quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Para as futuras gerações



III


Deixo a fome de bola
e uma receita de carne de panela

Deixo as passeatas, os comícios
e a orquestra de Severino Araújo

Deixo minha bicicleta, meu rádio, minha chave de fenda
garrafas vazias e recortes de jornal

Deixo o carnaval em plena quarta-feira
as travestis da Lapa e as putas da Praça Mauá

Deixo os livros de minha formação
o tesouro da juventude e o almanaque Capivarol

Deixo as peladas de rua e muitos gols que não fiz
um passarinho fujão e a gaiola que continha seu voo

Deixo as noites quentes de desejos
o Elite, a Estudantina, o bloco de sujos

Deixo a embriaguez da cachaça, a ressaca
a água tônica, a cibalena e o sonrisal

Só não deixo saudades
Essas levo como única bagagem.










quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Decorativo e mal pago





            Michel Temer foi até um certo momento o que se espera de um vice-presidente: um sujeito publicamente discreto. Nos bastidores ele movia seus pauzinhos para nomeações e outros acertos como cabe a qualquer pemedebista que se preze, mas mantinha prudente distância dos microfones e holofotes.
            A imprensa brasileira que estava necessitada de um herói de ocasião depois que seu eleito, Eduardo Cunha, usufrutuário confesso, caiu na boca do povo, resolveu tirar Temer da decoração. Deu-lhe corda e algumas capas nas revistas semanais. Bastou. Picado pela mosca azul, Temer desandou. Contrariando a imagem de político sério e compenetrado que se tinha dele, escreveu uma cartinha para a presidenta. Num típico chororô de dor de corno reclamou, entre outras coisas, do papel decorativo a que fora relegado pela mandatária. Mas o que queria Temer? As luzes da ribalta? Ser jurado do Master chef? Finalista do The Voice Brasil?
            Para que um vice seja protagonista há que haver morte ou desgraça política do titular, o que, diga-se de passagem, não é tão incomum na história recente do país, mas tanto no caso de Tancredo como no de Collor os vices esperaram pelos fatos sem escrever cartinhas nem chorar as pitangas. Se para Sarney e Itamar o prêmio pela discrição e performance decorativa foi a faixa presidencial, para Temer só sobrou o prêmio de "Brasileiro do Ano" da revista Isto É.
            Temer, que tinha como única serventia ser decorativo, tornou-se um estrupício palaciano. Os golpistas de primeira hora vão deixando  o barco furado do impeachment e só Mainardi, Merval e outros pré-pagos vão continuar falando do assunto. Temer vai ficar sozinho nas imensidões do planalto tendo de suportar, até 2018, aquele jeito doce de ser de Dilma. Era melhor ter recebido o prêmio da "Casa e jardim".
         



segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Brincando com números





            Não requer prática nem habilidade. Qualquer criança brinca, qualquer criança se adverte. Até o pessoal da Globonews sabe manipula-los, E olha que lá trabalham a Leilane Neubarth e o Luciano Cabral. Mas os números, apesar de seu potencial de danos, ainda são os brinquedos favoritos das emissoras dos Marinho.
             Ontem, foi a vez de Dony de Nuccio, apresentador do Jornal das 10, trocar o vídeo-game pela matemática para mostrar mais um número negativo do governo. Citou fatos acontecidos há 18 anos para falar de um determinado índice criado no distante 1997 e salientar que é o pior desempenho mensal dessa medição desde sua criação. Não citou outros fatos econômicos acontecidos naquela data para contextualizar a critica e sim fatos jornalísticos banais como a mordida que Mike Tyson deu na orelha de Hollyfield e outros que tais. Claro, de Nuccio e seus patrões e editores gostam de brincar e a orelha de Hollyfield serviu para o fim desejado: dar aos telespectadores do jornal sua ração diária de alfafa com uma pitada da irrefutabilidade dos números. De Nuccio estava contente que nem menino que tirou 10 na prova.















           

Aldravias VIII





Desde
onde
me
encontro
anseio
abismos





Aldravias XII





Se
é
livre
voa
vive
volta





domingo, 27 de dezembro de 2015

Você quer se casar comigo?





            Todos já assistimos nos filmes e séries americanos, não sem experimentar um certo mal-estar, a cena em que o rapaz com um dos  joelhos no chão e tendo na mão uma caixinha com um anel, pede a mocinha em casamento. A pantomima que tenta ser romântica, só consegue ser cafona e, muitas vezes, conforme a pinta do pedinte, grotesca.
            Essa moda boba é coisa mais ou menos recente. Quando Hollywood tinha um mínimo de dignidade e bom gosto, o pedido de casamento dos personagens era feito num jantar a dois, num passeio de charrete ou numa festa sob a luz da lua, mas nunca com o joelhinho no chão e cara de babão. Claro, isso acontece mais nas comédias românticas e séries para adolescentes de 40 anos, mas foi na vida real que virou moda.
            Como não podia deixar de ser a moda debiloide já está entre nós. É natural, afinal só importamos da terra de mailboro o que há de mais estúpido, patético e ridículo. O youtube está cheio de vídeos com os tais pedidos, quase todos falados com R carregado, música de fundo e figurino de festa de formatura. Não faltam nessas ocasiões os filmadores com seus românticos celulares para registrar aquilo que pode vir a ser fonte de grande arrependimento se os protagonistas, algum dia, amadurecerem.
            Outro dia, foi a vez de uma figura pública receber um pedido de casamento à moda teatro mambembe. Foi a Thaisa, central da seleção brasileira de vôlei. Seu noivo surpreendeu-a na quadra após um jogo em que a atleta atuou. Dessa vez, além do joelhinho no chão, o galã usou um microfone para anunciar para a torcida sua íntima intenção. Entre os gritinhos e pulinhos das companheiras,  Thaisa aceitou. Nunca saberemos se por estar convicta que quer dividir a vida com semelhante estrupício ou se por constrangimento.





         


         
           

Para as futuras gerações II





Deixo os arrepios que me tomam 
nos primeiros acordes da Internacional

Deixo as fotos que rasguei
no dia que pensei que esqueceria

Deixo todas as ilusões de felicidade
as mágoas e os rancores que tenho cultivado

Deixo os sapatos cambaios das longas caminhadas
o pó das ruas e as pedras do meio-fio

Deixo o medo da morte e o enfaro da vida
todas as covardias, todos os pecados

Deixo uma resma de arrependimentos, uma falange de remorsos
um atilho de dores sufocadas.







Aldravias X





Nós:
o
poema
que
não
escrevi





sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Aldravias V





Teu
sorriso
lago
Meu
coração
procela




Aldravias III





Sonho
A
morada
do
amor
impossível






A gostosa e o canalha





            É fim de ano, época de mensagens ternurinha. Elas, que só vinham em forma de cartão cafona até pouco tempo, agora ganham as redes sociais. Muitas vezes as ilustrações que acompanham as mensagens virtuais são tão cafonas quanto os cartões de antigamente, com os mesmos brilhinhos e bochechas rosadas. Parece que a bondade que se quer destilar nesses dias de festas tem de ter purpurina, pisca-pisca e bochechas rosadas. Mas isso é outro assunto.
            O que queria dizer é que algumas mensagens dizem coisas bonitas e até úteis. Uma que vi ontem, dizia que para o ano que vai chegar devemos buscar mais as coisas que nos une do que as que nos separam. E é verdade, afinal se formos olhar bem para aqueles que parecem ser nossos inimigos e adversários, encontraremos muito mais semelhanças conosco do que pensamos.
             Veja o caso das feministas e dos fundamentalistas religiosos. Parecem muito diferentes e no entanto dividem pensamentos e formas de ver o mundo. Basta aparecer uma mulher gostosa de biquini na propaganda de cerveja que esses grupos, aparentemente tão díspares, se unem para uma condenação unânime e inflamada. Tanto as feministas quanto os pastores têm uma ideia preconcebida de qual deve ser o papel da mulher na sociedade e nessa visão não cabe a exposição do corpo para ganhar uma grana. Ambos quando veem uma mulher gostosa vendendo cerveja, veem um desvirtuamento do sagrado corpo feminino.  E em mais uma mostra de coincidência no pensar e agir, tanto umas como outros negam qualquer direito de opinião sobre o tema às gostosas envolvidas.
            Parentescos de pensamento também unem os políticos de diversas correntes. Nesse caso é o canalha quem os une. Dependendo de que lado está o canalha esse será remisso e aplaudido pela facção que o cooptou. Na madrugada passada, enquanto admirava os manjares da mesa alheia estampados na página do facebook, me deparei com uma coluna noticiosa em que Renan Calheiros, que, supostamente, opôs-se ao inominável presidente da Câmara, era nomeado como aquele que, por sua fidelidade à presidenta e grandeza de estadista, evitou catástrofes ainda maiores na política nacional. (Bem, ele não usou exatamente essa palavras, mas estamos em época de sidra e exageros, assim que permita-me a licença poética). Li estupefato o elogio numa página que se quer de esquerda e que apoia, desculpa e louva as realizações do governo. Mesmo tendo como exemplo a recente queda do inominável canalha que por canalhice e oportunismo fazia oposição, quem escreveu o artigo não se acanhou em insinuar que o canalha dele era melhor que o canalha dos outros. Esqueceu-se o articulista que a alma canalha bota preço na fidelidade e, mais cedo ou mais tarde, vai cobrar a conta. Mas aí também a canalhice será o ponto de convergência.




