quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Levy, elogios e terceirização

  

Martinha Suplichic  teve um chilique e saiu atirando. Disse que ou o PT muda ou acaba. Quem só leu a manchete ou a chamada da entrevista da senadora deve ter pensado que a Diva dos Jardins estava falando de uma volta às origens ou algo parecido. Só que não. Na mesma entrevista Martinha teceu elogios à nova equipe econômica que anda fazendo tudo o que o PT combatia nos seus dias de oposição. Martinha qualificou a equipe de “experiente e qualificada”.
Mas não foi só Martinha que elogiou a equipe econômica de Dilma. O ex-presidente do Banco Central durante o reinado de FHC, Armínio Fraga, disse que seu ex-aluno Joaquim  Levy  “é uma ilha de competência num mar de mediocridade, com honrosas exceções”. Aloisyo Nunes Ferreira, o tucano barra pesada, também elogiou Levy.
O silêncio da AV. Paulista com relação ao novo comandante da economia, também pode ser ouvido como um elogio.  O fim das desonerações do setor automobilístico, por exemplo, serão fartamente compensadas com o arrocho salarial e uma possível aprovação de projeto de lei que tramita no congresso e versa sobre terceirização.
O projeto, segundo li, é de cunho nitidamente neo-liberal. Limita ao extremo a atividade fim de uma empresa fazendo com que grande parte do pessoal possa ser terceirizada. Uma fábrica de sapatos, por exemplo, poderia considerar que o funcionário que empacota seu produto não está ligado à atividade fim que é confeccionar sapatos, portanto poderia ser terceirizado.
A terceirização é uma ferramenta de barateamento de mão de obra, mas geradora de lucro para as empresas terceirizadoras. Ou seja: só o trabalhador sai perdendo. Seu trabalho passa a gerar lucro para duas empresas. Nessa hora ninguém se lembra da frase erroneamente atribuída a Milton Friedman e que é a delícia dos liberais: “Não existe tal coisa como almoço grátis”. Se existe lucro para dois, o terceiro (terceirizado) vai pagar o almoço.
O projeto de lei, claro, recebeu elogios de Levy o que pode ser sinal de que o governo porá sua tropa de choque a serviço de sua aprovação
Os elogios de Levy pararam por aí, afinal não fica bem para um ministro austero sair elogiando qualquer coisa que não tenha sido parida por sua competência. O que fez o ministro foi dizer que o seguro desemprego é um benefício superado. Ora, com os níveis de desemprego que temos os segurados por esse programa são poucos ou, pelo menos, em número bem menor do que no tempo em que foi implantado e nem deveriam ocupar o competente pensamento de Levy. Economizar por essa via é como cortar o cafezinho dos funcionários da Petrobrás.
O governo (ou o ministro) também mira outros benefícios e está impondo novas normas para sua concessão.  Se você se lembrou do Berzoini, que ocupava a pasta da Previdência no primeiro governo Lula e que mandou pessoas com mais de 80 anos para a fila de recadastramento, lembrou bem.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Vândalos incendiários



Foi na primeira manifestação do ano contra o abusivo aumento das passagens de ônibus. A Globonews transmitia ao vivo e enquanto seus jornalistas falavam em vândalos e baderneiros, uma imagem era mostrada. Parecia que estava sendo colhida do alto de um edifício. Via-se que na interseção de duas vias ardia uma fogueirinha.
Desatento aos clichês da narração me lembrei da versão de Gil para o clássico de Bob Marley “No woman no cry” quando o baiano fala “ observando estrelas junto à fogueirinha de papel”. Era isso que se via: uma fogueirinha de papel no meio da rua. Mas em volta da minúscula fogueira juntou gente, ou melhor, juntaram-se fotógrafos e cinegrafistas. Um deles ajoelhava-se para melhor filmar a fogueira, outros davam voltas em torno do minguado foguinho como se buscassem o melhor perfil. Era o making off da farsa que os farsantes mostravam despercebidamente. A fogueirinha devia estar se achando; mais fotografada que rainha de bateria.
 O engraçado é que a imagem dos cinegrafistas e fotógrafos rodeando a fogueirinha como se estivessem diante da erupção do Vesúvio combinava com a narrativa dos jornalistas que tratavam aqueles meninos mascarados com mochilas estudantis às costas, como terroristas, inimigos da sociedade ordeira e do povo trabalhador.
Ao se dar conta da fogueirinha, que era apenas um ponto luminoso na tela, o jornalista baixo clero que estava no estúdio da TV dos Marinho sem saber mais o que dizer, recebeu um encosto que só costuma baixar no Jabor e começou a falar no estratagema das fogueiras que eram ateadas para chamar a atenção da polícia, enquanto os baderneiros se reagrupavam para mais uma investida contra o patrimônio e o direito de ir e vir do cidadão de bem.

