quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

sábado, 10 de dezembro de 2016

Qual o momento certo para assumir o golpe?

Em vez de almoçar meu feijão com farofa de todos os dias preferi um ração de alpiste e semente de girassol. E nada de limonada, bebi apenas água numa tigela com a borda lascada que já não tem serventia na cozinha. É que estou tentando, através da dieta, entrar no mundo das aves para pensar como um tucano.
Parece que o método não funciona, pois a única coisa que aprendi sobre a ave bicuda é que alpiste não faz parte de seu cardápio. No mais, ando às escuras sobre o modo de pensar tucano.
Quer um exemplo? Ainda não concluí se é melhor tomar o comando do golpe logo no início do ano nomeando indirtetamente o ínclito Fernando Henrique Cardoso ou deixar que sangre o sócio minoritário da empreitada para oferecer a salvação nacional em 2018. No momento os acionistas do golpe estão cobrando suas debêntures e talvez seja melhor que o pagador seja o pequeno Temer e seu ministério ficha suja. Comprometer alguém como FHC com a agenda que está sendo implementada pode ser o prenúncio de derrota para o PSDB nas eleições presidenciais (se é que haverá eleição para presidente).
A primeira vista esse raciocínio parece lógico, cartesiano, mas tem um porém: Lula. Quem nas hostes tucanas poderia derrotá-lo num pleito? Ademais, sabendo-se da impossibilidade de unir o tucanato em torno de um nome, quem teria a mão suficientemente pesada para impor-se como candidato desafiador? Serra, o Picolé de Chuchu e Aécio já foram derrotados e se boicotaram mutuamente. Talvez um nome novo, uma espécie de João Dória. (Claro que o próprio já estará inviável para 2018. Com um ano e meio de prefeitura, o empalado já terá conquistado uma universal antipatia). Teria que ser um rico empresário, desses que ainda não foram pegos metendo a mão no dinheiro público e que mostre uma uma visceral ojeriza à política quando for pleitear o cargo politico. Mas quem? Imagino que se eu fosse tucano de verdade e não apenas um comedor de semente de girassol poderia citar uma vintena deles.
Uma possível solução para os impasses tucanos poderia estar a caminho com a posse de Trump. A mão operacional do golpe (procuradores e juízes) poderá receber ordens do sócio internacional de prender Lula e cassar-lhe os direitos políticos, Essa tese também parece lógica, mas com Lula fora da disputa e a chance de vitória tucana vai sobrar bicada pra todo lado.
Não sei se minhas dúvidas são as dúvidas ou certezas tucanas e mesmo caprichando na dieta não creio que tenha os requisitos para pensar como tucano. Me faltam um apartamento em Higienópolis e (como diria aquela jornalista) ser cheiroso




.


Não me convide





Pra fazer yoga
pra fazenda
pra ouvir disco do Renato Russo
pra saltar de paraquedas
pra beber caipirinha de frutas vermelhas
pra jogar truco
pra churrasco
pra festa junina
pro carnaval de Curitiba
pro Cirque de Soleil
pra fazer fila
pra tomar cafezinho
pro restaurante natural
pra festa na escola
pra conhecer sua sogra
pro aniversário de casamento de seus pais
pra passeio de barco
pra piscina
pra oktoberfest
pro clube
pra ver suas fotos de viagem
pra degustação de nada
pra assistir perfomance

Nem pra praia no inverno
Nem pra botequim com televisão
Nem pra festa a fantasia




quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

A elite brasileira não é elite





A elite econômica brasileira está longe de ser uma elite intelectual. Aqui, a posse de bens e recursos financeiros não redundou em refinamento de ideias ou aquisição cultural. Daí vem o fato de que quem defende seus interesses nas ruas (por ignorância, por estupidez, por ódio ou por desprezo pelos mais pobres) serem os mais violentos e boçais. Esses agitadores violentos e boçais proveem tanto do lupem proletariado quanto da classe média que se julga inteligente e detentora de todas as virtudes. Vez por outra algum artista ou intelectual se soma a essa turba que tem o delírio do linchamento, do castigo físico e moral de quem se opõe às suas ideias.
Num momento de crise como o que vivemos (crise muito mais moral e institucional que econômica) é que vemos, atônitos, o emergir dessas forças obscurantistas e boçais que julgávamos pertencerem ao passado. Não menos atônitos assistimos nulidades serem sacralizadas pela imprensa hegemônica. Debaixo de nossos narizes surgem Kataguiris e Holidays; Olavos e Sheherazades: Bolsonaros e Frotas; Moros e Gilmares que nos enchem de vergonha pelo simples fato de ostentarmos a mesma nacionalidade que eles.
Também debaixo de nossos narizes as elites econômicas tramam. depredam, saqueiam à luz do dia em escritórios e parlamentos. A mais grosseira rapinagem do que é público e poderia servir de alicerce para a construção de um país mais justo, é praticada por essas elites sem reparos ou pudor. Nada que tenha valor de mercado lhes escapa. Das terras indígenas ao petróleo; das jazidas minerais à merenda escolar, tudo é tido como pertencente, por direito divino ou de classe, às elites ignorantes e mesquinhas do Brasil.


Maravilhosa





Ela já foi tudo na vida
linda, encantadora, sexy
Hoje, é maravilhosa.
(Em tempo integral).






terça-feira, 6 de dezembro de 2016

A república sob ameaça





            Estamos diante da mais grave crise institucional da história recente do país. Um poder, o legislativo, afronta uma decisão do judiciário como se tratasse de uma disputa eleitoral do interior e não uma decisão da mais alta corte do país 
            Sem embargo, nossos políticos e muitos de nossos concidadãos preferem ficar fazendo fuxicos e questionando a idoneidade dos ministros da corte suprema. O pior e mais patético é que as opiniões sobre os ministros mudam quase que diariamente conforme as decisões que tomam e se essas decisões agradam ou desagradam determinado grupo político. 
            Uma das vítimas da toscolândia (como cunhou a Socialista Morena) em que se transformou o Brasil é a ministra Carmem Lúcia. Tudo por causa de uma frase desastrada da ministra quando assumiu a presidência do STF. Os toscos, que jamais assistiram uma sessão do Supremo e desconhecem como vota a ministra em assuntos cruciais, produzem memes e caricaturas de Carmem Lúcia, debocham de seu cabelo e lhe ponhem apelidos infantis. Parece que não se dão conta que é o STF o guardião da constituição e que essa constituição está sob ameaça. 
            Temo que algum jurista a soldo de interesses inconfessáveis possa achar na constituição alguma lacuna para, diante da desobediência de Renan, justificar uma intervenção militar.

Solar





Ontem
vi uma foto
em que sorrias
e entendi
porque tua cidade
é tão ensolarada.




quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Vida, minha vida





Minha vida
é um passeio de bicicleta.