A lei de Gerson







O Gerson fumava. Naquela época não era nenhum bicho de sete cabeças que um jogador fumasse. O Canhota fumava roliúde. Todo mundo sabia. Conta a lenda que  havia treinadores que esperavam o Gerson ir ao banheiro fumar um cigarro no intervalo dos jogos, para só depois dar as instruções para o time.
Uns dois anos depois da Copa do México, onde brilhou, Gerson continuava com seu prestígio intacto e foi convidado para estrelar um comercial de TV. Era o comercial dos cigarros Vila Rica. A peça publicitária fazia crer que Gerson havia trocado o roliúde de sempre pelo novo Vila Rica, mais barato, mas com igual sabor, segundo a propaganda. A vantagem estava no preço. O Canhota perguntava ao telespectador: _”Pra que eu vou pagar mais caro se meu Vila me dá o que eu quero?” E concluía conclamando que outros fumantes o acompanhassem na troca vantajosa: _”Você gosta de levar vantagem em tudo, certo?”
Tempos depois alguém concluiu que aquele comercial apelava para uma característica de nosso povo: o oportunismo. Começaram a chamar essa mostra de mau-caratísmo, que está longe de ser um produto genuinamente brasileiro, de lei de Gerson. Foi parar na conta do craque um texto que ele jamais escreveu, uma concepção de vida que ele nunca teve.
Poderia apostar que assim como quem escreveu o texto da propaganda do Vila foi um publicitário, foi outro que inventou a tal lei. É que publicitário não consegue ver algo sem por legenda, sem conceber um mote.
 Hoje, quem nunca viu Gerson jogar ou nem mesmo sabe de quem se trata, repete diante de qualquer mostra de oportunismo ou de algo ruim que lhe dizem ser típico de brasileiro: _ Lei de Gerson. Ao complexo de vira-latas juntou-se o mote fácil, a frase feita e pra pronto consumo.  Irresistível.
Tantos anos se passaram desde aquele comercial e nada de deixarem o craque dos lançamentos geniais em paz. Por que não procuraram saber o nome do publicitário que escreveu o texto do comercial para darem seu nome à “lei”?
Tenho certeza de que a maioria dos que usam o termo não conhece sua procedência. Por isso vale lembrar: era só um comercial de cigarros e o Gerson apenas era o “garoto propaganda” que dizia o texto e não seu autor. Nada mais. 




Aldravias II





Persas
gregos
otomanos
Todos
te
conquistaram






quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Para as futuras gerações





I

Deixo a praia que ficou deserta e muda
e já não canta com sua voz de maresias e gaivotas

Deixo aquela tarde quente de azuis e sonhos
que jamais anoiteceu

Deixo o aroma de uns cabelos louros
recendendo a mar e juventude

Deixo a lembrança do filme e sua canção que cantarolo
cada vez mais baixinho.

Deixo a amizade dos rapazes de Belo Horizonte,
e os amores das moças do Rio

Deixo a palavra plangente que tanto amo
e todos os poetas mortos e por nascer

Deixo os passos de dança que ensaiei
para a festa que não houve

Deixo um eclipse e uma tormenta
que rasgaram o céu quando céu havia

Deixo a carta de amor, os versos trôpegos
a canção dos anos felizes

Deixo secretas paixões e amores explícitos
todos envoltos em nunca mais.




Papai Noel





            Acho que acabei entendendo esse negócio de Papai Noel. O velho lapão que veio para premiar os bons e negar presentes aos insubordinados, preguiçosos e incompetentes caiu como uma luva nas comemorações da festa cristã. É uma espécie de contrapeso para a mensagem de amor incondicional que a data pode gerar nos corações e mentes obliterados pela sidra e pelo arroz com passas. Papai Noel existe para que o Natal não fique, como diria o pensador Alexandre Frota, muito viadinho. Ele é uma espécie de polícia do bom comportamento, um juiz da temperança que só pode ser quebrada depois dos presentes já embalados e sob a árvore. Papai Noel é a ordem no caos natalino das comilanças, músicas chatas e luzinhas vomitivas.
            O problema com Papai Noel é que  os adultos incentivam as crianças a acreditarem no mito para depois destruí-lo implacavelmente. A saída do mundo infantil, no caso da crença em Papai Noel, dá-se em precoce idade, poucos anos após a retirada das fraudas e da chupeta. Mais ou menos na época de ganhar smathphone. Se um garoto chega aos 9, 10 anos acreditando no bom velhinho a família vai pensar que está diante de um idiota patológico e incorrigível. Certamente o retardado será levado a um psicólogo e se continuar muito excitadinho à espera da visita do velho barbudo vai entrar no Rivotril pra largar de ser besta. Feliz Natal.





segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Guerra nas estrelas: B





            Eu subscrevo a revista Bula, uma página virtual feita, creio, por médicos. Às vezes aparece uma matéria legal, um texto de ficção interessante, algo de poesia. Também é comum na revista aparecerem listinhas: os dez melhores livros, os doze melhores poemas, os livros mais citados que quase ninguém leu, etc. Num dia desses apareceu a lista das cem melhores canções brasileiras de todos os tempos. Assim como você, eu não dou bola para listinhas e assim como você, eu leio todas.
            Acho que essas listinha são um truque para atrair pessoas como você e eu. São milhares de visualizações e muitos comentários. Sempre tem alguém questionando os critérios de escolha ou sugerindo a inclusão de alguma preferência sua. Dessa listinha de que falo surgiu o comentário de uma moça que, inconformada com a falta de uma canção de seu grupo favorito, arguia:_"O Legião urbana existe, hein!?!?. Na cabeça da moça uma melodia do Legião urbana deveria competir com as de Pixinguinha ou de Tom Jobim. Uma letra do Renato Russo ombrearia com outra de Chico Buarque, Aldir Blanc ou Caetano Veloso. Você poderia alegar em favor da moça com problemas auditivos que tudo é uma questão de gosto, mas não é; é uma questão de estética.
            Mas se falta senso estético à moça que comentava na revista Bula, o que dizer de milhões (talvez bilhões) de pessoas que fazem fila para assistir Guerra nas estrelas? O dizer de alguém que se senta na sala escura ao lado de outros ridiculamente fantasiados e de espadinha em punho?
Como que um adulto pode querer passar por isso?
             Eu, devo confessar, não assisti a "saga" Guerra nas estrelas. Vi, isto sim, alguns minutos do primeiro filme realizado nos anos 80.e não foram necessários mais que alguns minutos para eu ter a certeza que se tratava de uma produção Classe B. Enredo, caracterizações, interpretações e o penteado da personagem principal não deixavam dúvidas: B.  Até o robô do Perdidos no espaço era melhor do que o robô magricela do filme de George Lucas.
            Guerra na estrelas estará, daqui alguns anos, na lista das dez mais vistas produções de segunda categoria da história do cinema.
         
         

domingo, 20 de dezembro de 2015

Caipisaquê de morango





            No programa Globonews Literatura o jovem escritor apresenta seu livro. Não é o titular do programa, Edney Silvestre, quem o entrevista e sim uma repórter. O rapaz fala da influência da música nos seus escritos e na tela aparece uma página da obra na qual se lê que fulano ou fulana escutava ........ Aí entra o título da música e do artista que a interpreta. Tudo em inglês. O jovem escritor diz que as citações musicais situam o leitor no tempo em que é passada a ação. (Bem, ele disse isso com outras palavras, mais no estilo "jovem escritor"). Para mim não situou nada. Talvez para jovens leitores de uma determinada classe social, com certo gosto musical e uma fixação em coisas gringas faça sentido.
            Mais adiante, outra página do livro é mostrada e lê-se no começo do parágrafo que fulano ou fulana brindava com uma caipisaquê de morango. Como não conheço o livro não posso saber se a frase estava escrita para pontuar a frescura de quem brindava ou era apenas casual. Como o nome babaca da bebida não estava entre aspas fiquei pensando que a frescura e o gosto são do jovem escritor.
            A menos que alguém me garanta que o bebedor de caipisaquê de morango é o mais infame, vil e sórdido vilão do livro eu jamais lerei a obra do jovem escritor. Não quero saber das aventuras ou desventuras de  um personagem que beba caipisaquê de morango. Aliás, não quero nem papo com quem bebe caipisaquê de morango.
         

sábado, 19 de dezembro de 2015

De meu





De meu carrego esse delírio
essa febre de lembranças
que visto com andrajos

Entre meus haveres
só conto essa súbita alegria
quando vejo teu rosto

No rol de minhas posses
consta apenas o desejo
de ouvir o teu riso

Como vês
tenho tudo.





Seus olhos





Seus olhos, quando sorri.
se fecham quase que totalmente
mas a luz que por entre as pálpebras filtra
é como dois círios para adoração
como duas fogueiras ao longe
como dois faróis
alumiando a escuridão








sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O grande baile





            A festa na casa grande corria animada há cinco séculos. Na Ilha Fiscal houve a troca dos leões de chácara e a chegada de novos convidados. As casacas já estavam prontas há muito tempo, só esperando a ocasião de estrear. Comendas e medalhas foram providenciadas para adorna-las. Os barões abraçavam os coronéis.
            Houve momentos em que alguns pensaram que o festim acabaria, mas os festeiros nunca se cansam e o buffet, sempre sortido, oferecia novas iguarias Na Nova República parecia que o baile granfino se transformaria num grande carnaval e o que se viu foi a volta do minueto e os mesmos dançarinos.
            Mas enfim chegara o dia. Gente do povo tomou a batuta do velho maestro, a cozinha veio para a sala e decretou-se que o lundu seria de pé no chão. Houve um silêncio. Os antigos convivas se sentiram incômodos naquele ambiente, mas como ninguém tratou de expulsá-los foram ficando por ali e aos poucos trataram de puxar conversa com os que chegavam à festa. Elogiaram a feijoada, que agora era servida como prato principal no banquete, provaram da branquinha e deram pro santo. Pronto, já eram todos amigos. _"Até que não são tão maus assim"_ pensaram os recém-chegados
            Com a mão no ombro e conversa ao pé do ouvido, os novos donos da festa foram sendo convencidos que bom mesmo era o caviar e aquele whisky nacional da escócia. E os violinos. Ah! os violinos. A cuíca deixou de roncar quando a grande orquestra voltou a animar o salão.
            Os novos barões, os flamantes doutores, a nova casta festiva até que leva jeito e já andou ensaiando uns passos à moda antiga; Um tropeço aqui outro acolá, nada de mais. Muitos já ostentam mansões e aparecem nas colunas sociais. Outros faturam alto nas palestras e consultorias. O mundo os cita e convida.
            Claro que nem sempre compartilhar o salão é coisa simples. Os donos hereditários da festança  puxam tapetes. Já não se mostram dispostos a dividir os acepipes com os que chegaram tarde. E esses, que já iam se acostumando à boa culinária e aos doze anos, não sabem como retornar à senzala. O feijão de outros tempos agora lhes sabe insosso.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Os premiados





