segunda-feira, 29 de julho de 2013

Melhor em tudo


                O Prêmio Congresso em foco, que elege os melhores políticos do país, foi ganhando prestígio ao longo de suas edições. Ganhou e dá prestígio. Os senadores e deputados são escolhidos por jornalistas que cobrem o Congresso e os nomes mais votados vão para voto popular pela internet.
                Este ano, quando abri a página de votação para dar meu voto fui surpreendido pelos nomes dos políticos que até o momento lideram a votação. Entre os senadores está Aécio Neves. Ora, esse meu conterrâneo tem fama de tudo, menos a de ser um senador atuante. Desde muito tempo que seus pronunciamentos na tribuna têm o único intuito de alavancar sua candidatura à presidência e nada mais. Não são falas propositivas, é discurso de palanque. E nem é um orador brilhante, sequer passável. Em nenhuma das edições anteriores do prêmio ele teve votação expressiva, mas nesse ano parece ser imbatível. E o que fez o senador mineiro para merecer tamanho apoio dos leitores do sítio informativo? Que eu saiba, nada. É apenas mais um candidato em campanha.
                Mas se Aécio surpreende entre os senadores, é entre os deputados que a surpresa é maior. Liderando com grande vantagem em todas as 9 categorias está Otoniel Lima. Você o conhece? Pois bem , eu não o conhecia, sequer de nome. Mas parece que só eu não conhecia o sujeito. Segundo os eleitores do prêmio ele não é só conhecido como é melhor em tudo.
                Na Wikipédia fiquei sabendo que é militar reformado, mas não é informado de que arma. Na sua página no facebook, seus amigos virtuais o tratam como pastor, e ele cabala votos e dá o link da página de votação do sítio que promove o prêmio. Está filiado ao PRB, mas já freqüentou o PPB, o PL, o PR e o PTB. Tudo isso desde o ano 2000, quando entrou para a política sendo eleito vereador em Limeira, SP.
                Procuro daqui procuro dali e acho uma interessante informação sobre esse incansável deputado que, segundo os eleitores do prêmio, tem se destacado em tudo na Câmara.
                Em escutas telefônicas autorizadas pela justiça o nome de Otoniel aparece em conversas entre lobistas da construtora do Grupo Scamatti e parlamentares. É o negócio de sempre: parlamentares aprovam emendas para obras, os prefeitos contratam a construtora que superfatura e distribui benefícios para os envolvidos. Na investigação do Ministério Público de São Paulo também aparece o nome de Marco Feliciano, mas a reportagem que li não explica qual a participação do deputado da chapinha que na data da escuta ainda não era deputado federal, apenas candidato. Tampouco Otoniel, que era deputado estadual. Ele assumiu seu mandato na Câmara Federal em 2011 valendo-se das sobras de votos de Tiririca. A reportagem original é do SBT que, cá entre nós, não faz um grande jornalismo. Mas a escuta existe e o nome de Otoniel é, sim, citado.
                O sítio Congresso em foco não aceita votos em parlamentares que respondem a processos no STF, mas nesse caso não há como impedir que Otoniel Lima concorra, pois o caso citado ainda não foi enviado à Corte.

                Se você tem interesse em conhecer esse campeão de votos pela internet, vá à página dele no facebook, mas cuidado, a foto do homem é de dar medo.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

As ideias mais idiotas do mundo


                Parece ser uma doença. O sujeito se elege para algum cargo e ideias idiotas começam a surgir na sua cabeça. Claro, há os que já nascem com uma porção delas, mas é o cargo eletivo que as desperta, que as traz à luz. É nos parlamentos que essas ideias ganham alento, se sentem em lugar propício.
                Veja se alguém teria coragem de expor num botequim ou mesmo num almoço dominical, entre cunhados e sogros, a brilhante proposição de submeter as decisões do TCU ao crivo do congresso. Acho que ninguém, mas se o sujeito fosse um idiota profissional e o fizesse, logo lhe seria objetado que é no congresso que começam as roubalheiras envolvendo obras superfaturadas. É desde lá que deputados e senadores aprovam dotações orçamentárias e, através de emendas parlamentares, dirigem a grana para onde e para quem lhes convém. Ou seja, é amarrar cachorro com lingüiça
                No entanto, é o que propõem o Senador Fernando Collor de Merda. (Por que será?). E ele quer mais. Em outra proposta, exige punição para os auditores que tiverem a audácia de sugerir embargo de obras com indícios de irregularidades. Collor é agora presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado.
                Acho que a idiotice parlamentar deve ser que nem a gripe aviária, pois por todo o mundo há sinais de seu contágio.
                Nos EE.UU o candidato ao senado pelo Estado da Virgínia, Ken (nada a ver com o namorado da Barbie) Cuccinelli, anda dizendo que proporá, caso eleito, a proibição do sexo anal e oral. O homem é procurador Geral do Estado da Virgínia e até hoje não houve notícias de sua idiotice. Bastou o sonho de representar seu estado no parlamento americano e pronto, veio-lhe a ideia. Essa hora, Cuccinelli deve estar trabalhando nos detalhes do projeto, sua aplicação e fiscalização. Sim, nesses casos o mais importante é a fiscalização.


quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Papa e o príncipe


                A visita do Papa e o nascimento do novo príncipe inglês, ocupam todos os meios de comunicação do país. Nos telejornais, apresentadoras fazem cara de ternurinha ao mencionarem a princesa que pariu e o fofuchíssimo herdeiro. Repórteres assumem tom grave, combinando com a gravata, ao se referirem as andanças de Sua Santidade pelo país.
                Momentos antes do nascimento de mais um representante do império colonialista, recebíamos ao vivo as imagens elucidadoras da porta do hospital onde a princesa fazia o que qualquer mulher faz. Aliás, foi o que noticiou o jornal Private eye cuja manchete é:”Mulher tem bebê”.
                Por aqui não há o humor de Private eye. Nossa imprensa leva a sério acontecimentos que deixaram de ter importância há pelo menos cem anos.
                Mas se nos deixa perplexos que os informativos transmitam ao vivo a imagem da porta de um hospital inglês, mais atônitos nos deixam as imagens divulgadas das manifestações contra o governador do Rio. 
                Durante vários minutos, nos quais supostos jornalistas balbuciavam acacianos comentários, a GloboNews exibia uma gravação de uns poucos segundos das cenas do ataque policial aos manifestantes. As mesmas imagens foram repetidas várias e várias vezes. Dezenas de vezes. Além do mais, pareciam ter sido colhidas pelos famosos cinegrafistas amadores usando celulares. A qualidade era pior do que a das imagens da guerra do Vietnan ou da deposição de Allende. De certo as equipes de filmagem da emissora estavam mais ocupadas colhendo imagens do quarto onde se hospeda Sua Santidade, mostrando cada detalhe da humildade do “Papa dos pobres”, como o alcunhou Veja em sua última edição, e seus repórteres entrevistando os jovens católicos que andam pagando mico pelas ruas do Rio.
                 Nossa imprensa não só acompanha com grande interesse esses fatos subalternos como deixa de lado qualquer afastamento jornalístico e mostra inequívoca simpatia por seus protagonistas.
                Meses atrás, o outro príncipe fez uma viagem às Ilhas Malvinas com o único intuito de provocar o Governo argentino, que tenta junto à ONU uma mediação no contencioso pela posse do arquipélago. A imprensa brasileira aproveitou a ocasião para espinafrar Cristina Kirshner e não o ato provocador. A Presidente argentina teve a audácia de aprovar no parlamento de seu país a “Ley de médios” e isso a incompatibilizou com os que aqui detêm o monopólio da informação, temerosos que a lei argentina sirva-nos de exemplo.
                Os escândalos de pedofilia praticados por padres e bispos, e acobertados pela Santa Sé, foram esquecidos pela imprensa brasileira embora nenhuma medida realmente importante tenha sido tomada pelo vaticano e seu novo chefe para pôr cobro à prática nefasta tão comum entre os clérigos católicos. Não querem manchar a visita do Sumo Pontífice com essas ninharias. Tampouco o passado de Bergoglio é citado nas incontáveis reportagens sobre sua visita, ou melhor, fala-se que quando era bispo em Buenos Aires ele se locomovia de metrô. Taí uma boa manchete pro Private eye: “Homem anda de metrô”




