quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Porres







Foi em Angra dos Reis. Eu resolvera faltar ao trabalho e passear naquela sexta-feira. Busquei a cidade próxima e aprazível. Não foi, ao fim, um passeio, apenas uma bebedeira de 24 horas. Assim que não lembro de muita coisa para contar. Apenas da chegada tenho uma lembrança completa.
Desembarquei do ônibus e busquei o botequim mais próximo. Uma gelada e um torresmo. O sol entrava festivo no bar naquela meia-manhã. Apareceram um menino e uma menina, aí pela faixa dos 10 anos. Tinham os corpos e as faces coloridos pelas muitas horas que deviam passar por aí, entre a praia e as ruas da cidade. Pediram que eu lhes pagasse um torresmo. Traziam uns tomates nas mãos e os comiam com grande prazer. Fiz-lhes a vontade e eles me retribuíram com um tomate. Logo foram embora.
Fiquei encantado com as crianças, imaginei suas vidas livres pela praia onde nasceram. Deviam ter uma linda infância.
Voltei à cerveja ao torresmo e ao livro que vinha lendo pelo caminho. Quando o sol me tocou as pernas, resolvi procurar outro botequim mais protegido do calor.
Assim foi durante todo o dia, de botequim em botequim até cair como balão apagado na areia da praia. Num ato de bom senso, havia deixado minha bolsa guardada num botequim que julguei ser de confiança. Era. Difícil foi, na manhã seguinte, juntar os pensamentos e lembrar do botequim. Mas não só lembrei como consegui deixar intacto o dinheiro do ônibus de volta.
Não sei se foi nessa ida a Angra que tomei o gosto, mas se existe algo que adoro é estar num lugar que não conheço e me deixar ficar num botequim. Acho que se fosse para o Peru eu nem subiria pra Machu Pichu. Ficaria no pé do morro tomando umas e ouvindo uns farrapos de conversas dos gringos de bermudas e chapéus. Não tenho vocação para Indiana Jones, estou mais para Henry Chinaski.
Outro porre de que me lembro com saudade foi em Buenos Aires.
Naquela cidade existe uma linha de ônibus que é uma instituição, uma coisa mítica que os porteños veneram. É o 60. Na verdade, não é só uma linha, mas várias com os mais distintos percursos. Porém todos levam o número 60. Ótimo para confundir bêbados e turistas.
Um dia, voltando para casa depois de terrível carraspana, tomei o 60 errado. Por sorte nem tão errado. Era um que passava pela Avenida Libertador que fica uns oitocentos metros distantes da Avenida Maipu, esta sim, próxima de minha casa e servida  por outro 60.  Por sorte estava acordado quando percebi que o caminho seguido pelo ônibus era outro e não o que eu estava acostumado. Reconheci algum sinal de proximidade e baixei. Mas caminhar a distancia que me poria  em casa era impossível. Me deixei cair sobre um lindo e recém cortado gramado e ali dormi até que um sol de primavera me despertou antes que viesse algum impertinente porteiro ou algum cana. Logo descobri quem era e o que estava fazendo na grama alheia. Daí, caminhei até o lar, leve como um passarinho, com uma sensação boa de liberdade.
O que acho engraçado é que tem gente que se vangloria de nunca ter ficado de porre ou mesmo de nunca beber. Me parece coisa de mariquinhas. Eu acho que todo homem deve encher a cara de vez em quando. E não precisa ficar esperando amigos nem ocasiões. Um homem tem de tomar solitárias bebedeiras. Eu tomei várias.
Mas houve um porre que tomei acompanhado de uma multidão. Foi, é claro, num carnaval. Dos cinco dias que brinquei naquele ano eu só lembro de um episódio.
Eu andava pela Rio Branco contente como menino em loja de doce, parando em cada batucada, seguindo cada bloco de sujos, paquerando todas as maravilhas que passavam. Em certo momento parei numa batucada das boas. Muitos percursionistas, as vozes harmonizando tudo, cantando uns sambas de enredo de outros carnavais. Havia lindas mulheres e eu parei por ali. Fiquei brincando, cantando e paquerando as beldades, especialmente uma menina que tinha aquele olhar que só a África produz e uma brejeirice que só o Brasil sabe lapidar. Ela se aproximou e brincamos juntos. Seus quadris iam e vinham e a menina dizia no pé, exímia na dança de minha terra. A convidei para uma cerveja e nos apartamos um pouco para uns beijos. Foi aí que ela, aproximando os lábios de meu ouvido me fez o maior elogio que já recebi. Disse ela quase cantando:_ Você merecia ser crioulo.




