tive contato novamente com um
cara que, à sua maneira, estava envolvido com os mórmons. Das outras seitas
oriundas do protestantismo eu mal ouvira falar até o final do século passado. Assim
como quase todo mundo, eu os designava por crentes. O nome genérico e usual, mostra
como eram desconhecidos os pentecostais e neo pentecostais que já andavam
fazendo seu proselitismo por aqui há muito tempo.
Hoje, essas seitas são enormes em templos, seguidores e,
principalmente, em grana. Se antes associávamos seus membros às camadas mais
pobres e menos instruídas da população, nas últimas décadas isso vem mudando. Atraída pela teologia da prosperidade, a classe média tem
sido cooptada para alimentar as polpudas contas bancárias dos pastores e bispos
de araque. Mas ainda é o povo pobre, camada mais numerosa da população, a
vítima preferencial da extorsão dos dízimos, ofertas e sacrifícios.
O número de templos das seitas pentecostais e neo
pentecostais multiplica-se com uma velocidade estonteante e encontramos evangelizadores,
obreiros e missionários até na sopa.
Nas TVs, onde tinham entrada nas madrugadas e nas primeiras
horas da manhã, ocupam agora o horário nobre de várias emissoras. Estão em
todas as esquinas, nos trens, ônibus, presídios e num espaço onde sua presença
deveria, em nome do bom senso e da ética, ser vedada: a escola pública.
Ainda assim fazem-se de mártires da fé. O cristianismo,
religião fundada no martírio, faz disso galardão. Queixam-se os pentecostais
de serem perseguidos. Falam em liberdade de expressão enquanto querem calar
minorias chamando-as de abominação. Falam de liberdade religiosa enquanto agridem
de forma brutal (até fisicamente) as religiões de matriz africana que rotulam
de culto demoníaco.
Ocupam mais de oitenta cadeiras no Congresso de onde procuram
legislar em causa própria e contra qualquer avanço da sociedade, E queixam-se
de perseguição. Qualquer um que levante a voz para criticar suas posturas
medievais é chamado de intolerante. Para todo questionamento seu argumento é o
livro mágico, não importando que para muitos o que ali vai escrito não passe de
um amontoado de superstições e histórias inverossímeis.
Parece que nada pode detê-los em sua busca pelo poder
financeiro e político.
Comecei falando de remotos tempos por ter sido tocado por
uma certa nostalgia de uma época em que a maioria das pessoas se dizia católica
não praticante e ninguém discutia religião.
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