            É dezembro. Certamente o mês mais chato do ano. Claro, depois vêm as festas, as roupas bonitas, a comida natalina, o porre de sidra. Mas enquanto rola o fatídico mês a chatice predomina. As reportagens dos telejornais sobre as compras de Natal, a pieguice dos anúncios publicitários, as frases feitas no facebook e as premiações. Ah! as premiações. Não há atividade humana que não seja objeto de alguma premiação nesse mês de acertos de contas. Entre os premiadores, os jornalistas estão na vanguarda. Cada um, na sua especialidade, se dá o direito de premiar.
            Não satisfeitos com a primazia de conferir lauréis para quem lhes pareça digno de recebe-los, os jornalistas também outorgam muitos e muitos prêmios a outros jornalistas. São tantas as associações, confrarias e entidades dos profissionais da imprensa que premiam os seus membros, que qualquer sujeito que exerça a profissão pode estar certo que algum troféu ou, pelo menos, um diploma de honra ao mérito vai levar para casa para orgulho da mamãe.
            Nas outras atividades profissionais há que se esforçar mais um pouquinho para receber algum galardão. Entre os políticos, por exemplo, são raros os meios de comunicação que premiam a operosa categoria. Deixo aqui minha colaboração para que não passem em brancas nuvens os esforços de nossos representantes e governantes e sugiro os seguintes nomes para o panteão da pátria.
            Na categoria "Político Escrotinho do Ano" não creio que haja discordâncias. Duvido que alguém possa apontar maior merecedor da honraria que o meu, o seu, o nosso Eduardo Cunha. Embora exista forte concorrência Cunha foi perfeito. Não houve quesito de escrotitude em que ele não pontuasse por encima dos demais. Nessa categoria, Jair Bolsonaro é hors concours, mas o político da caserna levaria o troféu "Boçal de Ouro" pela décima vez consecutiva.
            Entre os que contribuíram para que  o processo democrático parecesse qualquer outra coisa Paulinha da Força receberia condecoração na categoria "Pau Mandado Especial". O ano foi pródigo em políticos leva-e-traz, mas Paulinho venceria a disputa por carregar o nome no diminutivo, tão próprio para quem leva recados.
            O "Cara de Pau" de 2015 iria facilmente para Michel Temer que acumularia essa premiação com a de "Chororô Decorativo" e a de "Traíra Dourada" tornado-se assim o grande vencedor do ano.
            Entre as senhoras que horam a pátria com seu lavor nas lides políticas, Kátia Abreu seria nome certo para a categoria "Papel de Embrulhar Prego". A reconhecida grossura da dama da motosserra atingiu seu ápice num recente jantar de confraternização de senadores quando jogou um copo de bebida em José Serra, seu concorrente. Esse fato a tornou imbatível. Já a vejo caminhando pelo tapete vermelho com sua proverbial elegância no trajar, para receber das mãos de Rachel Sheherazade seu prêmio: um tacape confeccionado em ouro e pedras preciosas pelo artista plástico Siron Franco.
            O troféu "Porrada Educativa" seria dividido entre os governadores Beto Richa e Geraldo Alkimim, enquanto Marco Feliciano disputaria com alguns outros deputados, que preferem manter o anonimato, o cobiçado troféu "Meu Armário, Minha Vida".
            Outro nome incontestável é o de Delcídio do Amaral. O senador, entre tantos outros profissionais, levaria o "Boca na Botija de Ouro" por sua performance nas gravações do filho de Cerveró.
            Como em todas as premiações muita gente fica de fora dessa minha tentativa de fazer justiça àqueles que tanto contribuem para que a política nacional seja esse inacabável festim. Paciência. Logo teremos mais um ano inteiro para que Suas Excelências mostrem do que são capazes.
         

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Cento e onze tiros





Cento e onze tiros
matam mais que cinco meninos pobres.
cento e onze disparos de arma de fogo
matam mais que famílias e sonhos
cento e onze balas de fuzil e pistola
matam mais que uma nação
cento e onze cápsulas deflagradas
matam a dignidade humana.








quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Requentando notícia velha





            A empresa de consultoria de José Dirceu, a JD Assessoria e Consultoria, faturou 29 milhões de reais em 9 anos prestando serviço a mais de 50 empresas. Dessas empresas, as que estão envolvidas nas fraudes da Petrobrás pagaram 3,7 milhões de reais à JD por consultorias e isso deu origem à quebra de sigilo da empresa de Dirceu. Suspeita-se que os tais serviços de consultorias jamais tenham sido prestados e as notas emitidas pela JD seriam apenas para encobrir propinas recebidas por José Dirceu. O ex-ministro e seus advogados não negam os números do faturamento, apenas falam da licitude de sua obtenção.
            Minha assessoria e consultoria para qualquer assunto custa 100 real mais o da passagem, mas certamente o José Dirceu cobra mais e por isso faturou tanto. Esse negócio de consultoria depende muito de quem a presta e não se esse alguém presta. Se não me falha a aritmética Dirceu embolsou no período citado algo em torno de 300 mil reais por mês. Se ficou apenas com a metade, 150 mil, poderíamos dizer que Dirceu teve uma vida cômoda antes de entrar em cana. Talvez tenha até sobrado algum na poupança.
            Eu não tenho motivos para duvidar da lisura de Dirceu e de suas consultorias, apenas fico pensando nas pessoas que fizeram vaquinha para ajudá-lo a pagar a multa estipulada no processo do mensalão. Dirceu aceitou o que foi arrecadado? Devolveu com agradecimentos aos solícitos doadores? Não sei.
            Houve também o caso da reforma da casa de Dirceu, em Vinhedo, que saiu pela bagatela de R$ 1,8 milhão. Dizem que foi um lobista quem pagou pela reforma. Eu não acredito. Acho que Dirceu bancou a obra com os recursos advindos das consultorias.  A compra da casa não foi uma operação feita por uma imobiliária ou por um corretor de imóveis. Dirceu comprou a casa de um sócio, que a havia adquirido por 500 mil reais, pagando pelo imóvel a módica quantia de 100 mil reais. As más línguas falam de falcatrua no negócio. Eu não. Fico pensando apenas nas pessoas que fizeram vaquinha para ajudar José Dirceu.


            P.S_ Eu também dou consultorias para vaquinhas.

domingo, 22 de novembro de 2015

Os suspeitos de sempre





            Numa das últimas cenas de Casablanca, logo após o personagem vivido por Humphrey Bogard ter matado o oficial alemão,, o policial francês, para acobertar a morte do nazista, ordena a seus homens: _Prendam os suspeitos de sempre. 
            Prender os suspeitos de sempre foi um costume que os franceses cultivaram durante todo o tempo que ocuparam o Marrocos e a Argélia. Com a eclosão dos movimentos pela independência e seus atos "terroristas" havia que dar uma satisfação aos investidores franceses que haviam apostado na estabilidade do colonialismo naquela região. Sem ter o que fazer para deter a onda libertária prendia-se os suspeitos de sempre.
            Hoje, os suspeitos de sempre continuam sendo presos e como sempre as ações da polícia, a mesma polícia que foi incapaz de prevenir os atentados, dão uma satisfação à sociedade. A ninguém lhe ocorrerá questionar que métodos a polícia francesa está usando nos interrogatórios dos suspeitos de sempre e caso questione certamente apoiará torturas e toda espécie de violação de direitos. A histeria coletiva que se segue a um ataque como o ocorrido em Paris é um terreno fértil para que toda a liberdade seja restringida, principalmente a liberdade dos suspeitos de sempre.
          

sábado, 21 de novembro de 2015

Memórias





Não escreverei memórias
não exporei minhas vergonhas. meus pejos

Pois se me constrange mostrá-las 
mais ainda me vexa escondê-las 
sob o palavreado encardido
dos que se perdoam.

Minhas memórias trago-as
gotejantes e silenciosas
nesse embornal de ossos e vísceras.
Descarnadas e sem atavios

Minhas memórias, tristes memórias
guardo-as para consumo próprio e noturno
como esses cigarros, como esse espelho
em que não me vejo.

Os fragmentos de minhas memórias
deixou-os esparsos, sem escritura
para que nunca se unam
num medonho e tosco mosaico.








quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Um dia desses






Um dia desses
de manhã bem cedinho
eu vou por no seu caminho
um Quintana bem passarinho
e aquela pedra do Drummond




segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Gentileza gera gratidão





            Eu conheci o Gentileza. Foi no final dos 70 ou começo dos 80, na Cinelândia. Lembro bem de um dia em que estivemos mais próximos. Era uma tarde ensolarada e eu estava feliz. Talvez estivesse apaixonado ou algo que o valha. Provavelmente estava apaixonado. Já o tinha visto muitas vezes e o catalogado como um desses maluquinhos que abundam nas grandes cidades.
           Nesse dia de que falo Gentileza me deu uma flor. Agradeci com meu melhor sorriso e ele veio com aquele papo de que não se deve dizer obrigado e sim agradecido e blá blá blá. Lembro do sentimento que experimentei naquele momento e que venho experimentando vida a fora com relação à humanidade: decepção. Por que o cara não podia receber um muito obrigado e pronto? Ele bem sabia que eu estava grato pela flor, então pra quê a frescura semântica? Como disse eu já tinha catalogado Gentileza como um maluquinho a mais e deixei pra lá.
           Naquele tempo os maluquinhos urbanos não me provocavam nenhuma simpatia. Pra dizer  a verdade não me provocavam nada. Eu tinha minha vida e minhas paixões e os maluquinhos faziam parte da paisagem.
           Já maduro é que comecei a ter simpatia por maluquinhos. Afinidade, talvez. Coincidiu com minha precoce caduquice o lançamento da música sobre Gentileza cantada por Marisa Monte. Eu quase que ia simpatizando com Gentileza não fosse o negócio do agradecido. Acontece que depois da popularização de Gentileza e de sua "filosofia" muita gente deixou de dizer obrigado. Como é de costume os seguidores de malucos querem ser mais reais que o rei e de agradecido para gratidão foi um pulo.
           Confesso que quando leio ou escuto gratidão querendo significar obrigado, minha vontade é de arrancar os pentelhos. Acho o cúmulo da babaquice. O sujeito fala gratidão e já o imagino comendo um bife de soja com tofu. Um namastê ambulante.
           Sobre Gentileza li hoje uma matéria na qual a Heloísa Seixas conta sua experiência com ele. No relato não há nada de gentileza. Escreve Heloísa que o auto-intitulado profeta assediava as moças que passavam por ele na Praça XV, a caminho das barcas, usando mini saias, batom ou mesmo calças compridas dizendo que iriam para o inferno e outras delicadezas. Tudo aos gritos e em tom ameaçador. Chegava mesmo a correr atrás de suas vítimas. Muitas outras mulheres comentaram a matéria da jornalista contando coisas semelhantes. Era isso: o cara era um fanático religioso, um fundamentalista que entrou para a história do Rio como um pregador do bem e do amor ao próximo. Isso acontece. Sua frase famosa "gentileza gera gentileza" não está mal. Acho até que a subscreveria mesmo sabendo que o que Gentileza gerou, além de terror nas moças, foi uma chatice linguística.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O chavão