Ladeira acima com vento contra

Minha vida
é um carnaval

em Curitiba

Minha vida
é um eterno domingo

em frente à televisão

Minha vida
é um cabernet sauvignon

de São Roque

Minha vida
é uma sinfonia de Mahler

no rádio de pilha

Minha vida
são fogos de artifício

no gol da Argentina

Minha vida
é um poema de João Cabral

declamado por Cid Moreira

Minha vida
é o sol raiando

segunda-feira

Minha vida
daria um livro

de auto-ajuda

Minha vida
daria um filme

da sessão da tarde




terça-feira, 29 de novembro de 2016

Repressão

Em 77, eu assistia um programa de TV. Era entrevistado o comandante da polícia militar do Rio. Questionado sobre os desvios de policiais, o coronel disse que se tratava de uma minoria que usava da farda para praticar extorsão, abuso de autoridade e cobrar propina de traficantes. Uma minoria, nada mais.
Naquele tempo eu viva na noite, nas ruas, nas quebradas e sabia que pagar para não ser preso por fumar um baseado era a norma. Muitas vezes vi o camburão parado ao pé do morro Santa Marta esperando algum garoto descer com a grana que o pessoal do tráfico mandava. Vi, enquanto esperava para poder subir o morro, os canas batendo umas carreiras no retrovisor da viatura por puro exibicionismo, afinal poderiam cheirar dentro do carro. Noutra ocasião, um amigo meu comprou toda a brizola e o bagulho que queria dentro da joaninha que lhe havia pego subindo o Livramento.
No noticiário sempre havia algo sobre policiais que integravam quadrilhas, vendiam armas ou participavam diretamente de assaltos. Aquela história de minoria pra mim não colava. Comecei a colecionar recortes de jornais em que apareciam crimes praticados por policiais. (Claro que violência policial não era notícia naqueles tempos de ditadura e o que eles tiravam dos que fumavam um tampouco virara manchete).
Fui guardando os recortes numa pasta de papelão, daquelas com elástico nos cantos e uns dois anos depois a pasta estava cheia, estufada. Numa de minhas muitas mudanças acabei jogando a pasta fora. De nada me servia.
Hoje, que grande parte da população pode registrar com seus celulares tudo o que passa, as redes sociais estão repletas de vídeos de violência praticada por policiais militares contra cidadãos. As vítimas preferenciais são os jovens negros da periferia. O escracho é a rotina de quem vive nos morros e favelas. O governo do Rio resolveu institucionalizar o desrespeito e a violência de seus agentes criando as UPPs. O toque de recolher imposto por policiais a seu bel prazer nas comunidades periféricas virou algo comum. Casos com o do pedreiro Amarildo se multiplicam sem que haja repercussão na imprensa. Trabalhadores são mortos porque, segundo os policiais, portavam uma furadeira ou outro objeto que fora confundido com uma arma. Meninos são mortos na porta de suas casas quando a polícia chega atirando em locais densamente povoados e não há processo nem responsabilização por essas mortes.
Quando algum juiz ou membro do ministério público resolve investigar a ação de policiais nas milícias e outras organizações criminosas, a morte os alcança como aconteceu com a juíza Patrícia Acioli.
Uma parcela da população, idiotizada pelos programas policialescos ou por preconceito de classe, apóia a violência da polícia contra os pobres.
Agora, é o governo federal que faz uso da violência policial para reprimir manifestações pacíficas de estudantes e outros cidadãos. As vítimas dessa violência deixam de ser os jovens negros da periferia. A brutalidade alcança os meninos e meninas da classe média. Isso foi o que se viu ontem em Brasília e que já havia sido visto em outras manifestações. Talvez, apenas talvez, aqueles que tanto defendiam as ações criminosas da polícia passem a ver do que eles são capazes quando recebem carta branca para usar a força. Mas aí talvez, só talvez, já seja tarde.













terça-feira, 15 de novembro de 2016

A vida dura do povo pobre





A vida dura do povo pobre
rende fotografias premiadas
teses de doutorado
discursos inflamados

A vida dura do povo pobre
provoca ásperas discussões
nos restaurante à beira mar
e nos almoços dominicais

A vida dura do povo pobre
quase estraga amizades
indispõe parentes
já desmanchou noivados

A vida dura do povo pobre
faz brotar partidos políticos
grupos de debates
e toda espécie de organizações

A vida dura do povo pobre
alivia consciências benemerentes
no chá servido pela empregada
uniformizada e mal paga

a vida dura do povo pobre
tem dado emprego
a assessores, secretários, pesquisadores
e a seus filhos estagiários

A vida dura do povo pobre
tem alicerçado carreiras
tem dado prestígio
tem construído reputações

A vida dura do povo pobre
ganha prêmio da ONU
comenda da república
programa de auditório

A visa dura do povo pobre
paga passagem de avião, hospedagem
diárias, ajuda de custo
e uma passadinha no free shop

A vida dura do povo pobre
é discutida nas altas esferas
nos gabinetes refrigerados
nos apartamentos avarandados

A vida dura do povo pobre
não é assunto para pobres e iletrados
A vida dura do povo pobre
Está a cada dia mais dura











domingo, 13 de novembro de 2016

Preconceito llinguístico





            Eu tinha um amigo cearense que dizia que ia verter água em vez de dizer que ia mijar. Em Belo Horizonte a gente dizia que a água do copo entornou e não que derramou. Com meu pai, que era carioca, aprendi a dizer que uma coisa estava escangalhada quando queria dizer que estava quebrada ou avariada. Aqui, no litoral de Santa Catarina, ninguém vai depressa, vai ligeiro. São formas de falar. Todas elas corretas. Debochar dessas formas ou desqualificá-las é preconceito linguístico. Creio que foi a muriçoca dos baianos, a água vertida dos cearenses, a ligeireza dos catarinas e outras expressões regionais, fora do linguajar predominante, que fizeram surgir o conceito de preconceito linguístico.
Mas agora, tem gente fazendo confusão. Já escutei e li que se um aluno chega na sala de aula dizendo "nós vai", isto deve ser aceito como expressão advinda de seu meio social e não deve ser corrigido. Se alguém diz "brusinha" devemos aceitar e pronto.
Esquecem os defensores do direito de falar errado que são geralmente os mais pobres que cometem esses erros. E os cometem não por gosto, mas por virem de lares e comunidades onde o letramento não chegou pela marginalização e pelo descaso de quem teria por obrigação a formação escolar do povo. E é essa gente pobre que mais precisa trabalhar para ganhar o pão. Será que algum desses que advogam pelo vale-tudo linguístico daria trabalho na sua loja para uma pessoa que dissesse que "as brusinha custa cem real"? Será que comandando algum órgão público aprovaria a promoção de um funcionário que costumasse falar "aqui a gente somos em dez" para um posto que tivesse contato com a imprensa? Creio que não. A mocinha não conseguiria o emprego na boutique e teria que ir trabalhar no botequim onde dizer que "a cerveja e os pastel é 20 real" não faz diferença e o funcionário público iria terminar seus dias numa sala dos fundos arquivando inutilidades.
Não penso que haja má fé nem mesmo má vontade naqueles que preconizam a aceitação dos erros mais grosseiros como expressões válidas da língua, mas me parece claro que há aí preconceito quanto à capacidade de assimilação e aprendizagem dos mais pobres. Preconceito inconsciente, talvez, mas preconceito.
A prevalecer esse tipo de visão teremos certamente no futuro mais gente discriminada pelo seu modo de falar do que temos hoje. Negar que se deve corrigir é negar o direito do outro aprender.


PS: Se você, minha amiga, que me honra com a leitura desse texto fizer a gentileza de corrigir meus desacertos com a gramática e minhas vírgulas mal postas, eu agradeço.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Trump: venceu o palhaço





Trump prometeu, mas não vai entregar. Prometeu acabar com a imigração ilegal e deportar os ilegais residentes. Não pode. Grande parte da economia americana está atrelada à imigração ilegal por seu baixo custo e desobrigação de proteção social.
Na primeira eleição de Obama assisti uma reportagem em que empresários da construção dos EE.UU diziam que os preços dos imóveis subiriam uns 25% caso não pudessem usar mão de obra ilegal, barata e farta.
Trump prometeu construir um muro em toda fronteira com o México e fazer com que os mexicanos paguem por ele. Não pode. Grande parte da economia americana depende de boas relações com os mexicanos que são os maiores importadores de produtos estadunidenses no continente. Muito mais não prometeu.
O discurso de Trump é oco, tosco, mas nada burro. Falou o que os burros queriam escutar, tal qual um Bolsonaro ou uma Sheherazade. Se deu bem, agradou, venceu a eleição. Só que nos EE.UU poucos votam e muitos dão palpite. E lá (como em quase todo o mundo) quem manda é o dinheiro.
Muita gente andou escrevendo nessas horas pós eleição americana que para nós brasileiros e latino-americanos (e por que não o para resto do mundo) pouco importa quem vence as eleições nos EE.UU. Vimos um democrata negro eleito e reeleito espionar nosso país e muitos outros. Vimos o prêmio Nobel da Paz bombardear a Síria. invadir a Líbia, desestabilizar o governo egípcio, o venezuelano e o nosso, entre outras façanhas. Vimos o descumprimento da promessa de campanha de Obama de acabar com o campo de concentração de Guantánamo. O que mais poderia fazer Trump? Invadir a Venezuela? (Pensando bem, poderia sim)
Outros andaram dizendo que um arsenal nuclear de mais de 5 mil ogivas e 450 mísseis intercontinentais na mão de alguém como Trump representaria um perigo enorme para a paz. Ora bolas, de que paz estamos falando? E além do mais ninguém no mundo pensa ou precisa usar armamento nuclear. Para as potências nucleares a era das ideologias já passou. Vivemos os maravilhosos tempos dos mercados.
Devido justamente ao vazio das propostas de Trump, ninguém pode antecipar nada do que poderia ser seu governo. Certo apenas é o fortalecimento e desregulamentação de sistema financeiro americano (e consequentemente das finanças mundo afora) e mimos e agrados para o grande capital produtivo e especulativo. Trump é uma incógnita... e um palhaço.





sábado, 29 de outubro de 2016

Minas





Meu estado é grave
meu estado é crítico
meu estado é desesperador
meu estado é irreversível

