Alguns anos atrás, minha mulher e
eu tínhamos o costume de levantarmos juntos da cama. Nosso filho já estava
crescido e ainda não havia nascido nosso neto. Foi num dia desses que enquanto
esperava minha mulher despertar, liguei a televisão. Com a cabeça ainda dividida
entre a noite anterior, o sono e o que me esperava pela manhã, eu olhava a tela
e não entendia o que se passava. Havia umas pessoas falando baixo e fazendo
coisas que não eram comuns de se ver na telinha: uns andavam de um lado para o
outro, alguém parecia estar preparando o café da manhã, uma moça escovava os
dentes com grande apuro. De repente surge um cara que a semi-consciência em que
me achava pôs logo legenda:_bombadão. O sujeito ostentava enormes bíceps, tórax
saliente e pescoço taurino. Seu olhar bovino arrematava uma expressão boçal.
Seria mais um Tarzan filho do anabolizante não fosse o fato de estar chorando.
Chorava, não aquele chororô de
vem das tristezas do amor, nem o choro mudo da emoção que nos toma quando
estamos diante da grande beleza, tampouco o choro espalhafatoso da alegria. O
homem chorava como um bebê, ou melhor, como uma criança pequena pois enquanto
rios de lágrimas corriam por seu rosto de gladiador, ele dizia aos berros:_Eu
quero minha boneca, eu quero minha boneca. Entre uma fungada e outra, fazia um
discurso desconexo e citava, o que parecia ser, o nome da boneca.
A cena me trouxe à realidade e
me dei conta que aquilo não era uma peça de teatro experimental, nem um circuito fechado que invadira meu aparelho. Era o tal programa que as pessoas andavam comentando
naquele começo de verão. Era o Big Brother e embora fosse grande minha
curiosidade, não suportei mais e mudei de canal. Ver aquilo de manhã, com o
estômago vazio, era para os fortes e destemidos.
Meses depois soube que aquele
Hércules de filme da Atlântida, havia ganhado a competição e embolsara uma nota
preta. Seu rosto de bebê chorão aparecia em todas as revistas que me olhavam na
fila do caixa do supermercado e ainda o vi uma vez mais na televisão, fazendo
propaganda do Guaraná Dolly.
Depois da experiência
traumática, nunca mais vi o programa e as notícias sobre o sucesso de audiência
que tem, me deixam desconcertado. Como pode? Pergunto aos meus botões e à minha
mulher. Todos dão de ombros.
Pessoalmente não conheço ninguém
que goste do programa ou pelo menos que o declare. Nas redes sociais há mesmo
campanhas pelo seu fim. E é isso que não entendo. Se eu não gosto, eu não
assisto e sua existência me é totalmente indiferente mas tem gente que odiando
o triste espetáculo, sabe o nome dos concorrentes, o horário de exibição na tv
por assinatura e mesmo as tolas regras da competição. Caso fosse retirado do ar
o estranho circo, a Globo não o substituiria por peças do teatro clássico
estreladas por Fernanda Montenegro nem filmes do cinema novo. Acostumada com a
farta audiência que consegue por baixo custo de produção, a emissora, de certo,
nos brindaria com outra porcaria qualquer, possivelmente copiada da programação
da tv americana.
Parece existir um sentimento de
negação nas pessoas que se recusam a admitir que a televisão é um lixo. Sempre
foi ruim mas de uns vinte anos para cá conseguiu piorar muito.
Outro dia vi no facebook uma
postagem na qual uma foto de Carlinhos Cachoeira dividia espaço com a de
uma moça muito bonita e que tinha o crânio nu. Embaixo uma legenda: “Sabemos
que um país está na merda quando o corte de cabelo de uma panicat tem mais
repercussão que o maior escândalo de corrupção”. Ora, até dois meses atrás eu
nem sabia o que era uma panicat. Alguma vez sintonizei o programa “Pânico na
TV” mas me pareceu tão grotesco que não pude assistir mais que uns
minutos. Agora sei que mudou para a Bandeirantes e dividirá espaço com o CQC, outra aberração que tenta ser programa humorístico e que é comandado por Marcelo Tass
Quem terá dito ao Marcelo Tass
que ele possui alguma espécie de senso de humor? E aos outros que o acompanham?
Mães, certamente, mães irresponsáveis. Fiz duas tentativas de achar graça naquilo.
Numa delas cheguei a suportar por quase dois minutos inteiros a voz e o sotaque
do careca acompanhados das imbecilidades de seus dois acólitos. Foi muito e
agora até a chamada veiculada durante o futebol, me faz mal. Mas tem pior.
A mesma emissora, que nos anos
finais da ditadura tanto contribuiu para a redemocratização do país com um noticiário
sério e inteligente, debates políticos, alem de programas musicais com os maiores nomes de nossa
música popular, agora tem na sua grade de programação o indescritível “Agora é
tarde” que, tendo por apresentador um gaiato caipira, faz uma cópia do programa do Jô Soares.
Quando o Jô estreou na tv do
Sílvio Santos seu programa de entrevistas no final dos 80, não havia tvs por
assinatura e só quem viajasse aos Estados Unidos e lá se lembrasse de ligar a
televisão, saberia da cara de pau de seus produtores que imitaram em tudo o
programa do David Letterman. Dos músicos à caneca, passando por um careca para
contracenar com o apresentador, tudo é uma cópia descarada. Mas agora a
Bandeirantes passou dos limites e fez sua própria cópia grosseira de algo que
já assistimos há mais de vinte anos aqui mesmo no Brasil. Mas ao contrário do
americano e do gordo, o apresentador da cópia da Bandeirantes é de uma total
falta de graça. Já cheguei a me sentir constrangido quando minha mulher, que me
julga um homem sério que assiste o futebol aos gritos e palavrões, apareceu no
intervalo do jogo e na telinha estavam fazendo a chamada do programa. Creio ter
visto em seu olhar algo de reprovação para os trejeitos do gaiato e de
incredulidade para mim.
Mesmo com esses pequenos
dissabores e os pesadelos que ainda tenho, vez por outra, com o musculoso
chorão, não posso, realmente, reclamar da televisão aberta comercial pois não a
assisto. Só vejo o futebol e se o jogo passa na Globo, eu tiro o som. Se é na
Bandeirantes eu escuto pois creio estar sendo testemunha de algo histórico. Se
viver mais uns dez ou quinze anos, poderei contar para meu neto que ouvia a
equipe de transmissão esportiva mais idiota de todos os tempos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário