sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Fumus boni juris


O que é uma boa lei ou uma boa decisão judicial? Segundo a grande maioria das pessoas é toda lei que as favoreça ou, pelo menos, não as afete. E toda decisão que acompanhe seu pensamento muitas vezes fundamentado em preconceitos e idéias fixas.
 Se um diploma legal tem a força de punir, sempre terá mais aceitação que outro que venha para garantir direitos ou defender minorias. O juiz que manda encarcerar é sempre mais bem visto que aquele que liberta o réu por falta de provas. Nossa sociedade é ávida por chibatas e pelourinhos.
Nesses dias interessantes que vivemos, com legisladores incompetentes, imprensa interesseira e a internet para dar voz a toda espécie de tolice, os ministros da Suprema Corte viraram alvo da histeria e da desinformação. Isso deu-se de forma quase absurda no episódio da votação de admissibilidade dos embargos infringentes.
A decisão dividida do STF sobre o tema, gerou uma onda de cretinice poucas vezes vista no Brasil. Gente que mal sabe alinhavar duas frases ocupou todas as caixas de opinião dos sítios informativos para falar de interesses menores e maracutaias. A honra de ministros foi questionada por quem não pode questionar seu saber jurídico.
Jornalistas a soldo do que há de pior no país, encheram laudas e laudas de insinuações e foram para as TVs com sorrisos sarcásticos e ar de entendedores. Leilane Neubarth fez cara de circunstância e quem não a conhecesse, pensaria que ela soubesse do que se tratava o julgamento e suas conseqüências.
Senhoras apresentadoras de programas vespertinos para senhoras deram-se o direito de julgar os ministros e seus pareceres. Aliás, dos pareceres dos ministros nada foi dito, afinal quem mais comenta de forma pejorativa a decisão da corte, sequer assistiu o julgamento, sequer tomou o trabalho de confrontar as teses que foram esgrimidas na sustentação dos votos. O que lemos e ouvimos depois do veredicto, foi uma coleção de frases feitas, de demagogia da mais tosca, de politicagem rasteira, de estupidez crônica. Até Carla Peres e seu marido vestiram luto pela decisão do STF. Não sei se isso é para rir ou chorar.
Celso de Melo, antes herói dos que pregavam a condenação dos mensaleiros, agora é visto por estes como um juizinho de segunda categoria que vota pela impunidade. Esqueceram-se que seu voto foi o sexto em favor da tese da admissibilidade.
Claro que a grande maioria dos jornalistas e da sociedade quer a condenação dos mensaleiros não por estes terem praticado crimes e sim por serem do PT, que ainda hoje é visto como agente comunista por nossa imprensa reacionária e eleitores idem.
Do outro lado do balcão, aqueles que execravam Celso de Melo por considerá-lo mais um perseguidor do Partido dos Trabalhadores, agora o citam como respeitador dos direitos individuais e disseminador da justiça.

Nenhuma das partes viu que o debate foi rico e deixou claro que temos enormes lacunas no nosso ordenamento jurídico. Nossa minudente constituição esmerou-se em detalhes e esqueceu-se dos fundamentos. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Embargos infringentes e outros micos


            Passei 56 anos de minha vida sem saber o que eram os embargos infringentes. Para falar a verdade, passei 56 anos sem nunca ter escutado falar em embargos infringentes. Parece que sou o único que ostenta tão espessa ignorância.
Basta ler as matérias dos sítios informativos, as postagens das redes sociais ou as reportagens da GloboNews, para pensar que vivemos entre refinados juristas e estudiosos incansáveis do direito. Quem anda distraído, fica imaginando que Leilane Neubarth nunca fez nada na vida além de pensar nos embargos infringentes.
Do outro lado de balcão, há a imprensa de “esquerda” que prefere enfrentar a questão como se tratasse de uma eleição da melhor comida de boteco na qual pode-se ter preferências, gostos, simpatias.
Assim faz Carta Maior em matéria assinada por Antônio Lassance.  Escreve o jornalista sobre o último voto que será proferido pelo Ministro Celso de Melo na próxima quarta-feira: “Mais do que decidir uma tese sobre os embargos infringentes, o ministro tem a responsabilidade de dar um basta a uma divisão que pode aprofundar-se no STF entre os que argumentam e os que esbravejam, com a jugular saltada; entre os que defendem ou rejeitam teses e os que atacam pessoas (inclusive seus próprios pares); entre os que julgam réus e os que castigam inimigos.”
A afirmação sequer faz sentido. Como poderia o Ministro Celso de Melo, através de seu voto, pôr fim a esta suposta polaridade? O voto teria o condão de civilizar os que esbravejam? Apaziguar os ânimos? Ou apenas porá mais puta que o pariu nos doutos pareceres dos homens que compõem aquela colenda corte?
O douto voto de Sua Excelência irá apenas decidir uma questão polêmica. Quem pensa diferente dele seguirá pensando diferente, será voto vencido no julgamento. Por que é tão difícil entender a democracia, o embate de idéias, a própria essência de um tribunal composto por número ímpar de titulares justamente para evitar-se que alguma questão quede sem decisão? Será tão difícil entender que o colegiado existe para isso?
          A matéria de Carta Maior segue numa linha de argumentação digna dos piores tempos do obscurantismo ou dos melhores momentos do Chaves e do professor Girafales.  É uma tentativa quase pueril de manipular o leitor e levá-lo a acreditar que há mocinhos e bandidos, heróis e vilões e não uma legislação que pode ser interpretada. Está longe de ser uma defesa de tese. Pelo contrário, é a paixão política fazendo-se de jurisconsulto.
          Já infenso a essas manipulações que os neo entendedores do direito tentam perpetrar, levei minha profunda ignorância sobre embargos infringentes para frente da TV e acompanhei o voto do Ministro Marco Aurélio.
          O Ministro, um claro garantista, acompanhou o relator negando a admissibilidade dos embargos. Fez isso, não com a jugular saltada, como escreveu o articulista de Carta Maior, mas calçando-se em seu profundo saber jurídico. Citou verbetes, doutrinas. Defendeu uma tese. Goste ou não Lassance, você ou eu.
Quanto a admissibilidade dos embargos infringentes, continuo mimando minha ignorância. Nada poderia contrapor às teses do Ministro Marco Aurélio. Desconheço a matéria. Tampouco posso corroborar o discurso do Ministro por idêntico motivo e não vou pagar mico posicionando-me como se tratasse de um jogo de futebol ou um concurso de miss.



quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O bom ladrão


Dois ou três meses atrás, eu li que um de nossos políticos havia afanado uma grana dos cofres públicos. Não lembro qual era o esquema nem qual a formação de sua pequena quadrilha. Mas era afano. Esqueci se o sujeito era da situação ou da oposição. Sei que roubou e foi pego numa operação de não sei que polícia.
 Nesse ponto você deve estar pensando que assim não pode, que assim não dá. Que já que está perdendo seu tempo para ler o que escrevo, o mínimo que eu poderia fazer era ser um pouco mais preciso ao relatar um episódio, ao contar um caso. Você quer nomes, datas, endereços. Que assim como escrevo parece fuxico.
Mas, por favor, minha amiga, não se irrite, deixe que me explique. Acontece que o afanâncio a que me refiro levou do erário apenas 8 milhões. E ainda teve de dividir, pagar umas propinas, dar um cala boca aqui, outro ali. Molhar umas mãos. Convenhamos, para os padrões nacionais, é quase um pobre coitado, um ladrão de galinhas digno de pena e até mesmo de perdão. Sua história repercute pouco, foge à memória. Daqui a pouco ninguém há de lembrar-se da merreca levada clandestinamente.
Não sei o que o levou a roubar tão pouco; se a oportunidade escassa devido à grande concorrência ou o senso de honestidade, sim, de honestidade e parcimônia digna de um puritano.
                 Podemos pensar que, neófito, esqueceu-se de calçar o surrupio com notas fiscais frias ou algum contrato registrado em cartório. Daí, o terem descoberto no ato da pequena rapinagem.
                Quem sabe não foi alguma necessidade premente que o levou à subtração e ao descuido? Talvez uma filha estudando fora em alguma universidade cara, ou um filho precisando de uma caranga importada, os peitos novos da mulher ou a enfermidade do cachorrinho da família a exigir-lhe um desembolso não programado. Não sei. O certo é que o homem roubou pouco, quase nada.
Diferentemente fez a quadrilha que atuava junto à prefeituras, governos estaduais e se ramificava no Ministério do Trabalho. Essa gente fez um serviço profissional, estima-se o rombo em mais 400 milhões. A operação deflagrada pela Polícia Federal, que pôs fim ao esquema, apreendeu carros de luxo, um helicóptero e muita grana, parte, é claro, em moeda estrangeira.
O esquema não trás novidades; Uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), que é uma espécie de ONG turbinada, convênios com órgãos públicos, licitações fraudadas, superfaturamento, serviços que sequer eram prestados etc. Gente graúda metida. Gente do Ministério do Trabalho, gente próxima ao ministro. Tem até quem já foi ministro interino no negócio.
 Bem, era aqui que eu queria chegar.
Como sabemos, a única coisa que se aprende com a lição da história é que não se aprende nada com a lição da história. Esse caso repete aquele que deu origem às denuncias do mensalão. Lá eram os Correios entregues de porteira fechada ao PTB de Roberto Jefferson e seus blue caps, no caso atual é o Ministério do Trabalho dado nas mesmas condições ao PDT.
É o segundo ministro da pasta no Governo Dilma que se vê em meio à denúncias de irregularidades (desculpe o eufemismo), ambos do mesmo partido. As medidas de praxe foram tomadas: alguns funcionários denunciados foram exonerados. Funcionários comissionados, há que ressaltar. Funcionários escolhidos, supostamente, pelo próprio ministro. Aliás, foi  Manoel Dias quem nos brindou com a versão infantil do caso. Disse o ministro que seu ministério não tem condições de fiscalizar os convênios firmados e que apenas repassa as verbas para os governos estaduais e prefeituras que são, segundo ele, quem paga pelos serviços prestados pela entidade conveniada.
Ora bolas, se o papel do ministério é tão secundário, por que seus funcionários estão sendo investigados? Como que um ministro pode alegar que não sabe o que assina ou assina sem saber o que é feito de repasses milionários de recursos?
Esse é um típico caso para demissão do titular do ministério. Na melhor das hipóteses o Ministro Manoel Dias escolhe mal pra burro quem o assessora. A substituição do ministro talvez se dê, mas só depois de muitas negociações que não levarão em conta os interesses do país nem o histórico recente do PDT e sim o apoio que o partido dá ao governo em troca de um ministério para acomodar suas nulidades e profissionais da fraude. É quase certo que o Ministério do Trabalho permanecerá nas mãos do partido que permitiu, para se dizer o mínimo, a fraude gigantesca.
Como vê, minha amiga, aquele pobre homem que há uns meses atrás precisou levar uns míseros 8 milhões de algum órgão público, era apenas uma vítima das circunstâncias, um pai de família cioso, um cidadão que merece nossa compreensão e o perdão da justiça.





segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Birosca rent a car


Eu gosto de biroscas. Prefiro os botequins, os copos sujos, os bunda de fora, as bibocas. Gosto de beber onde se possa abrir uma lata de sardinhas ou saborear um ovo colorido pro tira-gosto. Esse negócio de caipirinha de frutas vermelhas e outros que tais não é comigo. A menos que você pague, claro.
Minha saúde (ou a falta dela) já não permite o rabo de galo, o chá de macaco, o traçado, mas uma estupidamente gelada ainda encaro se for num boteco cheio de vozes e gargalhadas.
Para beber, gosto mais de um rádio ligado na Globo na hora do jogo do que de um piano tocando jazz. Aprecio mais um galego de cara amarrada que um garçom de gravatinha e sorriso de conveniência. O cheiro de fritura e não o aroma dos queijos. A piada de papagaio em vez do papo cabeça.
Pensava que estava ficando solitário nesses gostos, nessa minha afeição pelas biroscas e mafuás. Mas não. Agora descobri que os senhores parlamentares de Brasília também são chegados numa birosca. Não pra beber, é claro. Para os comes e bebes nossos representantes vão aos lugares finos, cheios de lustres e porcelanas, de cristais e pratarias. Os senhores parlamentares gostam das biroscas para alugar carros.
Pois é, eles usam suas generosas cotas para alugar veículos, indispensáveis para o exercício do mandato, em biroscas. Não usam os seus próprios carros, alugam outros pagando mensalmente, por tempo integral. Geralmente alugam dois. Um para visitar as bases e outro para Brasília. Mas nunca utilizam os serviços dessas locadoras que conhecemos e que estão em todos os aeroportos e rodoviárias do país e que vemos até nos filmes de Hollywood e nas novelas da Globo. Não, eles alugam carros em biroscas recém inauguradas cujas sedes funcionam junto a lojas de produtos de limpeza ou padarias.
É o que faz o deputado Assis Carvalho (PT-PI). A locadora de carros de sua preferência, a Fontes Locadora, funciona no endereço de uma padaria.
No ano passado Carvalho alugou carros para melhor desempenhar suas funções em apenas algumas ocasiões, gastou R$ 15.000 em todo o ano, mas com a inauguração da Fontes Locadora, em janeiro de 2013, ele já gastou R$50.000 em apenas 5 meses.
Já o deputado Jael Varela (DEM-MG) prefere locar veículos na Vila Rica Rent a car que funciona, segundo documentos da empresa, junto ao  Faxinão, uma loja de produtos de limpeza da capital mineira. Aí Varela deixou R$ 150.000 desde 2011. Seu proprietário diz que a locadora é dele e que ele pode ter escritório onde bem entender. “Naquela lojinha, naquele telhado. É só eu mudar”. O deputado afirma a lisura de sua conduta dizendo:_É comum. Não tem nada estranho. Não tem nada ilegal. Tem nota fiscal, tem contrato bem feito. Tudo pago com cheque nominal. Tudo bonitinho”.
É, tudo bonitinho, tudo limpinho, tudo cheirozinho.



domingo, 8 de setembro de 2013

Para o fim do segredo, cara-de-pau


A Câmara aprovou em segundo turno o fim do voto secreto para todas as votações naquela casa. Já era tempo.
Os constituintes de 88 quando instituíram tal prática, o fizeram, penso eu, para evitar pressões e retaliações na hora do parlamentar se pronunciar sobre cassações, indicações etc. O que se viu com o decorrer dos anos foram deputados e senadores se escondendo atrás do voto secreto para perpetrar o mais escandaloso corporativismo. O recente episódio que envolveu Natan Donadon foi o melhor exemplo. Nem o próprio presidiário acreditava na manutenção do cargo e sem embargo teve seu mandato convalidado por seus pares, embora ninguém assuma que votou a seu favor, muito pelo contrário.
No parecer de analistas políticos e outros palpiteiros, foi a pressão das ruas que acabou por convencer os deputados a entregarem os anéis para não perderem os dedos. O caso do deputado-presidiário (ou presidiário-deputado) teria ultrapassado todos os limites.
Agora, cá entre nós, o fim do voto secreto não irá pôr fim ao corporativismo, não impedirá que parlamentares continuem exercendo o mandato mesmo depois de atos ilícitos, de falta de decoro, da mais explícita roubalheira. Para a cara-de-pau da maioria dos parlamentares, não há lei que dê jeito. Um caso emblemático foi o de Sarney.
Toda a imprensa denunciou os atos secretos do Senado e o nepotismo do velho coronel. Gravações de conversas entre o clã maranhense foram mostradas na TV em horário nobre. Num certo momento parecia que a casa, ou melhor, a mansão ia cair, mas lá está ele, cumprindo (?) seu mandato para o qual foi eleito pela maioria do povo amapaense.
Não foi preciso voto secreto para que Collor, Renan e tantos outros saíssem em sua defesa fazendo iracundos discursos, pondo a cara para defender sua permanência na presidência do Senado. Até mesmo a imprensa de esquerda (?) publicou artigos e mais artigos falando em governabilidade para afirmar que nada deveria ser feito, que Sarney deveria permanecer intocado no seu posto. E assim foi. Lá ficou Sarney até ser substituído por outra joia rara da política nacional, Renan Calheiros.
As práticas, fartamente demonstradas, de Sarney como presidente do Senado, seriam motivo mais que suficiente para que ele fosse destituído da presidência da casa e perdesse o mandato. Ali havia de tudo: falta de decoro, peculato, nepotismo e muita, muita cara-de-pau.
Os que o apoiaram não temeram as urnas, apostaram no esquecimento e em que novos escândalos surgiriam para tornar o caso dos atos secretos em coisa menor, quase uma piada de salão, como diria Delúbio Soares.
Poucos meses, talvez semanas, são suficientes para que o eleitorado esqueça que seu representante votou pela manutenção do mandato de algum vigarista. Se até mesmo os vigaristas são eleitos depois. Veja o Arruda que violou o painel de votação do Senado, renunciou e foi eleito governador do Distrito Federal. O Paulo Afonso, ex-governador de Santa Catarina que foi cassado por seu envolvimento no escândalo dos precatórios e voltou deputado. Genebaldo Correia, anão do orçamento que se elegeu prefeito de Santo Amaro da Purificação, terra de Dona Canô. O próprio Collor que obteve o mandato de senador depois de ter sido corrido da presidência. Os exemplos são incontáveis.

Em breve veremos o baixo clero do parlamento e mesmo figurões e donos de partidos, darem abertamente seu voto para salvar o mandato de algum colega corrupto e depois correrem alegremente para os palanques em busca de suas reeleições.

sábado, 7 de setembro de 2013

Ô sorte!