O advento da fogueirinha ardilosa e astuta e sua descoberta jornalística pode ter sido um marco nas coberturas de manifestações no Brasil. De agora em diante, pode ter certeza, os meninos mascarados serão chamados de vândalos incendiários e baderneiros pirômanos. 

sábado, 17 de janeiro de 2015

Ofensa à fé



O Papa, que anda em campanha de captação de fiéis pelo oriente, disse que a liberdade de expressão tem limites e não pode ser usada para ofender a fé dos outros. Por um minuto quase concordei com Sua Santidade. Quase, e só por um minuto, pois Francisco também disse que daria um soco em quem ofendesse sua mãe. Deixou claro dizendo isso que quem ofende o que é sagrado para alguém pode pagar o preço, pode conhecer a rigidez de seus punhos. O Papa, implicitamente, se solidarizou com os que assassinaram os desenhistas do Charlie Hebdo, entendeu seus motivos e o uso das AK 47 em vez dos punhos. Mas não foi só ele. Muita gente de esquerda anda criticando quem criticou o Sumo Pontífice pela bobagem proferida.
Não sou de ofender e quando ofendo me arrependo, às vezes. Mas como eu poderia dizer o que penso do tratamento dispensado às mulheres e aos homossexuais  por fundamentalistas islâmicos, judeus e cristãos sem ofender as crenças dessas pessoas?  Sem dizer que elas são absurdas? Como eu poderia qualificar quem diz que mulheres não podem aprender ou ensinar e que homossexualidade é abominação sem questionar a base dessas assertivas idiotas que é, em suma, a fé religiosa? Se digo que é idiota a assertiva já disse que é idiota a fé. Dizer que uma fé é idiota é ofensa a quem professa essa fé? Se em vez de dizer “idiota” eu disser “equivocado” elimina a ofensa? Se eu disser: _”Seu livro sagrado está equivocado”, estarei ofendendo o crente, a fé, o livro, o autor e seus propagadores?
Na base de todas as religiões há uma negação de todas as outras religiões. Negar a existência do deus alheio é uma ofensa religiosa?  Dizer:_ “Seu deus não passa de uma fábula”, é ofensivo?
Todas as religiões fazem crer aos seus fieis que naquela fé se encontram todas as virtudes. Para os que não crêem, serem tratados como despossuídos de virtudes é uma ofensa?
Eu nunca havia lido o Charlie Hebdo. Na verdade nunca tinha ouvido falar do Charlie Hebdo. De uns dias para cá, vi aqui e ali umas reproduções das charges do semanário. Confesso que não gostei. Achei tudo muito grosseiro, não me fez rir. Talvez eu esteja sob o impacto do ocorrido e seus desdobramentos. Pode ser.  Achei o que vi do Charlie Hebdo muito tolo. E daí? Alguns religiosos acham ofensivas suas charges. E daí?
O Papa quer limites à liberdade de expressão. Quer dar socos em quem ofende o que para ele é sagrado. Quem há de traçar os limites? As religiões? O estado? O poder econômico? A história nos mostra que a humanidade avançou muito quando questionou os limites impostos pela religião, pelo estado e pelo capital.