sábado, 25 de agosto de 2012

Sua Excelência, o réu.







Imagine que você tenha um diploma universitário nas mãos. Um diploma de bacharel em direito, por exemplo. Imagine então que você também tenha sido aprovado nos exames da OAB. Você é um advogado.
No entanto, suas tentativas de alçar vôo na carreira, tornando-se juiz, redundaram em fracasso. Digamos, um duplo fracasso. Mas você não se deixou abater e através de bons contatos conseguiu advogar para uma poderosa entidade, um partido político, por exemplo. Pronto, você já tem chance de mostrar serviço. O tempo passa. Você já é conhecido na grande organização, que poderia ser um partido político como disse antes.
Surge uma grande chance, um cargo disputadíssimo. Centenas o desejam. Mas a pessoa que tem forte influência na escolha do nome para esse cargo, escolhe você.
Passado algum tempo, essa pessoa torna-se ré numa causa de grande repercussão e você, por essas voltas que o mundo dá, tornou-se juiz na causa. Irá julgar aquele que, entre tantos, escolheu você para o posto que o pôs em evidência.
Agora você está num dilema; se condenar àquele que o ajudou, será taxado de ingrato. Caso o absolva, sua honradez como juiz estará sob suspeita. Mas, aleluia, existe uma terceira opção, digna e prevista pelas normas legais. Você pode declarar-se suspeito para julgar. É uma decisão pessoal a qual ninguém o obriga. A decisão é sua, intransferível. E certamente você optaria por ela.
Não foi o que fez, e nem fará, o Ministro do Superior Tribunal Federal, Antônio Dias Toffoli. Ele julgará seu ex-chefe na Casa Civil, José Dirceu, no processo do mensalão. Pelo que tudo indica, seu voto será pela absolvição do réu. Pelo menos é o que se infere de uma declaração pública de Toffoli ocorrida num convescote do qual participou o Ministro.
Nos conta Élio Gaspari, em sua coluna de 22 de agosto n’O Globo, que na tal festinha, Toffoli tomou as dores de José Dirceu dizendo:_”O Zé Dirceu escreve no blog dele. Pois outro dia esse canalha o criticou. Não gostei de tê-lo encontrado aqui. Não gostei”. Referia-se a Ricardo Noblat que o cumprimentara horas antes e ao sair, também o fizera. A fala de Toffoli era para ser escutada por aquele, uma espécie monólogo de covarde. Segundo Gaspari, que deve ter escutado a estória do próprio Noblat, ademais da defesa pública do réu do mensalão, Toffoli soltou palavrões (pelo menos 6) e uma vulgaridade.
Pois bem, esse “juiz” será um dos julgadores da participação de Zé Dirceu no escândalo. Se Sua Excelência não permite sequer uma crítica ao que o amigo, e talvez mentor, escreve num blog, o que poderemos esperar de seu voto?
Embora saiba que você, leitor e amigo, não envergue a toga na mais alta corte do país, eu preferiria vê-lo como juiz, em vez de Toffoli, quando me julgassem. Você, certamente, se afastaria do caso. Não levaria para a corte nem nossa amizade nem qualquer mágoa pelo tempo perdido com a leitura de minhas divagações.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Campanha eleitoral







