quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Requentando notícia velha





            A empresa de consultoria de José Dirceu, a JD Assessoria e Consultoria, faturou 29 milhões de reais em 9 anos prestando serviço a mais de 50 empresas. Dessas empresas, as que estão envolvidas nas fraudes da Petrobrás pagaram 3,7 milhões de reais à JD por consultorias e isso deu origem à quebra de sigilo da empresa de Dirceu. Suspeita-se que os tais serviços de consultorias jamais tenham sido prestados e as notas emitidas pela JD seriam apenas para encobrir propinas recebidas por José Dirceu. O ex-ministro e seus advogados não negam os números do faturamento, apenas falam da licitude de sua obtenção.
            Minha assessoria e consultoria para qualquer assunto custa 100 real mais o da passagem, mas certamente o José Dirceu cobra mais e por isso faturou tanto. Esse negócio de consultoria depende muito de quem a presta e não se esse alguém presta. Se não me falha a aritmética Dirceu embolsou no período citado algo em torno de 300 mil reais por mês. Se ficou apenas com a metade, 150 mil, poderíamos dizer que Dirceu teve uma vida cômoda antes de entrar em cana. Talvez tenha até sobrado algum na poupança.
            Eu não tenho motivos para duvidar da lisura de Dirceu e de suas consultorias, apenas fico pensando nas pessoas que fizeram vaquinha para ajudá-lo a pagar a multa estipulada no processo do mensalão. Dirceu aceitou o que foi arrecadado? Devolveu com agradecimentos aos solícitos doadores? Não sei.
            Houve também o caso da reforma da casa de Dirceu, em Vinhedo, que saiu pela bagatela de R$ 1,8 milhão. Dizem que foi um lobista quem pagou pela reforma. Eu não acredito. Acho que Dirceu bancou a obra com os recursos advindos das consultorias.  A compra da casa não foi uma operação feita por uma imobiliária ou por um corretor de imóveis. Dirceu comprou a casa de um sócio, que a havia adquirido por 500 mil reais, pagando pelo imóvel a módica quantia de 100 mil reais. As más línguas falam de falcatrua no negócio. Eu não. Fico pensando apenas nas pessoas que fizeram vaquinha para ajudar José Dirceu.


            P.S_ Eu também dou consultorias para vaquinhas.

domingo, 22 de novembro de 2015

Os suspeitos de sempre





            Numa das últimas cenas de Casablanca, logo após o personagem vivido por Humphrey Bogard ter matado o oficial alemão,, o policial francês, para acobertar a morte do nazista, ordena a seus homens: _Prendam os suspeitos de sempre. 
            Prender os suspeitos de sempre foi um costume que os franceses cultivaram durante todo o tempo que ocuparam o Marrocos e a Argélia. Com a eclosão dos movimentos pela independência e seus atos "terroristas" havia que dar uma satisfação aos investidores franceses que haviam apostado na estabilidade do colonialismo naquela região. Sem ter o que fazer para deter a onda libertária prendia-se os suspeitos de sempre.
            Hoje, os suspeitos de sempre continuam sendo presos e como sempre as ações da polícia, a mesma polícia que foi incapaz de prevenir os atentados, dão uma satisfação à sociedade. A ninguém lhe ocorrerá questionar que métodos a polícia francesa está usando nos interrogatórios dos suspeitos de sempre e caso questione certamente apoiará torturas e toda espécie de violação de direitos. A histeria coletiva que se segue a um ataque como o ocorrido em Paris é um terreno fértil para que toda a liberdade seja restringida, principalmente a liberdade dos suspeitos de sempre.
          

sábado, 21 de novembro de 2015

Memórias





Não escreverei memórias
não exporei minhas vergonhas. meus pejos

Pois se me constrange mostrá-las 
mais ainda me vexa escondê-las 
sob o palavreado encardido
dos que se perdoam.

Minhas memórias trago-as
gotejantes e silenciosas
nesse embornal de ossos e vísceras.
Descarnadas e sem atavios

Minhas memórias, tristes memórias
guardo-as para consumo próprio e noturno
como esses cigarros, como esse espelho
em que não me vejo.

Os fragmentos de minhas memórias
deixou-os esparsos, sem escritura
para que nunca se unam
num medonho e tosco mosaico.








quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Um dia desses






Um dia desses
de manhã bem cedinho
eu vou por no seu caminho
um Quintana bem passarinho
e aquela pedra do Drummond




segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Gentileza gera gratidão





            Eu conheci o Gentileza. Foi no final dos 70 ou começo dos 80, na Cinelândia. Lembro bem de um dia em que estivemos mais próximos. Era uma tarde ensolarada e eu estava feliz. Talvez estivesse apaixonado ou algo que o valha. Provavelmente estava apaixonado. Já o tinha visto muitas vezes e o catalogado como um desses maluquinhos que abundam nas grandes cidades.
           Nesse dia de que falo Gentileza me deu uma flor. Agradeci com meu melhor sorriso e ele veio com aquele papo de que não se deve dizer obrigado e sim agradecido e blá blá blá. Lembro do sentimento que experimentei naquele momento e que venho experimentando vida a fora com relação à humanidade: decepção. Por que o cara não podia receber um muito obrigado e pronto? Ele bem sabia que eu estava grato pela flor, então pra quê a frescura semântica? Como disse eu já tinha catalogado Gentileza como um maluquinho a mais e deixei pra lá.
           Naquele tempo os maluquinhos urbanos não me provocavam nenhuma simpatia. Pra dizer  a verdade não me provocavam nada. Eu tinha minha vida e minhas paixões e os maluquinhos faziam parte da paisagem.
           Já maduro é que comecei a ter simpatia por maluquinhos. Afinidade, talvez. Coincidiu com minha precoce caduquice o lançamento da música sobre Gentileza cantada por Marisa Monte. Eu quase que ia simpatizando com Gentileza não fosse o negócio do agradecido. Acontece que depois da popularização de Gentileza e de sua "filosofia" muita gente deixou de dizer obrigado. Como é de costume os seguidores de malucos querem ser mais reais que o rei e de agradecido para gratidão foi um pulo.
           Confesso que quando leio ou escuto gratidão querendo significar obrigado, minha vontade é de arrancar os pentelhos. Acho o cúmulo da babaquice. O sujeito fala gratidão e já o imagino comendo um bife de soja com tofu. Um namastê ambulante.
           Sobre Gentileza li hoje uma matéria na qual a Heloísa Seixas conta sua experiência com ele. No relato não há nada de gentileza. Escreve Heloísa que o auto-intitulado profeta assediava as moças que passavam por ele na Praça XV, a caminho das barcas, usando mini saias, batom ou mesmo calças compridas dizendo que iriam para o inferno e outras delicadezas. Tudo aos gritos e em tom ameaçador. Chegava mesmo a correr atrás de suas vítimas. Muitas outras mulheres comentaram a matéria da jornalista contando coisas semelhantes. Era isso: o cara era um fanático religioso, um fundamentalista que entrou para a história do Rio como um pregador do bem e do amor ao próximo. Isso acontece. Sua frase famosa "gentileza gera gentileza" não está mal. Acho até que a subscreveria mesmo sabendo que o que Gentileza gerou, além de terror nas moças, foi uma chatice linguística.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O chavão





            O novo chavão imbecilizador tem a ver com as pessoas que se atrasaram para a prova do Enem. Reza assim: "Se fosse um show de música eles estariam acampados na porta dois dias antes".
            Como é um chavão imbecilizador seu público alvo são os imbecis e um imbecil jamais iria cogitar que os que chegaram atrasados para as provas são os mesmos que aparecem no show sem ingresso e não conseguem entrar.
            Isso se dá porque há gente que simplesmente não consegue cumprir horários, não consegue planejar nada, não consegue se antecipar aos acontecimentos. Não é falha de caráter, não é coisa de preguiçoso. Quem vai ao cinema sabe que tem sempre aquela turma que chega com a sessão já começada, pedindo licença para passar e atrapalhando quem chegou cedo. Na entrega da declaração do imposto de renda dá-se o mesmo. A conexão com o sítio da receita federal cai pelo congestionamento de dados quando faltam poucos minutos para encerrar o prazo de entrega. E aqui não estamos falando de adolescentes secundaristas.
             O novo chavão imbecilizador é da mesma família daquele que prega sobre a vestimenta e o comportamento das mulheres: "Não se dá ao respeito". E de outro que defende a violência policial e seus assassinatos: "Bandido bom é bandido morto". É só mais um chavão imbecilizador.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Mirim





            Outro dia, uma página virtual dedicada à língua portuguesa publicou um texto com a palavra "expert". Eu estranhei o uso do termo estrangeiro e fiz um comentário. Ninguém gostou. Chamaram-me chato. Disseram que esse tipo de crítica ao uso de estrangeirismos era picuinha e que os idiomas são vivos e incorporando novas locuções, cresce.
            Não tenho dúvida sobre isso e advogo pela incorporação da criação popular, pelo acolhimento das gírias e dos neologismos. Mas como pode algo crescer pela extirpação? O uso de "expert" em vez de experto não acrescenta nada, apenas substitui uma palavra de nosso idioma por outra estrangeira que tem o mesmo significado.
             Ainda há pouco, abri a página do jornalista Leonardo Sakamoto que cedeu seu espaço por uns dias para que mulheres se manifestassem sobre os temas relevantes do feminismo. Achei muito apropriada a adesão do jornalista a essa proposta de feministas principalmente nesses dias pós Enem quando até mesmo Simone de Beauvoir foi atacada por machistas, fundamentalistas e boçais de ambos os sexos.
              No primeiro da série de textos escritos por mulheres no Blog do Sakamoto me deparei com o nome do grupo feminista do qual a autora fazia parte: Think Olga. Deixei pra lá a bobagem da nomenclatura e comecei a ler. O artigo fazia referência ao caso Valentina e ao programa Master chef. (É praticamente impossível achar um programa de TV que não tenha algum estrangeirismo no nome ou nas chamadas publicitárias). A versão infantil do programa era tratada pela autora como versão "Kid".Com três tecladas a autora aboliu não só a palavra infantil como a contribuição luxuosa do tupi, mirim. Para acrescentar ao idioma o vocábulo estrangeiro, extirpou-lhe duas palavras de uso corriqueiro e com o mesmíssimo significado. Por quê? Por pura tolice.