domingo, 30 de junho de 2013

O bundão


                O cara posta na rede social que o brasileiro não luta por seus direitos, que é um povo burro que só pensa em futebol.
                 Esse cara é o mesmo que chama de baderna as manifestações contra o aumento do preço das passagens de ônibus. _Elas atrapalham o trânsito, diz o pateta.
                Esse mané é o mesmo que diz que bolsa família é esmola e cotas raciais nas universidades são contra o princípio de igualdade. 
                Esse otário quer ter garantido seu direito de ser racista, homofóbico, machista e misógino. É fá do Rafinha Bastos e do Gentilli e agora anda morrendo de amores pelo Lobão.
                Esse babaca nunca entrou num hospital público, mas é contra a vinda dos médicos cubanos. E sabe por quê? Porque o marido da prima da mulher do amigo do seu dentista, que é médico, disse que no Brasil há médicos de sobra.  
                Esse mala sem alça odeia os flanelinhas que tentam lhe cobrar pelo seu direito inalienável de pôr as quatro rodas sobre a calçada.
                Esse Zé ruela é contra a legalização do aborto e a favor da pena de morte. Vota no Bolsonaro e sua musa é a Kátia Abreu.
                Esse reaça apóia qualquer chacina promovida pela polícia, mas fica indignado quando é parado na blitz.
                Esse bundão acha que o Jabor é intelectual, o Marcelo Tass humorista e o Renato Russo poeta politizado.
                Esse safado sonega impostos e paga o dízimo. A teologia da prosperidade foi feita pra ele.
                Esse analfa escreve com cordo e concerteza e chama o povo de ignorante. Sua leitura de cabeceira é a Veja.
                Esse prego é contra a legalização da maconha, é antitabagista e fala mal da cachaça.
                Esse Zé-das-couves anda pregando golpe de estado detrás de seu computador. Clama pelos milicos que salvarão a Pátria do comunismo do PT. Pois é, pra ele o Mantega é comunista. Entrou feliz para a extrema direita e nem sabe o que é direita e esquerda.




terça-feira, 25 de junho de 2013

E agora?