Meu estado é Minas Gerais




domingo, 9 de outubro de 2016

PV: do Olimpo à lama





            Foi em 90 ou 91. Não, foi em 90 mesmo. Final de 90. Eu assistia um programa de TV e o convidado era o Gabeira. O assunto, é claro, era política e os resultados das eleições que depositaram no Planalto o infame Collor de Merda.
            Gabeira, que fora candidato pelo Partido Verde à presidência, falava de sua legenda , sobre os novos tempos, sobre o moderno e o arcaico. Dizia que o PV cresceria, pois era um partido voltado para o futuro, para as novas formas de luta e preocupações dos cidadãos, enquanto outros partidos que já não representavam nada estavam fadados ao desaparecimento. Como exemplo citou o PFL que tivera fraco desempenho naquelas eleições com a candidatura de Aureliano Chaves.
            Mais por vontade que aquilo fosse verdade do que por reflexão, concordei com Gabeira. O PFL parecia mesmo que já tinha dado o que tinha de dar e a temática ambientalista estava em alta no mundo todo. Seria o momento dos verdes crescerem. Sem minha simpatia, mas cresceria. Eu acreditava e continuo acreditando que as lutas fragmentadas (dos ambientalista, das mulheres, dos homossexuais e outras) não atingem diretamente o inimigo comum que é o capitalismo.
            Claro que Gabeira e eu estávamos equivocados. O PFL não só continuou vivo e atuante como chegou ao poder em aliança com o PSDB de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, de roupinha nova, possui uma bancada de vinte e sete deputados federais e quatro senadores. Mas e os verdes?
            Bem, os verdes que se apresentavam como a última bolacha do pacote caminharam a passos largos para se alinharem com o pefelê. No Rio, participaram do governo César Maia sem o menor constrangimento e em outros estados também compuseram governo ao lado de pefelistas e outras forças reacionárias. Seu candidato à presidência na última eleição, Eduardo Jorge, disse que é isso mesmo, que eles se alinham e participam de qualquer governo que os convidem. Mas não é apenas esse pragmatismo de fim de feira que depõem contra o partido. Em todas as últimas votações na Câmara, a bancada do PV votou com a direita mais botinuda, conservadora e entreguista.
            Agora foi a vez de Evandro Gussi (PV-SP) dar sua contribuição ao atraso, à discriminação e ao ódio. O verde paulista é um dos signatários do projeto de autoria do deputado João Campos (PRB-GO) que quer suspender o direito de travestis e transsexuais que trabalham no serviço público de usarem seu nome social nos crachás e documentos oficiais. Do Olimpo pós moderno à lama fundamentalista de João Campos em menos de três décadas.
            Quanto a Gabeira, quem diria, despiu a sunga que tanto sucesso fez naqueles anos de redemocratização e hoje aparece ao lado de Kim Kataguiri e Fernando Holiday numa foto que atenta contra o pudor.




         

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Juninho no McDonalds





            Era um documentário sobre a Rússia que eu já peguei começado. Uma câmera colocada dentro de um automóvel mostrava um enorme fila. O carro avançava e a fila não terminava. Minutos e mais minutos e a fila continuava. Pensei que se tratasse de alguma crítica sobre a precarização dos serviços de saúde naquele país ou, quem sabe, era a população buscando auxílio desemprego ou algo assim. Que nada. Após muitos minutos de câmera ligada e carro rodando pude ver que se tratava de uma fila para a inauguração do McDonalds em Moscou.
            Eu também fui ao McDonalds quando a rede de lanchonetes abriu suas lojas no Rio. Claro, não foi no dia da inauguração, mas uns meses depois. Fui e nunca mais voltei. Achei tudo ruim pra burro. Depois da experiência com o insulso sanduíche e o refrigerante aguado por quilos de gelo, quando batia a fome da madruga e não havia um Angu do Gomes por perto, eu buscava aquele ovo cozido em algum botequim honesto..
            Sei que esse negócio de paladar é que nem cu: cada um tem um. Conta a lenda que existe gente que gosta de sushi e tofu se bem que não há estudos confiáveis que confirmem isso. No caso da lanchonete americana imagino que haja quem goste das iguarias lá servidas, mas ainda assim é incrível que os consumidores não se revoltem com a propaganda enganosa. Na publicidade exibida na TV e mesmo em fotos dentro das lojas, os sanduíches têm, no mínimo, o dobro de tamanho e sua aparência é muito mais convidativa às mordidas do que os que são servidos. Mas os consumidores nada dizem e fazem fila. Por que se deixam enganar? Ora, é a propaganda que faz isso. A propaganda pode tudo quando trata com os menos críticos, com os distraídos e com os sugestionáveis.
            É a força da propaganda que explica que alguém vote no João Dória, o Juninho, e vá ao McDonalds.. Tal qual o sanduíche mixuruca, o candidato que lidera as pesquisas de intenção de votos em São Paulo, é uma farsa, uma enganação. Sem a propaganda seria impossível tragar o sanduíche e o playboy cafona, mas graças aos publicitários e marqueteiros lá estão eles: no topo das preferências.





segunda-feira, 26 de setembro de 2016

As palavras que amo





Procela plangente
estuário alvinitente
apologia
hemoptise sarcófago
amuleto Candomblé
Orgia arguto
malandro meandros
carambola
Ciprestes andrajos
sinecura apanágio cronologia
Carnaval
Algibeira circunlóquio
bunda vagabunda
Hermafrodita Súcubo sátiro
Oboé


Perfil





            Já sou velho. Não digo gratidão em vez de obrigado, acho bobo. Não envio vibes nem good nada. Não suporto ouvir namastê e outras orientalices. Não como com pauzinhos nem a pau. Acho esse negócio de cerveja artesanal muito metido a besta. Quando leio empoderamento e resiliência quase tenho um troço. Não acho que tenha a obrigação de ser feliz nem de me reinventar. Não uso vinagre balsâmico nem como broto de porra nenhuma. Não idolatro cachorros. Não freqüento a barraca dos orgânicos nem o restaurante natural. Fumo e bebo cerveja barata. Homem barbado andando de skate me dá asco. Não tenho tatuagens. Não faço yoga. Gosto de futebol e mulher sem calcinha. Jogo guimba na rua, mijo na rua, cuspo na rua. Gosto da rua. Não separo o lixo, ou melhor, separo do lixo o que preciso. Ouço músicas antigas, falo gírias antigas. Tenho paixões antigas. Gosto de coca-cola, empadinha de galinha e pimenta.  Não vivo sem feijão nem samba. Leio poesia. Não leio jornais. Escuto o Odair José e o Roberto Carlos e acho o Renato Russo o fim da picada. Tenho manias, fetiches e implicâncias. Nunca tenho dinheiro. Cultivo rancores, manjericão e erva cidreira. Me emociono com Janis Joplin e Clara Nunes. Choro ouvindo Nana Caymmi e Isaurinha Garcia. Simpatizo com os gays, admiro as lésbicas e amo as travestis. Nunca li Proust nem Haroldo de Campos. Li quase tudo do Bucowski e do Isaac Bashevis Singer. Meu poeta favorito é João Cabral. Não tenho diplomas. Nunca usei gravata. Não sei dirigir. Sou ateu, mas gosto do candomblé. Prefiro cinema brasileiro, mas acho Terra em transe um saco. Entre Rita Cadilac e Gisele Bunchen fico com a chacrete. Considero a bicicleta, a máquina de lavar e a sardinha em lata as três maiores invenções da humanidade. 




domingo, 25 de setembro de 2016

Os ex-paneleiros e a cidade aberta.





            Já faz um tempo. Dois ou três anos. Eu escutava a Ivana Bentes falando num programa de TV. Não lembro qual era o tema da discussão, mas num determinado momento a professora citou um filme que é um dos meus favoritos: "Roma, cidade aberta" de Rosselini. Disse Ivana que quem assiste o filme tem a impressão de que havia naquele momento da história italiana um governo fascista e uma sociedade anti-fascista, nas que a impressão é equivocada e que o governo dos camisas pretas tivera e continuava a ter, mesmo naqueles dias finais do regime infame, grande apoio popular.
            Confesso que nunca havia pensado no filme sob esse ângulo. Toda vez que o recordo me vem à mente aquela última cena protagonizada por Anna Magnani em que a personagem corre desesperada pelo destino de seu amado. É cena para se assistir com a respiração presa, num só fôlego. Um dos momentos mais belos e tocantes do cinema italiano. O que disse  Ivana Bentes não turvou meu fascínio pelo filme, apenas me chamou a atenção para a questão da auto-imagem que têm as sociedades.
            Na produção de 1946, Rosselini queria que aquilo tivesse sido verdade. Queria que seus compatriotas tivessem agido daquela forma, execrando o regime que por mais de doze anos comandou a política de seu país, mas simplesmente não fora assim. O regime fascista foi apoiado pelo povo italiano até seus estertores. Claro que esse apoio diminuiu com o desenrolar da guerra e das agruras pelas quais a população teve de passar.
            Entre nós aconteceu o mesmo com relação à ditadura civil-militar começada em 64. Quem hoje assisti aos documentários sobre as multitudinárias manifestações pelas eleições diretas poderia supor que durante todo o tempo em que durou o regime de exceção a sociedade brasileira era crítica com relação aos governantes de fato e suas políticas. Na verdade o que viabilizou o movimento pelas dietas foi a crise econômica que o país vivia depois de alguns anos de "milagre brasileiro". A classe média já não usufruía das benesses da ditadura, a bolsa de valores deixou de produzir novos ricos e a repressão desenfreada  também matava jovens e profissionais vindos das classes mais abastadas. Criou-se um caldo de cultura que, jogando o povo nas ruas, possibilitou o fim do regime. Como não foi um movimento político organizado o fim do regime pode ser negociado mantendo em posição de destaque na cena pública figuras que sempre apoiaram qualquer regime e quaisquer métodos  que lhes garantisse os privilégios de classe. E aí estão até hoje. E não só no congresso, governos e prefeituras. Estão também nas ruas, nas varandas gourmet e salões da casa grande.
            Hoje, ex-paneleiros fazem coro de "Fora Temer" como se a presença do decorativo no comando da nação não fosse, em grande parte, por obra das panelas e passeatas verde-amarelas que esses neo democratas protagonizaram ao lado de Malafaia, Bolsonaro, Alexandre Frota e outros que tais. Não me comovem.