domingo, 11 de janeiro de 2015

Festival de besteiras que assola o país



A semana que passou poderia estar numa antologia do FEBEAPA de Stanislaw Ponte Preta. Poucas vezes, em tão poucos dias, se falou tanta besteira. E foi besteira graúda, das grossas. Só faltou o Lobão. Se bem que muitos de seus fãs e seguidores também tenham contribuído nas redes sociais para a preservação do nome do ex-artista e, pelo que parece, também ex-ativista dos direitos dos imbecis e energúmenos.
Já na segunda-feira, Kátia Abreu, a ministra, disse que no Brasil já não há latifúndios e que os confrontos com os índios se dão por estes estarem abandonando a floresta e invadindo áreas cultivadas. Faltou dizer que também não há desmatamento e sim uma invasão florestal bolivariana e comunista.
Alguém deveria dizer a Dona Kátia que enquanto ela foi parlamentar seu direito de dizer bobagens estava garantido pela constituição. Mas agora ela é ministra de estado. Ganhou caneta, verba e o direito de nomear, mas perdeu o direito ao relincho e ao coice.
Depois foi a vez de Renato Aragão afirmar que os negros e os gays não se ofendiam antigamente com as piadas racistas e homofóbidas que eram contadas em seu programa de TV.  
Não sei de onde o Didi tirou essa certeza. Talvez ele tenha encomendado um estudo no mesmo instituto que Kátia Abreu encomendou aquele que diz que índio não quer nem precisa de terra.
Um festival de besteiras não podia deixar de contar com o aporte de Rachel Sheherazade, e a musa dos linchadores não defraudou seus admiradores. E aqui temos de deixar nosso reconhecimento por sua primazia. Raquel foi a primeira jornalista, talvez no mundo, a falar uma idiotice tendo por base o caso do Charlie Hebdo. Raquel comparou o jornal francês à revista Veja. Pois é, a Veja, aquela revista que conta entre seus colunistas com Rodrigo Constantino que criticou  sua colega Mirian Leitão por ela ter exigido desculpas dos que a torturaram durante a ditadura. Constantino exigia desculpas dela.
Claro, Raquelzinha já fazia jus a uma citação no FEBEAPA  pelo conjunto da obra, mas o oportunismo e o desvario da comparação merece lugar de destaque.

Para suprir a falta de deputados e senadores que estão em recesso e muito contribuiriam para a lista de bobagens, tivemos no domingo a cobertura ao vivo da marcha na França. Foi um delírio de lugares comuns para encerrar a semana com vergonha alheia. 

sábado, 10 de janeiro de 2015

Vous êtes Charlie?



Logo de manhã, antes do primeiro roliúde,  minha consciência me perguntava: _Vous êtes Charlie? Pois é, minha consciência deu de falar em francês e me trata por vous toda cheia de cerimônias e frescuras. Ainda era cedo e fui enrolando a inoportuna: _ Eh, veja bem...
A verdade é que ando pensando em outras coisas e essa do Charlie Hebdo me pegou desprevenido. Resolvi procurar por aí quem era Charlie e quem não era. Faço isso há muito tempo quando não sei o que pensar sobre determinado tema. Por exemplo: outro dia houve um movimento de pescadores que fechou um porto em Santa Catarina. O protesto era contra a proibição da pesca de certos peixes que estariam em risco de extinção. Como não sabia a quem dar razão, se aos órgãos ambientais ou aos pescadores, fui buscar a opinião do Luis Carlos Prates. Sempre vou estar a favor do que ele é contra e vice versa. Não tem erro, o sujeito é o protótipo do fascista. Não há um só tema que eu concorde com ele, sabendo do que se trate ou não. Minha consciência fecha a cara quando apelo para essas simplificações. Mas fazer o quê? Não posso agradar toda a psique de uma vez.
No caso francês li que Jean Marie Le Pen fizera um pronunciamento dizendo que não era Charlie. Embora os cartunistas tenham sido vítimas de muçulmanos que são as vítimas preferenciais de Le Pen e de seus seguidores, que têm na anti-imigração e na xenofobia suas bandeiras mais reconhecíveis, Le Pen se manteve coerente: é contra tudo que não tenha pelo menos dois tataravós franceses.
Por sua vez os homens que assassinaram os cartunistas comungam com as idéias da direita francesa e da direita em geral quando se trata de homossexualidade, aborto, drogas, sexo, pornografia e outros temas. Até no mesmo deus acreditam.  
A esquerda que prega a laicidade do estado deu de acusar o Charlie Hebdo de abusar do direito à livre expressão, de não respeitar a religião muçulmana e de fazer pilhérias gratuitas com o profeta Maomé.
 Mas qual seria a barreira? Qual seria a linha intransponível da sátira? A sensibilidade daqueles que tratam mulheres como propriedade e que não admitem críticas à sua religião?  Num momento em que a onda racista e xenófoba cresce na França, dando inclusive reais chances de vitória ao partido de Marine Le Pen nas próximas eleições presidenciais, talvez essa linha seja o bom senso. Não dar munição aos verdadeiros inimigos da sociedade, que no caso francês é a extrema direita e não os muçulmanos e suas crenças, talvez fosse a direção correta a seguir. Mas enfim...