terça-feira, 23 de julho de 2013

A propaganda e o Papa


                No princípio era o produto. E fez-se a propaganda e Deus gostou disso. Cada vez mais popular e engraçadinha a propaganda ganhou vida própria. Propagandas, reclames, anúncios, são muito superiores aos produtos. Coma um hamburguer do maquidonaldi e você vai entender o que estou falando.
                Muitas vezes a propaganda prescinde do produto.
                Na política, o hábito de vender só a embalagem vazia é a moda de uns tempos para cá. E o pior é que os marqueteiros dos políticos nem escondem o jogo. Escrevem livros, dão entrevistas, fazem palestras e seminários sobre a arte de vender o nada. São responsabilizados por vitórias que pareciam impossíveis, elegem postes, doutrinam candidatos e eleitores. Tanto é assim que seus serviços valem ouro e os grandes nomes da enganação por encomenda são mais disputados em ano eleitoral que avião da FAB em feriado.
                Mas a maestria dos políticos e seus propagandistas em venderem o que não têm não é novidade no terreno (olha que eu escrevi terreno e não terreiro) religioso. Há muito tempo que curas milagrosas, passagens para o jardim do éden e autógrafos de Jesus são vendidos só na base da propaganda e a procura anda maior que a oferta.
                Cansada de perder clientes para os evangélicos, a igreja católica resolveu que era hora de modernizar-se e partir para a propaganda agressiva dos dias atuais. Os carismáticos estão na TV vendendo de tudo, desde bíblias até excursões à terra santa. E pedindo grana sem oferecer nada em troca a não ser a promessa de um terreno no céu sem igreja evangélica por perto. Agora é a vez do próprio Vaticano vender seu peixe depois de devidamente multiplicado.
                Na capa de Veja desta semana vemos a foto do Sumo Pontífice e o reclame: O Papa dos pobres. Não que a igreja romana tenha planejado alguma ação para amparar os mais necessitados ou algo assim, pelo contrário, a assunção de Bergoglio é uma pá de cal nas comunidades de base e na teologia da libertação que já havia sofrido duas derrotas seguidas com as escolhas dos dois antecessores do argentino e a ascensão dos carismáticos como novos queridinhos da Santa Sé. A capa da revista retrata a nova estratégia do Vaticano.  É apenas propaganda. Faz parte de uma campanha publicitária que começou com a divulgação dos atos de extrema humildade de Francisco. E que melhor meio para divulgar essa campanha que a revista dos mil e um anúncios?
                Entre as atitudes humildes propagandeadas, consta que o Papa desdenhou um crucifixo de ouro para usar um de prata e que trocou a residência oficial do vaticano por uma outra, mais modesta. Não que a joia desdenhada tenha sido dada para obras pias nem que o palácio dos papas tenha sido usado para abrigar os sem teto. Tudo continua lá, intacto. É só propaganda. Mas como a coisa é narrada, parece que Francisco comprou seu crucifixo na Rua da Alfândega e foi morar num conjugado na Barata Ribeiro.
                 Mas por que “papa dos pobres”? O que ganham os pobres com a escolha de Bergoglio? Nada. A moderna propaganda não precisa de um produto, e sim de um fim. O que se pretende é dar visibilidade à Igreja Católica que a cada dia perde mais clientes e prestígio.

                 O Vaticano seguirá promovendo as viagens internacionais de Francisco para tentar recuperar, através da propaganda, os fiéis que debandam do catolicismo depois dos escândalos de pedofilia e sacanagem generalizada entre padres, bispos e cardeais. Mas como anda ostentando humildade, não fará gastos com isso e deixará que os hospedeiros de Sua Santidade paguem as despesas. 

sábado, 20 de julho de 2013

Ângela


                Sou mineiro, mas carioca de alma e como tal detesto dias nublados como canta a gaúcha Calcanhoto. Mais ainda os dias chuvosos ou garoentos metidos a paulista. No Rio, um dia assim, que nos afasta da rua, da praia, que deixa os botequins vazios e a paquera inviável, é um dia perdido para todos os sentidos.
                No entanto, tenho boas recordações de dias feiúscos e carrancudos que passei na Maravilhosa.
                Num deles eu estava em casa, sábado. Vivia num apartamento que dividia com três amigas, Beth, Lídia e Ângela num cantinho entre o Catumbi e Santa Teresa. Paloma, a filha de Ângela viera passar o fim de semana com a mãe. Éramos os três em casa.
                Ângela, deixe que eu faça um perfil de minha amiga, é um tipo de mulher que só os anos setenta produziu; feminista, no melhor sentido do termo, liberada nos costumes e nas atitudes, Ângela não se furtava, e creio que agora menos ainda, a ir pra cozinha. E é uma fera nos quitutes e acepipes. Dê-lhe duas batatas, um tomate e um copo de vinho que ela prepara um manjar. (E olha que o vinho ela não usa na receita). Idealista é, sem embargo, prática. É também alegre e gentil, mas eu não relutaria em entregar-lhe um comando de operações especiais atrás das linhas inimigas. A mulher é resoluta e firme.
                Bem, nesse dia de que falo, estávamos aí e tínhamos de entreter Paloma, que era pequena. Um passeio era impossível, chovia. Ângela então fez uma festa de aniversário para a boneca de Paloma. Inventou na hora. E foi festa mesmo. Com comidinhas assadas, bolo, docinhos e o escambau.
                Debaixo da pia da cozinha dormiam umas garrafas de cachaça que haviam sobrado de uma festa que tinha rolado na semana anterior. Começamos a debicar as Praianinhas e Pitus enquanto Ângela cozinhava e assava. No toca-discos rolava umas bolachas do melhor daquela época. Lembro-me claramente de um disco do João Bosco que eu ouvi até quase furar enquanto vivi naquele apartamento. Ainda hoje quando escuto aquelas composições de João Bosco e Aldir Blanc, me vem a mais gostosa das saudades.
                Aquela tarde fria e tão pouco carioca foi caindo. Paloma num contentamento de criança acarinhada, Angela e eu na felicidade da amizade e dos vinte e poucos anos. A cachaça barata ia descendo purinha aos goles largos. Matamos três garrafas. O que nos deixou mais ou menos sóbrios foi a presença de Paloma que exigia cuidados e atenção.
                A noite chegou sem muita mudança de luz, tão nublada fora a tarde. Paloma já dormindo e mais um brinde ouvindo Mercedes Sosa, “me gustan los estudiantes”...