         
         

terça-feira, 23 de agosto de 2016

A bandeira de Florentino Ariza





Não te invejo, Florentino Ariza
pelas mulheres que possuíste
às centenas
Tampouco te invejo, poeta
pela fortuna que amealhaste
aos milhões.
O que sim te invejo, velho Florentino
é a bandeira  do cólera que tinhas
e porque a hasteaste.








quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Elke Maravilha





            Eu andava aí pelos meus 13, 14 anos e  havia me mudado de bairro. Não tinha ainda feito amigos. Além do mais, minha casa ficava numa movimentada avenida. Esse tipo de lugar pouco propício às turmas de esquina. Para completar estava de férias. Eu vivia uma solidão que combatia jogando botão sozinho, escutando rádio e me iniciando nas primeiras leituras. Também fazia longas caminhadas pelo novo bairro. Nos fins de semana, confesso, eu assistia o programa do Silvio Santos. Todo o programa. Da manhã à noite. Ainda o tenho na memória. Creio que não se difere muito do que é apresentado hoje, passados mais de quarenta e cinco anos
            O primeiro quadro do programa reunia os compradores do carnê do Baú da Felicidade que haviam sido sorteados para participar de um concurso de perguntas e respostas. Os prêmios eram ótimos e minha mãe, que pagava o tal carnê, me havia prometido que caso fosse sorteada mandaria a mim responder as perguntas do programa. Eu acertava todas desde meu sofá. Seria barbada. Eu ia ganhar a casa ou o carro. No mínimo o carro.
            Havia também no interminável programa uma parte musical. Aí não se apresentavam os grandes nomes da musica popular brasileira que vivia uma de suas épocas de ouro, apenas cantores que faziam sucesso popular. Lembro de Waldick Soriano, Dom e Ravel, Os Incríveis com seu "Eu te amo meu Brasil" e de uma cantora que cantava "nosso amor foi uma aposta" Havia, como em todos os programas de auditório daquela época, um juri que criticava ou elogiava as canções apresentadas. Num daqueles domingos,  um dos jurados criticou duramente a música apresentada por um cantor novato. Era uma  música romântica cafona que ameaçava fazer sucesso nas rádios Claro que esse era o jurado ranzinza. Em socorro do rapaz acudiu Elke Maravilha que era a jurada simpática. Disse Elke que a música era boa e não era dessas músicas de gente que faz demagogia. Não lembro como nem porque, mas eu sabia que ela estava se referindo a Chico Buarque que naquele ano lançara Construção.
         Chico era (e ainda é) meu ídolo musical e a música,com suas rimas feitas todas com proparoxítonas, me parecia (e ainda me parece) uma maravilha. Desde aquele dia, coloquei  Elke Maravilha no rol dos muitos artistas que bajulavam a ditadura, pois para mim, que entrava na adolescência naqueles tempos de clara dicotomia, quem criticasse Chico só podia ser a favor da ditadura. Nunca mais simpatizei com Elke.
            Ao contrário de Dom e Ravel e os Incríveis que ficaram umbilicalmente ligados aos tempos de censura e repressão e foram apagados da cena artística, Elke sobreviveu. Depois do programa do Silvio Santos ela foi para o do Chacrinha e ficou conhecida e querida por todos. Creio que só eu me lembro do triste episódio ocorrido no distante domingo de 71.
            Ontem soube de sua morte e confesso que fiquei triste. Não sei porque, mas fiquei triste.
         

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Perdão





Queria saber como tocar-te
e não  ferir-te
Queria poder falar de nós
e não trazer-te más lembranças
Queria dedicar-te um poema
e não sentir vergonha
dos versos pobres
que nunca serão dignos de ti
(assim como eu)
Queria pedir-te o perdão
que não consigo dar-me





A Presidente Cármen Lúcia




            A Ministra Cármen Lúcia, nova presidente do STF,  falou uma bobagem. Disse ser amante da língua e por isso quer ser chamada de presidente. Não é a primeira pessoa que comete esse erro desde que Dilma disse preferir a forma presidenta. O vocábulo presidenta está nos dicionários desde 1872. Muitos ignoram, inclusive gente que vive do ofício de escrever. Cármen Lúcia poderia ter dito que gosta mais de presidente e pronto, mas preferiu alegar seu amor pelo idioma. Ficou feio, até grosseiro e a Ministra passou a ser alvo dos ataques de petistas que viram na sua fala uma ofensa à Presidenta Dilma.
            Muitos dos que criticam a Ministra jamais assistiram uma sessão do Supremo, jamais acompanharam os votos de Cármen Lúcia. No entanto, creem que podem julgá-la assim como fizeram com o Ministro Joaquim Barbosa quando este mostrou no seu relatório toda a podridão que havia dentro do governo no caso do mensalão.
            Cármen Lúcia foi a primeira autoridade do judiciário a tornar público seus vencimentos tão logo a lei de transparência foi aprovada. A Ministra dirige seu próprio carro e dispensa motorista pago com verba pública. Ao contrário de muitos petistas e de seus aliados, dá mostras de honestidade e competência. Diferentemente de certo ministro da Corte Suprema, cuja preferência política norteia o voto, os votos da Ministra Cármen Lúcia são sempre estribados em vasto conhecimento jurídico. Assisti a vários julgamentos do STF em que a Ministra deixou isso claro. Pelo menos para meu leigo entendimento.
            Certa vez, ela dirigiu palavras duras contra integrantes do governo pegos com as mãos em dinheiros públicos. Isso a indispôs com alguns petistas acríticos que querem negar que houve corrupção nos governos do PT. (Há ainda hoje os que negam o mensalão).
            Agora começaram a aparecer fotos "comprometedoras" da Ministra  postadas por indignados petistas. Acabei de ver uma na minha página do facebook em que a vemos  ao lado de Antônio Anastasia, ex governador mineiro e relator do processo de impeachment no senado. É omitida a data da foto e seu contexto. Como a ministra está togada possivelmente se trate de algum beija mão nas dependências do Supremo. 
            Até pouco tempo ninguém sabia das falcatruas de Anastasia que já foi aliado do PT em Minas, sendo inclusive elogiado pela Presidenta Dilma que o tratou como parceiro em um comício no qual pregava a continuação da aliança com o PSDB naquele estado visando as eleições de 2012 para a prefeitura de B.H. (Há fotos do comício)
            Aliás, postar fotos "comprometedoras" é uma coisa que os petistas e seus aliados deveriam evitar. Ou será que já se esqueceram da foto do Presidente Lula e do então candidato Haddad com Maluf? Ou das fotos de Jandira Fegalli com Eduardo Paes, Sérgio Cabra Filho e outros integrantes do PMDB fluminense? Ou ainda da foto de Lindbergh Farias sorridente ao lado de Collor quando este apoiava o governo e ajudava o PT a manter na presidência do Senado o indefectível José Sarney?
            Para muitos petistas quem não demonstra apoio incondicional ao partido e não é subserviente à legenda, é golpista. Fingem ignorar que os verdadeiros golpistas estavam ate ontem na vice presidência, compondo a base de apoio do governo e ocupando ministérios.
            Hoje, os petistas já não ofendem o ex-Ministro Joaquim Barbosa como faziam na época do julgamento do mensalão. Barbosa, cioso da legalidade, anda espinafrando o processo de impeachment que tenta tirar o mandato da Presidenta Dilma. Tampouco elogiam o Ministro Lewandowski, que julga o processo no Senado, como faziam quando ele defendia com unhas e dentes José Dirceu e outros petistas na Ação 470.
            Mas para os desesperados petistas a ficha não cai e os que descarregam sua fúria contra a Presidente Cármen Lúcia por causa de uma frase desastrada são os mesmo que deram de elogiar Kátia Abreu.








quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Galvão Bueno e as coxas de Dona Telma





            Sempre me arrependo de ter abandonado a escola. Eu gostava da escola. Não lembro de ter faltado a um dia de aula sequer. Houve um tempo que eu ia até aos domingos pra escola, que ficava aberta para que os alunos tivessem um lugar de recreação e estreitassem laços de amizade. Muita gente ia. O pátio ficava cheio e era legal ver os colegas e, principalmente, as colegas em roupas civis.
            Durante os dias letivos (de segunda a sábado) havia a camaradagem, as peladas e as primeiras paqueras. E havia as professoras. Quase todos os mestres eram professoras. Quase todas mal entradas na casa dos trinta anos ou nem isso. Lembro de Dona Telma, professora de português que me apresentou Drummond e Rubem Braga. (Os dois autores tinham textos no nosso livro didático, mas acho que foi ela que me fez gostar deles. Não saberia explicar porquê.) De Dona Helena que ensinava desenho e era capaz de traçar um círculo perfeito à mão livre no quadro negro. De Dona Maria Helena, professora de história, que tinha alergia à giz e passava toda a aula coçando o nariz com a parte externa das unhas compridas. Era muito charmosa coçando o nariz. Teve também uma professora de matemática que só lecionou no primeiro ano do ginásio e de quem não consigo lembrar o nome. Ela era gaga e falava cantando para contornar o problema. Era a mais bonita. Pelo menos para nosso gosto adolescente. Hoje sei que a mais linda era Dona Telma, uma ruiva maravilhosa. Quando digo ruiva é ruiva mesmo e não uma mulher com o cabelo pintado de vermelho. Ela era todas sardas e nós, meninos de 12, 13, 14 anos, nos perguntávamos aonde iriam parar aquelas pintas cor de ferrugem. Estávamos no tempo das mini-saias.
            Mas fico lembrando das coxas de Dona Telma e quase me esqueço de quem queria falar. Foi de Dona Beatriz que me lembrei umas noites atrás. Ela ensinava ciências, era baiana e também tinha lindas coxas, embora suas mini-saias fossem menos reveladoras que as de Dona Telma. Era séria e simpática. Suas aulas eram ministradas no laboratório onde abríamos rãs, misturávamos produtos químicos e víamos no microscópio nossas células. Bico de Bunsen, pipeta, proveta, foram nomes que aprendi aí e nunca esqueci. Foi também com Dona Beatriz que  tivemos nossas primeiras aulas de educação sexual. Estou certo de que essas aulas estavam fora do currículo, que eram iniciativa da mestra. Aqueles anos eram anos de chumbo. A ditadura, que estava no auge do autoritarismo, da censura e da tortura, também tinha seu vezo moralista e duvido que o MEC autorizasse tais classes. Foi Dona Beatriz quem quis nos instruir nas questões sexuais.
            A essa adorável professora devo o conhecimento de meu primeiro ídolo científico: Arquimedes. Até então, Eureka era para mim apenas o nome de uma rede de lavanderias de Belo Horizonte. Com Dona Beatriz conheci um sábio que até hoje tenho por gênio. Depois, conheci outros que também passaram a figurar no panteão de minhas devoções. Vieram Tales de Mileto, Leonardo da Vinci, Einstein, Hawking  E nas artes, Bach, Mozart, Van Gogh, Dostoiévski, De Sica.
            Toda vez que vejo um documentário sobre Arquimedes ou leio algum artigo sobre novas descobertas científicas penso, com carinho, em Dona Beatriz e na sorte de ter sido aluno de tão boas e lindas professoras naquela escola do SESI, na cidade industrial de Contagem.
           Mas dessa vez quem me fez lembrar da mestra e de Arquimedes foi Galvão Bueno. Pois é, logo ele. O que se deu foi o seguinte: Estava acompanhando o jogo da seleção feminina de futebol e para meu espanto cortaram a transmissão para mostrar uma prova de natação na qual participava Michael Phelps. Para cúmulo a prova era narrada por Galvão Bueno. Quase tive um piti. Terminada a disputa, vencida pelo nadador americano, Galvão, em pouco mais de um minuto e meio, chamou Phelps de gênio pelo menos umas cinco vezes. Isso mesmo, para Galvão Bueno um cara que nada rapidinho pode ombrear-se com Arquimedes. Pode medir-se com Van Gogh. Pode comparar-se com Bach. Qualquer bacalhau, baiacu ou tainha faz melhor o que Phelps faz, mas para Galvão o sujeito é um gênio.
            Prefiro ficar com o meu panteão inaugurado nas aulas de Dona Beatriz. Nele não há lugar para bagres nem pacus e muito menos para um sujeito que dá voltas numa piscina.
            Pelo menos o chatíssimo narrador me fez lembrar dos dias felizes da escola, de Arquimedes, de Dona Beatriz e das coxas sardentas de Dona Telma. Que saudade. Que coxas!
         
         

         

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Os dias felizes





Naqueles dias
felicidade
era buscar conchinhas perfeitas
e escrever com elas
teu nome na areia




sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Magda





            Magda era doida. Acho que era isso o que me atraia nela. Sempre gostei de mulher doida. Não lembro como nos conhecemos, mas houve um momento em que estávamos gostando um do outro. Ela gostava à sua maneira doida de gostar. Eu me apaixonava fácil. Nos entendíamos. Às vezes.
            Naqueles dias, eu tinha uma namorada e tentava conciliar o namoro com meu caso com Magda. Ela era casada, mas tinha menos problemas que eu para manter as coisas equilibradas. Assim são os doidos.
            Não havia um encontro com Magda que fosse normal. Um dia ela me levou até a porta do apartamento onde morava com o marido e as duas filhas para arrumar um dinheiro para irmos pro hotel. O prédio ficava na Rua da Relação e isso me causava graça. Demorou mais de meia hora lá dentro e eu ali no corredor tentando planejar uma rota de fuga caso fosse necessário e sem saber o que esperar: se um marido furibundo vindo tirar satisfação com um amante tão folgado ou uma noite de amor.  Noutra ocasião a levei pro melhor hotel vagabundo que conhecia e ela, depois de entrar no quarto e se despir a meias, cismou que não queria transar. Não houve jeito. Desisti. Fomos embora rumo a Santa Teresa e no meio duma escadaria deserta ela resolveu que queria e já estávamos nisso quando ouvimos vozes antes de vermos uns caras descendo os degraus em nossa direção. Onde estava, fiquei. Consegui manter a concentração no que estava fazendo enquanto os caras passavam por nós. Os caras foram discretos. Só deram uma olhadinha e seguiram seu caminho.
            Mesmo sendo casada e tendo duas filhas pequenas, Magda estava sempre na noite e sempre só. Algumas vezes a vi acompanhada de seu amigo Guaraná, uma figurinha difícil, de poucas palavras e olhar gateado. Eu não o suportava. Acho que por ciúmes. Nunca soube se ele era gay ou bi e isso me inquietava.
            Magda tinha uma voz doce e misturava seu sotaque do norte de Minas com o palavreado carioca. Tinha seu charme. Não era bonita, acho até que éramos parecidos. Magrinha, de poucas curvas e andar de menino não era tampouco uma mulher que alguém chamaria de gostosa. Acho que era mesmo seu jeito de doida mansa o que me cativava.
            Nosso caso durou mais de um ano. Mais que o namoro que eu tinha quando a conheci, mais que outros namoros. Por um tempo levei uma foto sua na carteira e um dia terminamos. Foi uma briga feia. Levei mais de vinte pontos no antebraço direito. A costura feita por algum residente do Souza Aguiar numa madrugada de sexta pra sábado deixou uma cicatriz repuxada que dói quando faço esforço. Nessas horas me lembro de Magda. Com carinho.