O único que pude dizer à minha consciência foi que tudo isso me parece um bundalelê dos diabos. Minha consciência saiu batendo a porta. _Merde.

Futilidade e sexismo



Dona Maria das Graças Foster está numa tremenda enrascada. A empresa que dirige é alvo de uma investigação devido aos desvios milionários (bilionários fica mais condizente com a realidade) que vieram à luz nos últimos meses. Envolvidos diretos na roubalheira confessam seus crimes num despudor de fazer corar anjos de pedra. Sócios, diretores e puxa-sacos de grandes empresas privadas do país foram presos.
Pois bem, com todos os fatos apontando para uma gestão, no mínimo, omissa, há muita gente que prefere mencionar a aparência física de Dona Graça do que tratar de entender o que se passa na maior empresa do país. Charges e piadas das mais torpes aparecem nos órgãos de imprensa. Os usuários das redes sociais associam-se à torpeza e replicam a grosseria.
A Presidenta Dilma depois de prometer durante a campanha eleitoral mais mudanças e mais avanços, apresentou à nação um ministério formado pelo que há de mais conservador no pensamento econômico do país. Se fosse só isso poderia dizer-se que os tempos exigem, que há uma possibilidade de crise com a qual só o pensamento conservador consegue lidar. Seria uma desculpa esfarrapada, mas seria uma desculpa.
Mas a escolha de gente do calibre de Hélder Barbalho, que responde a processo por improbidade administrativa e Kátia Abreu inimiga declarada dos índios, quilombolas, sem terras e da civilização ocidental, já foi demais. Não há desculpa que caiba. Só a mais descarada barganha política e o fisiologismo explicam nomes como esses ocupando ministérios.
No entanto não é isso que merece críticas da grande imprensa e sim o vestido que a Presidenta usou na posse. Até seu caminhar mereceu comentários desairosos. Esqueceram que Dilma é uma senhora de 67 anos e que não dedicou sua vida às academias de ginástica nem à leitura da revista Vogue.
Nunca li nem ouvi dessas senhoras jornalistas que criticaram o vestido de Dilma nenhuma palavra sobre os cabelos tingidos dos senhores políticos nem sua troca constante de parceiras por outras cada vez mais jovens. Nem sobre a cafonice de suas gravatas.

Não bastasse o Bolsonaro que gosta de ofender mulheres chamando-as de feias e bruxas, agora vêm senhoras jornalistas de economia e de política e ocupam os espaços de informação para julgar modas e estéticas como se escrevessem para a revista Caras.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O cadáver insepulto de Kátia Abreu