            O novo chavão imbecilizador tem a ver com as pessoas que se atrasaram para a prova do Enem. Reza assim: "Se fosse um show de música eles estariam acampados na porta dois dias antes".
            Como é um chavão imbecilizador seu público alvo são os imbecis e um imbecil jamais iria cogitar que os que chegaram atrasados para as provas são os mesmos que aparecem no show sem ingresso e não conseguem entrar.
            Isso se dá porque há gente que simplesmente não consegue cumprir horários, não consegue planejar nada, não consegue se antecipar aos acontecimentos. Não é falha de caráter, não é coisa de preguiçoso. Quem vai ao cinema sabe que tem sempre aquela turma que chega com a sessão já começada, pedindo licença para passar e atrapalhando quem chegou cedo. Na entrega da declaração do imposto de renda dá-se o mesmo. A conexão com o sítio da receita federal cai pelo congestionamento de dados quando faltam poucos minutos para encerrar o prazo de entrega. E aqui não estamos falando de adolescentes secundaristas.
             O novo chavão imbecilizador é da mesma família daquele que prega sobre a vestimenta e o comportamento das mulheres: "Não se dá ao respeito". E de outro que defende a violência policial e seus assassinatos: "Bandido bom é bandido morto". É só mais um chavão imbecilizador.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Mirim





            Outro dia, uma página virtual dedicada à língua portuguesa publicou um texto com a palavra "expert". Eu estranhei o uso do termo estrangeiro e fiz um comentário. Ninguém gostou. Chamaram-me chato. Disseram que esse tipo de crítica ao uso de estrangeirismos era picuinha e que os idiomas são vivos e incorporando novas locuções, cresce.
            Não tenho dúvida sobre isso e advogo pela incorporação da criação popular, pelo acolhimento das gírias e dos neologismos. Mas como pode algo crescer pela extirpação? O uso de "expert" em vez de experto não acrescenta nada, apenas substitui uma palavra de nosso idioma por outra estrangeira que tem o mesmo significado.
             Ainda há pouco, abri a página do jornalista Leonardo Sakamoto que cedeu seu espaço por uns dias para que mulheres se manifestassem sobre os temas relevantes do feminismo. Achei muito apropriada a adesão do jornalista a essa proposta de feministas principalmente nesses dias pós Enem quando até mesmo Simone de Beauvoir foi atacada por machistas, fundamentalistas e boçais de ambos os sexos.
              No primeiro da série de textos escritos por mulheres no Blog do Sakamoto me deparei com o nome do grupo feminista do qual a autora fazia parte: Think Olga. Deixei pra lá a bobagem da nomenclatura e comecei a ler. O artigo fazia referência ao caso Valentina e ao programa Master chef. (É praticamente impossível achar um programa de TV que não tenha algum estrangeirismo no nome ou nas chamadas publicitárias). A versão infantil do programa era tratada pela autora como versão "Kid".Com três tecladas a autora aboliu não só a palavra infantil como a contribuição luxuosa do tupi, mirim. Para acrescentar ao idioma o vocábulo estrangeiro, extirpou-lhe duas palavras de uso corriqueiro e com o mesmíssimo significado. Por quê? Por pura tolice.
           

sábado, 31 de outubro de 2015

Quem protege os meninos?





          Estamos nos animalizando. Não me refiro aos pronunciamentos de Magno Malta nem às leis propostas por Eduardo Cunho e seus acólitos da bancada evangélica. Refiro-me ao homem comum. Quase ia dizendo que trato do homem das ruas, mas não é isso. O homem comum de hoje não é o homem das ruas, é o homem do teclado, das redes sociais, do palpite infeliz, dos comentários apressados sobre manchetes mal feitas. O homem que não é capaz de discernir, de desmascarar uma demagogia mesmo que ela seja esfregada nas suas fuças.
          O mui vivo Papa Francisco se deu conta do mundo em que vive e tem explorado ao máximo essa capacidade do homem moderno de engolir tudo in natura. Daí a doação de guarda-chuvas para os sem teto de Roma e os passeios turísticos para mendigos.
          Acabo de ler que em Curitiba o prefeito Gustavo Fruet proibiu a circulação de veículos de tração animal na cidade. Pronto, isso bastou para que o prefeito fosse elogiadíssimo pelos defensores dos animais e comentadores em geral. "Curitiba dá, mais uma vez,uma demonstração de inovação e sustentabilidade", disse o prefeito.
           A lei, originária do poder executivo, proíbe inclusive que se leve fardos no lombo de animais esteja o condutor montado ou não.
           Na matéria que li na página da prefeitura fala-se que um grupo de trabalho foi criado para cuidar da situação das pessoas afetadas pela proibição. Ora, é sabido que quando alguém quer fazer alguma coisa vai e faz e quando não quer fazer nada cria um grupo de trabalho ou uma comissão. Se, pelo menos, o tal grupo de trabalho tivesse sido criado antes da aprovação da lei poderia-se pensar que havia alguma preocupação com as famílias que sobrevivem dos pequenos fretes e da coleta de material reciclável utilizando-se do trabalho animal. Mas não, Colocou-se a carroça na frente dos bois. Os animais adiante das pessoas.
            Você poder objetar que tudo que emana dos políticos tem o dom de iludir, que eles são pós graduados nessa arte e o povo apenas vai atrás. Isso é verdade, mas há também o que sai desse homem moderno das redes sociais que não depende da interferência dos políticos para atingir o mesmo grau de demagogia e estupidez. No facebook circulou uma foto de um burro puxando uma carroça carregada de material para reciclagem. O estado do animal era deplorável e isso acarretou os mais iracundos comentários dos palpiteiros profissionais. Nada mais justo, você dirá. Acontece que a carroça era conduzida por dois meninos. Um deles não passaria dos 8 ou 9 anos. Vi várias vezes essa postagem e li dezenas de comentários referentes a ela. Em nenhum desses comentários, nenhum mesmo, se falava dos meninos, do trabalho infantil, da insalubridade daquela tarefa de vasculhar entre dejetos, dos perigos a que estavam sujeitos. Falava-se exclusivamente do pobre animal. Quando um desses meninos for varado por uma bala da polícia em uma de suas incursões em favelas e periferias, serão esses mesmos piedosos palpiteiros que lhe vão imputar crimes que nunca cometeu e dizer que bandido bom é bandido morto.
              Quanto à lei protetora de Curitiba é bom que se diga que ela tem exceções. Os haras, as hípicas, o turfe, as cavalgadas e os lugares onde se pratica a equoterapia não estão sujeitos aos seus rigores. Podemos dormir em paz.

         

Partir



Romper, quebrar em dois em mil
Deixar os cacos pra trás
e ir



Cais



Ou te arrebentas
ou vais




sexta-feira, 30 de outubro de 2015

No chão das ruas



Fundo de garrafa quebrada
mostrando a ferocidade de suas agulhas
Jornais amarelados navegando à deriva
Poças d’água quase límpidas que refletem luas
no côncavo negro  
Restos de cigarros que guardam a marca do beijo
Podridões sob o voejar verde-azulado das moscas
Dejetos, cusparadas.
Meninos que dormem sobre o papelão
envoltos em trapos.





sábado, 24 de outubro de 2015

Revivendo






Relendo O Chapadão do Bugre. Mário Palmério
que conheci aos quinze, dezesseis anos.
Pelos caminhos de Minas vou atrás daquele menino.
José de Arimateia me guia
Seu Valico Ribeiro me acoita.
Ói! eu montado na minha Camurça.
Mula nova, burro velho.





segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O sonho alegria me dá




No sonho você não estava.
Apenas me mandava uma carta.
Uma carta sem palavras.
Dentro do envelope dois corações recortados
em papel crepom roxo
e um pouco de maconha.





quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Vícios





Sincero te digo
Dessas garrafas e copos
Tristes e passionais

E dos cigarros confesso:
Já os apaguei com lágrimas





terça-feira, 6 de outubro de 2015

Quando eu nasci...



O anjo do Drummond era torto
O do Chico, safado
O da Adélia, esbelto
Mas o meu... Ah! meu pobre anjo bêbado
Naquele 3 de agosto curtia uma ressaca, acordou tarde
e nem deu as caras
Quando apareceu, muitos dias depois,
eu já tinha nome civil
Veio com as asas dobradas debaixo do surrado paletó
de funcionário público municipal
Balbuciou umas desculpas. Tinha olheiras, estava sem graça
Deixou um raminho de flores baldias e murchas
e se foi. Esqueceu-se dos vaticínios.