                Ah! Angela, que saudade de você, que saudade de mim.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Vândalos e baderneiros


                Pois é, antes de começar a escrever caí na bobagem de ler a coluna do Xico Sá. Pronto. Arruinou-me a tentativa. É que lá está, em dois textos, o assunto que eu queria abordar só que escrito de maneira genial. O pernambucano não é mole. Em poucas palavras, umas imagens, duas ou três citações, humor e muita quebra de asa, ele nos pinta os acontecimentos do Leblon, as manifestações que estão acontecendo próximas à casa do governador.
                Pensei logo em mudar de assunto. Vamos com uma receita de salada. Tome duas cenouras, uma beterraba e uma maçã. Rale, sem cascas, os 3 vegetais crus, é claro. Tempere com suco de limão ou laranja e azeite de oliva. Sal e pimenta do reino a gosto. Revolva. Porção para duas pessoas.
                Uma amiga acabou de postar no facebook uma receita de suco que faz uso desses 3 ingredientes principais. Diz que é até anticancerígeno. Bem, desde que me entendo por gente já ouvi tantas fórmulas de anticancerígenos que já não os creio e tampouco quero ter a necessidade de provar sua eficácia. 
                Vê?  Não se pode fugir de um assunto como se ele deixasse de existir. Acaba assim, em receitinhas e conselhos de saúde. E isso não é coisa de macho jurubeba, diria Xico Sá.
                Não tem jeito. Vou me arriscar no tema das manifestações.
                O fato é que nunca na história desse país, se usou tanto as palavras vândalo e baderna. Outro dia, em menos de 3 minutos, os dois termos, e os que deles derivam, foram usados 17 vezes num noticiário da Globonews. Claro que nesse caso há que se desculpar, afinal os jornalistas falavam de improviso e sem as letrinhas enviadas pelos deuses redatores eles ficam perdidos e apenas conseguem repetir uns mantras que sabem ser do agrado do patrão e de sua apalermada audiência.
                 Desde sempre que simpatizo com os vândalos, os históricos. Quando deram porrada nos romanos, fizeram um lindo serviço. Os romanos, melhores de propaganda que qualquer outra coisa, denegriram a imagem dos guerreiros do norte e os professores de história, correndo com a matéria pouco respeitada pelo alunado troncho e desinteressado, não têm ânimo para corrigir a infâmia perpetrada pelos macarrônicos imperialistas.
                Não simpatizo só com os vândalos germânicos. Hay império? Soy contra. Logo, minha simpatia recai sobre os “vândalos” que hoje tomam conta das manifestações em seus momentos mais conflituosos. E vem o império midiático para defender o patrimônio público e privado postos em risco pela ação dos meninos mais corajosos e insurretos. Qualquer lixeira queimada é um deus nos acuda. Fala-se de incêndios. Fazem-se levantamentos dos prejuízos causados pelos “baderneiros”. Um automóvel pichado é mostrado como um ato terrorista. Aliás, o termo tão querido pelo governo americano vem perdendo espaço aqui no Brasil. Se poucos meses atrás era o mais citado pelos meios de comunicação capacho, hoje são “vândalo e baderna” que ocupam grande parte dos textos dos empregados dos Marinho e outros que tais.
               Mas fiquei nos bravos guerreiros e quase ia me esquecendo da baderna. Pelo texto de Xico Sá me inteirei que a palavra baderna vem do sobrenome de uma bailarina italiana que fez furor no Rio lá pelos idos de 1850 (Marietta Baderna). Se vivesse hoje, a moça seria alvo das críticas de Raquel Sherazade e Leilane Neubarth, inimigas figadais da baderna e dos baderneiros.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

Raskolnikov de Copacabana


                 Um desses lindos dias do sul. Um frio que corta as orelhas enquanto pedalo a velha monark sob um céu sem nuvens, de um azul de doer. Dá gosto. Lembro-me do título de um livro que nunca li e nem sei seu autor: “A rua do quenta sol”. Tem jeito de ser título de livro de memórias, que nem “Na rolança do tempo” de Mário Lago que, sim, li e gostei. Hoje andei por aí quentando sol.
                Não sou um homem com os pés no chão, longe disso. Mas sou um homem de bunda no chão. Qualquer elevaçãozinha do terreno me é propícia. Sento-me com prazer na via pública e, fumando, quento sol. Pequenos burgueses, em seus trajes arrumadinhos de inverno me olham de esguelha e caminham apressados sem conhecer o gosto de quentar sol sentado no cimento da vereda olhando montanhas ao longe e tragando azul e a fumaça do roliúde mentolado, que de uns tempos pra cá, dei de fumar.
                Quento sol e me agarra uma vontade de ir pra casa e escrever. Cadê coragem? O dia magnífico nos quer todos na rua com a bunda na calçada vendo a deselegância discreta das sulistas, com um roliúde entre os dedos.
                Talvez a falta de coragem de encarar a página em branco venha do fato de estar lendo “O idiota” de Dostoiévski. O russo me deixa constrangido até para escrever a lista de compras do mercado, o rol da roupa suja. Assinar o nome diante de Dostoiévski, acanha, inibe.
                Uma vez perguntaram pro Nelson Rodrigues o que ele havia lido. Titio Nelson, como gosta de chamá-lo o Xico Sá, respondeu que havia lido Dostoiévski. O mais carioca dos pernambucanos nos conta que seu interlocutor o olhava como quem quisesse esfregar-lhe na cara sua biblioteca de 50 mil volumes. Nelson era categórico; Dostoiévski era leitura suficiente para uma vida inteira. Ele havia lido Dostoiévski, bastava.
                Pelo que eu sei, só agora encontramos traduções diretas do russo para o português, da obra do escritor genial. Líamos e, no meu caso atual, lemos traduções de traduções tendo, geralmente, o francês como ponte. Mesmo assim os relatos, os personagens, as ambientações nos comovem e absorvem. Há em Dostoiévski algo que nenhum tradutor consegue destruir. Não se trai Dostoiévski.
                Só aos vinte anos tomei contato com o russo e foi logo “Crime e castigo”. Olha, não sou de frescuras, sou pernambucano honorário e odeio mistificações, por isso não me acanha confessar que tive febre quando li “Crime e castigo” naquele verão carioca de 78. De repente comecei a sentir a presença atormentada de Raskolnikov. Eu viva meus tormentos então. Instalei meu samovar num conjugado da Av. Nossa Senhora de Copacabana e sofri.
                 Talvez aqui caiba outro talvez nesse relato. Não sei se aquela febre veio dos tormentos de Raskolnikov ou de uma mulher maluca que conheci naqueles dias. Creio que seu nome era Ana, não estou bem certo, era uma paraibana alta de amplos quadris e coxas firmes de sertaneja. Era natural da cidade de Areias. Quando digo maluca, é maluca mesmo, tarja preta. Tivemos um caso com desdobramentos novelescos, tão inverossímil que me escuso de narrar para não parecer fantasioso. Anos depois soube que Ana, se é que era esse seu nome, havia se suicidado.
                Com Ana (será esse mesmo o nome?) dormi no mais vagabundo dos hotéis que já pisei e olha que não foram poucos e sempre foram vagabundos. Ficava ali, atrás da Central e o quarto tinha um cheiro e uma aparência que só mesmo Dostoiévski para descrever. Milhares de putas e seus pobres clientes haviam suado e gozado naquela cama, nos mal lavados lençóis, na cortina, no chão encardido. Nós também.

