A estória é velha, mas como eu também sou posso contá-la. É
sobre um documentário. Acho que foi o primeiro documentário realizado. Bem, não
tenho certeza se foi o primeiro mesmo, mas digamos que é um documentário antigo
pra burro. Retratava a vida dos Inuit ou esquimós, como costumávamos dizer. Mostrava
um caçador e sua família.
Mesmo tendo sido filmado naquelas lonjuras e contado com o
relato de alguém desconhecido, logo se soube que o caçador não tinha o sonoro
nome com que era apresentado. Tampouco o homem caçava com lanças como mostrou o
filme e sim com uma arma de fogo. Sequer o iglu era o seu, tampouco a mulher e
o resto da família.
Questionado sobre a tremenda manipulação, o realizador do
filme argumentou que era papel do documentarista alterar a realidade para
melhor mostrá-la. Não sei se os contemporâneos do cineasta picareta aceitaram
tão descarado caô, mas o caso é que o homem fez escola.
Há poucos anos, o candidato derrotado nas eleições
americanas, Al Gore, lançou uma fita catastrofista sobre o aquecimento global.
Segundo li, os números apresentados no documentário de Gore não eram subscritos
por nenhum cientista sério, nenhum pesquisador idôneo, nenhuma fonte crível.
Ainda assim fez grande sucesso.
Mas esses exemplos são uma pálida amostra do que vem sendo
produzido por documentaristas nos dias de hoje.
Não faz muito tempo, eu assistia o canal National Geografic
ou o Discovery, sei lá, e me deparei com uma série intitulada “Os segredos do
Reich”. O documentário falava sobre o vôo secreto que Rudolph Hess realizou
desde a Alemanha até a Inglaterra para se encontrar com membros da realeza
britânica simpatizantes do nazismo. O fato é conhecido. O Duque de Windsor
seria o hospedeiro de Hess na ilha.
O filme, que traz uma série de informações totalmente
irrelevantes sobre os aspectos técnicos do vôo, esforça-se para negar que o
duque e outros membros da realeza tivessem qualquer coisa com Hess ou que fossem
simpatizantes do nazismo, e que Hess fizera uma aventura tresloucada e sem
sentido. Ora, Hess era o segundo homem do reich e mesmo que tenha se aventurado
sem o conhecimento do Fuhrer, não o fez sem alguma certeza. Deu azar, foi pego
por uns camponeses tão logo pousou. Passou a guerra e o resto de sua vida numa
prisão inglesa e não sei se alguém tentou entrevistá-lo para saber de sua
versão dos fatos e... produzir um filme documental.
Não é o único documentário exibido nos canais “culturais”
americanos que torcem os fatos para melhor acomodá-los aos interesses de hoje.
Antes, esse papel de distorcer e manipular era desempenhado
pela ficção de Hollywood. (Há muitos americanos que acreditam que os EE.UU venceram
a guerra do Vietnam graças as peripécias de Rambo mostradas nas telas). Agora são os documentaristas a soldo que nos
querem levar ao erro, ao equívoco.
Na TV francesa, já faz uns anos, vi um desses documentários
equívocos. Tratava o filme de não sei que tema, mas dizia que talvez, pode ser,
quem sabe, a sífilis não fora levada para a Europa por navegantes que aportaram
no novo mundo.
Não é preciso ser historiador nem antropólogo para se chegar
a essa conclusão. Caso fosse uma doença originária daqui, ao chegarem os
europeus teriam encontrado um número enorme de enfermos com os sinais da doença
e de certo haveria relatos sobre chagas nos genitais, manchas, ínguas e outras
manifestações facilmente verificáveis em quem anda nu. Ao contrário disso, Pero
Vaz de Caminha contou assim das bucetinhas das índias: “Ali andavam entre eles
três ou quatro moças, muito novas e muito gentis, com cabelos muito pretos e
compridos, caídos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas e tão saradinhas e
tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos não tínhamos vergonha nenhuma”.
E disse mais o arguto missivista: “E uma
daquelas moças era toda tingida debaixo* a cima*, daquela tintura: e certamente
era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha _ que ela não tinha_ tão
graciosa, que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhes tais feições,
provocaria vergonha, por não terem as suas como as dela”.
Caminha, como se nota por seu relato, olhou com atenção, com
muita atenção, e nada viu que provocasse estranheza, asco ou repulsa. Só viu a
beleza das bucetinhas.
A carta de Caminha, sim, é documento.
*Essa grafia é do Caminha, não minha.
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