Nunca mais o vi.





domingo, 4 de outubro de 2015

Preciso de uma cidade



Eu preciso de uma cidade
com todas as suas luzes e violências. Preciso
de uma cidade com seu caos de sombras
Sua impossibilidade de silêncios

Preciso de uma cidade
e as improbabilidades de amor
Uma cidade com arestas e asperezas

Preciso de uma cidade sem lua
Com estrelas penduradas nos postes
e poças d’agua coloridas

Preciso de uma cidade
que não se sustente
que me sustenha no chão duro de pedra e carvão

Preciso de uma cidade
Uma
qualquer cidade onde chova encalorada
Calorosa e ríspida

Preciso de uma cidade para viver aos gritos
Para viver aos saltos, aos trancos
Uma cidade que me asile. Uma cidade exílio

Preciso de uma cidade, de seu odor doce de fumaça
de frutas podres de suores.
De velhos jornais voando amarelados

Preciso de uma cidade insone, sonâmbula
Cocainômana
Cacofônica e estridente. Preciso

De uma cidade em chamas
De uma cidade em greve em prantos
em petição de miséria

Preciso de uma cidade que arranhe céus
E crave as unhas no inferno. Preciso
De uns cemitérios

Preciso de uma cidade que colha os amanheceres
e os despeje sobre as cabeças dos que anoitecem
Preciso de uma cidade para morrer.






sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Minha palavra





Não quero minha palavra fora de mim
Quero-a dentro, encharcada
Criando bolor e hera. Musgo e mofo
E que ninguém ouse chamar 
de angústia tédio, rebeldia
ou qualquer outra abstração
minha palavra encharcada
Minha palavra não tem nomes, não nomeia nem define
Minha palavra definha
É morna é crua minha palavra e cheia de brotos podres
Minha palavra que recusa nomes é horrenda e marrom
Viscosa
Minha palavra me sufoca com sua ânsia de vir à tona
de transbordar, de livrar-se de mim







sábado, 26 de setembro de 2015

Ao rancor, um pires de leite pela manhã



A frase era bonitinha e apareceu no facebook várias vezes. Tal qual uma personagem de romance eu tratava de dar um rosto, um corpo, uns modos à frase. Não a quem a dissesse, mas à própria frase. A composição foi simples: meti-lhe uns tênis nos pés e uma goma de mascar na boca. Dei-lhe também uma pele bronzeada e as devidas marquinhas da alça do biquini. (Sempre gostei das marquinhas e hoje tenho obsessão por elas. Acho que se lesse os Irmãos Karamazov por primeira vez nesses dias, minha Grushenka teria marquinhas de biquini). Matriculei-a num cursinho e comprei pra ela, muito a contra gosto, um smartphone. A frase era obviamente adolescente.
Já vestida e sem largar o maldito smartphone já posso lhe apresentar a frase. Ei-la: “Eu não guardo nem dinheiro, pra quê vou guardar rancor.” Ora, querida não há motivo para que você guarde dinheiro. Os tênis, o smartfone e seu tempo livre para a praia eu já lhe dei. Pago a mensalidade do cursinho e quantas gomas de mascar você puder botar na boca. Mas quanto ao rancor, guarde-o. Não ande por ai desperdiçando sentimentos, principalmente os de forte teor alcoólico e humano.
Guarde seu rancor e trate-o bem. Dê-lhe vodka, cachaça, vinho barato, muitos cigarros e um pires de leite pela manhã.Crie o rancor em estreita amizade com seu primo mais velho, o ódio e verá que eles combinam e tramam. Fique sendo apenas “eu não guardo nem dinheiro” e poderemos ser amigos.
Só quem cultiva robustos rancores é capaz da verdadeira gratidão assim como só os que odeiam fortemente são capazes de amar até as últimas conseqüencias.

O ódio, de tanto beber, é bem capaz de morrer jovem, mas o rancor não. Ele pode sobreviver até mesmo a você e talvez seja seu único e derradeiro amigo. 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Caça ao menino negro







O PSDB governava e o PT fazia oposição. Durante os 8 anos de FHC (os últimos 4 comprados em moeda forte) não houve um só episódio de agressão de simpatizantes tucanos, embora as medidas tomadas por aquele governo fossem totalmente contrárias ao ideário petista. (As privatizações, por exemplo). Nenhum episódio de ódio explícito, como os que agora assistimos, foi registrado.
Enquanto a canalha tucana governou para os bancos e o grande capital, a classe média assistiu impavidamente sem soltar um piu. Não faltavam manchetes de Veja e outros meios "insuspeitos" denunciando corrupção e manobras das mais sujas. O que era apurado pela polícia dormia na gaveta do Procurador Geral da República.  Havia muita coisa para indignar-se, para bater panelas, para fazer manifestações, mas quem hoje assume ares de paladino da moral e da boa governança nada viu. Ou melhor: viu sim, mas como não havia favelados no shopping nem negros nas universidades nem direitos trabalhistas para as empregadas domésticas, tudo parecia em paz. Não havia motivo para manifestações. Foi só o povo pobre receber algumas ínfimas migalhas, algum reconhecimento pelo seu lavor na forma de um salário mínimo um pouco menos infame, alguma dignidade e pronto: a revolta se espalhou.

Não, não é contra a corrupção que as panelas bateram nas varandas gourmet, foi contra os pobres, contra o fim de alguns poucos privilégios. As panelas, agora mudas, pois passou a modinha, se transformaram em porretes nas mãos de playboys de academias. Do alto dos prédios protegidos por grades e alarmes anti-pobre o espetáculo da caça ao menino negro poderá ser acompanhado pela gente de bem. Já não precisarão bater panelas apenas sacudirão as cabeças em histéricas gargalhadas de delírio por mais um linchamento. O ruído será o mesmo.

A serpente chocou o ovo do fascismo


 Os cartazes afixados nas ruas de Niterói, os justiceiros bombados que, sob o olhar complacente da polícia, invadiram ônibus para caçar jovens dos subúrbios, a PM carioca pondo em prática o apartheid social tão grato à classe média da zona sul, a agressão a João Pedro Stedile, os justiçamentos e, é claro, as manifestações nas redes sociais contra pobres, índios, negros, gays e favelados não deixam dúvidas: estamos imersos no mais espesso fascismo. Não é um ataque de conservadorismo puro e simples. É fascismo mesmo. Não é só um grupo isolado nem apenas a oposição golpista que trabalha para que isso se dê; é toda a sociedade ou, pelo menos, a maioria de nossos concidadãos.
Poderia chamar de inocentes úteis os que aderem a esse chamado ao ódio por pura ignorância ou medo, mas não posso chamar de inocente quem marcha ao lado de Bolsonaro, Caiado, Malafaia e Feliciano. Não posso nomear como ingênuo alguém que  finge uma enorme repugnância pela corrupção, mas bota falsos dependentes na declaração de imposto de renda. Posso sim chamar de burro e isso faço. São os burros, os néscios, os cretinos os que agrediram Stedile. São massa de manobra do latifúndio e nem sequer têm um quintal de terra.
Posso e vou chamar de estúpidos os que vão atrás do trio elétrico do pastor homofóbico defender a família brasileira. Defender contra o quê? Ora, contra o casamento, as saias e o cu dos outros.
Permito-me chamar de boçais os que apoiam a polícia nos assassinatos nas favelas, o genocídio dos índios, os espancamentos de travestis. Quem, sorridente, tira selfies com a tropa de choque nas manifestações. Nomeio, porque quero, de cúmplices os que se dizem chocados com os arrastões nas praias do Rio e silenciam sobre a chacina de 19 pessoas na periferia de São Paulo.
Vou tratar por hipócritas os que condenam o bolsa família e não abem mão da carteirinha de estudante. E nem são estudantes!
Alcunho de trogloditas os que nada sentem pela morte de mais um menino pobre pelas patas dos defensores de seus privilégios. 



sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O financiamento e os revoltados



O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o financiamento de partidos e candidatos por empresas. A decisão deveria ser comemorada por todos, mas não é assim. Na minha página do facebook estou estranhando a falta de postagens de revoltados e paneleiros. Supostamente essa gente indignada com a corrupção deveria estar aplaudindo a decisão do STF, mas não. Nem uma postagenzinha, nem uma piadinha, nem uma charge da Dilma ou do Lula.
Acontece que o tema do financiamento privado de campanhas não faz parte da agenda dos indignados de fim de semana. Sua revolta agora é contra a CPMF que pode ser reeditada e, é claro, contra o governo comunista do camarada Levy e da companheira Kátia Abreu.
Talvez o fato de a decisão emanar do judiciário e não do executivo tenha deixado essa gente um tanto perplexa. Seus líderes e gurus nada dizem. O que pensará Constantino? E o astrólogo, o que terá visto no zodíaco que o emudeceu? E Fábio Júnior, já emitiu nota aos meios de comunicação explicando sua visão sobre o tema? Não, ainda não há sinal de fumaça.



domingo, 13 de setembro de 2015

A mais pura demagogia



Nesses dias interessantes que vivemos a palavra demagogia só é usada quando algo é feito em favor do povo pobre. Para os comentadores da internet, bolsa família é demagogia, cotas nas universidades também. Defender os direitos de favelados, gays e negros então nem se fala. No entanto quando a mais pura das demagogias é esfregada nas fuças dessa gente comentadeira e burra ela não percebe. Veja o caso da redução da maioridade penal.
A classe média (e os que aspiram sê-lo) comprou o discurso da bancada da bala e dos apresentadores de programas policialescos que pregam que a simples redução inibirá os jovens de praticar atos infracionais por medo à punição. Como se as casas que abrigam hoje os menores infratores fossem alguma disneylândia. É uma medida inócua e demagógica que só serve para enganar pascácios e satisfazer os desejos sádicos de alguns de nossos concidadãos saudosos de chibatas e pelourinhos. Mas tem pior.
Desde que iniciou seu pontificado o papa Francisco tem se notabilizado pela mais óbvia das demagogias. Primeiro foi a caso dos guarda-chuvas doados aos sem teto. (Guarda-cuvas esquecidos pelos visitantes do Vaticano é bom que se diga). Depois foi o passeio organizado para que os mendigos de Roma conhecessem as belezas da Capela Sistina e outros tesouros artísticos da Santa Sé. Previamente ao passeio foi oferecido aos miseráveis um banho higienizador do lado de fora, é claro, e uma merenda.

