Quem acompanhou a eleição presidencial de 1989, deve se
lembrar, pelo menos, de dois fatos: a edição feita pela Globo do último debate
entre Lula e Collor, que favorecia o então candidato dos Marinho e a aparição,
no programa eleitoral de Collor, da ex-mulher de Lula.
Hoje tenho minhas dúvidas quanto ao impacto da edição do
debate nos números finais daquela eleição. Havia muita expectativa em torno do
pleito, afinal se elegeria diretamente um presidente depois de 27 anos. A forte
polarização não fazia crer em um número muito elevado de indecisos naquela
altura do campeonato. Que alguém mudasse
de opinião, motivado apenas pelas imagens editadas, me parece improvável.
O outro fato pode ter sido mais relevante para a vitória de
Collor. Numa sociedade conservadora como a nossa, a presença da ex-companheira
de Lula afirmando que este queria forçá-la a fazer aborto quando engravidara de
Luriam, provocou muita comoção. Até hoje o
aborto é tabu entre os religiosos do país. Além do mais, ficou no
imaginário popular a figura de um homem forçando uma mulher a fazer algo contra
sua vontade. O forte contra o fraco.
Depois de prestar esse serviço a Collor, a pobre mulher foi
para a Europa e nunca mais se ouviu falar dela.
A utilização de um fato pretérito da vida pessoal do
candidato adversário como recurso para desqualificá-lo, inaugurou, naquela
eleição, uma maneira de fazer campanha política com a qual já nos acostumamos
depois de todos esses anos de esculacho e esculhambação. Mas sempre há do que
espantar-se.
No facebook apareceu uma tirinha grosseira, que tentava ser
humorística, citando que Fernando Henrique Cardoso tem 2 filhos fora do
casamento. A notícia é velha. De um dos filhos já se falava desde 2009, do
outro desde 2011.
Assim como Collor em 89, alguns petistas de hoje tentam
atacar um adversário político levantando questões de sua vida privada. O que se
deve cobrar de FHC e de seu inoperante governo, são as privatizações
escandalosas, a estagnação econômica do país durante os 8 anos de sua estada no
poder. Dele, deve ser questionado o modo como conseguiu sua reeleição, as
alianças espúrias que fez, sua adesão às teses neoliberais. Sua vida íntima não deveria interessar a
ninguém ou, pelo menos, que só se falasse disso nas colunas de fofocas e futilidades.
Não é tema político. Ademais, Fernando Henrique Cardoso nunca posou de
moralista.
Mas por que vêm os petistas requentar o assunto dos filhos
naturais do ex-presidente nas redes sociais? Qual o motivo do vezo udenista?
Bem, em primeiro lugar, porque os petistas vêem FHC como o
principal adversário de Lula, já que nem Serra, o vampiro da paulicéia, nem
Alkimim, o picolé de chuchu, foram páreo para o ex-metalúrgico. Fernando
Henrique foi quem derrotou Lula em duas eleições e é também quem mais ataca
Lula sempre que a oportunidade aparece.
Em segundo lugar, porque Lula vem sendo alvo de denúncias
feitas por Marcus Valério, que tenta involucrar o ex-presidente no escândalo do
mensalão. O publicitário dos milhões entregou ao Procurador Geral da República
documentos que provariam a participação de Lula no caso. Entre esses
documentos, (poucos, segundo as palavras de Gurgel) estariam dois recibos de
depósitos bancários. Os petistas tentam, através do factóide, desviar as
atenções. O estratagema é pueril e inepto. Coisa de aloprados.
Não creio que Lula esteja envolvido em corrupção. Pelo menos
não o vejo como um recebedor de propinas. Tampouco creio no seu desconhecimento
dos fatos relacionados com o mensalão. Crer nisso seria fazer pouco caso da
inteligência, da argúcia de Lula. Mas para quem acha que José Dirceu é
inocente, Lula deve parecer um santo.
Outra postagem que tenta ganhar vida nas redes sociais, e
também está relacionada às denúncias de Marcus Valério tem os seguintes dizeres:
“Mexeu com Lula, mexeu comigo”. Parece-me outra idéia aloprada. O que querem
esses amigos de Lula compartindo visão tão acrítica do ex-presidente?
Durante seu governo, Lula acertou mais que errou. A
estabilidade econômica e os programas sociais retiraram da pobreza extrema milhões
de brasileiros. A política externa, praticada durante seu mandato, foi
conseqüente e altiva. E também em outras áreas houve avanços importantes. Isso
não quer dizer que em outros temas seu governo não tenha fracassado
rotundamente.
Fica no passivo de Lula, a acomodação de companheiros em
infinitos cargos comissionados, desprestigiando os funcionários de carreira, a
falta de uma ação mais decisiva do governo federal para amenizar o drama da
saúde pública, uma política de educação que merecesse esse nome e maiores
passos na questão da reforma agrária. Principalmente nessas áreas, faltou ação e sobrou discurso.
Quanto às denúncias, cabe respondê-las. Não basta chamar
Marcus Valério de vagabundo, como fez Lula recentemente. Foi esse vagabundo que,
com seu esquema, ajudou o PT e o governo a desviar verbas públicas para os
bolsos de deputados corruptos e cofres de partidos de aluguel. Graças ao esquema
de Valério, o governo conseguiu aprovar no Congresso, projetos impopulares,
como a reforma da previdência.
As denúncias de Valério podem ser apenas uma tentativa desesperada
de conseguir uma redução de sua pena de mais de 40 anos. Ou a frustração de
quem se viu abandonado, sem o respaldo daqueles que, ainda tendo fatias de
poder, poderiam ajudá-lo.
O fato é que ao tentar desqualificar Valério, chamando-o de
vagabundo e delinqüente, os petistas assumem toda a maracutaia que insistiam em negar, pois se Valério delinqüiu, não o fez sozinho nem por conta própria. Tiro no pé.