Espelho





Como devem ser felizes essas pessoas que não se arrependem de nada.
que fariam tudo novamente, tal e qual
Como devem passar bem os que não têm culpas para carpir
remorsos para atormentar-se, dores e saudades
Como devem viver contentes os quem têm a sensação do dever cumprido
com o mundo, consigo, com os outros.
Como devem desfrutar os dias
os que miram o espelho sem asco.




quinta-feira, 21 de julho de 2016

terça-feira, 19 de julho de 2016

Jogo da vida





Não conheço as regras
não sei se há algum adversário
nem quando começou o embate
mas sei que a derrota é iminente.




quinta-feira, 14 de julho de 2016

Esplendor





Pobre lua que já vai morrendo
na claridade
sem pôr mechas de prata em teus cabelos
Desaventurado vento que tanto viajou
procurou e se perdeu
e nunca brincou com tua saia
Coitadinhas das flores que murcham
sem conhecer
o toque dos teus dedos
E numa página qualquer
dorme esquecida a palavra esplendor
sem saber que foi criada
só para falar de ti.







segunda-feira, 4 de julho de 2016

Os meus





Gosto de gente que fuma
Dos que bebem sozinhos
Simpatizo com os solitários
Me fascinam os calados e taciturnos
Aprecio os rancorosos e os tristes
Me agradam os desiludidos e os pessimistas
E tenho uma queda por mulheres desbocadas
por maquiagem borrada
e outras marcas da noite






A tirana





A morte, essa besta
ossuda e malcheirosa
quer mostrar-se justa
mas é uma tirana. Tirana e louca
Finge que extingue
sem preconceito ou exclusão.
No entanto são muitas as valas comuns
poucos os mausoléus.



sábado, 2 de julho de 2016

Gentinha





            Eu quase começo dizendo que fiquei indignado, mas não vou dizer isso.. Melhor não. Há, nesses dias interessantes que vivemos, tantos fatos que merecem a minha e a sua indignação que seria demasiado usar o termo para o que vou relatar. Assim que vou começar dizendo que fiquei puto. Apenas puto.
            O fato que me deixou em estado de putidão se deu num programa de televisão. Um programa esportivo. Era o Linha de Passe da ESPN Brasil (?) da última segunda-feira. O assunto era a derrota da Argentina para o Chile na final da Copa América e as declarações dadas por Messi depois do jogo. Disse o jogador que abandonaria a seleção de seu país.Os comentaristas que compunham a mesa foram unânimes em lamentações. Falou-se dos textos que foram escritos por outros jornalistas sobre o possível abandono. Falou-se da poesia desses textos. José Trajano citou a coluna de não sei quem que comparava Messi a um palhaço triste. O palhaço que a todos diverte, mas é triste. Um palhaço que mira o chão e não o céu.
            Me desculpem os mais sensíveis, mas essa imagem do palhaço triste é imagem desgastada pelo uso  excessivo e pela pieguice. É muleta. E além do mais, no caso de Messi, mal empregada. Não vejo no jogador argentino nada que se pareça a um palhaço triste. Vejo nele o adolescente mimado, o eterno adolescente mimado que não suporta a derrota, a frustração. Vejo em Messi o típico ídolo de pés de barro dos dias de hoje que os meios de comunicação tentam (e conseguem) impingir. aos incautos para vender coisas  a eles associadas.Vejo em Messi o adolescente que desde a infância foi tratado como uma sumidade, como um ser acima do bem e do mal. O adolescente que não pode e não sabe perder.
            Mas José Trajano não ficou só na pieguice do palhaço triste. O experiente jornalista disse que os brasileiros que estavam contentes com o fracasso da seleção argentina e de seu maior jogador eram "gentinha". Disse gentinha e em seu rosto apareceu o esgar que sempre acompanha o uso do termo elitista e senhorial. Quase foi aplaudido por seus colegas de bancada.
            Ora, qualquer um que goste de futebol sabe que a rivalidade é um dos ingredientes mais saborosos do esporte da bola e que os argentinos são nossos rivais. Uma derrota argentina deve ser comemorada sim por todos nós. O fracasso de seu maior jogador e ídolo de pés de barro deve sim ser motivo de nossa chacota, de nosso deboche de nosso riso. Para os debatedores do programa isso estava fora de cogitação por tratar-se de Messi, o maior do mundo.Os que se alegravam com seu fracasso eram frustrados, invejosos, gentinha
            Juca Kfouri falou da tristeza que seria não ver Messi na Copa do Mundo da Rússia ou na Copa América do Brasil. Bem, eu já vi Messi em três copas do mundo e não me lembro de nada de excepcional que ele tenha feito e nessa Copa América que terminou domingo, o que vi foi Messi impondo um record de quatro horas sem marcar um único e escasso gol na seleção chilena. E outro mais: pela terceira final consecutiva Messi não marca gols. Nenhum gol.
            Claro que não foi nada disso que descrevi até agora que me deixou puto. O epíteto de gentinha até que me cai bem, afinal é isso que sou: gentinha, gente miúda que nossas elites e nossa classe média metida a besta despreza, gente com o pé na cozinha. O que me deixou puto foi o que veio a seguir com a intervenção de Mauro Cézar Pereira.
            Para refutar qualquer reproche que porventura pudesse ser feito à Messi por abandonar a seleção argentina depois de mais um fracasso, o jornalista citou Pelé. Não citou o Rei para dizer que aquele sim era um ídolo de verdade. Que Pelé, sim, era o maior do mundo. Que Pelé depois de brilhar na Suécia com apenas dezessete anos e sair do Chile com a frustração de não ter podido jogar toda a copa que seria sua definitiva consagração, comandou a campanha do tri no México no auge de seus 29 anos. Não disse que Pelé nunca nos defraudou como sempre faz Messi com os argentinos. Não, Mauro Cézar Pereira usou o nome do maior de todos para dizer em tom reprobatório que Pelé não quis jogar a copa de 74. Que poderia tê-lo feito e não o fez. O fato de Pelé ter deixado a seleção depois de três títulos mundiais conquistados e de Messi não ter conquistado nada não entrou no arrazoado de Mauro Cézar. Para ele, Messi teria tanto direito quanto Pelé de abandonar a seleção de seu país. Isso foi o que me deixou puto: a comparação descabida, o pouco caso com a história do maior jogador de futebol que o mundo já viu, a execração daquele que deveria servir de exemplo de conquistas e determinação para desculpar e enaltecer um jogador rival e pouco útil à sua seleção como Messi. Fiquei puto como brasileiro e como torcedor. Fiquei puto com ser humano. Fiquei puto com a falta de agradecimento a tudo que Pelé fez por nossa seleção e, por que não dizer, por nosso país.
            Estava certo Pelé quando deixou a seleção, pois se nem com tudo que conquistou seus compatriotas lhe dão o valor que merece, imagine se em um mundial ele fracassasse. Nisso devemos elogiar os argentinos:, eles não abandonam seus ídolos, Mesmo que o ídolo seja um cocainômano glutão e obeso tendo delírios em um sanatório.

       

segunda-feira, 20 de junho de 2016

A tolerância e o massacre de Orlando





            Não foi só o Pastor Jimenez que comemorou o massacre da boate em Orlando. Muitos outros desses pastores fizeram o mesmo. No Brasil, Feliciano também relinchou, como de costume. Nas redes sociais alguns  cristãos moderados e outros religiosos  criticaram Jimenez e seu medievalismo. (Melhor seria dizer jumentismo, mas deixemos medievalismo que é mais bonito) Dias antes, porém, grupos cristãos apressaram-se em condenar, não os assassinatos, mas a quem dizia que o fanatismo religioso seria a causa primeira da homofobia do atirador. 
            Tanto o atirador fanático quanto Jimenez foram mais sinceros com seus atos e palavras do que os que vieram a público, em nome do cristianismo e do islamismo moderados  condenar o ataque e a posterior fala do pastor californiano. Ambos, assassino fanático e pastor fanático, foram mais coerentes com sua fé e com o livro que lhe dá sustentação. A Bíblia está repleta de condenações à homossexualidade e não deixa dúvida que tal prática é uma abominação e será paga com sangue como se lê em Levítico 20- 13: "Se um homem se deitar com outro homem, como se fosse com mulher, ambos terão praticado abominação, certamente serão mortos, o seu sangue será sobre eles" Ora, qualquer fiel seguidor do livro pode pensar que é um dever punir aqueles que cometem crime (pecado) contra Deus, pois no texto citado não se fala quem deve derramar o sangue dos homossexuais. 
            A condenação à homossexualidade também está presente em Gênesis 13- 13 e 19- 5: em Timóteo 1- 10 (onde os "sodomitas" são arrolados ao lado de roubadores, mentirosos e perjuros); em Reis 24-14, 15-12 e 22- 46: em Isaías 3- 9: em Coríntios 6- 9 e 10  (aí a companhia dos "sodomitas" são os idólatras, os adúlteros, os bêbados, os ladrões, os devassos e os maldizentes); em Deuteronômio 23- 27.
            Os tais cristãos tolerantes, os que dizem que Deus é amor, preferem esquecer o Antigo Testamento quando lhes convém e pescam nos evangelhos exemplos do amor de Cristo como no caso da prostituta que seria apedrejada e foi salva por Jesus que se dirigiu aos apedrejadores com a frase: "Atire a primeira pedra aquele que nunca pecou" ou algo parecido. Jesus perdoou-lhe os "pecados" , mas disse: "Vá e não peque mais". É também assim que os tolerantes tratam da questão da homossexualidade. Se o "pecador" se arrepender e deixar de pecar (deixar de ser homossexual) ele será tolerado, talvez amado e certamente exibido como troféu diante de uma congregação qualquer. Não há aceitação, não há respeito pela diferença. No máximo, perdão. E perdão  sob condições impostas e não negociadas.