Agora são os refugiados que merecem a atenção do Sumo Pontífice. Francisco orientou as paróquias para que cada uma delas receba 1 (uma)  família de refugiados. As duas paróquias existentes no próprio Vaticano vão receber 2 (duas) famílias. Pois é. Parece que ninguém notou a desproporcionalidade entre a caridade papal e o número gigantesco de refugiados. Não há críticas, não se ouvem vozes contra essa deslavada demagogia. Todos parecem crer que as orações e os discursos proferidos por Sua Santidade sobre os que fogem do inferno da guerra e da fome já são suficientes. Não são.
A Igreja Católica poderia fazer bem mais que acolher uma família de refugiados por diocese. Com sua capacidade de mobilização, com suas finanças, com sua capilaridade poderia e deveria fazer bem mais. Mas não fará nada além de discursos e chamados à paz universal da qual ela mesma descrê.




domingo, 23 de agosto de 2015

Donald Trump: o palhaço que virou candidato



Donald Trump ao lançar-se à corrida pela indicação de seu partido para disputar a eleição presidencial americana optou pelo confronto. Disse cobras e lagartos dos imigrantes mexicanos e foi parar nas manchetes do mundo. Ninguém mais pode perder tempo comentando seu penteado ou o programa de TV que ele comandava. Trump com suas declarações virou, da noite pro dia, uma figura política. Esqueçam o topete.
Andei lendo aqui e ali que sua estratégia de ofensas é um tiro no pé e que ele vai acabar por perder o cada vez mais numeroso voto “hispânico”. Li isso de gente que faz análises de política externa e usa uns paletós maneiros. Eu tendo a discordar de tal vaticínio. Digo isso pensando nos brasileiros residentes nos EE.UU e que se manifestam nas redes sociais e nas caixas de comentários dos sítios informativos.
Se Trump tivesse se referido aos imigrantes brasileiros como traficantes e estupradores, como fez com relação aos mexicanos, eu tenho a impressão que ele não perderia um único voto dos filhos e netos de imigrantes brasileiros aptos a votar. Imagino que o mesmo se passe entre os descendentes de mexicanos. O imigrante alvo de Tramp é o imigrante das construções, os camelôs, os biscateiros, os ilegais. Os que não votam. Gente que faz lembrar aos filhos dos imigrantes “velhos” sua origem e seu passado. E essa gente quer esquecer tudo isso e ser assimilada. É gente que realizou o sonho americano de comprar uma casinha a prestação e botou um carro na garagem. Gente que se tornou conservadora.
Com a polêmica Trump não só não se enfraqueceu entre os “latinos” como deve ter se fortalecido muito junto à extrema direita americana. O Tea Party pode passar a vê-lo como um candidato viável e depositar apoio à sua indicação.
Iniciado o caminho do confronto Trump seguiu o rumo e atacou as mulheres. Primeiro Hillary Clinton, depois Megyn Kelly, apresentadora do ultra direitista canal Fox News, que mediava um debate entre os postulantes à candidatura republicana.
Também nesse caso creio não haver risco de perda de apoio. Muitas mulheres pensam como ele. Prova disso é que numa democracia com quase 240 anos, nenhum dos dois principais partidos jamais apresentou uma mulher como candidata à Casa Branca. Hillary Clinton, ao que tudo indica, será a primeira, mas não é certo que o voto feminino lhe caia no colo, pelo contrário. Entre os países desenvolvidos os EE.UU têm uma das menores bancadas femininas no legislativo. Lá como cá a grande maioria conservadora (homens e mulheres) ainda vê a política como coisa de homens, de provedores.
Vindo do mundo dos negócios (e que negócios!) Donald Trump não dá ponto sem nó, nem faz discurso sem prévia pesquisa. Quem o vê apenas como um palhaço de TV pode ser surpreendido com sua escolha pelos republicanos para disputar a presidência dos EE.UU. Uma pesquisa de intenção de votos feita recentemente na Carolina do Norte apontou Trump em 1º, dois pontos percentuais acima de Hillary Clinton. Não sei que grau de influência essas pesquisas têm na escolha dos partidos por seus candidatos, mas é um dado.

 Desprezando os votos das minorias Trump vai aglutinando em torno de sua pré-candidatura as amplas maiorias. Possivelmente seus próximos alvos sejam os gays ou os ecologistas. Ou, quem sabe, os negros.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Meryl Streep, uma paixão



Eu tinha vinte e poucos anos e havia perdido um amor. Mais de um ano se passara e a paixão continuava intacta, doendo. Eu sabia que a única maneira de curar aquela dor era me apaixonar de novo. E eu tentava. Ah, como eu tentava. Mas era só cruzar com Ela pela rua ou vê-La de longe e o coração disparava.
Lembro de um dia: Ela vinha da praia e eu descia a Santa Clara. Parou pra falar comigo. Me contou de uma viagem que fizera. Até hoje não sei quem estava com Ela. Não sei nem o sexo de quem estava com Ela. Era assim que acontecia: Ela aparecia e o mundo acabava, o fôlego sumia, as palavras me abandonavam. Eu sofria.
Por vezes eu pensava em desistir de encontrar outro amor. Era o tempo da amizade colorida e eu tinha umas amigas. Quando sossegava a libido eu me metia no cinema. Havia um embaixo do prédio onde eu morava. Vi muitos filmes naquela época. E foi aí que aconteceu.
Passavam “A mulher do tenente francês”. E lá estava a mulher que eu esperava para me apaixonar com seus cabelos ruivos cacheados, sua pele pálida, aquelas mãos que falavam. Pois é, eu me apaixonei por Meryl Streep.
Meryl não era tão linda quanto Ela nem tinha aquela voz doce e o sorriso espontâneo de menina, mas tinha seus encantos; uma delicadeza e uns olhares de deixar a gente pensando.
Outro dia a vi (a Meryl). Foi na entrega do Oscar e ela (Meryl) aplaudia entusiasmada uma colega premiada que no seu discurso falava de diferenças salariais entre homens e mulheres em Hollywood. Parece que a discrepância é enorme. Enquanto os galãs ganham 10 ou 12 milhões de dólares para fazer um filme, as atrizes protagonistas têm de se contentar com apenas 5 ou 6 milhões. Um disparate.
Mas o que me entristeceu foi a última notícia que li sobre Meryl. Minha antiga paixão (a Meryl) se colocou contra a legalização da prostituição como sugeriu a Anistia Internacional. Não estamos falando da regulamentação da profissão e sim de sua descriminalização pura e simples. Meryl é contra. Os argumentos que ela (Meryl) e outras pessoas usam para criticar o documento da A.I (que, todavia está em fase de discussão) são pueris. Praticamente os mesmos usados pelos que defendem a proibição das drogas.
Claro que vou perdoar Meryl Streep por esse deslize. Sempre acabamos por perdoar aquelas que amamos um dia. Mas poxa Meryl, como você é complicada!


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Marcha das Margaridas



No programa esportivo falava-se dos elefantes brancos que foram construídos para a Copa. Especialmente do Mané Garrincha. Um dos maiores estádios do país foi erguido numa cidade onde não há um só time nas três principais séries do futebol brasileiro. (O Gama, equipe mais popular do DF, está na série D onde ocupa a 2ª colocação no Grupo 6) Falou-se do custo de manutenção, do preço da obra, totalmente bancada com dinheiro público, etc. O discurso da presidenta Dilma durante a inauguração também foi exibido.
Falou-se também do pouco uso que a praça esportiva estava tendo, ao contrário do que preconizavam o então presidente da CBF e atual detento, José Maria Marin e a  presidenta Dilma. Desde o mundial a “arena” recebeu apenas alguns jogos de times do Rio, deixando prejuízo para os organizadores. Mais nada.
O apresentador do programa, André Rizek, comentou, valendo-se de uma reportagem do Correio Brasiliense, que o estádio havia sido alugado pelas participantes da Marcha das Margaridas que ali realizariam uma pelada festiva no encerramento de seu encontro. Rizek perguntou aos participantes do programa o que era a Marcha das Margaridas. Não foi uma pergunta retórica. Não foi uma indagação usada como mote  para esclarecer algum telespectador desinformado. Rizek realmente não sabia do que se tratava. Seu tom de voz não deixava dúvidas sobre isso. Sidney Garambone, um dos participantes do programa, gracejou: _É algum encontro de fãs do Pato Donald? Garambone, jornalista que ocupa cargo de chefia, também não sabia do que se tratava. Nenhum dos dois se mostrou constrangido com a própria ignorância. Gracejaram.
O desconhecimento desses jornalistas, desses formadores de opinião sobre os movimentos sociais não é de se estranhar. Eles fazem parte do Brasil oficial, do Brasil do bom emprego e do diploma universitário. O Brasil real, o Brasil das reivindicações sociais, da enxada e da foice para eles é um grande desconhecido. Fosse o João Dória Jr. que tivesse alugado o estádio de Brasília para algum convescote de grã-finas eles certamente dariam detalhes do evento.
Mas o mais constrangedor, o que provoca vergonha alheia, é que esses jornalistas do Brasil oficial criticam a pouca participação política dos brasileiros.
Outro dia, quando se especulou sobre o interesse de um time inglês pelo atacante Pato, torcedores do Corínthians invadiram a página que o tal clube mantém numa rede social e lá deixaram comentários elogiando Alexandre Pato. Postavam as mensagens como se fossem torcedores do time inglês incentivando a contratação. Rizek achou engraçada a manifestação dos corintianos, mas não deixou passar a oportunidade para arengar que se os brasileiros tivessem essa mesma mobilização para cobrar dos políticos e dos governantes blá blá blá...