Ao abrir seu sarcófago na manhã de segunda-feira, Kátia Abreu concedeu entrevista e asseverou: “Não há latifúndios no Brasil.” Botei outro Gardenal na vitamina de banana e respirei fundo antes de ir buscar o significado da palavra no dicionário.
Por um momento pensei que estivera chamando urubu de meu louro por anos a fio. Mas não. O significado do vocábulo é aquele mesmo que eu havia aprendido na juventude. O “Aulete” é claro: “Latifúndio – sm – propriedade rural de grande extensão, constituída de terras não cultivada e/ou não exploradas com técnicas de baixa produtividade”. O dicionário Web é minimalista: “Grande propriedade rural”. Outros dicionários da internet e meu velho dicionário de papel da Editora LEP o acompanham no laconismo.
 Está lá, não há dúvida. Latifúndio, para a maioria dos dicionários, é apenas uma grande, vasta, enorme, extensa propriedade rural. De duas uma: ou Kátia Abreu promoveu na calada da noite a reforma agrária ou segue sendo a besta ruralista defensora do escravismo e do extermínio de índios de sempre. Fico com a segunda hipótese.
E como é uma besta não se dá ao trabalho de dar uma olhadinha no censo agrário que aponta haver cerca de 70 mil propriedades rurais no país que estariam dentro do conceito de latifúndio. Claro que sensos, estudos e pesquisas não fazem o gênero de Kátia Abreu. Quando precisa de alguma opinião técnica ela compra uma como já fez para defender suas teses antropológicas.
Essa primeira entrevista concedida por Kátia Abreu como ministra não pode surpreender ninguém. Há tempos que Madame Pamonha anda escrevendo barbaridades nos jornais e proferindo os mais esdrúxulos discursos desde a tribuna do senado. Já escreveu que índio não quer nem precisa de terra. Já disse que não há trabalho escravo no Brasil. Já disse de tudo meses antes de ter seu nome escolhido para comandar o Ministério da Agricultura. Quem escolheu sabia o que estava escolhendo.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

A Europa mostra sua cara



Será lançado hoje na França, o livro “Soumission” (submissão, em português) do escritor Michel Houellebecq. A obra de ficção fala da França governada por um presidente muçulmano eleito em 2025. A crítica literária francesa, Sylvain Bourmeau publicou uma resenha do livro. “Da noite para o dia, na rua, as mulheres não se vestem mais da mesma maneira. A maioria veste blusas de manga comprida de algodão por cima das calças. Encorajadas pelos programas sociais do governo, as mulheres abandonam o mercado de trabalho. Isso faz com que o desemprego caia drasticamente. Nos bairros difíceis a delinqüência desaparece – ou quase isso. As universidades tornam-se islâmicas e os professores não muçulmanos são afastados ou tem que se submeter ou se converter.”
O livro já desperta enorme polêmica na França antes mesmo de ser lançado e deve cumprir seu papel de espalhar o medo na sociedade francesa.
Enquanto isso na Alemanha, ganha força e vai pras ruas o movimento anti-islã auto denominado “Patriotas Alemães contra a Islamização do Ocidente (Pegida, na sigla em alemão). De pequenas manifestações promovidas todas às segundas-feiras em Dresde, o movimento se alastrou por uma dezena de cidades alemãs. No último dia 8 de dezembro, mais de 10 mil pessoas foram a uma manifestação do grupo na cidade que o viu nascer. Uma semana depois eram 15 mil, na outra 18 mil.
Há alguns dias, na França da liberdade, igualdade e fraternidade, o prefeito do pequeno povoado de Champlan, nos arredores de Paris, negou o pedido de sepultamento de um bebê por ele ser cigano. As sepulturas, segundo o prefeito, eram para quem pagava seus impostos. Diante da indignação de setores da sociedade francesa, o prefeito disse que tudo não passara de um mal entendido e pôs a culpa em um funcionário que não estaria familiarizado com essas questões.
Sábado passado, antecipando o Dia de Reis, um grupo intitulado “Españoles em accion”, vinculado ao partido ultra-direitista “España 2000”, também racista e xenófobo, distribuiu brinquedos na praça do povoado de Velilla de San Antonio, nas proximidades de Madri. Para espanhóis e latino-americanos de língua castelhana, o dia de entrega de brinquedos é o Dia de Reis e não o dia de Natal. Os brinquedos  distribuídos por “Españoles em accion” eram apenas para crianças espanholas. Quando viram os cartazes do grupo ultra-direitista e o aspecto discricionário da distribuição dos brinquedos, muitos pais se foram da praça com seus filhos. Outros não.
Na Suécia o partido anti-imigração “Democratas Suecos” já é o terceiro maior partido do país. No rastro de seu crescimento três mesquitas foram incendiadas no espaço de uma semana em três cidades. Num dos ataques cinco pessoas ficaram feridas
Estes fatos são dos últimos dias e não são casos isolados. São a ponta do iceberg.

Não é a primeira vez que a Europa em crise mostra sua face mais terrível. 