                Parafraseando o muito desgastado mote “o povo unido jamais será vencido”, os manifestantes que tomaram as ruas do país bradam que o povo unido não precisa de partido. Tanto a primeira palavra de ordem quanto a segunda são de uma falsidade que fere os ouvidos.
                Em 1904 o povo unido contra a vacinação obrigatória protagonizou o que ficou conhecido por Revolta da vacina. Foi um movimento que aglutinou desde a população pobre até os estudantes de medicina e os médicos. Para a sorte das gerações que vieram depois, o povo unido foi vencido e prevaleceu a ciência. A vacina foi aplicada de forma compulsória e várias doenças que matavam milhares de brasileiros foram controladas e algumas extintas.  
                Agora fala-se que o povo unido não precisa de partidos. Como se fariam leis sem partidos? Através de deputados e senadores avulsos? Por obra e graça do presidente? Pelos milicos? Não creio que os manifestantes estejam pensando nisso.
                Na Espanha, há dois anos atrás, também os jovens saíram às ruas para protestar, entre outras coisas, contra os partidos.  Na mesma semana que os manifestantes acampavam no centro de Madri, houve eleições gerais e a direita de Mariano Rajoy venceu o pleito com grande vantagem sobre o PSOE. Lá o voto não é obrigatório e a juventude que brincava de revolta não foi votar e deixou que tomasse o poder o partido que agora é o campeão do desemprego e da recessão.
                Mesmo que a grande maioria dos partidos políticos do Brasil seja apenas um balcão de negócios sem programa nem ética alguma, ainda temos siglas e políticos que não se sujaram, nem se venderam. Pelo contrário. Houve muitos deputados, federais e estaduais que deixaram o PT quando este chegou ao Palácio do Planalto por não concordar com as alianças espúrias, por divergir de certas políticas. Poderiam ter ficado no partido e desfrutado das benesses do poder. Não o fizeram e foram fundar o Psol.
               Muitas das bandeiras que os manifestantes agora empunham, foram levantadas por políticos deste partido. O maior inimigo da cura gay e outras imbecilidades propostas por parlamentares evangélicos é o Deputado Jean Willys. O fim do voto secreto nas votações na Câmara dos deputados foi proposta há muito tempo pelo Psol que também já se posicionou contra a PEC 37 e outras armações do partido no poder.      Será que essa gente não merece crédito? Será que aqueles que pregam hoje contra os partidos sabem do que e de quem estão falando?
                Será que sabem que o Deputado Jair Bolsonaro já fez o mesmo e pregou o fechamento do congresso no programa da Hebe alguns anos atrás? Será que eles sabem quem é Bolsonaro? O que ele representa?
                Será que esses manifestantes, que foram vitoriosos quando pleitearam a redução de tarifas nos ônibus, não vêem para onde os estão levando? Não vêem que a direita está dando pulinhos de contentamento com o rumo que toma o movimento que nasceu justo e claro?
                Será que ninguém desconfia do apoio da grande (?) imprensa. Já se esqueceram que há dias atrás o movimento era execrado por essa mesma imprensa por pedir que os tubarões do transporte baixassem os preços das passagens? Já esqueceram a fala do Jabor? Dos editoriais do Estadão e da Folha?  Nada mais perigoso do que gente que ouviu o galo cantar e não sabe onde.
                O que se tem chamado de indignação nas redes sociais, é apenas uma crise histérica da classe média que sequer sabe o que criticar nas ações dos governos. Por que não criticam a paralisia da reforma agrária? Por que não falam da ocupação criminosa das favelas pela polícia que tem matado todos os dias pessoas inocentes e executado supostos traficantes? Por que não se fala do descaso do Governo Federal para com os índios? Por que não se critica a Ministra Gleisi Hoffmann por querer subordinar as decisões da FUNAI, sobre demarcações de terras indígenas, à EMBRAPA?
                Ora, porque não vêem nisso uma falha do governo e sim uma virtude. Para a maioria dos que apoiam as manifestações pelo computador ou através da grande (?) imprensa, reforma agrária é coisa de comunistas e a ação da polícia nas favelas do país é correta. É coerente. Pedir a extinção dos partidos e apoiar a política de assassinatos por policiais, segue o mesmo ideário de direita. Há alguns dias atrás, o que indignava essa gente era o bolsa família e o sistema de cotas. O que recebia apoio, quase unânime, era o rebaixamento da maioridade penal.

                Os jovens que estão nas ruas merecem simpatia por colocarem-se contra o absurdo do preço das passagens, tema que sequer toca a vida de muitos deles. Ao posicionar-se ao lado dos mais pobres, que são os usuários do transporte público, deram mostras de verdadeira indignação com as injustiças. Agora estão se tornando inocentes úteis do golpismo. Massa de manobra da direita sem discurso, sem candidato e sem moral para criticar o que há de mais equivocado nesse governo.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Protestos