                 No dia seguinte não fui trabalhar. Voltei pra casa e fiquei lendo “Crime e castigo” até tarde. Aos vinte anos, sobrevivendo com um salário miserável e sob o impacto do livro mais atormentado jamais escrito, eu dera para me sentir um personagem de Dostoiévski. Só depois descobri que Ana é que era essa personagem e aqui a batizo definitivamente: Ana Fiodoróvna Niévski.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Casos médicos


                Vivemos em um país de 200 milhões de habitantes e ainda tem gente que para corroborar suas teorias, cita casos individuais acontecidos entre seus parentes e amigos como exemplares. Não é raro ler nos sítios informativos e nas redes sociais alguém citando que a prima da manicure da irmã de uma amiga de sua sogra, que é negra, passou no vestibular sem a ajuda das cotas raciais. Diz isso para justificar seu racismo e assim negar a política de compensação adotada pelo Governo Federal e assegurada pelo Supremo.
                Essas pessoas vêem na exceção, a regra. No fortuito, o perene.
                Com todas as vênias, vou fazer o mesmo, mas creio que contando coisas acontecidas com pessoas próximas, não me distancio tanto da verdade comum a muitos.
                Alguns anos atrás, meu filho adoeceu. Minha mulher levou-o ao posto de saúde, o médico, após rápido exame, receitou uns analgésicos e mandou-o para casa. Como ele continuava com os mesmos sintomas dias depois de “medicado”, voltou ao posto e enquanto esperava por atendimento, minha mulher, que o acompanhava, ficou lendo os cartazes que estão afixados nas paredes da unidade de saúde. Num deles ela leu sobre a tuberculose e viu que meu filho apresentava todos os sintomas da doença.
                Após a segunda consulta, na qual também não foi diagnosticada a tuberculose, minha mulher resolveu buscar um médico particular e não deu outra: era mesmo tuberculose. Passados alguns dias de iniciado o tratamento, meu filho deixou de sentir os sintomas e após uns meses estava curado.
                Não era uma doença rara, não era uma dessas coisas que acontecem com 1 entre milhões. Era uma trivial tuberculose e mesmo assim o médico não foi capaz de diagnosticá-la. Se tivesse lido os cartazes que estão enfeitando as paredes do posto de saúde, certamente teria feito o diagnóstico correto assim como fez minha mulher que é leiga. Esse médico é, sem sombra de dúvidas, incompetente. Mas tem mais.
                Um conhecido de minha mulher, que é uruguaio, lhe contou que conversando com o médico que o atendia no mesmo posto de saúde, ouviu do galeno  a seguinte pergunta: _No Uruguai se fala castelhano? Pois é, fica difícil imaginar como esse doutor conseguiu concluir o ensino médio. No entanto formou-se em medicina e exerce o ofício, atende doentes e dá diagnósticos.  Como pode um profissional assim ir um pouco além de sua especialidade e atentar sobre fatores sócio-econômicos que afligem seus pacientes e a partir de tal conhecimento atenuar seus males?
               Pois bem, o que quero dizer com isso é que falta competência, falta a mais rudimentar cultura entre alguns médicos. Passariam esses doutores na prova do Revalida? Creio que não. Mas será esse exame, agora tão citado pelos órgãos representativos dos nossos médicos, demasiado exigente? Parece que é isso que o governo quer saber. Os estudantes do 6° ano dos cursos de medicina, tanto de faculdades públicas como privadas, serão convocados para prestar as provas.
               O número de médicos formados no exterior que são aprovados nesse exame é mínimo. Dos profissionais provenientes da Bolívia, menos de 4% são aprovados. Daí, poderíamos inferir que o pobre país andino tem dificuldade em formar médicos devido aos poucos recursos de suas faculdades públicas. Sem embargo, dos médicos oriundos de Portugal que prestam o exame, apenas pouco mais de 38% conseguem aprovação. Ora, Portugal além de possuir célebres universidades, é um país da comunidade européia o que faz com que seus médicos possam clinicar em qualquer dos outros países da comunidade. Será que apenas os mais incapazes vêm para o Brasil para exercer a profissão? Parece-me que afirmar isso seria uma temeridade. A crise européia, principalmente nos países do sul do continente, tem gerado  desemprego em todos os setores e, como se sabe, a receita dos senhores do FMI é de cortar no serviço público, diminuindo o estado. Há enorme desemprego entre médicos e professores na Grécia, na Espanha, em Portugal. O próprio Primeiro Ministro português aconselhou-os a emigrarem.
                Os órgãos representativos dos médicos brasileiros são contra o exame para os estudantes do sexto ano do curso de medicina. Dizem que a comparação com médicos já formados e atuantes lhes seria desfavorável. Ora bolas, mas não são esses mesmos órgãos representativos que dizem que os médicos estrangeiros são de formação no mínimo duvidosa? Pois é assim que se referem aos seus colegas estrangeiros. Como médicos de formação duvidosa. Todos, de todo e qualquer país. Os representantes de nossos médicos dizem com todas as letras que médicos estrangeiros têm formação duvidosa. Ainda que sejam egressos de Coimbra, de Buenos Aires.
                Como se sabe, a prestação do exame do Revalida pelos estudantes não é para aferir a qualidade destes e sim do próprio exame. Para saber-se a necessidade ou não de ser modificado. O que temem os médicos é que mesmo os estudantes de medicina prestes a se formar tenham resultados ainda piores do que os que obtêm os estrangeiros.
                O que querem os médicos brasileiros e seus órgãos representativos? Uma reserva de mercado. Nada menos que isso.