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Envolvidos



A Ministra Carmem Lúcia contou no plenário do Supremo uma estorinha que ela ouviu de um professor na faculdade de direito. Era mais ou menos assim: Um homem encontrou na rua uma carteira e prontamente foi à delegacia entregá-la. A carteira, que havia sido roubada, foi restituída ao seu dono e o caso teve uma certa repercussão.
Anos depois o homem que encontrara a carteira teve seu nome incluído numa lista tríplice para ocupar um cargo na magistratura estadual. O governador, a quem incumbia a escolha, não o conhecendo  perguntou a um de seus assessores se este o conhecia. O assessor disse que não, que dele só sabia que estivera envolvido no caso de uma carteira roubada.
Há um filme americano que conta algo que tem a ver com a estória narrada pela Ministra Carmem Lúcia. O nome do filme é Bob Roberts e é dirigido e estrelado por Tim Robbins. O enredo é mais ou menos este: Um político jovem, bonitão e conservador está disputando uma vaga no senado com um velho senador democrata que tenta a reeleição. O jovem político também é cantor de música folk e muito carismático. No jogo sujo promovido por ele em cumplicidade com a imprensa conservadora, é publicada uma foto na qual se vê o velho senador (interpretado por Gore Vidal) em seu carro acompanhado de uma jovenzinha mal entrada na adolescência. Gera-se um escândalo que o próprio senador esclarece publicando a mesma foto que, diferentemente da primeira publicada, não fora cortada e nela se via que no carro, junto à jovenzinha, estava a neta do senador. Era apenas isso: um avô que saíra de passeio com a neta e sua amiga.
Na reta final da campanha um noticiário de TV falando da disputa, cita, sem nenhum motivo, que o velho senador estivera envolvido num caso com uma menor de idade.
Nós também temos nossa imprensa conservadora que, como vimos na última disputa presidencial, não tem o menor pudor de insinuar, mentir, manipular.
Essa imprensa também gosta de citar “envolvidos”.


Pastores esportistas



Quando foi detido no aeroporto de Belo Horizonte pela Polícia Federal em 2005, transportando num avião fretado mais de 600 mil reais em dinheiro vivo e cheques, George Hilton, o atual ministros dos esportes, não estava só. Fazia-lhe companhia Carlos Henrique Alves da Silva. Ambos eram (e são) pastores da Igreja Universal do Reino de Deus.
Hilton já está em Brasília em seu gabinete despachando sobre o que jura não conhecer. E o Carlos Henrique? Bem, Carlos Henrique foi empossado hoje pelo governador Fernando Pimentel do P.T, no cargo de Secretário dos Esportes do Governo de Minas Gerais.
No Ceará, o radialista e deputado estadual eleito, David Durand será o secretário de esportes do governo chefiado por Camilo Santana do P.T. Durand que é do PRB também é pastor da universal.
Se você pensa que é só o P.T que tem fixação por pastores da Universal para gerir o esporte, você se engana. Para ocupar a Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude do governo paulista, Geraldo Alkimim, o popular Picolé de Chuchu, convocou o vereador Jean Madeira. O vereador de 37 anos é professor de judô (ôba), locutor, apresentador de TV, colunista, cantor golspel, conferencista (vixe), palestrante (vixe) e... pastor da Universal.
E não é por falta de cargo, título ou função que Madeira peca. Nas empresas de Edir Macedo, ele já foi coordenador da Força Jovem Universal e é presidente do PRB Juventude.
O PRB, partido das Organizações Macedo, também emplacou Leila do Vôlei como secretária de esportes do Distrito Federal. Leila, candidata derrotada na eleição para deputado distrital, verdade seja dita, ainda não é pastora.
Às vésperas dos Jogos Olímpicos a Universal está batendo um bolão.


