quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Vida, minha vida





Minha vida
é um passeio de bicicleta.

Ladeira acima com vento contra

Minha vida
é um carnaval

em Curitiba

Minha vida
é um eterno domingo

em frente à televisão

Minha vida
é um cabernet sauvignon

de São Roque

Minha vida
é uma sinfonia de Mahler

no rádio de pilha

Minha vida
são fogos de artifício

no gol da Argentina

Minha vida
é um poema de João Cabral

declamado por Cid Moreira

Minha vida
é o sol raiando

segunda-feira

Minha vida
daria um livro

de auto-ajuda

Minha vida
daria um filme

da sessão da tarde




terça-feira, 29 de novembro de 2016

Repressão

Em 77, eu assistia um programa de TV. Era entrevistado o comandante da polícia militar do Rio. Questionado sobre os desvios de policiais, o coronel disse que se tratava de uma minoria que usava da farda para praticar extorsão, abuso de autoridade e cobrar propina de traficantes. Uma minoria, nada mais.
Naquele tempo eu viva na noite, nas ruas, nas quebradas e sabia que pagar para não ser preso por fumar um baseado era a norma. Muitas vezes vi o camburão parado ao pé do morro Santa Marta esperando algum garoto descer com a grana que o pessoal do tráfico mandava. Vi, enquanto esperava para poder subir o morro, os canas batendo umas carreiras no retrovisor da viatura por puro exibicionismo, afinal poderiam cheirar dentro do carro. Noutra ocasião, um amigo meu comprou toda a brizola e o bagulho que queria dentro da joaninha que lhe havia pego subindo o Livramento.
No noticiário sempre havia algo sobre policiais que integravam quadrilhas, vendiam armas ou participavam diretamente de assaltos. Aquela história de minoria pra mim não colava. Comecei a colecionar recortes de jornais em que apareciam crimes praticados por policiais. (Claro que violência policial não era notícia naqueles tempos de ditadura e o que eles tiravam dos que fumavam um tampouco virara manchete).
Fui guardando os recortes numa pasta de papelão, daquelas com elástico nos cantos e uns dois anos depois a pasta estava cheia, estufada. Numa de minhas muitas mudanças acabei jogando a pasta fora. De nada me servia.
Hoje, que grande parte da população pode registrar com seus celulares tudo o que passa, as redes sociais estão repletas de vídeos de violência praticada por policiais militares contra cidadãos. As vítimas preferenciais são os jovens negros da periferia. O escracho é a rotina de quem vive nos morros e favelas. O governo do Rio resolveu institucionalizar o desrespeito e a violência de seus agentes criando as UPPs. O toque de recolher imposto por policiais a seu bel prazer nas comunidades periféricas virou algo comum. Casos com o do pedreiro Amarildo se multiplicam sem que haja repercussão na imprensa. Trabalhadores são mortos porque, segundo os policiais, portavam uma furadeira ou outro objeto que fora confundido com uma arma. Meninos são mortos na porta de suas casas quando a polícia chega atirando em locais densamente povoados e não há processo nem responsabilização por essas mortes.
Quando algum juiz ou membro do ministério público resolve investigar a ação de policiais nas milícias e outras organizações criminosas, a morte os alcança como aconteceu com a juíza Patrícia Acioli.
Uma parcela da população, idiotizada pelos programas policialescos ou por preconceito de classe, apóia a violência da polícia contra os pobres.
Agora, é o governo federal que faz uso da violência policial para reprimir manifestações pacíficas de estudantes e outros cidadãos. As vítimas dessa violência deixam de ser os jovens negros da periferia. A brutalidade alcança os meninos e meninas da classe média. Isso foi o que se viu ontem em Brasília e que já havia sido visto em outras manifestações. Talvez, apenas talvez, aqueles que tanto defendiam as ações criminosas da polícia passem a ver do que eles são capazes quando recebem carta branca para usar a força. Mas aí talvez, só talvez, já seja tarde.













terça-feira, 15 de novembro de 2016

A vida dura do povo pobre





A vida dura do povo pobre
rende fotografias premiadas
teses de doutorado
discursos inflamados

A vida dura do povo pobre
provoca ásperas discussões
nos restaurante à beira mar
e nos almoços dominicais

A vida dura do povo pobre
quase estraga amizades
indispõe parentes
já desmanchou noivados

A vida dura do povo pobre
faz brotar partidos políticos
grupos de debates
e toda espécie de organizações

A vida dura do povo pobre
alivia consciências benemerentes
no chá servido pela empregada
uniformizada e mal paga

a vida dura do povo pobre
tem dado emprego
a assessores, secretários, pesquisadores
e a seus filhos estagiários

A vida dura do povo pobre
tem alicerçado carreiras
tem dado prestígio
tem construído reputações

A vida dura do povo pobre
ganha prêmio da ONU
comenda da república
programa de auditório

A visa dura do povo pobre
paga passagem de avião, hospedagem
diárias, ajuda de custo
e uma passadinha no free shop

A vida dura do povo pobre
é discutida nas altas esferas
nos gabinetes refrigerados
nos apartamentos avarandados

A vida dura do povo pobre
não é assunto para pobres e iletrados
A vida dura do povo pobre
Está a cada dia mais dura











domingo, 13 de novembro de 2016

Preconceito llinguístico





            Eu tinha um amigo cearense que dizia que ia verter água em vez de dizer que ia mijar. Em Belo Horizonte a gente dizia que a água do copo entornou e não que derramou. Com meu pai, que era carioca, aprendi a dizer que uma coisa estava escangalhada quando queria dizer que estava quebrada ou avariada. Aqui, no litoral de Santa Catarina, ninguém vai depressa, vai ligeiro. São formas de falar. Todas elas corretas. Debochar dessas formas ou desqualificá-las é preconceito linguístico. Creio que foi a muriçoca dos baianos, a água vertida dos cearenses, a ligeireza dos catarinas e outras expressões regionais, fora do linguajar predominante, que fizeram surgir o conceito de preconceito linguístico.
Mas agora, tem gente fazendo confusão. Já escutei e li que se um aluno chega na sala de aula dizendo "nós vai", isto deve ser aceito como expressão advinda de seu meio social e não deve ser corrigido. Se alguém diz "brusinha" devemos aceitar e pronto.
Esquecem os defensores do direito de falar errado que são geralmente os mais pobres que cometem esses erros. E os cometem não por gosto, mas por virem de lares e comunidades onde o letramento não chegou pela marginalização e pelo descaso de quem teria por obrigação a formação escolar do povo. E é essa gente pobre que mais precisa trabalhar para ganhar o pão. Será que algum desses que advogam pelo vale-tudo linguístico daria trabalho na sua loja para uma pessoa que dissesse que "as brusinha custa cem real"? Será que comandando algum órgão público aprovaria a promoção de um funcionário que costumasse falar "aqui a gente somos em dez" para um posto que tivesse contato com a imprensa? Creio que não. A mocinha não conseguiria o emprego na boutique e teria que ir trabalhar no botequim onde dizer que "a cerveja e os pastel é 20 real" não faz diferença e o funcionário público iria terminar seus dias numa sala dos fundos arquivando inutilidades.
Não penso que haja má fé nem mesmo má vontade naqueles que preconizam a aceitação dos erros mais grosseiros como expressões válidas da língua, mas me parece claro que há aí preconceito quanto à capacidade de assimilação e aprendizagem dos mais pobres. Preconceito inconsciente, talvez, mas preconceito.
A prevalecer esse tipo de visão teremos certamente no futuro mais gente discriminada pelo seu modo de falar do que temos hoje. Negar que se deve corrigir é negar o direito do outro aprender.


PS: Se você, minha amiga, que me honra com a leitura desse texto fizer a gentileza de corrigir meus desacertos com a gramática e minhas vírgulas mal postas, eu agradeço.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Trump: venceu o palhaço





Trump prometeu, mas não vai entregar. Prometeu acabar com a imigração ilegal e deportar os ilegais residentes. Não pode. Grande parte da economia americana está atrelada à imigração ilegal por seu baixo custo e desobrigação de proteção social.
Na primeira eleição de Obama assisti uma reportagem em que empresários da construção dos EE.UU diziam que os preços dos imóveis subiriam uns 25% caso não pudessem usar mão de obra ilegal, barata e farta.
Trump prometeu construir um muro em toda fronteira com o México e fazer com que os mexicanos paguem por ele. Não pode. Grande parte da economia americana depende de boas relações com os mexicanos que são os maiores importadores de produtos estadunidenses no continente. Muito mais não prometeu.
O discurso de Trump é oco, tosco, mas nada burro. Falou o que os burros queriam escutar, tal qual um Bolsonaro ou uma Sheherazade. Se deu bem, agradou, venceu a eleição. Só que nos EE.UU poucos votam e muitos dão palpite. E lá (como em quase todo o mundo) quem manda é o dinheiro.
Muita gente andou escrevendo nessas horas pós eleição americana que para nós brasileiros e latino-americanos (e por que não o para resto do mundo) pouco importa quem vence as eleições nos EE.UU. Vimos um democrata negro eleito e reeleito espionar nosso país e muitos outros. Vimos o prêmio Nobel da Paz bombardear a Síria. invadir a Líbia, desestabilizar o governo egípcio, o venezuelano e o nosso, entre outras façanhas. Vimos o descumprimento da promessa de campanha de Obama de acabar com o campo de concentração de Guantánamo. O que mais poderia fazer Trump? Invadir a Venezuela? (Pensando bem, poderia sim)
Outros andaram dizendo que um arsenal nuclear de mais de 5 mil ogivas e 450 mísseis intercontinentais na mão de alguém como Trump representaria um perigo enorme para a paz. Ora bolas, de que paz estamos falando? E além do mais ninguém no mundo pensa ou precisa usar armamento nuclear. Para as potências nucleares a era das ideologias já passou. Vivemos os maravilhosos tempos dos mercados.
Devido justamente ao vazio das propostas de Trump, ninguém pode antecipar nada do que poderia ser seu governo. Certo apenas é o fortalecimento e desregulamentação de sistema financeiro americano (e consequentemente das finanças mundo afora) e mimos e agrados para o grande capital produtivo e especulativo. Trump é uma incógnita... e um palhaço.