           

            

sábado, 11 de junho de 2016

O momento de votar o impeachment é agora

Mesmo os governos ungidos pelo voto, quando assumem tratam logo de abrir o saco de maldades. Despejam todas elas de um só vez sobre as cabeças de seus abestalhados eleitores para regozijo dos que votaram no outro partido ou no outro bando. Depois vêm as carícias. Aos poucos, bem aos pouquinhos.
O primeiro sentimento que fez florescer (de revolta ou de dúvida) logo desaparece. Os cidadãos, eleitores daquele governo ou não, começam a contar com as vantagens oferecidas e esquecem dos prejuízos e direitos perdidos.
O governo fajuto de Temer parece ter um saco de maldades um pouco maior que qualquer outro da era pós ditadura. Talvez só Collor de Merda, com o confisco das poupanças, possa lhe fazer frente em maldades e safadezas.
Como não sabe quanto tempo vai durar no poder, Temer tem uma pressa inusitada em cumprir com as obrigações assumidas dentro e fora do país. Daí o despejo de maldades desproporcional à sua condição de interino e fajuto.
Daqui a pouco, chegará a hora dos mimos. Não para o povo pobre. Isso podemos esquecer, mas para a classe média que tanto quis ver a Presidenta Dilma pelas costas e nem pensou que quem assumiria seria ele. Temer, e não o Willian Bonner. Uma aliviada no imposto de renda, umas facilidades para importação de eletrônicos ou, quem sabe, dólar barato para quem quiser ir à Disney são medidas que podem fazer com que Temer retome algo de popularidade (se é que algum dia teve) e seja visto pelos medioclassistas como um mal menor ante o que nos reservava o comunismo-bolivariano do PT.
Um crescimento da aceitação de Temer por setores da sociedade poderá também fazer com que os senadores, que estão hesitantes quanto ao impeachment da Presidenta Dilma tomem posição de apoio ao golpe e à Temer. É por isso que não entendo a insistência do PT e dos aliados à causa democrática de fazer cumprir a risca os prazos do processo no senado. Não serão os argumentos dos advogados nem o testemunho de técnicos que irão convencer os senhores senadores. O processo contra Dilma nada tem a ver com legalidade, prazos e normas nem com fundamentação jurídica. É um processo político no pior sentido do termo O momento de votar é agora enquanto o povo está nas ruas, enquanto Temer não consegue sequer formar o ministério e nem fazer agrados à classe média. O momento é de ir logo para o voto e tirar proveito do oportunismo dos senadores "indecisos". Agora é a hora de fechar o caixão de Temer e enviar logo pra Transilvânia.




O papagaio falador





            Durante anos, a mulher tratou de ensinar o papagaio a falar. Parecia inútil.O bicho olhava para ela com seu olhar de ave e não repetia a lição. A mulher desanimava por uns tempos, mas, por amor ao bichinho ou por vaidade de mestra, voltava às aulas com redobrado afinco.
            Um dia, afinal o papagaio, que se chamava Alfredo, falou. Repetiu tal qual a mulher tratara de ensinar-lhe aqueles anos todos. A alegria da mulher foi imensa. Seu trabalho fora compensado.
            Agora, mal vê sua dona aproximar-se, o louro fala: _Currupaco. Como ela ensinou.




terça-feira, 7 de junho de 2016

segunda-feira, 6 de junho de 2016

E eu ali




 E eu ali, encostado à parede sob a marquise estreita.
 A chuva caindo.
 As gotas redondas, gordas
 respingando nos meus pés.
 O vento. A madrugada fria.
 E eu ali, sem cigarros sem esperança sem vontade.
 nem dor nem medo. Sequer tristeza.
 A velha bicicleta por companhia.
 E eu ali. Os pés na terra tão perto do mar.
 O rugido das ondas gritando coisas que eu não entendia.
 E eu ali querendo frouxamente que a chuva amainasse
 olhando a corredeira crescer junto ao meio fio.
 A água rolando galhos, papéis, lembranças
 pedaços indefiníveis de coisas mortas.
 E eu ali ainda à espera de que alguém cantasse ou se atirasse pela janela.




A vitrine e o menino





            Eu era um menino de bairro. De um bairro da província. Um dia minha família se mudou pro Rio. Fui morar no Bairro Peixoto, um dos cantinhos mais lindos de Copacabana. Rua Maestro Francisco Braga. Rua sem saída junto a uma praça com chafariz e tudo. O mar eu já conhecia de outra viagem. Meu pai, que era carioca, havia nos levado, alguns anos antes, de férias para a Cidade Maravilhosa onde minhas muitas tias nos receberam e nos passearam sem me dar tempo para o deslumbramento.
            Ainda me lembro das primeiras impressões que tive da mudança. Tudo me parecia muito chic no Rio. A padaria nem se chamava padaria e sim panificadora e no supermercado ( o primeiro em que entrei na vida) as marcas e a quantidade de produtos me deixavam embasbacado. Eu que só comia o pãozinho, a bisnaga ou o pão de meio-quilo conheci o pão de forma que achei a coisa mais sofisticada do mundo. (Ainda que a palavra sofisticada não fizesse parte do meu vocabulário). Havia duas marca de pão de forma: Plus Vita e Pulmam. Minha mãe comprava o Plus Vita, tia Alina, o Pulman. O leite e a manteiga também ofereciam opções. Ou eram da CCPL ou da  Vigor.
            As ruas sempre cheias de gente eram o oposto das ruas calmas e pouco povoadas do Prado e do Calafate que eu aos 8 anos percorria solitário nas tardes mortas de Belo Horizonte. Não havia, pelo que me lembro, nada que me incomodasse naquela Copacabana dos anos 60, pelo contrário. Eu adorava o burburinho, a multidão, os ônibus que comecei a tomar sozinho e que davam carona para os que estavam com o uniforme da escola. Aprendi a dizer garoto em vez de menino e pipa no lugar de papagaio.
            Dentre todos os encantamentos que experimentei nos primeiros tempos de Rio de Janeiro houve um que superou todos os outros. Foi a Galeria Menescal. Tudo era lindo naquela galeria:  as lojas, o piso, as pessoas que passavam com aquele jeito que depois de muitos anos eu aprendi que era um jeito zona sul carioca de ser. Mas não era só isso. A última loja, do lado esquerdo para quem descia da Barata Ribeiro para a Av. Nª. Sª. de  Copacabana, era uma floricultura que além dos buquês, coroas e todo tipo de arranjos florais tinha uma vitrine da qual escorria água. Toda ela. Do alto até quase ao piso a água escorria sem parar por entre dois vidros turvando a visão do interior da loja. Era uma beleza, uma espécie de mágica, coisa de filme. Dava vontade de tocar a água intocável, de bebê-la. Na volta da escola eu caminhava uns quarteirões a mais só para passar por ali.
            Nunca deixei de gostar da galeria e da vitrine molhada da floricultura. Mesmo quando já não havia o encantamento do menino, havia a alegria de lembrar de ter sido menino e encantado. Uma noite, já rapaz, passei pela Galeria Menescal. Estava com ela, caminhávamos de mãos dadas. Eu olhava o piso e sentia o cheiro de mar que vinha de seus cabelos. Estava apaixonado e feliz. Naquela noite, em frente à vitrine da floricultura meu coração voltou a ser de menino.