Em cidades pequenas como a minha, não há repetidoras de sinal de TV, portanto, na propaganda eleitoral gratuita veiculada por esse meio de comunicação, não vemos os candidatos locais. Esse tema já mereceu discussão pelo TSE. A questão parece insolúvel.
Para que seus nomes cheguem aos eleitores, esses candidatos locais contam com o conhecimento prévio, além dos santinhos, cartazes e os famigerados carros de som que circulam todo o dia pela cidade durante todo o tempo permitido pela legislação eleitoral.
Pelo menos aqui, o som infernal não traz nenhuma proposta, nenhuma idéia, nem sequer menciona a sigla dos partidos que pedem o voto.
Penso que a omissão da sigla partidária tem duas funções: primeiro facilita o voto dos analfabetos que poderiam se perder na sopa de letrinhas partidárias. (No Brasil temos 30 partidos registrados junto ao TSE, 29 estão nessa disputa municipal.) Outra função seria a de tentar esconder a sigla. Basta que ouçamos  os nomes dos grandes partidos ou as letras que os identificam, para fazermos rapidamente uma conexão mental com algum escândalo de corrupção. Escutamos 2, 3 ou 4 letras e já nos vem à mente a imagem de algum deputado, senador, prefeito ou governador acusado das piores pilantragens, dos maiores desmandos.
Mas o que traz então o som que nos desperta, que acorda os bebês, que interrompe a sesta dos velhos e o descanso dos doentes? Traz musiquinhas. Não músicas originais, senão paródias dos sucessos da atualidade. Músicas de Teló, Santana e outros bichos, recebem letras alusivas às candidaturas. O que era o purgatório de nossa existência, passa a ser um inferno nesses dias que deveriam ser de afirmação da democracia.
Outro dia, enquanto pedalava indo ao supermercado, fui perseguido por um desses carros de som que seguia em marcha lenta logo atrás de mim. Com um vento nordeste contra e a saúde a meia boca, não pude acelerar para livrar-me da horrível sinfonia dos infernos. Tampouco havia alguma rua para virar, nem à direita nem à esquerda. Assim que por uns duzentos e lentos metros, tive que ouvir uma dúzia de vezes uma voz estridente, no melhor estilo sertanejo universitário, bradar no meu ouvido:_ “Eu quero já, eu quero já, votar no 25, votar no 25”.
Se algum dia eu enlouquecesse e resolvesse votar nesse moribundo partido, após a penitência de ouvir sua triste paródia política por tanto tempo, eu teria desistido de dar meu voto.

Nelson Rodrigues e o futebol.







A relação de Nelson Rodrigues com o futebol é profunda. Não só pelas crônicas que escrevia, como pelo fato de ser realmente torcedor. Ao contrário do que acontece hoje,com os cronistas e comentaristas esportivos que preferem ostentar uma irritante e suíça neutralidade, Nelson fazia de seu amor pelo Fluminense o próprio motivo da crônica.
Nelson escreveu sobre futebol durante uma de nossas épocas de ouro, entre os anos 50 e 70. Quando apareceu a seleção húngara, pouco depois de nosso fracasso em 50, Nelson foi um dos poucos que não se deixou levar pelo oba oba em torno dos magiares. Referia-se ao time de Puskas e companhia como a seleção húngara do Armando Nogueira, este sim, apologista da superioridade gringa.
Além de seu amor pelo Fluminense, Nelson cultivava outra paixão esportiva; a Seleção Brasileira. Sua crônica após a vitória na Suécia, é das mais belas páginas do gênero. Nelson amava a Seleção porque admirava o jogador brasileiro, o homem brasileiro, com todos os defeitos e contradições.
Mas o que mais me fascina na relação de Nelson Rodrigues com o futebol é mesmo a paixão clubística. Se na crônica jornalística essa paixão desafia os fatos, em suas peças e romances ganha ares de deboche.
Em “A falecida”, Tuninho, o marido a quem a protagonista trai no banheiro de uma lanchonete enquanto ele espera na mesa, é vascaíno fanático e a peça tem seu final num jogo Vasco e Fluminense com ele soltando um “casaca” enquanto a mulher é enterrada.
O Zózimo de “Engraçadinha”, que casou-se com a protagonista em circunstâncias mais que humilhantes e é traído por ela, é flamenguista roxo.
Nenhum dos dois personagens tem um mínimo de grandeza. São criaturas levadas pelas circunstâncias, encarnam o lado obscuro da alma brasileira com seu fracasso e infelicidade conjugal. Portanto não poderiam ser tricolores. Nelson sacaneia, no melhor estilo carioca, os adversários.
Nelson Rodrigues não enxergava bem, muito pelo contrário. Conta-se que ao final de cada jogo que assistia no ex-Maracanã, ele perguntava a quem o acompanhava:_”O que nós achamos do jogo?” Nelson torcia com o coração mais que com os olhos e aquele “nós” da pergunta, no dia seguinte se transformava numa visão única e pessoalíssima em sua coluna.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Você tem fome de que?