                Gostaria de ter as certezas que todos parecem ter quanto ao movimento em curso nas nossas ruas.
                No facebook, local de todos os açodamentos, todos os chiliques e todas as bravatas, não há ninguém que tenha dúvidas. Fala-se de gigante que acordou, de povo nas ruas e até de revolução. Segundo li no comentário de uma amiga, uma das palavras de ordem dos manifestantes era “o povo unido não precisa de partido”.  Se alguém me ensinasse como se faz democracia sem partidos e sem voto popular, eu serei o segundo a entoar o mote. Estou louco pra aprender essas novidades.
                Fiquei feliz por ver uma rapaziada de classe média se solidarizando com os usuários do transporte coletivo, ruim e caro. Pouco me importa se aqueles jovens têm carros que ganharam dos papais quando passaram no vestibular. A luta é (ou era) justa e ponto. Mas parece que o motivo mobilizador não agradou a todo mundo e alguns já se envergonham de pedir tão pouco. Algo que começou tão bem, tão justo e tão concreto, parece que vai degringolar numa série de reivindicações abstratas e grandiloqüentes.
                Na TV dos Marinho, Merval Pereira falou de insatisfação generalizada do povo e até citou o mensalão esquecendo-se ou querendo fazer esquecer que durante os 4 meses de julgamento, o rumoroso episódio não mobilizou ninguém.  Merval, não esconde (ou esconde mal) o sentido que a emissora em que trabalha quer dar aos protestos e possivelmente direcioná-los visando 2014. 
                A grande virtude dessas manifestações, segundo a Globo, e muitas vozes anônimas das redes sociais, é seu caráter apartidário.  Despolitização é sinal de modernidade para quase todos os comentaristas.
                Um dos principais inimigos dos manifestantes e dos comentaristas, profissionais ou não, são os vândalos. Qualquer janela quebrada é um Deus nos acuda. Ora, foram “vândalos” que derrubaram a bastilha, foram “vândalos” que derrubaram o muro de Berlin. Querem manifestações bem comportadas? Querem proteger o patrimônio?
                Como é um movimento essencialmente de classe média, um ladrão que foi pego pela polícia durante uma das manifestações, foi agredido por manifestantes depois de estar algemado e sendo conduzido por policiais. A indignação que as agressões da polícia contra os estudantes provocou na sociedade, ficou restrita, como sempre, aos bem nascidos. É consenso entre nossa classe média que ladrão deve apanhar, ficar preso em pocilgas e se morrer é melhor ainda.
                Um  relato que li, dá conta de um gesto heroico de um rapaz que impediu que alguns manifestantes (vândalos?) partissem pra cima de uns policiais que, em menor número, se refugiavam na Assembléia Legislativa do Rio. O herói impediu que fossem linchados. O rapaz sabe de que lado está. Sabe que aqueles policiais um dia lhe serão úteis quando ele escutar “perdeu playboy”, numa esquina da vida.
                Entre muitas atitudes corajosas e atos de despojamento, também houve o ridículo e o patético.
Na tomada do teto do congresso, como faltou repressão, os manifestantes ficaram meio que sem saber o que fazer. Após posarem pra lindas fotos que os profissionais da imprensa captaram e logo publicaram nos sítios informativos, foi a vez dos revoltosos usarem seus inseparáveis smart phones e câmaras digitais para registrarem o momento. E nas TVs os víamos de bermudas e mochilas, andando e fotografando, como turistas visitando a Capital Federal.
                Ao contrário do que muita gente pensa, os piores políticos não estão nada preocupados com as manifestações. Eles sabem que o grosso do eleitorado está pouco se lixando para a PEC 37 ou a reforma política. Se elegerá com sobra de votos quem bater na tecla da diminuição da idade penal e na pena de morte. 
                No Rio, os senhores deputados estaduais já começam a fazer as contas dos reparos que deverão ser feitos nos prédios públicos vandalizados: uma mão de tinta no Paço Imperial, 154 mil reais; vidraças quebradas na Assembléia, 320 mil reais; um carro oficial queimado, 583 mil reais e por aí vai.
                Ano que vem muitos dos que aprovaram aumento das passagens e vários dos que fizeram discursos oportunistas nas tribunas das casas legislativas por ocasião das manifestações, serão reeleitos. A renovação  será pequena como sempre, mesmo porque os manifestantes não se interessam por partidos. Não lhes interessa a política nem se preocupam com o viés direitista que as emissoras de TV e os jornalões estão dando aos seus atos. Se no começo das manifestações eles lutavam contra mais um aumento de passagens e eram demonizados por Jabor e companhia, a partir  de agora serão cada vez mais mimados por quem pensa apenas em tirar o PT do poder e que estava sem discurso e sem candidato para apoiar.




