Gostaria de ter as certezas que todos parecem ter quanto ao
movimento em curso nas nossas ruas.
No facebook, local de todos os açodamentos, todos os
chiliques e todas as bravatas, não há ninguém que tenha dúvidas. Fala-se de
gigante que acordou, de povo nas ruas e até de revolução. Segundo li no
comentário de uma amiga, uma das palavras de ordem dos manifestantes era “o
povo unido não precisa de partido”. Se
alguém me ensinasse como se faz democracia sem partidos e sem voto popular, eu
serei o segundo a entoar o mote. Estou louco pra aprender essas novidades.
Fiquei feliz por ver uma rapaziada de classe média se
solidarizando com os usuários do transporte coletivo, ruim e caro. Pouco me
importa se aqueles jovens têm carros que ganharam dos papais quando passaram no
vestibular. A luta é (ou era) justa e ponto. Mas parece que o motivo
mobilizador não agradou a todo mundo e alguns já se envergonham de pedir tão
pouco. Algo que começou tão bem, tão justo e tão concreto, parece que vai
degringolar numa série de reivindicações abstratas e grandiloqüentes.
Na TV dos Marinho, Merval Pereira falou de insatisfação generalizada
do povo e até citou o mensalão esquecendo-se ou querendo fazer esquecer que
durante os 4 meses de julgamento, o rumoroso episódio não mobilizou ninguém. Merval, não esconde (ou esconde mal) o
sentido que a emissora em que trabalha quer dar aos protestos e possivelmente
direcioná-los visando 2014.
A grande virtude dessas manifestações, segundo a
Globo, e muitas vozes anônimas das redes sociais, é seu caráter
apartidário. Despolitização é sinal de
modernidade para quase todos os comentaristas.
Um dos principais inimigos dos manifestantes e dos
comentaristas, profissionais ou não, são os vândalos. Qualquer janela quebrada
é um Deus nos acuda. Ora, foram “vândalos” que derrubaram a bastilha, foram “vândalos”
que derrubaram o muro de Berlin. Querem manifestações bem comportadas? Querem
proteger o patrimônio?
Como é um movimento essencialmente de classe média, um
ladrão que foi pego pela polícia durante uma das manifestações, foi agredido por
manifestantes depois de estar algemado e sendo conduzido por policiais. A
indignação que as agressões da polícia contra os estudantes provocou na
sociedade, ficou restrita, como sempre, aos bem nascidos. É consenso entre
nossa classe média que ladrão deve apanhar, ficar preso em pocilgas e se morrer é melhor ainda.
Um relato que li, dá
conta de um gesto heroico de um rapaz que impediu que alguns manifestantes (vândalos?)
partissem pra cima de uns policiais que, em menor número, se refugiavam na
Assembléia Legislativa do Rio. O herói impediu que fossem linchados. O rapaz
sabe de que lado está. Sabe que aqueles policiais um dia lhe serão úteis quando
ele escutar “perdeu playboy”, numa esquina da vida.
Entre muitas atitudes corajosas e atos de despojamento,
também houve o ridículo e o patético.
Na tomada do teto do congresso, como faltou repressão, os
manifestantes ficaram meio que sem saber o que fazer. Após posarem pra lindas
fotos que os profissionais da imprensa captaram e logo publicaram nos sítios
informativos, foi a vez dos revoltosos usarem seus inseparáveis smart phones e
câmaras digitais para registrarem o momento. E nas TVs os víamos de bermudas e mochilas, andando e
fotografando, como turistas visitando a Capital Federal.
Ao contrário do que muita gente pensa, os piores políticos não
estão nada preocupados com as manifestações. Eles sabem que o grosso do eleitorado está pouco se lixando para a PEC 37 ou a reforma política. Se elegerá com sobra de votos quem bater na tecla da diminuição da idade penal e na pena de morte.
No Rio, os senhores deputados estaduais já começam a fazer as
contas dos reparos que deverão ser feitos nos prédios públicos vandalizados: uma
mão de tinta no Paço Imperial, 154 mil reais; vidraças quebradas na Assembléia,
320 mil reais; um carro oficial queimado, 583 mil reais e por aí vai.
Ano que vem muitos dos que aprovaram aumento das passagens e
vários dos que fizeram discursos oportunistas nas tribunas das casas
legislativas por ocasião das manifestações, serão reeleitos. A renovação será pequena como sempre, mesmo porque os
manifestantes não se interessam por partidos. Não lhes interessa a política nem
se preocupam com o viés direitista que as emissoras de TV e os jornalões estão
dando aos seus atos. Se no começo das manifestações eles lutavam contra mais um
aumento de passagens e eram demonizados por Jabor e companhia, a partir de agora serão cada
vez mais mimados por quem pensa apenas em tirar o PT do poder e que estava sem
discurso e sem candidato para apoiar.