sexta-feira, 29 de abril de 2016

Sua buceta





Sua buceta (que no seu caso
era uma boceta)
tinha o cheiro
(bem poderia dizer olor)
das flores recém colhidas
(em braçadas
não em cestas)
das manhãs setembrinas nas serras
(as do hemisfério sul que deixam pra trás o inverno)
Do feno e do trigo
do almíscar e do lilás
(todas essas coisas que jamais cheiramos)

Sua buceta assim tão cheirosa
dava asco, náusea, dor de cabeça
nunca mais aproximei meu nariz
daquela perfumaria peluda.




segunda-feira, 25 de abril de 2016

Abestados





            O Tiririca tava lá, quietinho e na dele com seus muitos votos, um bom salário e uma pensão vitalícia a caminho. Cumpria seu papel histórico de ser mais uma nulidade bem remunerada do país das nulidades e dos ganhos inexplicáveis. Pouco ou nada falava e sua assessoria preparava umas coisinhas pra de vez em quando. Tiririca, tal qual a erva que lhe empresta o nome, florescia nos baldios do Planalto.
            Por falta de assunto ou por pouco traquejo quando de atuação política se trata, as redes sociais deram de mencionar Tiririca como exemplo de parlamentar. Louvaram sua assiduidade como se o deputado com sua presença na Câmara fizesse girar a roda do debate de ideias. Enalteceram seu silêncio como expressão de sabedoria. Não faltaram postagens com sua foto e alguma de suas raras declarações encimadas por frases como:"E agora, quem é o palhaço?" De piada eleitoral Tiririca passou a ser uma celebridade política.
            Mas aí veio a votação pela admissão do impeachment e Tiririca votou com aqueles que querem derrubar a presidenta. Muitos dos que o aplaudiam passaram a chama-lo de traidor e outras delicadezas. Ora bolas, Tiririca ao votar estava sendo coerente com seu histórico, com sua atuação política até aquele momento. Apenas se aliava ao senso comum. Como sempre. O problema é que nas redes sociais o senso comum muitas vezes é tido como fruto do saber popular, o supra sumo da filosofia. As frases ensaiadas de Tiririca e sua inaptidão para o debate e a polêmica fizeram com que muitos vissem nele a personificação do homem do povo que moraliza os costumes políticos, que com sua simplicidade pueril mostra que o rei está nu. Nada disso. Tiririca é sim um típico político do baixo clero, puxador de votos e inoperante. Para quem acreditou nele fica a frase senso comum do facebook: "Tu te tornas eternamente trouxa pelas expectativas que cultivas." Abestado.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

PT: lições e caminhos

 




É só um exemplo, um pálido exemplo, mas vou citá-lo. Ontem, Alfredo Nascimento renunciou à presidência do PR para votar pela admissão do processo de impeachment. (Seu partido havia fechado questão contra o golpe.) Nascimento foi ministro dos transportes no primeiro governo Lula. Foi com esse tipo de gente que o PT achou que poderia governar o país. Foi apoiando Sarney para que o velho coronel permanecesse na presidência do Senado, quando gravações telefônicas davam conta de nomeações irregulares e do nepotismo escandaloso que era praticado pelo senador, que o PT apostou na governabilidade a qualquer custo.. 
Pois aí está a governabilidade propalada. Aí estão os aliados do PT e seus votos pela destituição de Dilma, uma das poucas pessoas honradas da política brasileira. Aí estão os votos dos aliados Maluf, Nascimento, Edinho Araújo (que também foi ministro) e outros que tais. Aí está a base de sustentação mantida a propinas e cargos. Aí está o mensalão, até hoje negado por tantos petistas, que nada ensinou.
De que serviram as concessões feitas à bancada evangélica? De que adiantou misturar-se ao lixo da política brasileira? De nada. Ao primeiro vento forte os ratos abandonaram o navio. Na cabeça dos dirigentes petistas era viável uma aliança com o PMDB, um partido que esteve em todos os governos pós redemocratização e saiu de todos eles quando as circunstâncias se tornaram difíceis para aportar no governo seguinte e negociar cargos e vantagens. Como alguém pode se surpreender com a traição de Temer? De Jucá? De Sarney?
Que lições o PT irá tirar dos últimos episódios? Chegará a conclusão que a única aliança confiável é com o povo? Ou vai seguir negando seus erros? Vai apoiar uma reforma política radical como não fez enquanto estava aliado aos que não a querem? Irá fazer oposição de esquerda ou seguirá apostando na cooptação da burguesia? Voltará às origens ou seguirá no caminho dos partidões que não sabem existir sem o poder?
Espero que o Partido dos Trabalhadores se regenere, mas se não fizer uma autocrítica profunda não conte mais com meu voto.