terça-feira, 18 de junho de 2013

Repressão


                Durante o estado novo, o DIPE prendia e arrebentava. Há uma foto de Patrícia Galvão, a Pagu, com o rosto deformado depois de uma sessão de porrada na polícia política. Pagú era moça rica e militante esquerdista, mas o regime já estava naquela de reprimir qualquer contestação e havia democratizado a tortura e o espancamento de opositores.
                Já não eram só os líderes sindicais, comunistas e anarquistas que sofriam a brutalidade da polícia, também os “bem nascidos” iam parar nos paus de arara. 
                Como a memória histórica é curta, a classe média saiu às ruas em 64 para apoiar o golpe civil-militar que derrubou João Goulart. Eram as marchas da família com Deus pela liberdade.
                Também nesse caso, as primeiras vítimas do novo regime de força foram os líderes camponeses e sindicais, os comunistas, os socialistas e os democratas legalistas. Com o passar do tempo, a classe média engajada nos movimentos pela derrubada do regime começou a sofrer perseguições, prisões e torturas. Para culminar veio o AI 5 para pôr na ordem do dia as prisões arbitrárias e a tortura sistemática. 
                Líderes estudantis, artistas e profissionais liberais, pertencentes às nossas classes dominantes sofreram toda espécie de sevícias e maus tratos e muitos morreram nas sessões de tortura nas instalações do DOPS e de outros órgãos de repressão.
                Anos mais tarde eu caminhava pela Rio Branco rumo à Candelária para participar do gigantesco ato público pelas eleições diretas. O regime caía de podre, mas insistia no continuísmo. Nessa caminhada lembro-me de ter visto várias senhoras, muito bem vestidas, que também iam se manifestar pela redemocratização do país. Eu estava seguro que muitas delas haviam participado, 20 anos antes, nas marchas de apoio ao golpe de 64. Também tive a certeza que não as movia o sentimento da legalidade e sim o desencanto com o regime que prometera reprimir somente comunistas e operários, mas acabara metendo nos cárceres, matando e fazendo desaparecer seus filhos, parentes e amigos. O regime as traíra.
                Agora passa-se o mesmo. 
                Nas atuais manifestações contra o aumento das passagens de ônibus, a polícia tem mostrado uma pequena parte de seu arsenal repressivo. Estudantes são agredidos depois de presos, uma jornalista levou um tiro no rosto, outro jornalista foi preso e espancado por portar uma garrafa de vinagre. De um momento para o outro a classe média, que seguia o discurso das redes de TV e dos jornalões, desqualificando o movimento como coisa de vândalos e marginais, mudou o rumo da prosa. As imagens de jovens brancos e jornalistas sendo agredidos pela polícia, fez ver a essa gente que ali estavam os seus.
                Pessoas que dias atrás apoiavam nas redes sociais a ação repressiva da polícia nos morros e favelas e faziam chacota dos direitos humanos, agora protestam contra a brutalidade policial.
                Essa gente quer deixar claro que polícia foi feita pra espancar e matar pobres, negros e favelados e não estudantes e jornalistas.