sábado, 13 de julho de 2013

Fanatismo religioso no futebol


                Li, não faz muito tempo, um texto de uma jornalista que contava de sua viagem num taxi conduzido por um evangélico. Ela, ateia, reclamava das dificuldades, cada vez maiores, de se ser ateu no Brasil. Me pareceu um exagero. Desde a adolescência que sou descrente e nunca tive problemas com isso. Claro, os tempos eram outros e eu por ser de uma família tipicamente brasileira, daquelas que têm seus santos de devoção, mas que não dispensam um centro de mesa ou mesmo um terreiro de vez em quando, sempre estive em contato com as coisas da fé.
                Mas, como disse, os tempos eram outros e ninguém levava suas crenças pra casa alheia nem fazia alarde de sua religião. Quem assim procedia, escutava que religião não se discutia e ponto. Bons tempos.
                O que me incomodou no texto da jornalista, foi o tom choramingas que o próprio relato do acontecido não dava motivo. Era o mesmo tom usado pelos evangélicos que, embora tendo mais de 40 milhões de adeptos, estejam em quase todas as TVs, abertas e fechadas, ocupando um tempo maior até que o das novelas, elejam enormes contingentes de representantes nos legislativos e aprovem, pela chantagem explícita, leis amparadas apenas nos dogmas da fé, continuam reclamando de perseguições.
                 Passados alguns dias não pude mais que ir concordando com a jornalista. Está difícil ser ateu no Brasil. No mínimo, ficamos constrangidos por tantas demonstrações de fanatismo explícito, de intolerância, de burrice mesmo. Veja se não é o caso.
                Na quarta-feira passada depois do jogo do Galo, da classificação inédita para a final da Libertadores, de todas as emoções que a partida proporcionou, fiquei paralisado diante da TV esperando a ficha cair. Os repórteres de campo entrevistavam os jogadores atleticanos e cada um deles que ocupava os microfones das emissoras de rádio e TV só falavam de bênçãos, da bondade de Deus, de Sua sabedoria, do quanto Ele é fiel. Tudo naquele linguajar cheio de frases feitas e estultices. Esquecem-se esses fanáticos que jogam bola que na outra equipe, seja qual for, existe número igual de fanáticos, freqüentando as mesmas igrejas, pagando os mesmos dízimos. Tão fiéis e estúpidos quanto eles.
                 Ainda que envergando a camisa de um clube de futebol que abriga torcedores de todas as crenças e descrenças, os atletas evangélicos fazem o mais descarado proselitismo religioso. No seu fanatismo não respeitam o espaço público, que é a TV, nem se importam que detrás da tela haja pessoas tentando educar seus filhos e netos dentro de outras concepções de vida. Bem sei que esse senso de respeito pelo outro e suas crenças passa longe dos fundamentalistas de qualquer religião. O fanatismo religioso desconhece o outro, ignora a diversidade de opiniões. Sua fé é uma única e monolítica verdade.
                Pelo menos eu estava só em casa e não tive que suportar a vergonha alheia diante de meu neto, não precisei dar-lhe explicações sobre o fato de eu torcer desesperadamente por uns caras que depois de defenderem o time de minha paixão saem com aquelas conversas de que tudo se deve a Deus e Suas preferências por uns e não por outros que também lhe são fiéis.
                Mais difícil que ser ateu hoje no Brasil, é ter que explicar para uma criança o motivo de tanta imbecilidade.





O casamento do padre


                Acho que Freud explica. Afinal esse vício de assistir padres e pastores de TV só pode ser alguma estranha patologia. Imagino que seja algo próximo ao masoquismo. Ou algum trauma de infância oculto nos confins do subconsciente. Sei lá. O fato é que por mais que tente, não deixo o mau hábito. Hoje, por exemplo, no intervalo do futebol acabei parando na TV católica, a TV católica dos carismáticos. Na barra da tela dizia tratar-se da santa missa, mas sinceramente creio que a informação estava errada.
                Se bem me lembro dos tempos que em Belo Horizonte eu acompanhava alguma namorada católica  praticante às missas, aquilo não era a eucaristia. Nada que aparecia na tela me era familiar. Talvez, naqueles tempos de namoradas devotas e ditadura as coisas fossem diferentes e as pregações eram dispensadas, ficando o culto restrito às formalidades do catolicismo. Lembro que no fim da cerimônia devia-se abraçar quem estava ao lado. Era meio constrangedor para meus 16 anos. Ma sabe como é, ajoelhou tem de rezar.
                Na missa que passava na TV, o padre fazia uma pregação como nos filmes americanos. (Americano não entende nada de catolicismo). E do que falava o cura? Ora, falava de casamentos, de vida matrimonial.
                Um padre, supostamente celibatário, falando de casamento é algo assim como eu dando consultas sobre como acumular fortuna ou aconselhando sobre investimentos. Pelo menos eu me acanho e não abro a boca quando o assunto é dinheiro, mas o padre televisivo, não. 
                Vestindo seu vestidão sacerdotal ornado com uma gola que eu jamais havia visto em nenhum pescoço eclesiástico e que lembrava claramente a gola dos palhaços, o homem da católica carismática aconselhava os casais. Segundo entendi, ele é famoso entre seu rebanho por essa prática.
                E falava as besteiras típicas de quem nunca viveu maritalmente com alguém. Um dos conselhos do padre se referia às amizades que um dos cônjuges deixa entrar no lar. Aconselhava amizades apenas com quem tem Cristo no coração. Mas não ficava só nisso.

                Como todo contador de lorotas, viciado pelas estorinhas de seu livrinho mágico, o padre deu exemplos. Se eu não tivesse a certeza que o que contou foi uma dessas invencionices que os adeptos do cristianismo tanto admiram na bíblia, poderia dizer que faltou um mínimo de ética ao aconselhador. Citava tantos pormenores da vida de uma suposta consulente que qualquer pessoa ligada a ela saberia de quem se trata principalmente o marido que, segundo o relato do padre, estava prestes a ser abandonado. Mas não é o caso de contestar a lisura do padre no que se refere à discrição de um confessor, era apenas mais uma mentirinha como a da virgem parideira ou da anciã que embuchou.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Cabral e Cabral