domingo, 4 de janeiro de 2015

Uma princesa com verruga no nariz



O ônibus ia lento pela Nª Sª de Copacabana naquele final de tarde e num certo momento se deteve no meio do quarteirão. Havia uma banquinha como as dos camelôs e uma moça belíssima parou junto a ela. Não era o negócio de um camelô, era a banquinha do Amaral Neto e recolhia assinaturas de apoio para o único projeto do deputado: a instauração da pena de morte no Brasil. Essas banquinhas estavam espalhadas pelas ruas do Rio no final dos anos 70.
Amaral Neto elegeu-se várias vezes tendo como única bandeira essa proposta. A pena de morte, segundo ele, era a cura para todos os males, para todas as mazelas do país. Claro, ele nunca conseguiu sua aprovação, mas acumulou mandatos na Câmara Federal graças ao projeto demagógico e conservador.
Naquela tarde de que falo, a moça belíssima parou para dar seu apoio ao projeto da pena de morte. Tomou da caneta, acomodou o carrinho de bebê que empurrava e firmou. A moça era uma típica carioca de Copacabana com sua pele bronzeada, cabelos  escorrendo pelos ombros e uns óculos escuros que lhe davam ares de artista de cinema. Devia andar pela casa dos vinte anos. Teria uns sete ou oito anos mais que eu que acabara de entrar naquele tramo da vida.
A beleza da moça, o carrinho de bebê, (daqueles chiques com amortecedores e rodas brancas) o bebê que eu não via desde meu assento no ônibus Copacabana – Castelo, o fim de tarde maravilhoso da cidade maravilhosa, nada combinava com Amaral Neto e com sua pena de morte. Principalmente a moça com sua copacabanesca beleza. Aquilo não fazia sentido para mim.
No entanto, eu já era grandinho. O que eu esperava? Velhas bruxas de verrugas no nariz apoiando a demagogia de Amaral Neto? Por que não a moça de óculos de artista de cinema?
Não sei o que pensava naqueles dias, mas me dou conta que ainda hoje espero que somente as velhas bruxas com verrugas no nariz sejam reacionárias e más. As princesas eu as quero com todas as virtudes e vestindo uma camiseta com o retrato do Che.
Mas basta uma entrada no facebook, basta ler uns comentários postados nos sítios informativos e minha idealização de contos de fadas se esfuma.
Outro dia uma moça tão linda quanto a que vi firmando o abaixo-assinado de Amaral Neto lá nos anos 70, postou nas redes sociais um cartum que mostrava meninos de uma favela mortos e uma mãe chorando. Um balão saído da figura de um policial com a arma ainda fumegante fazia troça da dor da mulher que chorava seu filho morto. A menina achou tudo muito engraçado escreveu muitos ha has e acrescentou que quem defende bandidos merece o mesmo fim. Até em um cartum ela encontrou a certeza de que se tratava de bandidos e que mereceram ser mortos sem defesa ou julgamento.
Não resisti e entrei na página da moça no facebook. Lá estavam muitas fotos de sua beleza juvenil, muitos cachorrinhos fofos, frases do Paulo Coelho e mensagens cristãs adornadas por flores e paisagens bucólicas. Notei que nas fotos ela sempre mostrava seu perfil esquerdo exceto numa. Era uma foto mais descontraída com várias outras moças, todas sorrindo com muitos dentes. E foi aí que eu vi. Pensei que fosse uma sujeira na tela do computador. Não era. Busquei os óculos e tive a certeza de que sobre sua narina direita crescia uma verruga. Ainda era um projeto de verruga, mas lá estava.