Quando apareceram os CDs no Brasil, eu me lembro de ter ouvido a entrevista de um músico dizendo que após escutar as gravações naquela nova tecnologia, tivera vontade de quebrar tudo que ele havia gravado em vinil. Me pareceu um daqueles ataques de frescura incorrigíveis. O cara gostava, e gosta, de dar uma de perfeccionista. O pior é que teve gente que não resistiu ao deslumbramento e quebrou mesmo seus vinis, seus toca-discos. Imagino que hoje roam um arrependimento mais duro que uma rapadura.
No início da indústria fonográfica o primeiro grande vendedor de discos foi Caruso, o tenor italiano. Gente que freqüentava teatros e salas de concertos comprava seus discos e não reclamava do som dos 78 rotações que giravam nos gramofones. Mas com o advento dos CDs nosso músico teve o ataque e queria quebrar tudo.
 Os discos de vinil eram uma maravilha. Não só pelo som com aquele ligeiro chiado, como  também por seu formato, mais difícil de armazenar, é verdade, mas que proporcionava espaço para lindas capas e, nas produções mais cuidadas, para os encartes que traziam as letras das canções e a ficha técnica.
Foi lendo os encartes que fiquei conhecendo os nomes dos grandes músicos que acompanhavam os nossos maiores cantores e cantoras. Um desses nomes guardei desde sempre: Wilson das Neves. Gosto desse tipo de sobrenome que faz menção às coisas da natureza. Minha avó paterna se chamava Amélia das Rosas Gomes. O nome de Wilson entrou para as minhas preferências e jamais o esqueci.
Meses atrás o vi num programa de TV, o Samba na Gamboa. Falava sobre seu disco e cantava seus sambas. Eu não o tinha como cantor e fiquei maravilhado com sua voz, seu balanço e os sambas que gravou. Claro que quando o “descobri” como cantor seu disco já havia ganhado vários prêmios e ele já estava gravando outro. Eu tenho esse costume de descobrir coisas e pessoas já conhecidas de todos há muito tempo.
Entre os sambas de Wilson das Neves, que passei a escutar quase todos os dias, está uma parceria dele e Paulo César Pinheiro: “O dia que o morro descer e não for carnaval”.  Este samba é um eloqüente exemplo da verve cronista de nossa música popular. Nele o poeta alerta, propõe, informa, critica. Tudo dentro do ritmo que move os pés e as cadeiras. A letra é contundente, o balanço irresistível.
Virei fã do Wilson das Neves cantor que em outro de seus belíssimos sambas afirma:_ “O samba é meu dom”.  Bota dom nisso.


Sem moral


Em 90, o Brasil formou uma seleção medíocre. Nosso técnico, Sebastião Lazaroni, era, e é, uma dessas farsas que, mexe e vira, aparecem no futebol.  Selecionou mal, escalou mal e inventou um esquema que não funcionou. Era a geração Dunga.
Naquele mundial, a seleção brasileira fez uma única boa partida e foi justamente contra a Argentina. Mas no final saímos derrotados por 1X0, gol de Cannigia num passe perfeito de Maradona.
Depois da derrota, o Branco, nosso lateral esquerdo, que viria a jogar o mundial de 94 e marcaria o gol decisivo contra a Holanda na semi-final, saiu dizendo que havia se sentido estranho, com tonturas, depois de ter bebido água oferecida pelos argentinos durante a partida. Aquele papo me doeu mais que a derrota. Me pareceu a típica desculpa esfarrapada de quem perdeu para o maior rival.
Anos depois, Maradona foi a um programa da TV Argentina e confirmou a história da água batizada. Contou o episódio entre risos, fazendo galhofa. Deu detalhes. Disse que depois de Branco ter tomado da garrafinha preparada, Valdo se aproximou e ele, Maradona, ficou torcendo:_Que la tome, que la tome.
 A atitude criminosa dos argentinos foi gozada enormemente por Maradona. Eu vi um trecho do programa aqui, na ESPN Brasil. Foi algo triste de assistir. Principalmente pela intervenção de José Trajano que preferiu desqualificar o programa ao qual comparecera o ex-craque que comentar suas declarações.  Isso aconteceu bem antes da última internação de Maradona, quando muitos pensaram que ele iria morrer.
A ilegalidade cometida pelos argentinos poderia ter custado a carreira de Branco caso ele fosse para o exame anti-dopping. Alguma substância apareceria no exame e até explicar que focinho de porco não é tomada, ele sofreria sanções e cairia em descrédito. Dificilmente teria jogado a Copa de 94.
Nessa semana tomamos conhecimento de uma reunião realizada na sede do Corinthians em que se discutiu a moralização do futebol sulamericano. Estavam presentes, entre outros, Romário, Careca, Maradona e Andrés Sanches.
Não bastasse a presença de Maradona, que deixou de ter qualquer credibilidade ou autoridade moral depois dos comentários sobre a dopagem dos brasileiros no mundial de 90, também a figura de Andrés Sanches deslustrou a reunião.
Sanches, para quem já esqueceu, apoiava o presidente do Corinthians, Alberto Dualib quando este fez a parceria com a empresa MSI da qual Kia Joorabchian era o testa de ferro. Sanches era do conselho deliberativo do clube e fez campanha pela assinatura do acordo com a empresa que já era alvo de investigação. Seu proprietário era procurado pela polícia inglesa por falcatruas. A revista Caros Amigos fez enorme matéria sobre o tema. Apontou todas as irregularidades que a MSI cometeu na Europa. Mostrou que se tratava de uma máfia. Também Juca Kfouri falou e escreveu a respeito. Sanches não titubeou em apoiar a parceria que se concretizou bem depois que todas as denúncias, fartamente documentadas, saíram na imprensa. Um dia a casa caiu, deixando o clube sob visitas constantes da polícia e seu sócio, Kia Joorabchian, pedido pela justiça.
Logo após o escândalo que culminou com a deposição de Dualib da presidência do Corinthians, Sanches compareceu à Câmara dos deputados para prestar esclarecimentos. Lá fez o papel que todos os pilantras engravatados do país fazem quando são pegos em flagrante: falou do filhinho e chorou. Sanches chorou. Sem uma lágrima, mas chorou.
Depois tornou-se presidente do clube que sob sua gestão ganhou vários títulos. A imprensa passou a elogiá-lo como gestor. Continuou elogiando mesmo depois de Sanches ter declarado em entrevista que o estádio do Corinthians está sendo construído por valor muito abaixo do de mercado e que se fosse investigada a operação que possibilitou tal milagre, não seria ele que iria sair mal da situação. Dizendo isso deixou mal seu amigo Lula que, segundo consta, teve papel fundamental na intermediação entre o BNDES, financiador da obra, e a empreiteira que é dona de contratos gigantescos com o Governo Federal. Depois da entrevista, já não sei se Sanches e Lula continuam amigos.
Como uma reunião na qual estão presentes pessoas como Maradona e Andrés Sanches, pode gerar algo positivo? Como pode ser moralizadora uma simples frase dita por tais personagens? Não vejo nenhuma diferença entre Andrés Sanches e os dirigentes da Conmebol. A falta de ética de Maradona é a mesma dos homens que comandam o futebol no continente.




sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Ispiquíngliche?

                Outro dia, lendo um texto publicado aqui nesse mesmo espaço e pela minha mesma pessoa, encontrei dois erros de português dos mais grosseiros, mais crassos, mais primários. Na verdade, era o mesmo erro repetido duas vezes em dois parágrafos distintos. Problema com pronomes, um “lhe” no lugar de “o”. O mesmo erro cometido duas vezes é pior do que dois erros.
                Depois de passados aqueles momentos de vergonha por saber que você havia notado e, por pura gentileza, não comentara, busquei consolo no fato de que Chico Buarque cometeu o mesmo erro na letra do samba “Quem te viu, quem te vê” quando diz:_ “de dourado lhe vestia pra que o povo admirasse”  No mesmo instante fiz a correção (pelo menos assim penso)  e, solenemente, prometi aos meus botões não mais apontar os erros alheios que encontro por aí.
                Como vê já estou alegremente descumprindo a promessa metendo o grande compositor nos meus desacertos com a gramática. E você aí pensando:_ Ele acha que só erra com pronomes...
                Claro, tem coisas mais importantes que o uso correto do idioma. Mas, pelo menos, que os erros sejam cometidos no idioma pátrio. Digo isso porque acabo de ler no facebook um convite para um mutirão de limpeza de uma das praias da cidade em que vivo. Vou logo adiantando que não vou participar do mutirão. Uso como desculpa minha idade provecta. Fora jovem, possivelmente iria. Nessas ocasiões há sempre a possibilidade de se comer alguém depois da limpeza e da confraternização. Eu já fui bom nisso, mas hoje deixo para os mais jovens o esforço físico e a possível trepada.
                 Mas, como ia dizendo, recebi o convite pelo facebook e vi que a chamada era em inglês, sim, em inglês.
                 Nossa pequena cidade, embora turística, não recebe gente que fale inglês. Salvo um ou outro, muito de vez em quando e em pleno verão. Nessa época do ano, sequer nossos visitantes habituais, os argentinos, estão por aqui. Somos todos brazucas. todos falamos português. Há os residentes argentinos e uruguaios que também se comunicam em português. Mas lá estava, em letras grandes, coloridas e bem desenhadas, o mote do mutirão: BEACH CLEAN. Assim mesmo, em maiúsculas. Sob o cartaz, um pequeno texto em português com um erro de concordância no melhor estilo Dunga. E para finalizar um agradecimento antecipado pela presença de todos: Tank you. Pois é, tank you.
                O que parece esdrúxulo, tolo, caipira mesmo, não é novidade na cidade. Logo que vi a postagem poluidora, lembrei-me dos cartazes de negócios que aqui funcionam. Lembrei-me do Atelier de Beleza Ju and Camila que, entre outros serviços, oferece o mega hair. Da loja Deep street, que, solidária, faz campanha do agasalho. Da Home care que presta serviço de acompanhamento psicológico. Da Garage sale Super bacana, que não é garagem, é venda de garagem, igualzinho nos filmes americanos. (É um conceito, diriam os mudernos).  Da Chillies Pink, que menciona em seu anúncio um esmalte afrodisíaco. Da Bless store. Da Bookafé onde há karaokê gospel, ou seja: tudo pode ser pior. E tem mais, muito mais. Até no supermercado tem o sushi man. Ora, se a comida é japonesa, o cara que a prepara é cearense e nós falamos português, por que o “man”?
                Se quisermos consumir a intragável iguaria, temos opção mais elegante no Sushi Soul ou se preferirmos há um Personal sushi.
                Quando não são os comerciantes locais que batizam seus estabelecimentos usando inglês de cursinho, são os de fora que trazem seu contributo. Um pessoal que veio selecionar modelos entre nossas beldades nominou o evento de Garopaba Fashion & Beauty Day. Teve também o anúncio do Festival Culture of life, mas esse não foi aqui. Aconteceu no Paraíso Eco Lodge, em São Paulo.

                 E o pessoal é zeloso da pronúncia ainda que descuide da grafia. Uma loja se chama Irresistible (em inglês, claro) mas o proprietário, de certo para não escutar o nome de seu negócio pronunciado como palavra castelhana pelos argentinos que nos visitam, visto que a grafia é a mesma nos dois idiomas, acrescentou um acento agudo no “E” e lá está o cartaz: Irrésistible. Em inglês.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Mentor volta ao ringue