Há algum tempo atrás, uma foto ganhou o mundo. Nela um menino africano está sentado no chão. A cabeça grande, o ventre bojudo e os membros esquálidos. Está morrendo de inanição. À volta, abutres rondam o infeliz. Não se sabe o que lhe deu a morte, se a fome ou os impacientes abutres. A foto só registra seus últimos instantes de vida.
Em nome não sei de que tipo de ética, o fotógrafo não interveio. Registrou o momento terrível e foi embora. De barriga cheia, bolso cheio, talvez num jatinho fretado. Algum tempo depois, o autor da foto fez a única coisa descente que poderia ter feito; matou-se.
Esse tipo de sensacionalismo travestido de denúncia social é coisa comum. Uma foto dessas, alavanca uma carreira, ganha prêmios humanitários, participa de exposições, faz do autor uma celebridade nos meios jornalísticos. Para nada serve aos fotografados, moribundos ou miseráveis. Seu sofrimento é por demais sabido sem que nada seja feito.
A fome na África é um tema que vem servindo de discurso fácil a muitos interesses. Nos dias de hoje, quando as mudanças climáticas são o centro das atenções, muitos ativistas falam que as conseqüências de tais mudanças atingirão mais profundamente os mais pobres. Se estamos vendo a televisão, tão logo é dado esse alerta, aparecem cenas de mulheres africanas em campos de refugiados, carregando seus filhos ou a foto do menino moribundo. Na verdade, o que assistimos hoje é a quebra da safra americana devido às condições climáticas, mas tal fato não mexeria com nossos corações e mentes, por isso há que se mostrar a miséria e a fome na África. Mas tem pior.
Não faz muito tempo, o governo de um país africano foi convencido por uma organização não governamental e não nada, a não receber uma grande doação de alimentos pelo simples fato dos alimentos serem transgênicos. O fanatismo alimentar dessa organização e a estupidez do governante, devem ter provocado milhares de mortes por inanição.
Não longe de nós esse tipo de concepção vem fazendo estragos. Virou fato comum a exaltação dos plantios orgânicos pelos meios de comunicação. Os alimentos assim produzidos são caríssimos e chiquérrimos. Os preços altos são explicados, é claro, pela menor produtividade desse tipo de agricultura. Ou seja, para produzir a mesma quantidade de alimentos que seriam produzidos pela agricultura tradicional, mais terra é necessária. Mas os propagadores da idéia dos orgânicos também são contra o desmatamento e nada têm a dizer sobre a reforma agrária. A conta não fecha. Mas para eles não importa.