                Gosto muito do Sérgio Cabral, desde os tempos do Pasquim. Sempre encontrei na sua crítica musical a mesma paixão que sinto pela música brasileira e seus mestres. Com alma de biógrafo, Cabral conta estórias saborosíssimas dos personagens que fizeram da nossa música popular esse eterno encanto de ritmos e palavras. Tem uma do Ari Barroso que só ele sabe contar.
                Um dia, há mais de 20 anos atrás, me identifiquei muito com o que ele disse numa entrevista. Dizia Cabral que os evangélicos pareciam ter algo pessoal contra ele, pois não gostavam de samba nem de carnaval nem de futebol. Eu sinto o mesmo. Cada vez que escuto as perorações dos pastores e bispos de araque contra o carnaval, fico pensando que estão se dirigindo a mim, que é uma provocação.
                Outra vez que escutei Cabral, ele contava um episódio acontecido com Eurico Miranda. O jornalista entrava em São Januário para assistir um jogo do seu Vasco e Eurico, cercado de repórteres, abriu-lhe um sorriso e foi saudá-lo. Cabral virou-lhe o rosto e seguiu seu caminho. Não que seja homem de desfeitear os outros, acontece que Eurico havia dito que seu filho, Sérgio Cabral Filho, teria recebido dinheiro ilícito para sua campanha de deputado. O então presidente do Vasco, também candidato, acusara sem provas no seu estilo desbocado e grosseiro.  No entanto, Eurico, mesmo depois da desfeita, não aceitava outro nome para escrever a história do Vasco que não fosse o de Sérgio Cabral. O jornalista já estava apalavrado para conceber a obra. Cabral contou isso para ressaltar um momento de grandeza no currículo do nefasto dirigente.
                 Já faz tempo que não escuto Sérgio Cabral. Nunca mais o vi na TV. Talvez a idade avançada o tenha mais recluso, envolvido com seus escritos. Ou, quem sabe, o acabrunhe a postura de seu filho à frente do Governo do Estado do Rio. Não seria de se estranhar.
                 Cabral, que teve curta passagem pela política partidária como vereador no Rio, combateu a ditadura e sempre mostrou independência e distância do poder. Vendo sua longa trajetória no jornalismo, pode-se dizer que ele sempre se mostrou digno e probo.
                 Mas e Sérgio Cabral Filho? Bem, desde que Garotinho postou nas redes sociais aquelas fotos e o vídeo do jantar em Paris em que o Governador divide a mesa com Cavendish, ninguém pode negar que sua administração carece de credibilidade. Isso para dizer o mínimo.
                 No entanto, é na truculência de sua polícia que o filho mais se distancia do pai. Se este combateu a ditadura, aquele tenta implantar uma no Rio, onde sequer se pode protestar contra as arbitrariedades e desmandos de seu governo sem que sua polícia atue da forma mais violenta e brutal contra gente desarmada. Mas isso não é novidade para a PM fluminense.
                 Não faz muito tempo que foi mostrada na TV uma operação da polícia de Cabral assassinando dois jovens que fugiam por um matagal próximo a uma favela. Os tiros que mataram os rapazes foram disparados de um helicóptero. No dia seguinte, seu secretário de segurança, Mariano Beltrame, veio a público defender a ação da polícia. A sociedade não protestou, ao contrário, não faltaram palavras e silêncios de concordância.
                  Agora, a classe média, que manteve uma postura de Pilatos quando os mortos e feridos eram moradores dos morros e favelas, protesta contra a atuação truculenta da polícia de Cabral nas manifestações que acontecem no Rio.

                  Agora é tarde.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Estupra, mas não mata. Versão bíblica


                Nossos parlamentares empenham-se, mais que nada, em discutir e aprovar leis que dizem respeito à partilha do dinheiro público. Lutam encarniçadamente pelos royalties do petróleo, pela LDO, pela participação de estados e municípios no butim dos impostos, mas de vez em quando aprovam alguma coisa que atende à cidadania, muito de vez em quando. É o caso da Lei Maria da Penha.
                Esse diploma legal é um desses pequenos, mas importantes passos no aperfeiçoamento da sociedade, pois dá meios ao estado de proteger quem está vulnerável dentro das relações domésticas. Sua aplicação ainda esbarra na condição social da vítima assim como toda lei coercitiva de abusos. Nas delegacias de polícia impera o machismo e a má vontade para com as mulheres agredidas. Muitas vezes culpabiliza-se a vítima. Claro, uma delegacia de polícia é gerida por pessoas da sociedade em que vivemos, pessoas iguais a outras que vemos postar nas redes sociais verdadeiros libelos de machismo e puritanismo.   Não é raro, diante de uma notícia de agressão por ciúmes, lermos comentários de leitores e leitoras que desculpam o agressor pelo fato da vítima usar trajes provocadores ou ter comportamento não compatível com o papel que a mulher deveria ter na visão desses puritanos.
                Mas enfim, uma lei é uma lei e pode contribuir para que se vá diluindo a imbecilidade que domina nosso meio social.
                Outro passo importante na proteção de vulneráveis vem sendo discutido no Congresso. Trata-se da lei alcunhada “Lei da palmada”. O número de crianças vítimas de abusos dos pais é maior do que o de mulheres agredidas por maridos, amantes e namorados. Não tenho nenhuma estatística que comprove isso, mas tenho olhos e ouvidos e é o que basta para fazer-se tal afirmação.
                Se as agressões contra as mulheres são, muitas vezes, mantidas no silêncio e na vergonha, tanto por vítimas quanto por vitimários, os maus tratos às crianças são alardeados como exemplo de autoridade paterna, como fonte de educação. Você, claro, já  ouviu expressões como “dei-lhe um corretivo” ou “é de pequenino que se torce o pepino” sendo usadas para justificar agressões físicas perpetradas contra os pequenos. Nossa sociedade, brutalizada pela herança infame da escravidão, acostumou-se a ver o sofrimento físico e, em grande parte, o aprova.
                Pois bem, parece que agora a sociedade, ou pelo menos uma minoria mais esclarecida, toma consciência e tenta pôr cobro a essas covardias, a essas brutalidades praticadas justamente por aqueles que deveriam proteger as crianças, mas a iniciativa encontra resistências. A bancada evangélica não abre mão da porrada, do espancamento, da varada. Deputados dessa bancada impediram, nesta semana, uma reunião da Comissão de Constituição e Justiça que discutiria a redação final do projeto de lei usando do artifício de não aprovar a ata da reunião anterior.
                Chega a ser ultrajante ver aqueles senhores defendendo que se bata em um ser indefeso e incapaz sequer de odiar quem o maltrata, utilizando-se exclusivamente de argumentos bíblicos. Afinal, que outros haveria?
                É ultrajante, mas coerente, pois em seu livrinho mágico escrito na idade do bronze, lê-se em Provérbios 13:24 “O que não faz uso da vara odeia seu filho, mas o que o ama, desde cedo o castiga” Claro que o livrinho ensebado não explicita o quão cedo deve-se começar com as varadas de amor. Mas não fica nisso.
                Em Provérbios 29:15 está mais uma lição que os evangélicos gostam de citar para justificar sua falta de tato para educar. Diz o texto: “A vara e a repressão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma envergonha sua mãe”.  
                No mesmo livrinho de provérbios (22:15) há mais da sabedoria da porrada em quem não  pode defender-se: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da correção a afugentará dela”. 
                Para não dizer que deixei de citar a tolerância e a temperança que se encontra nesse  manual do torturador hebreu, cito Provérbios 19:18: “Castiga teu filho enquanto há esperança, mas não deixes que teu ânimo se exalte até o matar”. Vê quanto comedimento há nessas singelas palavras? É a versão bíblica do “estupra, mas não mata”.