Chega a ser ridículo que um sujeito que desconhece uma manifestação social como a Marcha das Margaridas cobre participação política dos outros. Claro, para Rizek e outros que tais, participação política é enviar “email”, para o “site” do deputado. O resto é vandalismo ou não existe.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

FHC



Conta-se que Getúlio Vargas dizia que um grande negócio era comprar os Melo Franco pelo que valiam e revendê-los pelo que eles pensavam que valiam. Antes de ouvir essa versão da anedota eu conheci outra em que a ilustre família mineira era substituída pelos argentinos em geral. Ambas me parecem engraçadas, ainda que nada saiba sobre os Melo Franco que os desabone, mas Seu Gegê devia ter lá suas razões.
No Brasil atual a historinha poderia ser usada para muitos. O Marco Feliciano, por exemplo. Faz uns dias eu o ouvi dizer que era um homem de “intelecto apurado’. É assim que ele se vê: como um homem de “intelecto apurado”. O sujeito é tão sem noção que perde a graça metê-lo na anedota. Com quase todos os políticos brasileiros daria o mesmo. Nossos representantes e governantes servem mais para comédia pastelão do que para anedotas de salão.
Mas o Fernando Henrique Cardoso bem que poderia substituir os argentinos e os Melo Franco na anedota. Sua vaidade intelectual é conhecida e por ele mesmo admitida. Claro que um sujeito semi-alfabetizado como eu não tem como mensurar se a tal vaidade se justifica ou não, mas valho-me de João Ubaldo Ribeiro que lecionou sociologia e afirmava que a contribuição de FHC para a área é nula.
Mas mesmo não sendo o gênio da raça que pensa ser Fernando Henrique não é burro. Longe disso.
Na semana passada ele declarou que a presidenta Dilma é pessoa honrada e nada tem a ver com corrupção. É uma declaração que roça o óbvio, mas nesses dias interessantes que vivemos torna-se importante. Só os relinchantes eleitores de Bolsonaro, os abestalhados fãs do Lobão e os analfabetos políticos ouvintes da Sheherazade insistem em involucrar a presidenta na roubalheira da Petrobrás. Para essa gente os meios de comunicação hegemônicos servem a alfafa diária das insinuações.
Depois de publicada a declaração do ex-presidente, batedores de panelas e golpistas em geral começaram a atacá-lo. Chamam-no de traidor. Mas traidor de quê? Do golpe que se pretender dar? Da estupidez galopante?
Desde a eleição de Lula, Fernando Henrique Cardoso tem protagonizado momentos de extrema mesquinhez política. Talvez movido pela vaidade, pelo ego ferido ao ver o ex-operário ganhar o respeito mundial e o carinho do povo, mas não contem com ele para dar tiro no pé.
É bem verdade que o alvo de FHC é Lula e não Dilma. Ele sabe que é hora de pensar em 2018 e o golpismo, tendo à frente Cunha, Aécio e uma porção de mentecaptos que se articulam através das redes sociais, faz água. Até mesmo a Globo já abandonou o navio com direito a editorial e tudo.
Fernando Henrique Cardoso se valoriza.


domingo, 9 de agosto de 2015

Campanha à portuguesa

                         



                          Portugal está em plena campanha eleitoral. O PS, na oposição, vê possibilidades de ganhar o pleito graças às políticas desastrosas implementadas pela direita. Os socialistas mandaram fazer cartazes alusivos ao desemprego que afeta milhões de portugueses. Num deles aparece a foto de uma senhora com os dizeres:"Estou desempregada há 5 anos etc etc..." Acontece que há 5 anos quem governava era o PS. O tiro saiu pela culatra.
                          Depois da gafe os socialistas fizeram a egípcia e mandaram outro cartaz que também foi espalhado pelas ruas das principais cidades portuguesas. Igual ao primeiro. Nesse último a foto é de uma rapariga e lê-se: "Estou desempregada há 2 anos etc etc..." Melhorou, né? Só que não. A rapariga do cartaz não está desempregada. Ela trabalha numa freguesia de Lisboa administrada pelos socialistas e contou que pediram-lhe para que tirasse uma foto para ser usada na campanha de António Costa, mas não deram detalhes nem pediram autorizações posteriores. O mesmo se passou com outras pessoas que tiveram suas fotos usadas sem autorização em cartazes similares O PS se desculpou timidamente com as pessoas envolvidas  dizendo que as histórias relatadas nos cartazes eram verdadeiras e apenas não puseram as fotos dos personagens reais para não constrangê-los. Só não se preocuparam com o constrangimento pelo qual passaram as pessoas cujos rostos apareceram nos tais cartazes.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A noiva e o conferencista



Quando eu lia jornais de papel não deixava de ler os classificados. Sempre me divertia buscando por sítios que nunca compraria, por filmadoras usadas, por máquinas de costura, por quinquilharias em geral. Numa época me interessei por vestidos de noiva. Ainda me lembro de um anúncio que vi e me intrigou: “Vende-se vestido de noiva sem uso, manequim 42. Tratar...”
Hoje não leio os jornais, leio o facebook. E, à moda de classificados, leio as abas que me sugerem amizades, grupos de interesse, cura para a calvície e o novo santo graal do emagrecimento. Sem contar o “enlarge your penis” que anda por toda parte.
Na sua digital e proverbial falta de tato o facebook me sugeriu encetar amizade com uma senhora. Temos sete amigos em comum. Somos conterrâneos.  Acontece que a tal senhora já era minha amiga e foi assim (através dos classificados) que eu soube que ela me cortara do seu grupo de amizades e agora me era oferecida como amizade nova em folha. Me senti como o sujeito que descobre que é traído pela mulher numa edição do Jornal Nacional. Fiquei frustrado. Eu gostava das coisas que ela postava. Sempre versos, sempre de sua lavra. Eu compartilhava os poemas. Ela mandava uma carinha feliz e agradecia. Mas não me quer mais lendo seus versos. Cortou-me. Paciência.
Foi também por esses classificados que soube que a camisa que o comentarista esportivo da TV usava ontem e que me pareceu um atentado ao bom senso está na moda. São vendidas no atacado e em inglês por $25, 99 (dólares, claro).

Serviços profissionais também são oferecidos nos classificados do facebook. Disfarçadamente. Na forma de “páginas que podem lhe interessar”. Um senhor, por exemplo, anuncia-se como conferencista. O homem não se propõe a dar conferências sobre uma área específica de seu conhecimento e profissão. Não, o Leonardo contemporâneo dá conferências sobre um tudo. Imagino que o contratante possa escolher o tema da conferência a ser proferida como quem sugere um mote para um repentista.Tanta sapiência é quase tão intrigante quanto à noiva e seu vestido jamais usado.

domingo, 2 de agosto de 2015

Os frentistas comunistas e o astrólogo



O Brasil há que reconhecer, perdeu o juízo. Não sei se algum dia teve, mas definitivamente perdeu o juízo.  E não são apenas os políticos e os cidadãos, as donas de casa e os latifundiários, os intelectuais e os bicheiros. Não, até os paralelepípedos  das ruas e as pedras portuguesas das calçadas parecem ter perdido o senso.
Não passa dia sem que milhares de usuários da redes sociais e sítios informativos chamem o governo de comunista. Mesmo que todas as medidas tomadas, todos os fundamentos da economia, todos os membros do gabinete de ministros emanem o inconfundível fartum neoliberal, alguns de nossos concidadãos acusam a presidenta de ser comunista e, através do Fórum de São Paulo, orquestrar a tomada do poder pelas armas.
Segundo esses especialistas em tramas vermelhas e outras senvergonhices  os agentes do comunismo já se infiltraram no país disfarçados de médicos cubanos e imigrantes haitianos. Enquanto aguardam ordens para o levante armado os agentes trabalham como frentistas e atendem pacientes do SUS. Os americanos, que bisbilhotam até o que colocamos na sopa, devem estar perplexos com essa nova guerra fria que só existe aqui.
Mas o que melhor demonstra o grau de maluquice a que chegamos é que a atual direita brasileira quando tenta se informar sobre os acontecimentos políticos consulta um astrólogo. Pois é, um astrólogo. Entre um mapa astral e outro, Olavo de Carvalho usa de seu vocabulário chulo para falar de política. E há quem o escute e até o cite. Claro que ninguém o lê, mas seus livros de filosofia, política e astrologia vendem bem e adornam as estantes dos cidadãos de bem.
Nem nos piores tempos da ditadura e do obscurantismo a alguém lhe ocorria consultar o Omar Cardoso sobre as questões administrativas ou questionar a Zora Yonara sobre as votações do congresso. Era cada um no seu quadrado.


sexta-feira, 17 de julho de 2015

Do Mão Branca a Sheherazade



A Última Hora foi um grande jornal carioca até o golpe de 64. Seu apoio a Getúlio na crise de 54 indispôs o diário com aqueles que viriam a tomar o poder com a derrubada de Jango. Depois da quartelada, a Última Hora foi minguando tornando-se um jornal secundário.
No começo dos anos 80, distanciando-se de sua linha editorial muito voltada aos assuntos que interessavam ao funcionalismo público, a Última Hora publicou na primeira página matéria sobre um assassinato cujo autor seria um justiceiro que ao lado do cadáver deixara um bilhete dizendo que o morto era um bandido, enumerava os crimes cometidos pelo suposto malfeitor e assinava com a alcunha de Mão Branca.
Depois dessa reportagem outras vieram. Várias mortes nesse estilo foram atribuídas ao tal Mão Branca. Para corroborar a existência do personagem a Última Hora divulgava novos bilhetes deixados pelo justiceiro ao lado de cadáveres.  A população que se sentia acuada pelos altos índices de criminalidade na cidade do Rio e na Baixada começou a comemorar os feitos e fez do Mão Branca um herói.
As vendas do jornal dispararam e até um novo parque gráfico foi inaugurado.
Durante o período que durou o interesse dos leitores pelo Mão Branca, o esquadrão da morte nadou de braçada e matou à vontade. Ia tudo pra conta do Mão Branca.
Tendo como exemplo o justiceiro que defendia a “lei e a ordem” a população resolveu agir também e deu-se início uma série de linchamentos de supostos infratores. Diferentemente do Mão Branca que era quase que uma exclusividade da Última Hora, os linchamentos ganharam as manchetes de outros jornais mais experientes na cobertura do mundo cão. O modo como eram cobertos esses crimes (desculpando, justificando ou até mesmo elogiando os que deles participavam) ateava mais lenha à fogueira santa dos justiçamentos por conta própria.
Em outros momentos da história recente do país (sempre tendo como pano de fundo uma crise econômica ou política) esses atos de violência alavancaram a venda de jornais e a audiência dos programas policialescos da TV que por sua vez incentivaram (seja pela visão acrítica dos fatos, seja pelo apoio explícito) novos linchamentos, novas atrocidades.

Essa nova onda de linchamentos que agora assistimos teve início (é bom não esquecer) num episódio acontecido no Rio quando um rapaz foi espancado e amarrado num poste. O suplício do suposto ladrão foi aplaudido por Rachel Sheherazade em horário nobre da TV. O que veio depois é apenas conseqüência.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Volta Severino!



