Há uns meses atrás voltei a assistir Laranja Mecânica de
Stanley Kubrick e me lembrei imediatamente da primeira vez que vi o filme num
cinema de Belo Horizonte em meados dos 70.
Após alguns anos a obra de Kubrick fora liberada, com cortes,
pela censura. Numa cena em que há sexo simulado, os pintos e xoxotas dos atores
e atrizes foram cobertos com umas bolinhas pretas para que a família brasileira
fosse preservada de ver aquilo que nunca vira antes. Como a cena era em
velocidade acelerada, o que se via eram bolinhas alucinadas correndo pela tela.
A platéia gargalhava.
Passados tantos anos essas coisas causam apenas graça e
serviriam para mostrar para os incautos que vão às ruas pedir a volta da
ditadura, o quanto os regimes autoritários têm de grotescos e boçais.
Infelizmente a mentalidade dos que pregam golpe de estado e intervenção militar
não dá para tanto. Aliás, creio mesmo que muitos deles gostariam de ver de novo
a censura de espetáculos, filmes e programas de TV.
Poderíamos dizer que, por enquanto, estamos livres da censura
e de outros meios de coerção da criação artística. Poderíamos, mas não devemos
fazê-lo. Pelo menos eu não tenho coragem para tal. Os fatos me desmentiriam.
Veja o caso do facebook.
Hoje, esse meio de comunicação serve para quase tudo. Desde
as diatribes políticas até o proselitismo religioso. Passando pela difamação e
divulgação de boatos que já levaram pessoas à morte. E também para divulgação
artística e cultural.
O Ministério da Cultura através da Fundação Biblioteca
Nacional lançou uma coleção de fotos
intitulada Brasiliana Fotográfica. Um acervo belíssimo e de grande relevância
cultural. Entre as fotos há muitas dos habitantes originários do Brasil. A foto
de divulgação postada na página que o Ministério mantém no facebook é de dois
índios botocudos retratados em 1909, no Espírito Santo. A índia tem os seios
nus e a rede social censurou a foto. Não se pode mostrar seios no facebook,
mesmo que sejam de natureza artística ou documental. Eles dizem que há enormes
dificuldades para diferenciar o que é cultura de pornografia e também falam de
diferenças culturais. (Aqui devemos entender que diferença cultural é tudo
aquilo que foge do padrão americano, branco, calvinista).Fotos de mulheres
amamentando também já foram censuradas pela empresa de Zuckerberg.
Fotos e filmes de decaptações, assassinatos, humilhação de
pessoas desvalidas, violência policial e outros assuntos tão caros aos
americanos podem ser exibidos no facebook normalmente assim como páginas de
incitação racista. Muitas delas adornadas com símbolos nazistas. (Talvez os
censores do facebook tenham também enorme dificuldade em saber o que é
racismo). Mas seios não podem ser mostrados. Pentelhos muito menos. Zuckerberg
quer que ponhamos tarjas e bolinhas pretas não só nos pintos e xoxotas como
também nos seios. Nem a censura da ditadura foi tão rigorosa quando tratava de
peitinhos.