                Em meio a um dos escândalos de corrupção que aconteceram no país, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) pediu a criação da CPI das empreiteiras. Estou certo que você dirá:_ Vai ser impreciso assim na puta que o pariu. Eu entendo seu reproche, afinal os escândalos de corrupção não deixaram de acontecer desde que Cabral por aqui chegou com suas naus, piorou com a vinda de D. João VI e vem se tornando coisa de todo dia com o passar dos anos.
                E tem também a idade do velho senador, que poderia jogar esse fato que trato para tempos remotíssimos. Pedro Simon  pertence aos móveis e utensílios de Brasília. Aliás, quando a capital foi inaugurada, ele já estava lá, sorvendo seu chimarrão e destruindo microfones com seus gestos largos como sua pampa natal.
                Assim que, para ser um pouco mais preciso, digo que Simon pediu a criação da CPI das empreiteiras na década passada. Ninguém lhe deu ouvidos. Todos os grandes partidos saíram assoviando fingindo-se distraídos. Oposição e situação saíram assoviando um sucesso do É o tchan e foram tratar de suas vidas pouco republicanas.
                Mesmo sabendo que, em sua grande maioria, as CPIs não passam de farsa demagógica e eleitoreira, os partidões não quiseram mexer no vespeiro das empreiteiras, seus financiamentos de campanha, seus contratos nas grandes obras do governo. Até as pedras sabem que qualquer investigação, por mais amadora que  fosse, encontraria nos negócios dessas empresas uma cavalariça de Augias. Deixou-se pra lá a proposição do velho senador e vida que segue.
                Sem embargo, outra CPI que poderia causar grande estrago na reputação de notáveis da pátria foi instalada no decorrer de uma investigação de corrupção. Antes que você perca a paciência com minhas imprecisões, já vou dizendo que isso também aconteceu na década passada, no começo do governo Lula. Foi a CPMI do Banestado que acabou tendo como mote principal a remessa ilegal de divisas para o exterior. Seu relator foi o deputado José mentor (PT-SP).
                Ao ler a expressão “remessa ilegal de divisas para o exterior” em quem você pensa? Pois é. Basta pensar no assunto que sua risonha figura nos vem à mente, seu inconfundível sotaque nos chega aos ouvidos. Lembramos de seus ditos imorredouros e até de seu marqueteiro preferido que o ajudou a limpar a barra junto ao eleitorado feminino depois daquela tirada lapidar que já faz parte do folclore político do país.
                Mas na CPMI do Banestado, seu nome não aparece no relatório final de Mentor. Simplesmente não aparece. Não porque nomes não fossem citados. Houve até a citação do deputado catarinense Leonel Pavan para informar que ele nada tinha a ver com o caso. Isso mesmo, o relatório de Mentor esqueceu-se de citar nossos nomes, afinal, assim como Leonel Pavan, também nada temos a ver com o negócio de mandar dinheiro mal havido para a gringa. O porquê do nome de Pavan ter aparecido e não o seu ou o meu é um desses mistérios pouco misteriosos da nossa sereníssima república.
                Há que lembrar que naqueles tempos, o governo andava atrás de alianças e apoios e não convinha involucrar liderança tão expressiva como a do risonho político de sotaque inconfundível, num negócio tão cabeludo. Por isso foi escolhido a dedo uma mediocridade como o deputado José Mentor para relatar a comissão parlamentar mista que assim nascia com morte decretada, destinada a não dar em nada como tantas outras que tocam em interesses e práticas dos poderosos.
                Passados os anos, vem agora o deputado Mentor buscar os holofotes com um projeto que pretende proibir a transmissão por televisão de lutas de MMA. O deputado diz que as lutas ajudam a aumentar a violência entre os jovens. Mentor nada diz sobre educação, cultura, arte, oportunidade de emprego e outras coisas que poderiam afastar os jovens da violência. Ele fala de lutas na TV.
                Mentor teve uma ótima oportunidade de cunhar seu nome na CPMI do Banestado e perdeu. Preferiu ser pau mandado de interesses menores do governo e de seu partido. Agora ele vê a chance de pegar carona no sucesso do esporte que mais tem crescido nos últimos tempos, proibindo sua transmissão pela TV. José Mentor está esperando que passe outro cavalo encilhado.


             



terça-feira, 3 de setembro de 2013

O engodo


                Se terá sido sempre assim eu não faço ideia. O que sei é que nesses dias interessantes que vivemos, passamos a maior parte do tempo discutindo sobre toda espécie de besteiras ditas pelos maiores idiotas do planeta.
                Até poucos dias atrás estávamos discutindo Feliciano e Malafaia, Joelma e Rachel Sherazade, Datena e o sertanejo universitário. Agora é a vez de Lobão abrir as comportas da cretinice e inundar os meios de comunicação com seus disparates.
                Oriundo do movimento “musical” que foi intitulado de “rock Brasil”, Lobão, antes de se tornar um porta voz da jumentice nacional, influenciou muita gente que acreditava que aqueles moços dos anos 80, que não sabiam cantar nem tocar nada direito, tivessem algo pra dizer ou então não pagariam o mico de se apresentar em público para ostentar seu nenhum talento.
                Gente como Lobão ou Renato Russo, além de não cantarem nada e escreverem asneiras musicadas, faziam o gênero politizado. Eram uns caras que tinham escutado o galo cantar, mas não sabiam onde. Russo, por ter morrido, provocou um grande equívoco que está longe de ser elucidado. Pelo menos morreu e já não produz suas tolices. Ainda assim continua causando terrível mal. Até teses de mestrado já foram escritas para exaltar os “poemas” do grande engodo que foi Renato Russo.
                Outro dia vendo uma reportagem sobre o líder do Legião Urbana fiquei atônito pelo tratamento que lhe era dispensado. Falava-se dele como de um intelectual e se questionava se os meninos que com ele dividiam o palco, estariam à altura de compartir suas profundas elucubrações. A conclusão era que sim e citavam que um dos meninos de Renato Russo lia determinado autor no original alemão. O caipirismo pátrio não tem limites.
                Lobão continua aí e no seu afã de buscar os fugidios holofotes, não nos deixa em paz. Pelo menos parou de compor e de cantar, o que já dá algum alívio, mas agora deu de defender a ditadura, a tortura, a censura e tudo o mais que foi fruto daquela época sinistra.
                Claro que vem conquistando fãs. A direita juvenil é um fenômeno dos dias que correm. Gente que nasceu depois da redemocratização e jamais conheceu a censura nem o medo da repressão, agora deu de clamar contra a democracia e chamar os milicos de volta. Sequer se dão ao trabalho de procurar conhecer a realidade daqueles tempos. Vão atrás de Lobão e companhia. Massa de manobra da direita mais botinuda, mais boçal.