O Ministério da Gente



São 39. Se fossem 40 estaria tudo resolvido. Faltou o Ministério da Gente ou Ministério da Pessoa ou, quem sabe, Ministério do Ser Humano. Sim, pois o novo Ministro dos Esportes já disse que não entende “profundamente” de esportes. Do que ele entende, segundo suas próprias palavras, é de gente. Por que então não criaram o Ministério da Gente pro homem? Ele ficaria mais contente, o PRB ficaria contente e até o padrinho do homem, o venerando Marcelo Crivela, ficaria contente. E, o que é melhor, sobraria uma vaga pra alguém que entendesse profundamente de esportes.
Creio que ao dizer que não entende “profundamente” da área que vai gerir faltou sinceridade ao novo ministro. Assim como seu padrinho político que ao assumir a Secretaria da Pesca disse que não sabia nem pôr a minhoca no anzol, George Hilton deveria ter dito que não manja nada de esporte, nem profundamente nem superficialmente nem nada. Que entende mesmo é de transporte de malas e entrega em domicílio e, é claro, gente.
O desconhecimento do Ministro é tal que já se fala que Aloísio Mercadante, titular da Casa Civil, será o responsável do Governo Federal nas questões relativas aos Jogos Olímpicos.
Mas, convenhamos, a Olimpíada é apenas um evento que, mesmo com suas enormes dimensões, tem dia e hora de começar e terminar. O esporte brasileiro é outra coisa e deveria receber a atenção que merece. Está tudo por fazer-se nessa área. Desde o saneamento das federações, sempre envolvidas em escândalos até um projeto sério de massificação do esporte. Tudo está por fazer-se.
Pensei que livre das obrigações olímpicas o Ministro poderia assessorar-se sobre o tema e parar de pagar mico e evitar escorar-se na “perseguição” como já fez em nota distribuída à imprensa mesmo antes de assumir.
Descobri que o partido do ministro, o PRB, tem um núcleo dedicado ao esporte. Chama-se Movimento PRB Esporte e é coordenado por Acelino “Popó” Freitas, o ex boxeador. Daí, quem sabe, poderia vir a assessoria de que o ministro anda precisando. Na página eletrônica do Movimento PRB Esporte encontramos dois curtos parágrafos que tentam explicar o movimento e o que pretende. Não explicam, mas no alto da página existe uma chamada “O que é?”. Fui lá saber o que é e a que se destina o movimento coordenado por Popó.
Encontrei os mesmos dois parágrafos que nada dizem e um longo texto... em latim. Pois é, em latim. Eu que nunca passei do Alea jacta est e do veni vidi vici ainda fiquei buscando um mens sana in corpore sano ou qualquer outra coisa que pudesse ter ligação com o esporte. Não achei.

Daí a conclusão: há que se criar o Ministério da Gente.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Filho de peixe



Na política brasileira dominada pelas oligarquias, são raros os casos nos quais não se possa aplicar o dito popular “filho de peixe peixinho é”. Uma dessas exceções é o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral Filho. Se o velho Cabral podia ser visto e encontrado nas rodas de samba junto aos bambas, seu filho prefere Paris ao lado de Cavendish e outros que tais. Se aquele se notabilizou por seu apego à liberdade, o filho preferiu ser um dos governantes mais repressores da história do Estado do Rio. Mas pára por aí.
Uma das mais famosas oligarquias em que filho de peixe é peixinho, tubarão e cobra criada, é o clã dos Sarney. Mas sua fama se deve ao fato de seu patriarca ter alcançado, por vias tortas, o posto mais alto da república. Suas práticas e sucessos em nada diferem de outras oligarquias. Veja o caso de Jáder Barbalho, por exemplo.
Desde de 2001 Jáder Barbalho responde a processos por fraudes na Sudam, no Incra, no Banco do Estado do Pará entre outras coisas. Jáder que renunciou ao mandato naquele ano para não ser cassado, voltou nos braços do povo para o senado depois de ter sido também deputado federal. Nesse ínterim ele acumulou 6 processos no STF. Ano passado foi condenado a devolver 2,2 milhões de reais aos cofres da União. Com a correção monetária este valor pode chegar aos 20 milhões. O montante é referente somente ao caso da Sudam. Se devolveu ou se vai devolver são outros quinhentos.
O interessante é notar que no ano 2000, quando foi preso pelas fraudes na Sudam, Barbalho tinha 56 anos. De origem humilde, Barbalho é hoje, graças a Deus e a Nossa Senhora de Fátima, um empresário milionário e como todo político que se preza, dono de jornal e concessões de rádios e TV.
Hélder Barbalho, o filho do senador, foi o vereador mais votado em Ananindeua aos 21 anos. Dois anos depois elegeu-se deputado estadual tendo sido o mais votado do estado. Aos 25 anos já era prefeito de Ananindeua. Hoje, aos 34 anos e depois de ter sido derrotado na eleição para governador do Pará, é ministro e já tem seu próprio processo por improbidade administrativa além de uma condenação, junto com sua mãe, por propaganda eleitoral antecipada. Segundo a denúncia do Ministério Público, Hélder Barbalho teria desviado 2,7 milhões entre 2005 e 2012 da Prefeitura de Ananindeua.

Esse filho de peixe é o novo secretário da pesca. Faz sentido.