sábado, 16 de abril de 2016

Violenta, intolerante e burra





            Li esta semana,  numa crônica intitulada "E se houver golpe?", do professor José Ribamar Bessa Freire, a citação de um livro do historiador uruguaio René Dreifuss sobre o golpe de 64 e seus antecedentes. Bessa Freire também menciona pesquisas que alunos de Biblioteconomia da UNIRIO fizeram sobre o tema seguindo a trilha do historiador.
            Naqueles anos de guerra fria, constatou a pesquisa, foram editados em apenas três anos e com dinheiro vindo de empresas multinacionais via IPES e IBAD, mais de cem títulos de  livros anticomunistas que tiveram distribuição gratuita em bancas de jornal. Tratava-se de atemorizar a população com o perigo vermelho que estaria presente no Brasil de Jango. A imprensa escrita, a televisão e o rádio contribuíam para fomentar a histeria. Havia também, é claro, um grande número de políticos, jornalistas, escritores e editoras a soldo do grande capital para espalhar boataria sobre o perigo comunista. Quando o golpe foi pras ruas já encontrou terreno fértil e grande aceitação popular.
            Hoje, os livros são desnecessários. Temos a internet. Ademais, num tempo em que um texto de três parágrafos é chamado de textão, quem os leria? Nesses dias interessantes que vivemos uma infinidade de sítios, páginas, blogs e  outros que tais fazem o serviço da desinformação e manipulação dos pascácios. Não precisa muito esforço, qualquer coisa serve: uma fotomontagem de Dilma ao lado de Hitler, uma gravação em que Chico Buarque "confessa" comprar músicas ou qualquer afirmação como a de que Lula teria decepado o próprio dedo para receber pensão do INSS, ganham grande repercussão e milhares de compartilhamentos de crédulos relinchantes. Nas TVs, canastrões travestidos de jornalistas fazem a cabeça de multidões e nos púlpitos das igrejas neopentecostais, aos gritinhos e pulinhos, pastores e bispos de araque se somam ao elenco de enganadores. O público alvo dessas bobagens é tão pueril que vale até mesmo requentar o anticomunismo dos anos 60. Nas manifestações pro impeachment vimos cartazes e faixas com os mesmos dizeres das mostradas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade de 1964.
            Constatamos, não sem grande constrangimento, que ademais de violenta e intolerante a vida política no Brasil vai se tornando cada dia mais burra.
         