sexta-feira, 14 de junho de 2013

A nova imigração


                Algum tempo atrás, num programa esportivo, os caras, pela total falta de assunto, começaram a falar dos jornalistas que atendiam por nomes femininos e citaram o Maria (Antônio Maria Filho) e o Helena (Alberto Helena Júnior). Alberto Helena estava presente e contou da origem de seu sobrenome italiano e, falando no idioma de seus antepassados, disse que os Helena eram uma família piu potente em determinada região da Itália. Cléber Machado, que comandava o programa, não se conteve e perguntou o mesmo que me ocorre perguntar a todo filhote de gringo que arrota as grandezas do passado familiar. “E o que vocês vieram fazer aqui?”
                Se é que a história só se repete como farsa, há também as farsas que se repetem como tal. Assim foi o processo de colonização européia no Brasil. Após a libertação dos escravos o país “constatou” que não tinha mão de obra e escancarou as portas para a imigração dos despossuídos do velho continente.
                Muitos dos novos colonos receberam terras e financiamentos, outros foram para as fazendas de café para viverem em condições precárias, instalados nas antigas senzalas, ou quase isso, mas com a substancial diferença de receberem salários. Para os escravos recém libertos nunca houve uma política compensatória, nenhum plano de assentamento, nenhuma indenização. O resultado dessa política de imigração é o que vemos: descendentes de imigrantes ricos e negros pobres por todo o país.
                Passadas algumas gerações, os filhos e netos daqueles famélicos imigrantes começaram a criar a lenda dos “piu potentes” e de perseguições políticas das quais seus antepassados fugiram. Se fôssemos acreditar nessas estórias, pensaríamos que qualquer camponês italiano ou alemão do século 19 era um carbonário, um anarquista.
                Agora dá-se algo parecido. Toda semana tem alguém dizendo nos jornais e TVs que o Brasil carece de mão de obra especializada e que a solução seria importá-la enquanto não se melhora a educação no país.
                Não tenho a menor ideia se isso é verdade ou não. O que sei é que a economia brasileira está entre as maiores do mundo e que a educação aqui é uma vergonha. Mas pelo jeito nossa mão de obra tem dado conta do recado, caso contrário seria impossível atingir os números de crescimento que atingimos. Ou será que todos os técnicos que ajudam a produzir nossas riquezas vieram da Europa?
                Nos programas de TV, nos quais a direita tem assento garantido e voz assegurada, números sobre a insuficiência de mão de obra qualificada são citados e eu não posso nem vou contestá-los. Prefiro falar sobre algo que conheço de perto.
                Sou um desses 6 milhões de babacas que arrumaram uma diabetes. Na minha cidade, linda cidade à beira mar e no sul maravilha, não há um só médico endocrinologista. Nenhum. Pedi no posto de saúde (na minha cidade não tem hospital) uma consulta com um desses especialistas em Floripa. Isso foi em setembro e ainda não me chamaram para agendar a tal consulta. Claro que não fiquei esperando, senão já teria morrido. Busquei um especialista particular. Na minha cidade também não há. Um médico endocrinologista, que é de outra cidade, vem aqui aos sábados e atende pela manhã. Só sábado, só de manhã.
                Sabe o que eu queria? Um cubaninho. É. Um endocrinologista cubano que ficasse por aqui para eu me consultar de vez em quando. Podia ser de Havana, de Santiago ou até mesmo de Guantánamo, pois os endocrinologistas de São Paulo, do Rio e do Mato Grosso não se interessam em fixar residência na minha linda cidade à beira mar.
                O Governo Federal ameaçou atender minha demanda por um cubaninho endocrinologista, mas todos os médicos brasileiros, que não se interessam em vir me atender, fizeram protestos e uma gritaria dos diabos. A direita, que não pode ouvir falar em Cuba sem ter um chilique, também protestou e acho que não virá o endocrinologista guantanamero cuidar de meu pâncreas falido e do meu índice glicêmico.
                Mas, alvíssaras, o Ministro da Saúde agora diz que virão médicos portugueses e espanhóis desempregados pela crise européia. Não sei o porquê da mudança de nacionalidade dos médicos que virão suprir a falta de profissionais brasileiros pouco dispostos a sair dos grandes centros. O que sei é que os médicos que se mostraram tão indignados com a vinda de seus colegas cubanos, chamando-os de curandeiros no ato público em repúdio à sua contratação pelo governo brasileiro, saudarão a chegada dos médicos europeus. Afinal essa nova leva de imigrantes vem do nunca demais incensado, primeiro mundo.


domingo, 9 de junho de 2013

O rock and roll do Malafaia


                Pode-se dizer que foi um sucesso a manifestação promovida por Malafaia em Brasília. Numa quarta-feira à tarde reuniram-se mais de 40 mil evangélicos para pagar mico. A estimativa da presença dos crentes no ato público é da Polícia Militar do Distrito Federal. Claro que como em toda manifestação seus organizadores darão outros números. Sempre se fala em 1 milhão de pessoas mesmo que se trate de um batizado ou um velório. Se fosse em Copacabana não sairia por menos de 2 milhões. Mas convenhamos, era gente à bessa.
                Preparados para um conflito, os promotores do evento levaram muitos seguranças que, na falta do que fazer, acabaram expulsando do palco os pastores da Igreja Quadrangular que tentavam colocar uma faixa com o nome de sua seita. A faixa foi confundida com a bandeira do movimento LGBT.
                No mais tudo em paz. Cantores gospel reviraram uzoim em louvor e capricharam nos trinados. Aos pulinhos e com voz de falsete, Malafaia comandou sua turma. Pregou-se contra a legalização do aborto, contra o casamento gay, contra a lei que pune a homofobia. O rock and roll dos crentes.
                Todos os que são a favor de ser contra tudo estavam lá ou apoiaram o ato. Bolsonaro na platéia cumprimentava simpatizantes e sorria. (Bem, sorria é modo de dizer).
                Mas havia pessoas que o olhar distraído poderia considerar como estranhas no ninho. Entre os que acompanhavam as falações (não confunda com felações) de Malafaia e seus blue caps, militantes da agremiação Rede Sustentabilidade, de Marina Silva, coletavam assinaturas para a formalização do partido.
                Também nesse caso não há nada de mais. É assim que se faz política no Brasil: vale tudo. Qualquer aliança, qualquer apoio. Tudo que possa ser usado, é usado. Pedir assinatura de gente que está alinhada com o que há de mais conservador no país também vale, mesmo que a legenda de Marina queira se mostrar como a última bolacha do pacote da modernidade. 