O agricultor já está vendo que os consumidores desse tipo de alimento pagam pelo produto sem chiar e o novo nicho de mercado vai se tornando cada vez mais atrativo. Uma conseqüência disso é que a luta pelo banimento de certos agrotóxicos, já proibidos na maioria dos países, perde força. É como se a solução para o problema já tivesse sido encontrada. Não foi. Tampouco o descaso pela fome alheia diminuiu. Pelo contrário.
Existe uma música dos Titãs, se não me engano, que virou uma espécie de hino da revolta contra nada. Em sua letra diz o poeta: _”A gente não quer só comida”. Ora, quem associa o substantivo “comida” com o advérbio “só”, não apenas demonstra insensibilidade, como mostra que está de barriga cheia. Em outra parte da canção pergunta o vate:_”Você tem fome de que?” A resposta “comida” está antecipadamente descartada.
Embora milhões de brasileiros tenham saído da pobreza nos últimos anos, os afetados pela miséria extrema, não tiveram a mesma sorte. Continuamos convivendo com bolsões de fome tanto no campo como nas periferias das grandes cidades. Ainda existem milhões de brasileiros que não podem se dar ao luxo de querer mais que “só” comida.
Do ponto de vista do deus mercado já não existe comida, alimento. Trata-se de commodities, bolsa de futuros. A fome não entra nos pulcros lugares onde se decide quem vai comer e quem não vai.
O milho americano vira combustível para deleite dos inimigos do combustível fóssil. Alias, virava. Com a quebra da safra de milho, trigo e soja naquele país, os yanques certamente vão importar o produto, que é básico na alimentação de pessoas, especialmente nas Américas, para não quebrar sua indústria de combustível renovável.
Outra questão que ofende o bom senso é o preconceito alimentar muito em voga entre certa parte da população. O vegetarianismo tem-se espalhado entre os bem nutridos. Claro que não há perigo de virar epidemia. Seus difusores, na verdade, não querem que assim seja. Fingem fazer pregação da prática preconceituosa mas na verdade querem que o preconceito seja um estilo de vida de elite.  
Em visita ao Brasil, a Primeira dama americana avisou de antemão que era vegetariana. A pessoa designada pelo Itamaraty para preparar o cardápio do jantar de recepção do casal Obama, resolveu servir uma feijoada de tofu. Imagino que deva ter saído uma mistura intragável mas por decoro a senhora Obama teve de tragar. O piriri que certamente acometeu Michele Obama, foi a verdadeira vingança de Montezuma. O espírito do guerreiro já deve ter se adaptado aos novos tempos.