sexta-feira, 8 de abril de 2016

O filósofo e a musa



O "filósofo" Paulo Ghiraldelli deve estar perdidamente apaixonado pela Janaína, a advogada também conhecida como a Louca do Largo de São Francisco. Só pode ser isso. Só uma paixão desenfreada pode nublar a visão e o entendimento de uma pessoa ao ponto da distorção das imagens e da confusão sonora. Quem viu e ouviu Janaína sabe que sua apresentação foi patética, grotesca. Coisa de atriz ruim interpretando um personagem de novela gospel. Nem o Jornal Nacional, sedento por qualquer fato que aponte para a derrubada do governo Dilma, teve coragem de exibir a cena. 
Ghiraldelli, no entanto, escreveu e falou que Janaína é sexy, que sua ira é santa, que sua retórica é a retórica dos tribunais. Faz crer o "filósofo" que são azinimiga que estão com inveja dos cabelos soltos ao vento e do rebolado roda bandeira da moça. Para ele, Janaína é musa, é a cara da indignação, é o grelo duro que faltava nas trincheiras da oposição.
O discípulo de Platão não está sozinho na defesa da advogada. Até pessoas com menos tesão e um pouco mais de bom senso andam dizendo que as críticas endereçadas à Janaína têm conteúdo machista, misógino, sexista. Ora bolas, depois de termos assistido à barbárie cometida contra a Presidenta Dilma, contra a deputada Maria do Rosário, contra Letícia Sabatela e tantas outras mulheres dignas e com passado de lutas pela democracia é que vêm falar de sexismo? O próprio Ghiraldelli publicou uma tirinha insinuando que o apoio de Sabatela à democracia e ao estado de direito era interesseiro. Para continuar "brincando de cantora". Claro que ele ignorou que Letícia Sabatela se posicionou como opositora ao governo Dilma e disse isso muito claramente para os microfones e para a presidenta. 
Mas voltando à advogada Janaína é bom que se diga que ela não é sexy, é apenas ridícula. Que sua ira não é santa, sequer é ira. Janaína é só mais uma oportunista com um discurso tosco típico de pastores neo pentecostais e desses dias interessantes que vivemos.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

A musa do impeachment

Primeiro eram as pedaladas fiscais que justificariam o impeachment da Presidenta Dilma. Logo viram que não ia colar. Essas firulas contábeis não têm apelo popular, não leva ninguém pra rua. Além do mais, a prática é comum e assembleias legislativas poderiam questionar governadores de todos os partidos que fazem uso do mesmo estratagema. Foram em cima dos desvios da Petrobrás e nada encontraram que pudesse atingir a presidenta. Só paneleiros e analfabetos políticos acreditaram que se pode incriminar alguém sem provas nem indícios. O pior para os golpistas é que o negócio da roubalheira na estatal petrolífera espalhou delação pra todo lado, atingindo emplumados de alto coturno que até então enganavam os incautos.
O espetáculo televisivo ia ficando cheio de lacunas. O que era escondido para não prejudicar aliados do golpe, logo era espalhado pelas redes sociais e pela emissora concorrente que, apenas por motivações de audiência e para fustigar a poderosa, mostrava que no caso Petrobrás ninguém podia posar de santo.
Tinha um outro problema: porta-vozes. Para um bom espetáculo político há que aparecer alguma liderança que indique o caminho e verbalize a "indignação". Tentaram o Aécio, mas o playboy mineiro tem no currículo aeroporto e helicóptero. Depois foi a vez de Cunha e apareceram as muitas contas na Suíça e a madame ostentação. A classe média que amassa suas melhores tramontinas morreu de inveja e como diz o antigo ditado chinês, a inveja é uma merda. Kin Kataguiri só servia pra versão infantil e os outros anônimos indignados só para fazer figuração. Por isso são anônimos. Temer é discreto demais, Lobão é bobo demais, Bolsonaro fascista demais.Ficou o Moro, mas como juiz só deve falar nos autos, sua atuação fica restrita à "reserva moral" e reserva só entra em campo no segundo tempo, geralmente quando já está tudo perdido.
Aí apareceu a moça. Parecia que o problema do "rosto da indignação" estava resolvido. Além de líder poderia ser categorizada como musa. Se desse pra esconder que ela é advogada de um promotor que agredia a mulher e a mantinha em cárcere privado...
Mas veio o discurso do Largo de São Francisco. A advogada, uma das autoras do pedido de impeachment da presidenta e que uma semana antes era entrevistada usando elegante saia e blusa e com seus muitos cabelos reprimidos em espesso laquê, deixou de lado a compostura e o bom senso e vociferou como um Malafaia que recebesse uma pomba gira de frente. Não faltaram os pulinhos e corridinhas pelo palanque nem os falsetes. Na sua fala teve imagem bíblica e citação das lições paternas. Só faltou falar dos filhos e reclamar da entrega das Casas Bahia.
No dia seguinte à sua apocalíptica aparição só sobraram as gozações na internet e muita vergonha alheia. Nem o Jornal Nacional teve coragem de mostrar o triste espetáculo.

sexta-feira, 1 de abril de 2016