sábado, 8 de junho de 2013

Leis que lembram o passado


                Um dos primeiros éditos do governo nazista que tomou o poder na Alemanha em 1933, fazia referência à esterilização de pessoas com transtornos mentais. A lei tinha como finalidade fazer uma limpeza genética, mas seus defensores diziam que era para evitar o sofrimento dos possíveis descendentes desses enfermos e poupar a sociedade de carregar, com seus impostos, esse fardo. 
                A esterilização seria, além do mais, benéfica para os próprios doentes. Quem determinava quem era doente mental ou não, era a ciência nazista. Grande parte da sociedade alemã da época aprovava tal medida assim como apoiou outras medidas que se seguiram.
                Já nos primórdios do regime nazista, pessoas que fossem tachadas pelos vizinhos como anti-sociais eram enviadas para campos de “reeducação”. O mesmo destino dado aos homossexuais que também eram confinados para serem curados da homossexualidade.
                Mas o que têm a ver essas leis com os dias de hoje, com o nosso país? Acho que muito.
                De uns tempos pra cá estamos sendo bombardeados com leis que ao restringirem a liberdade, procuram mostra-se como humanistas e protetoras de direitos. Os mesmos eufemismos usados pelos nazistas para dobrar consciências distraídas, aparecem nas leis que nossos legisladores aprovam com o consentimento ou omissão da nossa cidadania.
                Assim foi com a lei anti-fumo que em cidades como Rio e São Paulo chegaram ao paroxismo da intolerância. Assim é com a famigerada lei que propõe internação compulsória para usuários de drogas. Ambas as leis amparam-se numa pretensa visão médico-científica. As internações seriam autorizadas por especialistas. E quanto aos fumantes toda proibição seria para seu próprio bem.
                Ora, o dom de iludir tem seus limites. Num país com óbvia carência de médicos e com uma rede hospitalar deficitária, querem nos fazer crer que haverá uma avaliação médica de cada caso para autorização de internação compulsória. O que pretende essa lei é uma “higienização” das ruas, retirando-se delas os usuários de crack que serão enviados para campos de concentração geridos por seitas evangélicas.
                A diminuição da maioridade penal também faz parte da agenda dos defensores do atraso em nossa sociedade. Os que relincham por sua adoção são os mesmos que defendem a vida de fetos indesejados, mesmo os advindos de estupro ou os anencéfalos. O Estatuto do Nascituro e mais 31 projetos nesse sentido tramitam no Congresso e pretendem restringir as já restritas condições em que o aborto é legal no país. Tal qual ocorre com o uso de drogas, o estado quer negar ao cidadão o direito ao próprio corpo alegando a usurpação de direitos de outrem. No caso das drogas, direito difuso. No caso do aborto, direito de um ser que ainda não existe.
                Assim como ocorreu durante o regime nazista alemão, aqui também querem “curar” homossexuais e muito se trabalha para derrubar a resolução do Conselho Federal de Psicologia que veda tal prática obscurantista.  Isso ocorre na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara presidida pelo preclaro deputado e pastor Marco Feliciano.
                Lhe parece que exagero na comparação com o regime nazista? Pode ser, pode ser. Mas veja se as leis que propõem internar compulsoriamente pessoas inconvenientes, garantir a prática da homofobia e proibir a união legal de pessoas que se amam não se enquadram naquele ideário.



