Numa entrevista que assisti há alguns anos, Ziraldo contava a
história de um empregado de seu tio. Dizia o autor do Menino Maluquinho que o
tal empregado vivia doente, numa inaptidão pro trabalho de dar nojo. Molenga e
sorumbático. Um dia o homem foi ao dentista e extraiu o resto de dentição que
ainda tinha. O protético meteu-lhe na boca uma dentadura. Milagre! O sujeito se
tornou um trabalhador de primeira. Prestimoso e incansável. Eram os focos
dentários que lhe tiravam o ânimo e a força.
Ziraldo contava a história familiar para se contrapor à
fluoretação da água. Dizia ele que aquilo era bobagem e preconizava a
extirpação dentária. Claro, não para seus filhos, netos ou bisnetos, não para
os de sua classe social, mas para os pobres que padecem com as afecções bucais.
Confesso que me chocou a falta de sensibilidade do cartunista genial, mas quem
nasce e vive na classe social em que nasci e vivo já se acostumou a ouvir de
pessoas que admira comentários desse naipe. Deixei pra lá.
Agora Ziraldo falou dos homossexuais. Falou as mesmas
bobagens que os Bolsonaros, Malafaias e Felicianos falam. Criticou Fernanda
Montenegro pela interpretação de uma personagem homossexual. Ouvir ou ler isso
de alguém ligado à arte foi o mais chocante. De resto, nada me surpreendeu. Fui
leitor do Pasquim desde meados dos 70 e bem me lembro de tirinhas que faziam
piadas grosseiras com homossexuais e feministas
Muitos daqueles cartunistas e escritores do Pasquim se fossem
questionados hoje sobre o tema da homossexualidade diriam coisas semelhantes àquelas que
disse Ziraldo. Tenho certeza disso. Não imagino, por exemplo, o Jaguar com
opinião diferente. O fato de terem sido importantes na luta contra a ditadura e
serem artistas não faz deles, necessariamente, pessoas progressistas no tocante ao comportamento
ou à sexualidade.
Repito que não me surpreendeu o que disse Ziraldo assim como
não me surpreendo com o que diz Caetano quando lhe pedem que faça comentários
sobre a política nacional. É como diz o grande compositor baiano: “De perto
ninguém é normal.”
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