terça-feira, 21 de agosto de 2012

O voto religioso







Parece que o futuro do Brasil está no voto religioso. Em São Paulo, cidade mais importante do país, já começou o beija mão dos líderes religiosos de araque.
No último dia 5 de agosto, José Serra assistiu culto na Igreja Mundial e sua candidatura foi abençoada pelo Bispo Waldemiro Santiago. Alkimim também estava presente. É a segunda vez que o homem da Opus Dei visita a mega igreja do bispo que mais fatura no país. Um jornalista presente, disse que, mesmo saindo mais cedo, Serra presenciou Waldemiro pedindo dinheiro aos fiéis. Ora, basta passar na porta de qualquer desses centros de charlatanismo para ouvir os pedidos de dízimos e ofertas. Nesses templos se fala mais em dinheiro do que na bolsa de valores.
Russomano, segundo lugar nas pesquisas de intenções de votos, é candidato da Igreja Universal, dona do PRB e Haddad contou com a nomeação do Bispo Crivela para o Ministério da Pesca para aplainar sua candidatura junto aos crentes que o vêem como o autor do kit gay. Parece que não está dando certo.
No Rio,  Eduardo Paes tem ido à missa para provar seu catolicismo e outros candidatos fazem reuniões com líderes da franquia Assembléia de Deus, não para expor seus planos de governo, mas para aceitar as imposições que esses propagadores do atraso fazem.
A franquia Assembléia de Deus vai lançar candidatos “próprios” a vereador em todos os municípios brasileiros, sinal de que teremos mais leis municipais impondo rezas nas escolas e nas Câmaras de Vereadores. Mais dinheiro público destinado a monumentos a Cristo e a bíblia. Mais homofobia financiada pelo erário público. Nas próximas eleições o armazém de secos e molhados religioso terá sua própria sigla, o PEN, Partido Ecológico Nacional. A mistura de ecologia e fundamentalismo cristão promete fazer estragos. O novo partido, o 30º a ter sua inscrição aceita junto ao TSE, é a cara de Marina Silva mas parece que a ex-senadora já recusou o convite para ingressar na sigla pentecostal.
A busca pelo apoio de religiosos, principalmente dos neo-pentecostais, fará com que o país retire de pauta discussões importantes como a legalização do aborto e do uso de drogas. Para essa gente não existe discussão possível sobre certos temas. São irredutíveis, põem a bíblia sobre a constituição e querem anular direitos já conquistados pela cidadania tais como o aborto de anencéfalos e o reconhecimento da relação estável entre pessoas do mesmo sexo. O líder da bancada evangélica, Dep. João Campos, apresentou projeto para que decisões do STF passem pelo crivo do parlamento. O projeto é ridículo, fere a própria constituição e a independência dos poderes. Ainda assim mostra o caráter virulento dos políticos ligados aos grupos neo-pentecostais.
Os crimes de abuso da fé pública e charlatanismo, praticados diariamente por bispos e pastores, e que seriam facilmente combatidos, agora contam com a vista grossa de nossas autoridades. Waldemiro vai poder continuar cobrando o dízimo em dobro e propalando milagres. Mais e mais concessões para operação de rádios e TVs serão dadas a Edir Macedo e R.R Soares e novas seitas surgirão com tantas facilidades para agirem à margem da constituição e das leis infra-constitucionais.
O avanço das seitas na política tem como característica a mesma cara de pau que vemos nos templos. Se os pastores e bispos não se acanham em tomar o dinheiro de quem só tem para comer e até o único par de tênis de uma criança, é claro que não vão ficar corados apresentando projetos que só favorecem ás próprias seitas e seu projeto de tomada do poder civil. Hoje tramita no congresso projeto que propõe subsídio nas faturas de energia elétrica para templos e igrejas. Nas câmaras municipais de todo país, vereadores propõem doações de imóveis públicos para igrejas. Marchas para Cristo, de nítido tom homofóbico, são financiadas com dinheiro público. E por aí vai.
Como diria Lula, jamais na história desse país se viu tamanho avanço da religião sobre o espaço público. O Estado laico está por um fio.