Um dia, um pensador, filósofo e estadista alagoano que ocupou a presidência do Brasil por um curto período disse citando não sei quem: _”O tempo é o senhor da razão.” Pois é, aquele sábio sabia das coisas. Por vias tortas, mas sabia. Apeado do poder ele voltou triunfalmente para a política e hoje ocupa uma cadeira no senado. É um pai da Pátria. O tempo, senhor do olvido, se ocupou de esfumar as graves acusações que pesavam sobre ele na época em que habitava a Casa da Dinda. Seu povo o reconduziu para as terras secas de Brasília. Lá, ele preside comissões, discursa no plenário e ilumina seus confrades com conselhos e frases edificantes.
O tempo, senhor das amnésias, é o responsável por essa e outras coisas da política brasileira.
Outro estadista, que ostenta o nordestino nome de Severino, não deixou citações quando foi removido da presidência da câmara, mas hoje, o tempo, senhor da justiça, lhe pede perdão.
Severino, embora ocupasse a cadeira de presidente da câmara e fosse o segundo na linha sucessória em caso de vacância da presidência, era humilde. Tudo que queria era um reforço salarial e para isso não recorreu aos cofres públicos. Foi pedir uma mesada ao concessionário do restaurante da câmara. Nada mais normal para os padrões daquela casa de leis. O homem do restaurante dependia do presidente da casa para continuar servindo aos senhores deputados suas frugais refeições. Nada mais justo, pelas normas jamais escritas da política brasileira, que retribuísse a benesse de Severino com algum cascalho. O sujeito mui mão de vaca não quis repartir seus vultosos lucros com o humilde Severino e fez um escândalo danado. Reclamou que estava sendo achacado por Severino. Deu entrevista coletiva ao lado de sua jovem (claro) mulher e chorou (quem não chora, não mama) para constrangimento da senhora esposa e de jornalistas presentes. Severino caiu.
Agora temos Eduardo Cunha na presidência da câmara e o tempo, senhor dos arrependimentos, mostra como fomos injustos com Severino quando exigimos sua destituição do nobre cargo. Diante de Cunha, Severino fica parecendo um menino travesso que, depois de repreendido, nos causa algo assim como ternura.
Severino pouco se importava com os grandes temas nacionais, queria apenas comprar mais umas cabras pro seu sertanejo rebanho, fazer um puxadinho no curral, comprar um votinho aqui outro acolá. O exíguo salário de deputado não bastava e ele teve de recorrer às práticas comuns e usuais na política brasileira. Por ingênuo foi pego.

Eduardo Cunha ainda não foi pego. Talvez jamais o seja. Apossou-se da câmara, dita a pauta do legislativo e acena para o executivo com um pedido de impeachment que ele pode ou não colocar na ordem do dia. Mestre dos golpes de mão, tornou-se imbatível nas votações daquilo que lhe interessa. Para ele nada está acima de seu querer; nem a constituição, nem o regimento interno, nem a vontade dos outros parlamentares. Jamais, mas jamais mesmo, a câmara esteve sob o jugo de alguém tão inescrupuloso, tão salafrário. Depois da ascensão de Eduardo Cunha só nos resta clamar: _Volta Severino! 

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Operação gincana



O julgamento de Cesare Batisti na Itália foi uma farsa jurídica. As únicas provas dos assassinatos imputados a Batisti eram testemunhais. Testemunhos dados por antigos companheiros do militante que, culpando-o isoladamente pelos feitos inocentavam-se. Eram os beneficiários da delação.
A Itália vivia momentos de sede de justiça, eram muitos os casos de atos “terroristas” que deixavam os italianos em estado de constante prontidão e medo. A prisão, julgamento e condenação de Batisti traziam para aquela sociedade um falso sentimento de segurança e conforto. Era a resposta rápida do estado que a população exigia. Essa, como outras farsas ocorridas naquele país, serve até hoje de paradigma para os justiceiros e indignados daqui. A delação premiada dos ex-companheiros de Batisti virou exemplo a ser seguido. Pelo menos para o juiz Sérgio Moro.
É o que estamos vendo no caso da operação lava-jato e seu desdobramento jurídico.
Todo o caso, que deveria contar com o mais apurado serviço de Inteligência e investigação, visto que os implicados são detentores de grandes fortunas e força política, vem se tornando uma espécie de gincana de delações. Ganha quem mais delatar. Os pontos são contados em dobro quando o delatado faz parte do governo federal ou está filiado ao PT. A imprensa hegemônica comanda o show de prêmios no horário nobre da TV com direito a caras e bocas de seus “jornalistas” no melhor estilo Pedro Bial. E quando o show parece esfriar vem de encomenda uma nova delação tão imprecisa e filtrada quanto as que a antecederam.  (As delações são sempre feitas às sextas-feiras para entrar na edição das revistinhas semanais).
Num país como o nosso onde os direitos fundamentais são negados aos cidadãos mais pobres quando estes se defrontam com a justiça, parte da população acha natural que esses mesmos direitos sejam negados também aos ricos e poderosos. Não advoga pelo respeito aos preceitos que devem reger uma sociedade baseada no estado de direito. Clamam isto sim, pela cova rasa do atropelo do devido processo legal para todos.  A esse clamor os meios de (des) informação fazem eco.
Claro que os que detêm dinheiro e poder, diferentemente do povo pobre, recorrem das arbitrariedades na Corte Suprema e acabam ficando impunes quando os processos pelos quais respondem são considerados nulos por vício original. Foi o que aconteceu na Operação Satiagaha que teve esse fim depois de todo o esforço policial que indiciou graúdos do mais alvo colarinho. A Lava-jato vai pelo mesmo caminho.


sexta-feira, 19 de junho de 2015

Saudade da direita que pensava



Nelson Rodrigues era um homem conservador, um reacionário segundo ele próprio. Sem embargo, cultivou amigos e admiradores entre o pessoal da esquerda. Sua obra falava por ele. Seu filho, Nelson Rodrigues Filho, nos conta que quando o velho Nelson ia visitá-lo na prisão formava-se uma roda de presos políticos para conversar com o escritor mais censurado do Brasil. Fazia-se uma festa.
Admirador de Kennedy e De Gaulle, Nelson Rodrigues adorava espicaçar Dom Hélder Câmara e todos os padres progressistas. Chamava-os de padrecos de passeata e dizia que qualquer dia um daqueles padres iria rezar uma missa na praia vestindo sunga e chupando um Chicabon. Para os amigos da esquerda, no entanto Nelson guardava delicadezas e tratava Antônio Callado, por exemplo, como “meu doce radical”.
Nelson era genial.
Tirante, é claro, os botinudos da ditadura, havia também entre os conservadores respeito por figuras ilustres da esquerda. Talvez o Brasil civil ainda cultivasse a cordialidade ou, pelo menos, a lucidez.
Hoje, se é que ainda existem conservadores lúcidos, estes devem estar escondidos no mais recôndito anonimato. Não é para menos, afinal nesses dias interessantes que vivemos quem tenta dar voz aos reclames da direita mata qualquer um de vergonha. De Bolsonaro a Lobão passando por Shehrazade, Olavo de Carvalho e Kim Kataguiri, o que se vê e se escuta é a mais espessa boçalidade. Boçalidade contagiante.
Depois de afirmar que o apoio de Chico Buarque à Presidenta Dilma é interesseiro, essa direita de estrebaria agora deu de atacar Jô Soares. O motivo: uma entrevista feita pelo Gordo com a Presidenta.
Entrevistar com exclusividade o dirigente máximo de qualquer nação é algo que nenhum jornalista desprezaria. Jô, que comanda um programa de cunho jornalístico, conseguiu a entrevista. Talvez o que tenha desagradado aos relinchantes é que Jô tenha entrevistado Dilma com a cortesia e o respeito que deve merecer quem está no poder ungido pelo voto livre, democrático e universal.

No Brasil atual, quando gente como Aécio Neves é alçado à categoria de liderança política, quem não relincha recebe coices.

sábado, 6 de junho de 2015

O ovo



Esta semana veio à luz o maior escândalo do futebol de todos os tempos. O que muitos sabiam e todos desconfiavam agora é mostrado sob a lupa dos investigadores do FBI.  Esquemas foram destrinchados, foi dado nome aos bois. Dirigentes foram presos (entre eles José Maria Marin, o homem que apontava comunistas nos tempos da ditadura) e o poderoso chefão da FIFA renunciou ao mandato poucos dias depois de reeleito.
O escândalo de alcance mundial ganhou manchetes em todos os órgãos de informação pelo mundo afora. Eu disse “todos”? Pois me enganei. A revista Veja trouxe na capa de sua última edição um ovo.
Não era um ovo metafórico ou filosófico que questionasse primogenituras ou antecedências. Era um prosaico ovo e do ovo se falou. Tratava a matéria de fundo do semanário, pelo que pude perceber lendo apenas a chamada de capa, da reabilitação do injustiçado ovo.
A revista que dá capa e manchete para o escândalo do primo do ministro que deve a prestação das Casas Bahia segundo fontes ligadas ao porteiro do prédio, dessa vez não se interessou pelo farto material divulgado pela polícia americana.
Talvez porque esteja tudo provado através de confissões (como a do empresário mafioso J. Havila), escutas telefônicas e documentos. Veja parece preferir o disse-me-disse, o falatório de corredores e a denúncia anônima para manchetear. E há também o fato do escândalo não envolver ninguém do governo. A solução foi apelar para o ovo.
Na edição digital da revista, Constantino escreveu algo sobre o escândalo da FIFA. O que disse Constantino? Eu não sei, eu não leio o Constantino.
O que me intrigou foi mesmo o ovo. Por qual motivo Veja trata assim seus leitores negando-lhes uma capa que abordasse o tema que todos comentam?
 Creio que foi a empáfia que levou a publicação a falar do ovo. Veja crê que têm domados seus leitores e que esses vão se interessar pelo ovo se assim a revista desejar. Veja os manda bater panelas e eles batem, os manda para a rua aplaudir Bolsonaro e outros golpistas e eles vão. Por que não comprariam o ovo como prato principal?