quarta-feira, 5 de junho de 2013

Bons tempos


                Eu era adolescente e havia acordado com uma tremenda ressaca de cachaça barata e otras cositas más. E o pior: não acordei por modo próprio senão pelo vozerio que vinha da sala, separada de meu quarto apenas por uma porta de vidro que ficara entreaberta. 
                Meti a cara para fora para ver quem minha mãe estava recebendo naquele domingo de manhã. E lá estavam sentados, muito tesos no sofá, dois caras falando com forte sotaque gringo. Eram mórmons e estavam trajados com seus uniformes de mórmons: camisas brancas de mangas curtas e gravata. Sobre os joelhos tinham pastas das quais sacavam papéis, folhetos, livros, bíblias e o escambau.
                Minha mãe, faladeira que só ela, dava trela aos santos dos últimos dias. Aquilo durou um bom tempo.
                O fato de ser incomodado por falastrões religiosos, que hoje vemos como banal e corriqueiro, não o era naqueles tempos. Só um chato profissional perturbaria uma família numa manhã de domingo. E aqueles caras eram.Talvez por serem gringos, os mórmons que encontrei na sala desconhecessem as normas da nossa sociabilidade ou, quem sabe, se deixavam levar pela urgência de converter almas. Os religiosos militantes são assim. No seu afã de arrebanhar seguidores, desrespeitam qualquer convenção, qualquer conveniência. Crêem que sua pregação é mais importante que o descanso e a ressaca alheios.
                Só muitos anos depois é que tive contato novamente com um cara que, à sua maneira, estava envolvido com os mórmons. Das outras seitas oriundas do protestantismo eu mal ouvira falar até o final do século passado. Assim como quase todo mundo, eu os designava por crentes. O nome genérico e usual, mostra como eram desconhecidos os pentecostais e neo pentecostais que já andavam fazendo seu proselitismo por aqui há muito tempo.
                Hoje, essas seitas são enormes em templos, seguidores e, principalmente, em grana. Se antes associávamos seus membros às camadas mais pobres e menos instruídas da população, nas últimas décadas isso vem mudando. Atraída pela teologia da prosperidade, a classe média tem sido cooptada para alimentar as polpudas contas bancárias dos pastores e bispos de araque. Mas ainda é o povo pobre, camada mais numerosa da população, a vítima preferencial da extorsão dos dízimos, ofertas e sacrifícios.
                O número de templos das seitas pentecostais e neo pentecostais multiplica-se com uma velocidade estonteante e encontramos evangelizadores, obreiros e missionários até na sopa.
                Nas TVs, onde tinham entrada nas madrugadas e nas primeiras horas da manhã, ocupam agora o horário nobre de várias emissoras. Estão em todas as esquinas, nos trens, ônibus, presídios e num espaço onde sua presença deveria, em nome do bom senso e da ética, ser vedada: a escola pública.
                Ainda assim fazem-se de mártires da fé. O cristianismo, religião fundada no martírio, faz disso galardão. Queixam-se os pentecostais de serem perseguidos. Falam em liberdade de expressão enquanto querem calar minorias chamando-as de abominação. Falam de liberdade religiosa enquanto agridem de forma brutal (até fisicamente) as religiões de matriz africana que rotulam de culto demoníaco.
Ocupam mais de oitenta cadeiras no Congresso de onde procuram legislar em causa própria e contra qualquer avanço da sociedade, E queixam-se de perseguição. Qualquer um que levante a voz para criticar suas posturas medievais é chamado de intolerante. Para todo questionamento seu argumento é o livro mágico, não importando que para muitos o que ali vai escrito não passe de um amontoado de superstições e histórias inverossímeis.
                Parece que nada pode detê-los em sua busca pelo poder financeiro e político.

                Comecei falando de remotos tempos por ter sido tocado por uma certa nostalgia de uma época em que a maioria das pessoas se dizia católica não praticante e ninguém discutia religião.