Cultura Racional, Cientologia, Santo Daime e tem mais


                Não li o livro do Nelson Mota sobre o Tim Maia. Não creio que vá ler nenhum livro do Nelson Mota.Preconceito? É. Preconceito.
                O que vi foi uma entrevista com o autor da biografia do Síndico. Nela, Mota contava um episódio da vida do grande cantor. Dizia que Tim Maia tinha, numa certa época, um carro meio arruinado e sempre levava bote da polícia. Como sempre estava com um bagulho em cima, tinha de morrer numa grana pros canas.
                Um dia ele estava no tal carro com uma rapaziada. Todos duros e a fim de tomar uma saideira. Quando passaram pelos canas de costume, Tim Maia desceu do carro e foi levar um papo com os caras. Quando voltou tinha um qualquer na mão. Tim Maia conseguira arrumar um dinheiro com os canas. Isso, pra mim, é um diploma de malandragem. Tirar dinheiro de polícia é demais.
                Mas mesmo um cara capaz de tal feito, um dia caiu no conto da igreja. Nos anos 70, Tim Maia foi cooptado pela seita Cultura Racional.
                Esta seita fundada pelo ex-umbandista Manoel Jacintho Coelho, é uma dessas coisas bizarras que a gente não entende como consegue adeptos. Seu líder é tratado pelos fieis como “racional superior” e só ele pode interpretar os sinais do outro mundo. Escreveu 1000 livros. Alguns são apenas panfletos de 10 páginas, mas além das obras principais há os livros de réplicas e tréplicas para que não reste dúvida sobre os ensinamentos do mestre racional e superior. O livro famoso que Jacintho legou à humanidade foi “Universo em desencanto”.
                No sítio da seita na internet, está explícito que só Manoel Jacintho Coelho representa a Cultura Racional na terra, pois “só ele manifestou o RACIOCÍNIO previamente desenvolvido” seja lá o que isso signifique.
                Este monopólio das coisas do além nos faz lembrar da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, os mórmons. Também nessa seita, o seu líder e fundador, Joseph Smith, foi escolhido para representar os interesses do Todo Poderoso entre os mortais.
                Tal qual Moisés, que subiu ao monte e voltou com os 10 mandamentos, Joseph Smith foi no mato para perguntar a Deus qual seria a igreja verdadeira. Lá, o T. P. lhe disse que nenhuma das que existiam era verdadeira (e olha que já tinha uma porção), nomeou-o profeta, lhe apresentou Jesus Cristo e mandou que ele, Smith, restaurasse a igreja cristã.
                Uma das coisas que distingue os mórmons de outras seitas cristãs, é sua adesão à poligamia. Ora, até eu que sou mais bobo teria inventado essa “restauração” dos velhos costumes hebreus se vivesse em meio a uma sociedade puritana e avessa ao sexo como era e é a sociedade americana.
                Quando tinha alguma dúvida sobre a opinião de Deus, Smith consultava o fundo de uma cartola e via nela as respostas para todo tipo de questionamentos. Só ele sabia ler cartolas.
                Creio que essa parte da cartola vai aos poucos sendo esquecida pelos mórmons. Não é à toa. É muita bizarrice. O mesmo acontece com os seguidores da cientologia no que tange à origem de seu credo.
                Muitos de seus membros desconhecem a teogonia da seita criada por Ron Hubbard, um escritor de ficção científica que levou para o templo suas viagens ficcionais.
               O mito da criação do mundo dos cientologistas é dos mais esdrúxulos já inventados. É ficção científica de segunda. Parece desenho animado japonês, mas é religião.
                Não sei se Hubbard obteve algum êxito como ficcionista, mas a cientologia é um sucesso entre as estrelas de Hollywood. Travolta, Tom Cruise e até a gostosinha da Juliette Lewis, entre outros, fazem parte da elite dos endinheirados que aportam verdadeiras fortunas para a seita que tem status de religião não só nos EE.UU como em vários outros países do “primeiro mundo”.
                Claro que religiões muito doidas não são privilégio dos países ricos, pelo contrário. Aqui mesmo no Brasil, além da Cultura Racional, temos, e exportamos, o Santo Daime.
                Criação genuinamente cabocla, o Daime também recebe os benefícios de ser uma religião. Até o uso da ayahuasca, que é droga para todo mundo, foi permitido pelo então presidente Sarney como elemento de culto religioso dos daimistas.
                A morte do cartunista Glauco e de seu filho pelas mãos de outro adepto da seita da qual ele, Glauco, era uma liderança, jogou alguma luz sobre o Santo Daime e suas várias vertentes. Alguns de seus líderes foram convidados para uma audiência pública na Câmara dos Deputados para falarem da morte de Glauco e dar algumas explicações sobre a seita. O que se viu foi um bando de doidos de pedra fazendo proselitismo e acusando-se uns aos outros de adulteração dos maravilhosos princípios de Raimundo Irineu Serra, o fundador da seita amazônica e estrambótica.
                Mas nada, nada mesmo, se compara como a Legião da Boa Vontade quando se trata de culto à personalidade e à sapiência de seu líder. Na TV da seita não há um minuto sequer que o nome de Paiva Neto e seus títulos não sejam mencionados. Até no programa que dá dicas de português no estilo Professor Pasquale, os exemplos são colhidos da copiosa obra de Paiva Neto.
                Em suas pregações, ele lê trechos dos próprios livros e não da bíblia. Compõe músicas atrozes que são interpretadas por grande orquestra e coro multitudinário nas celebrações mais importantes da seita. Foi ele quem idealizou o monstruoso templo que tem pretensão de ser harmônico com a obra de Niemeyer, em Brasília. Nas paredes do monstrengo estão incrustadas frases suas que fariam corar o Conselheiro Acácio.
                Agora, Paiva Neto deu para fazer pose de Chico Xavier. Enquanto sua voz retumba numa entonação de profeta de filme de Cecil B. DeMille, vemos no alto da tela de sua TV, o gênio com a mão na testa e movendo os lábios como se estivesse psicografando mensagens do além.
                Haja cara de pau.







segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O Rei do Brasil


Eu andava aí pelos meus 15, 16 anos e um amigo me disse que o grande mal do país eram os Diários Associados. Nessa pouco produtiva idade eu nem sabia o que eram os Diários Associados, portanto apenas assenti com o veredicto do amigo que, por ser uns anos mais velho que eu, devia saber o que estava dizendo.
Anos mais tarde, li um artigo que espinafrava Assis Chateaubriand, o todo poderoso dono daquele império de comunicação, e lembrei-me do amigo.
No artigo se dizia que Chateaubriand era tão canalha que quando um jornalista empregado seu vinha lhe falar de salário ele retrucava dizendo:_ Já lhe dei a carteirinha de jornalista e você ainda quer salário? Segundo quem assinava o texto era essa a concepção de Chateaubriand: Jornalismo era para extorquir, para se arrumar à custa de algum rabo preso.
Na época dessa leitura, Chateaubriand já havia morrido e seu império estava em ruínas. Há mais de uma década fora suplantado pelo conglomerado dos Marinho e eu já sabia que muita saúva e pouca saúde, e não os Diários Associados, os males do Brasil são.
Nos anos 90, Fernando Morais lançou a biografia de Chateaubriand, "Chatô, o Rei do Brasil", que eu não li. Apenas vi uma entrevista do escritor no programa do Jô. Ambos, apresentador e biógrafo, fizeram coro para defender a lisura jornalística do velho magnata. Morais desmentiu a estória da carteirinha.
Pois bem, em sua última entrevista, pouco antes de morrer, o jornalista Joel Silveira contou a Geneton Morais Neto sua impressão sobre Chatô. Disse o velho repórter que Chateaubriand sempre o tratara muito bem e foi quem o mandou, como correspondente, cobrir a 2ª guerra mundial. Claro que essa é uma visão do bom jornalista, que agradece a quem o manda pra guerra. Sem embargo disse que Chatô fazia tudo por dinheiro e usou o termo “gangster” para qualificá-lo. Acho que Morais não entrevistou Silveira quando escreveu a biografia de Chateaubriand.

Assim como o Charles Foster Kane, de Orson Welles, parece um contínuo se comparado aos donos dos impérios de comunicação do Brasil de hoje, o “gangster” Chateaubriand seria visto quase como um romântico se cotejado com os que produzem notícias nesses dias interessantes que vivemos.



Democracia à americana


Dias atrás, Angela Merkel, a chanceler alemã, desfilou seu charme e sua graça pelo campo de concentração de Dachau.  Foi a primeira vez que uma autoridade alemã de alto rango visitou o campo.  A oposição alemã classificou a visita como eleitoreira. Como desconheço profundamente os meandros da política alemã, tenho de me contentar em ficar assombrado ao saber que uma visita a um campo de concentração, onde morreram quase 42 mil pessoas e outras 200 mil passaram pelas piores provações, pode trazer benefícios eleitorais.
E o que disse a chanceler no breve discurso que proferiu durante a visita? Bem, a chanceler mentiu. Mentiu descaradamente. Ademais de expressar tristeza e vergonha pelos fatos ali ocorridos, Merkel emendou, referindo-se ao campo que serviu de modelo aos tantos outros que os nazistas espalharam pela Europa:_” um capítulo terrível e sem precedentes na nossa história”.
Ora, Dona Angela, como assim “sem precedentes”? E o império colonial alemão? E o que aconteceu na Namíbia, em Tanganika, no Togo, em Camarões, não conta? Não, não conta. Para os Europeus o que se passa abaixo do equador não conta. As ossadas insepultas do deserto da Namíbia não contam. Não contam os massacres, as chacinas que os alemães, assim como todos os outros impérios coloniais, promoveram na África. Lá houve campos de concentração que em muito precederam Dachau. Bantustões que anteciparam ou sucederam o gueto de Varsóvia. Houve solução final para grupos étnicos inteiros. Houve o mesmo racismo baseado na mesma “ciência” que subsidiou o nazismo e seu etnocentrismo.  E olha que nem são fatos acontecidos num passado remoto. Há menos de cem anos, os europeus (Alemanha inclusa) praticavam toda espécie de atrocidades contra aqueles que não entregavam sem resistência a força de seus braços, suas terras e suas riquezas para o enriquecimento de comerciantes brancos e seus impérios. Em muitos aspectos essas práticas continuam comuns na África.
 Dona Angela pode mentir sobre fatos fartamente documentados e até mesmo fotografados. Ela é chanceler da maior economia européia e além do mais está em campanha para sua reeleição. Faz parte das atribuições de quem dirige impérios e potências, mentir.
Mas convenhamos: a mentira de Angela Merkel é quase que universalmente aceita. Parece, vendo os documentários da BBC e os filmes de Hollywood, que o único europeu a cometer atrocidades foi Hitler. Que o único momento de brutalidade sem limites foi durante o período nazista. Os fatos do colonialismo europeu nos quatro cantos do mundo já vão acumulando a poeira das coisas que não se deixam tocar, que ninguém quer tocar. Dona Angela pode dizer que as atrocidades de Dachau não tiveram precedentes. Que só Hitler foi genicida.
Agora, mentir sobre o que está acontecendo nos dias de hoje e que nos chega diariamente pela tela da TV, é tarefa da qual se incumbe Obama.
 O hawaiano quer nos fazer crer que vai levar paz, democracia e liberdade à Síria assim como seu antecessor fez no Iraque e ele próprio na Líbia. Obama está pouco se lixando se vemos ou não o que está se passando no Iraque onde há uma década os americanos foram levar paz, democracia e liberdade.
Para que o ditador Sírio deixa de matar pessoas com gás sarin, os americanos vão matá-las primeiro com suas bombas de meia tonelada, com seus mísseis disparados de distância segura para que nenhuma vida estadunidense seja desperdiçada num país de terceiro mundo. Depois vão cobrar as despesas da guerra assim como fizeram no Iraque. A democracia à americana sai caro.