domingo, 5 de junho de 2016

Serra, o anti-diplomata



Nem todo cara simpático é pilantra, mas todo pilantra é um cara simpático. Não existem embusteiros carrancudos assim como não os há mal vestidos. É uma exigência para o exercício da impostura: boa roupa e um sorriso nos lábios. Toda vez que cruzo com simpaticões profissionais fico com o pé atrás. O mesmo me acontece quando conheço otimistas e bem humorados de tempo integral.
Mas além da pilantragem há outras ocupações que exigem, ao menos, um tanto de simpatia, bom humor e otimismo. A diplomacia é uma delas e os americanos sabem disso.
Lindon Gordon, em cujos escritórios na embaixada americana foi tramado o golpe de 64, era uma simpatia de pessoa. Falava bem o português sem mescla-lo com o castelhano e fazia boas piadas. Dizia o diplomata, para atacar Cuba, que o país de Fidel era o maior país do mundo, pois, segundo ele, o povo estava em Miami, o exército na África e o governo em Moscou. Certamente, Gordon seguia os ensinamentos de Ted Roosevelt que dizia que para tratar com latino americanos havia que levar um sorriso nos lábios e um porrete nas mãos.
O governo fajuto de Temer parece não crer muito na simpatia diplomática. A comprovação disso é a escolha de José Serra para o Ministério das Relações Exteriores. O vampiro da pauliceia é famoso pelo mau humor e por não ter um amigo sequer. Mas não podemos pensar que a escolha foi equivocada. De jeito nenhum.
Assim como a ausência de mulheres e de negros no ministério de Temer. a escolha de Serra para as relações exteriores joga no campo do simbolismo. O ministério totalmente masculino, branco e rico passa a mensagem de que o poder voltou para a varanda da casa grande. Serra comandando a diplomacia mostra que papel o Brasil pretende desempenhar na geo-política latino-americana e do hemisfério sul em geral.
As primeiras notícias sobre a atuação de Serra nos Ministério das Relações Exteriores nos contam que o chanceler mandou fazer um levantamento sobre o custo das embaixadas na África. Certamente o Brasil terá menos representação naquele continente e voltará suas atenções para o circuito Elizabeth Arden que, além de charmoso, é onde se fazem os "negócios". Serra também andou fustigando os países vizinhos que, assim como os eurodeputados e grande parte da imprensa internacional, não aceitaram o golpe palaciano que afastou a Presidenta Dilma. O novo chanceler deu de usar o termo "bolivariano" com a mesma conotação pejorativa que usa a direita mais botinuda do país.
Serra, que já chamou o Brasil de Estados Unidos do Brasil (denominação que deixou de existir nos anos 60) e não sabe o que é a NSA, não parece talhado para as relações internacionais, mas cumprirá seu papel de lacaio das potências do norte e vendilhão da riqueza nacional. Isso, é claro, se esse governo se mantiver até as próximas eleições.




A carestia na infância





            Falam que as crianças de hoje comem muita porcaria, muitos doces, muito açúcar. Dizem que antigamente era diferente. Não era bem assim, posso afirmar, e me refiro a fatos de mais de 50 anos atrás.
            Quando eu tinha uns 8 anos aprendi com um amigo a tirar todo o miolo do pãozinho e enchê-lo de açúcar. Depois aprendi que se podia fazer o mesmo com o tomate. Era só cortar a extremidade e enfiar o dedo para arrancar sementes e o que mais havia e meter o açúcar cristal. Ficava uma delícia.
É certo que não tomávamos refrigerantes. Isso era para os meninos ricos. Nós tomávamos Ki-suco e púnhamos açúcar no Ki-suco. Muito açúcar.
            Antes de conhecer esses truques açucarados o doce mais apreciado vinha daqueles pirulitos em forma de cone que eram vendidos nas ruas enfiados num tabuleiro todo furado. Quem já provou sabe que havia que comer também o papel que os envolvia e não desgrudava do pirulito por nada desse mundo. Algodão doce só quando aparecia a carrocinha no bairro, o que raramente acontecia. Em casa minha mãe fazia banana caramelada e nos aniversários e outras festas havia brigadeiro, cajuzinho e língua de sogra feitos por minha avó. E tinha as balas.
            Balas sempre foram baratinhas. Meu pai todo dia quando saía para trabalhar, depois de ter almoçado em casa, me dava uma nota de 1 cruzeiro para comprar balas. Ainda me lembro daquele bilhete azul com a figura do Almirante Tamandaré. De vez em quando eu ganhava uma nota de 10 e então era a dúvida: um Diamante Negro com seus cristais que estalavam nos dentes  ou um Laka, branco e pegajoso que grudava no céu da boca? Mas essa prodigalidade só ocorria , creio, quando meu pai recebia o salário; o ordenado, como se dizia então. No dia a dia era o Almirante, e no  bar da esquina da Rua Platina eu comprava 5 balas com aquele cruzeiro.
            Um dia o vendeiro em vez de me entregar as 5 balas de sempre me deu apenas 3. _"Agora é 3 por 1 cruzeiro", ele disse. Fiquei decepcionado. De noite contei para meu pai, mas no dia seguinte recebi dele a mesma nota do Almirante Tamandaré. Passei a odiar o Almirante e seu baixo poder aquisitivo. A inflação, que naquela época era conhecida por carestia, vinha turvar minha infância. Naquele dia, senti o mesmo que sentiria o Michelzinho se viessem lhe contar que sua carteira de imóveis estava reduzida a um quarto e sala no edifício Copam.




sexta-feira, 20 de maio de 2016

Temer não merece um processo como o de Dilma



Temer não deveria estar onde está. Disso todos (ou quase todos) sabemos. A imprensa internacional sabe, a OEA sabe, a ONU sabe, os artistas sabem, os intelectuais sabem, governos de vários países sabem, as pedras portuguesas de Copacabana sabem. Temer só ocupa indevidamente a presidência porque a Presidenta Dilma foi retirada do lugar por um dos mais torpes, pérfidos e mesquinhos golpes que os bandidos do país já deram. Para apeá-la do poder foi usada a falácia das pedaladas fiscais. Por uma questão meramente contábil faz-se contra ela um processo de impeachment.
Agora, muita gente quer ver o presidente fajuto, Michel Temer, ser julgado pelo mesmo procedimento contábil e sofrer também um processo de impeachment. Seria justo, dizem.
Eu penso que submeter Temer a um processo de impeachment e vê-lo deixar o posto que usurpou por essa via seria anuir com o que foi feito a Dilma. Não há crime de responsabilidade nas pedaladas. E se não há a transparência que deveria haver em tais procedimentos não é, obviamente, caso para a destituição de um presidente. Uma censura seria o suficiente.
Tal como Dilma e Temer, vários governadores pedalaram e paras eles também pede-se abertura de processo e revogação de seus mandatos. Tampouco é o caso.
Temer não merece sofrer o mesmo que Dilma. Não é digno disso. O presidente fajuto deve deixar o Planalto escorraçado, varrido junto com o lixo que levou para lá.



domingo, 15 de maio de 2016

Menos salário, menos dízimo





Pastores e bispos de araque estão aos pulinhos e gritinhos de felicidade pelo novo governo. Não é pra menos. O novo ministro da educação recebeu a psicóloga cristã que "cura" gays e a tranquilizou dizendo que o ministério agora é do DEM e não haverá espaço para questões de gênero nas escolas. O ministro da saúde disse que é só ter fé que o câncer vai embora. Na Ciência e Tecnologia, a Igreja Universal dispensou intermediários e emplacou seu próprio ministro. O presidente interino foi abençoado por Malafaia tão logo tomou posse. Os bispos da bancada evangélica se sentem no poder.
Mas parece que na embriaguez do contentamento, Suas Excelências Reverendíssimas não perceberam que na área "técnica" do governo há ministros que pregam o arrocho dos salários, o fim do bolsa família, da farmácia popular e de outros benefícios. Se todas as promessa feitas à Fiesp e outros financiadores do golpe forem cumpridas, a grana fácil do dízimo vai despencar junto com os proventos dos crentes. 
Waldemiro Santiago, o inventor do dízimo dobrado e do trízimo, vai ter que bolar outra, pois daqui a pouco ninguém vai poder mais comprar as toalhinhas, fronhas, meias, tijolos, vassouras e outros imprescindíveis objetos abençoados. Malafaia, que já criou o dízimo sobre o aluguel para quem sonha com a casa própria, certamente não vai mais ganhar tanto com a venda de sua extensa produção literária. Edir Macedo deverá baixar o preço da água santa da torneira e Paulo Duque o do óleo Soya de Israel se quiserem manter a freguesia. Muitas assinaturas da TV por satélite de R.R Soares serão canceladas e os crentes voltarão a gostar dos beijos e chupões da novela da Globo. Feliciânus vai arrepiar a chapinha ao ver suas máquinas de cartão de crédito inoperantes e todos podem ir dizendo adeus às "ofertas" de mil reais. Quem ainda não tem seu mega templo vai ter de adiar os planos de construção. Até mesmo a compra de um novo jatinho deverá ficar pra depois de 2018. Pode ser que perca menos aquele que fizer a melhor promoção. Carnês com prestações de 1,99 para pequenos milagres é uma saída. O importante será não perder o cliente para a concorrência, cada dia maior e mais descarada.
Para quem vive da aflição e do desespero humanos, os novos tempos podem ser menos prósperos. Os aflitos e desesperados continuarão buscando as igrejas neopentecostais, talvez até em maior número, mas serão aflitos e desesperados duros.