terça-feira, 9 de julho de 2013

Diogo Mainardi e a prisão de ventre




                 Anos atrás, quando alguém tinha cara de poucos amigos durante todo o tempo, dizíamos que o tal era enfezado. Só mais tarde me dei conta que o termo enfezado se refere mesmo às fezes. Enfezado é um sujeito cheio de fezes, com prisão de ventre. Prisão de ventre deixa as pessoas chateadas e chatas, por efeito das toxinas acumuladas no organismo. Não é voluntário e nem mesmo consciente. Os restos da digestão apodrecendo no intestino agem como uma droga que altera a consciência. O mau humor é constante e sem motivo.
                Os que freqüentam banheiros com assiduidade são vistos pelos afetados pela prisão de ventre com desconfiança, inveja e rancor.  Ver um sorriso largo e satisfeito de quem bem comeu e bem evacuou as sobras, causa enorme desprazer nos que não podem fazê-lo. A vida se torna amarga para os de ventre teimoso e eles, muitas vezes, não se dão conta que sua amargura e rancor provêm unicamente de alterações mentais provocadas pelo efeito tóxico do bolo fecal retido.
                É fácil ver no rosto de quem tem prisão de ventre os sinais do incômodo. Quer um exemplo? _O Diogo Mainardi.
               Não lhe parece óbvio que ele sofre de prisão de ventre? Veja como franze as sobrancelhas ao falar. Repare no esbugalhar de olhos, nas veias do pescoço que engrossam enquanto ele busca, sem sucesso, fazer-se divertido. Preste atenção nos seus esgares que tentam ser sorrisos, sua voz em semitom. Tudo não faz lembrar alguém defecando?
                Pois assim é, todo aquele que sofre de constipação do ventre passa a vida em simulacros de evacuação, é uma eterna mímica escatológica. Mas não fica nisso.
                O organismo que não cumpre com sua função de despejar os detritos oriundos da digestão pela via retal costuma fazê-lo de outros modos. Daí que ao falar, além do gestual típico de quem está sentado no trono branco, o indivíduo que não defeca regularmente tende a obrar pela boca.  (Metaforicamente, claro). Seus excrementos se transformam em palavras que ele despeja com a volúpia de uma incontinência intestinal.
                Como todo amaldiçoado pela renitência ventral, Mainardi costuma, subconscientemente, é claro, culpar a mãe por sua desdita. No seu caso específico, por ser homem culto, lido e viajado, ele toma a grande mãe, o grande ventre, a pátria (numa transferência freudiana), como a causadora do seu infortúnio e ele a ofende e destrata sempre que pode. E ele pode sempre, visto que a supressão da fisiologia que é renitente, como denotam os sinais citei acima, não lhe dá trégua.
                Mainardi seguirá ofendendo o Brasil e suas instituições até que lhe venha a cura para sua prisão de ventre. Fosse no tempo que o termo enfezado era de uso comum, ele teria alguma esperança. Naquele tempo havia no mercado um medicamento para o mal  do qual  sofre Mainardi cujo reclame dizia: ”Pílulas de vida do Dr. Ross, pequeninas, mas... resolvem.

                Como as pílulas já não se vendem, o jeito é continuar escrevendo par a Veja e falando na TV. Pelo menos é um paliativo.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Indesejado privilégio


                Basta ligar a TV numa das emissoras do parlamento brasileiro para entrar no mundo da babaquice e do absurdo. Tardes inteiras são gastas naquelas casas legislativas com os discursos mais idiotas sobre temas idem.
                Nossos representantes, em sua grande maioria, nos dão mostras quase diárias de sua incompetência e incapacidade. E nem falo do baixo clero e seus discursos de sexta-feira de manhã. Não. Falo dos donos de legendas, dos líderes de partidos grandes, de nomes que já vão pela 4ª ou 5ª legislatura. Em sua grande maioria, umas bestas.
                Da burrice congênita de Feliciano à boçalidade verde oliva de Bolsonaro, temos de tudo, desde simples idiotas até débeis mentais e psicopatas.
                Mas, verdade seja dita, no parlamento não tem bobo. O mais bobinho é deputado federal. Sendo assim me explique: por que só agora nossos parlamentares resolveram acabar com o foro por desempenho de função, o popularmente conhecido foro privilegiado?
               Claro que tem muita gente falando que as duas propostas que pretendem pôr fim ao tal “privilégio”, uma do Senado outra da Câmara, são resultado da pressão popular, das manifestações que tomaram as ruas do país nas últimas semanas. Nada mais equivocado.
                Proposta semelhante iniciou sua tramitação em 2010 tendo como relator Efraim Filho, filho de Efraim Morais, que apresentou parecer pela aprovação da matéria. Ora, você imagina Efraim Filho, cobra criada na caatinga, votando pela aprovação de algo que lhe tolhesse algum privilégio?
                E o caso do mensalão? Você se lembra como pelejaram os advogados de Marcus Valério e dos outros réus que não detinham mandato parlamentar pelo desmembramento do processo? O que queriam aqueles advogados? Um julgamento de 1ª instância que permitiria, em caso de derrota da parte, recorrer da decisão para corte superior. Todas as chicanas advocatícias, todos as manobras protelatórias poderiam ser multiplicadas por 3. É isso que acontece com quem tem dinheiro mas não tem o foro privilegiado. Até esgotarem-se os recursos, muitos dos crimes prescrevem sem que seus autores passem um único dia na prisão.
               No julgamento pelo Supremo não há recurso possível exceto aqueles que também poderiam ser impetrados nos julgamentos em instâncias inferiores como os embargos de declaração.
               É até de se estranhar que as felpudas raposas do nosso Poder Legislativo tenham demorado tanto para perceber que julgamento no Supremo, logo de cara, poder ser uma roubada. Ou talvez o tema não lhes interessasse tanto, pois sempre contaram com a impunidade que só no julgamento do mensalão foi rompida.
               Agora que o momento é propício, nossos representes vão conseguir mais um meio de nunca serem condenados por seus crimes, e olha que o número de parlamentares que são réus nos mais diversos crimes, delitos e contravenções é enorme. Poderão com mais facilidade subornar, pressionar, intimidar, chantagear e ameaçar seus julgadores, que em muitas cidades do Brasil são vizinhos dos políticos nos bairros elegantes, nos edifícios de luxo.



quinta-feira, 4 de julho de 2013

Macumba


                Certa vez correu o boato que haviam feito um trabalho forte contra o Vasco. Dizia-se que um sapo fora enterrado em São Januário. Bastou. Todo o gramado foi removido, todo o piso escavado na procura pelo tal sapo maligno. Isso foi antes que eu me entendesse por gente, mas é de minha época de Maracanã, a figura de Santana, o massagista do Vasco que também era conhecido por Pai Santana.
                Lembro-me de ter visto, antes de um Vasco e Flamengo, Santana se dirigindo para uma das balizas antes do início do jogo e lá fazer suas rezas e mandingas. Santana levava muito a sério suas duas funções no time: massagista e macumbeiro. No fim dos anos 70 ele foi à Nigéria fazer a cabeça.
                Assim era em todo time que se prezasse; o massagista, além de sua função de alisar músculos, também era o encarregado das ligações com o além. Se não era o massagista, era o roupeiro.
                Hoje, creio, não há mais isso. Todos os jogadores, salvo raríssimas exceções, são evangélicos e essa gente abomina toda fé que não seja a sua. Já não há lugar para a macumba, o feitiço, a mandinga.
                É de se notar que mesmo dentro de uma estrutura careta e branca (a dos clubes de futebol) essas manifestações de fé eram, pelo menos, toleradas. Entre os jogadores acontecia igual. Pelé, que é católico de rezar o Ângelus todos os dias, jamais usou seu prestígio para inibir as práticas religiosas de origem africana.
                A história que se escreve nos dias de hoje é diferente.

