quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Patrão, o trem atrasou


O samba, gravado em 1940 por Roberto Paiva dizia: “Patrão, o trem atrasou / por isso estou chegando agora / trago aqui um memorando da central / o trem atrasou meia hora / o senhor não tem razão para me mandar embora”.
Como sabemos, muita coisa mudou nesses 73 anos que separam a gravação do samba carnavalesco de protesto e os dias interessantes que vivemos.  Menos a precariedade do transporte ferroviário que serve aos subúrbios do Rio, mas a Central, ou melhor, sua sucessora privada na administração do serviço, não mais emite memorandos. Não dá satisfações.
Não precisa. Quando acontece algum problema, os exploradores privados do sistema de trens ou metrôs, contam com o auxílio luxuoso da imprensa para esconder o óbvio. Para escamotear os fatos. Um acidente que deixa feridos e pessoas sem transporte para chegar ao trabalho, merece umas poucas linhas nos jornais, uma ou outra palavra nos noticiários de TV. No dia seguinte é página virada. Nada é dito sobre causas e coincidências. Não são mostrados quadros comparativos como em casos semelhantes quando o operador é o governo. O caso dos portos é um bom exemplo.
A cada safra que é colhida e encontra enorme dificuldade para ser embarcada nos navios que a levará para longe de nossas bocas, as reportagens que assistimos na TV sobre o tema, mostram as vantagens econômicas que têm outros países cuja operação portuária é de iniciativa privada. Comparam-se tonelagens, custos, horas, o escambau.
Quando se trata do transporte urbano de passageiros, não se faz tal comparação.  Em vários casos quem cuida de explorar esse rico filão aqui no Brasil também o faz em outros países, mas com enorme diferença de qualidade (para melhor) e preço (para menor).
Eu não sou do tempo do samba que cito, mas cheguei a usar os trens da Central quando vivia no Méier, em Todos os Santos, lá pelos anos 70. A passagem, obviamente subsidiada, era uma fração do que era cobrado nos ônibus ou no metrô, daí a campanha pela privatização que iniciou-se ainda no governo Sarney. Subsidiar o transporte dos trabalhadores não estava na cartilha do neoliberalismo que chegava à América Latina.
A campanha surtiu efeito e as privatizações começaram no governo Collor, deslancharam com FHC e não mereceram reparos nos governos do PT.
A rede ferroviária foi entregue a preço de banana em fim de feira para empresas que prometiam, junto com a majoração das tarifas, um transporte moderno e de qualidade. Mas aí é que está: manutenção de trens é cara, o investimento em composições é alto e uma empresa privada visa o lucro. Para gerar cada vez mais dividendos, sucateia-se o serviço e onera-se a tarifa.. Usa-se da teoria Sérgio Naya. “A gente bota de segunda e fica parecendo de primeira”, como já dizia o profeta da coisa porca.
Hoje, os trens não apenas atrasam: descarrilam, sofrem panes, chocam-se. Passageiros ficam sufocados nos vagões superlotados ou caminham pelos trilhos. O mesmo se passa com o metrô, também privatizado, tanto no Rio como em São Paulo. Quando os usuários se revoltam e promovem uma quebradeira, a imprensa, defensora da propriedade privatizada, os trata por vândalos, baderneiros.
Na Argentina, onde também usei o transporte ferroviário urbano por mais de um ano, passa-se o mesmo. Quando lá vivia presenciei a campanha que se movia pela privatização dos trens suburbanos. A imprensa fazia grande alarde. Dizia-se que o transporte ferroviário causava prejuízo de um milhão de dólares aos cofres públicos diariamente, mas durante os dois anos que vivi em Buenos Aires não houve nenhum acidente de trens nem de metrô.
Depois das privatizações promovidas pelo governo Menem, os acidentes se repetem com uma constância assustadora. Numa única estação (Once), ocorreram dois acidentes com vítimas fatais. Houve vários outros e muitos foram os que perderam a vida. Morreram em nome do lucro máximo, do investimento mínimo em manutenção e pessoal. Morreram porque uma empresa privada visa o lucro e não a prestação do melhor serviço, principalmente empresas sem concorrência ou cujos concorrentes operam sob a mesma ótica.
Sim, a questão é assim de simples: a privatização e sua lógica do lucro, é responsável pelas sucessivas quebras, pelas paralisações nos serviços, pelos constantes atrasos, pelas mortes e mutilações ocorridas nos trens.

Transporte público de massa não deve ser gerido pela iniciativa privada, não combina, não orna. 

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