                Não faz muito tempo, o Santos mandou uma delegação de jogadores para visitar um lar de crianças órfãs. Quando lá chegaram e viram que se tratava de uma instituição gerida por espíritas, vários jogadores, entre eles Neymar, se recusaram a sair do ônibus que os levara. A intolerância dos evangélicos não poupou nem os órfãos. 

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Renan e o clamor das ruas


                Se alguém viesse me contar eu não acreditaria, mas eu mesmo ouvi na semana que passou, durante uma sessão do senado. Seu presidente, o nunca demais lembrado, Renan Calheiros, disse que só quem paga passagem de ônibus no Brasil são os estudantes. Falou assim mesmo, com todas as letras. Tratava de defender o passe livre para estudantes no transporte público. Não apenas para os estudantes carentes, nem somente para os estudantes da rede pública de ensino, mas para todos os estudantes, precisem do benefício ou não.
                O senador exemplificou: os idosos não pagam passagem, os deficientes também não assim como os policiais fardados. O trabalhador tem seu transporte pago pelas empresas como determina a lei. Só sobravam os pobres estudantes pagando para andar de ônibus.
                Você, minha amiga, atarefada e sem tempo para assistir as sessões do Senado em vespertinas horas, há de dizer que exagero, que ninguém, nem mesmo Renan, em sã consciência poderia atentar tão descaradamente contra os fatos. Mas repito: foi isso mesmo o que disse o ilustre Senador.
                Fora outro, teria titubeado ao fazer tal afirmação. Se denunciaria como farsante profissional, mas não Renan. O presidente da câmara alta não é homem de titubeios e já mostrou isso no episódio da pensão terceirizada de sua filha. Renan encara qualquer um e diz sem nem piscar:_Só quem paga passagem de ônibus no Brasil são os estudantes.
                Claro que temo estar sendo preconceituoso com o Senador. É que não consigo ouvi-lo sem pensar que por trás de sua fala há algo escuso como seu infinito rebanho que abastece de carne fresca todos os açougues de Alagoas. Bem pode ser que ele realmente creia que só os estudantes paguem para andar de ônibus em nossas cidades, afinal Renan há muito que não usa transporte público, se é que alguma vez usou. Ele e seus pares não têm a mínima noção de como vivemos, o que comemos, como trabalhamos. Para esses senhores não somos pessoas, somos eleitores e nos teletransportamos para as urnas a cada 2 anos.
                Muitas das leis que propõem e aprovam esses senhores parecem vir do mundo da ficção. Rara é a lei que dê respostas aos anseios da maioria da população que é pobre e, por exemplo, usa o transporte público e paga por ele. Se agora Renan e sua turma se preocupam com os estudantes é porque esses foram para as ruas e fizeram-se ouvir. As pessoas que, sim, pagam para andar nos ônibus lotados, nos trens e metrôs que param por qualquer motivo e nas barcas caríssimas, nunca poderão deixar seus precários empregos para manifestarem-se durante as tardes e noites pelas ruas. Essas pessoas que, sim, pagam pelo transporte, pela comida, pelas residências, estão mais ocupadas ganhando seu salário baixo para cumprir seus compromissos, pagar suas contas de água e luz, seu aluguel.
                Essas pessoas vivem e pagam impostos no Brasil e não adianta o Senador querer negar sua existência.




segunda-feira, 1 de julho de 2013

O fusquinha e a chapinha


                Outro dia, na Câmara dos deputados, um parlamentar para defender o extrativismo mineral em terras indígenas, disse que os lucros da mineração dariam a todo índio, e não só ao cacique, fez questão de frisar, um carro do ano. Pois é, na cabeça de nosso representante esse deve ser o sonho de todo índio; um carro do ano. 
                Lembrei-me imediatamente do Presidente uruguaio e seu fusquinha. Quão distante está José Mujica de nossos parlamentares e da teologia da prosperidade, esse eufemismo para a ganância desmedida e despudorada com o suposto aval do suposto deus dos supostos cristãos fundamentalistas.
                Ateu, Mujica doa grande parte de seu salário para o bem público, dispensa o palácio do governo e vai todo dia em seu possante para o pequeno sítio onde mora com a mulher que é parlamentar e que também doa parte substancial de seus vencimentos para a causa dos mais pobres.
                Mesmo os nossos deputados e senadores mais corretos (e são poucos), pouco ou nada falam da atitude de desapego às mostras de prosperidade burguesa do Presidente uruguaio. O homem deveria ser citado todos os dias como exemplo de servidor público e para os religiosos como exemplo do que deveria ser a atitude de um cristão. Claro que para Malafaia e congêneres, José Alberto Mujica Cordano anda em pecado mortal não só por ser ateu como por não desfrutar do que Deus pôs à sua disposição quando lhe deu a presidência do país platino, pois, como todos sabemos, nem uma folha cai de uma árvore sem o consentimento de Deus. O homem é um perdulário da graça divina.
                Nas redes sociais alguns brasileiros elogiam Mujica por sua simplicidade, mas se fosse ele nosso presidente, esses mesmos comentadores o chamariam de terrorista assim como deram de nomear nossa Presidenta numa total inversão de valores e de revisionismo histórico digno dos negacionistas dos crimes nazistas.
                Mas tudo que escrevi até agora você pode ignorar. O que queria mesmo era dizer que estamos vivendo num mundo de loucos. Loucos de pedra. O pronunciamento do estúpido deputado que citei acima é apenas um grão de areia no deserto de idéias que nos rodeia.
                Outro representante da classe política com assento no parlamento quer abolir o estatuto do desarmamento. Quer distribuir armas a todos que possam comprar, claro, para diminuir a violência. Pois é, ele pensa que se todo mundo, que possa comprar legalmente uma arma, estiver armado, o bandido ficará intimidado ou algo assim. O relator do projeto bang-bang também está convicto de sua eficácia e cita o “direito universal” de se possuir uma arma. Sim, ele fala de direito universal.
                O relator também cita o plebiscito sobre o desarmamento. Diz que após o referendo houve “um descompasso entre a vontade popular e a lei vigente”. Ora, se fosse dar ouvidos às vontades da população, o senhor relator andaria de fusquinha e não receberia os gordos vencimentos e regalias que recebe.
                Não cito o nome dos parlamentares envolvidos nessa estupidez para não dar milho a bode. Veja o que aconteceu com o Feliciano.
                O homem andava por aí com sua chapinha sempre renovada e suas sobrancelhas depiladas a laser e ninguém, além de seu curral, sabia de sua obscura existência. Depois de muito ser citado como mostra da imbecilidade corporificada, ganhou um enorme contingente de fãs e os salões de beleza que fazem chapinhas já não dão conta da procura por esse embelezamento capilar.
                Melhor é não citar o nome  desse tipo de gente.