domingo, 19 de agosto de 2012

Tragédia anunciada







Garoto, muitas vezes deixei de ir ao estádio por falta de grana pro ingresso. Aos 15, 16 anos eu convivia com amigos de classe média que iam ao campo de carro com seus pais. Carona até que rolava, grana não. Mas havia dias que a rapaziada resolvia ir ao Mineirão sem um mango no bolso. Pegávamos carona na AV. do Contorno com outros torcedores e nas bilheterias do estádio pedíamos a quem estava na fila pra comprar ingressos, umas moedinhas para inteirar a entrada da geral. Se havia tempo, aproveitávamos para arranjar o do cachorro quente e o da coca cola. Não sentíamos que estivéssemos mendigando, apenas sendo espertos.
Estávamos nos bons tempos de estádio cheio todo fim de semana, não importava o jogo, e a geral era baratinha. No espaço democrático, íamos todos juntos, atleticanos e cruzeirenses. Atleticanos, éramos o Xandico, o Ramé, o Dimas, o Marcos e eu. Cruzeirenses, o Aníbal e o Maurinho.
Mas havia umas regras para a entrada no Mineirão. Crianças menores de 7 anos não podiam entrar de maneira alguma e os que contavam entre 7 e 12 anos, só acompanhadas por adultos. Lembro de uma vez que tentamos dar uma força pra uns moleques pequenos entrarem conosco. Não deu. Não éramos adultos.
Na época eu pensava que era uma regra rigorosa demais. Punha culpa no autoritarismo da ditadura. Hoje eu sei que essas regras estavam certíssimas, mas parece que só eu penso assim.
A cada domingo, antes e durante a transmissão dos jogos pela TV, são mostradas muitas crianças e até bebês de colo nas arquibancadas dos estádios. As câmeras as procuram e, pondo legendas nas imagens, nossos locutores esportivos aproveitam para balbuciar frases que vão da pieguice à imbecilidade. Fala-se do futuro torcedor, da presença da família nos estádios e ai que lindo. Não é possível que essa gente não tenha a menor noção das coisas. Parece que dão folga ao cérebro nos fins de semana. 
Lembro-me bem que quando meu filho estava por nascer, minha mulher e eu líamos tudo que nos caía nas mãos sobre gravidez, bebês, crianças e etc. Creio ter visto o mesmo entre outros pais de primeira viagem e uma das coisas que gravei foi sobre a audição dos bebês. Pelo que me lembro, eles têm uma audição perfeita. Ao contrário do que ocorre com a visão, por exemplo, a criança já nasce com seu sistema auditivo funcionando perfeitamente. Eles escutam melhor que os adultos.
Num estádio de futebol com foguetórios, charangas e cantos da torcida, o bebê absorve o som que mesmo para nós adultos seria insuportável não fosse por nossa paixão pelo time de coração. Mas ao contrário de nós, os bebês não têm paixão por time nenhum e sofrem gratuitamente.
Mesmo para uma criança que já deixou o colo e a teta, que tenha 1, 2 ou 3 anos, que graça tem estar num lugar quente, ruidoso e sem brinquedos?  Acho que nenhuma. Elas só estão lá pela estupidez dos pais que as fantasiam com a camisa do time para que os idiotas da narração esportiva digam que lá está a pequena vascaína ou o pequeno cruzeirense. Esses pais, que deveriam ser admoestados pelo órgão de defesa das crianças e adolescentes, não pensam que uma simples correria nas arquibancadas poderia por em risco a vida de seus filhos, que um sinalizador é tóxico, que há entre os torcedores os irascíveis e os brutais.
Que existem pais totalmente irresponsáveis, todos sabemos. Mas em uma emissora de televisão há muitos chefes, diretores, superintendentes, editores e o escambau. Será que nenhum engravatado desses tem a menor responsabilidade? O menor discernimento? Ou seus poucos neurônios só conseguem entrar em atividade quando se trata de índices de audiência e faturamento comercial? Parece que é isso. Caso contrário haveria, ao menos, alguma orientação para que as imagens com torcedores levando seus bebês não fossem mostradas para se evitar a repetição, a imitação. O que ocorre é justamente o contrário. Deve haver uma ordem superior para que operadores de câmeras e diretores de imagem façam da estupidez paterna uma forma de atrativo.
Caberia então aos órgãos governamentais estabelecer algum critério para o ingresso de crianças nos estádios. Como está, me parece que é a crônica da tragédia anunciada.


sábado, 18 de agosto de 2012

Nelson Rodrigues







A proximidade do centenário de Nelson Rodrigues inunda os meios de comunicação com esse autor e personagem que é um dos mais ricos de nossa literatura.
Livros que analisam sua obra são lançados. Na televisão,  programas especiais são exibidos. Nelson está sendo lembrado como merece. Ou não.
Acontece que muito do que se diz sobre Nelson Rodrigues omite o principal. A culpa é da fragmentação das análises. Não se pode falar da obra teatral de Nelson Rodrigues sem lembrar de sua imensa contribuição como cronista, pois se no seu teatro “seus personagens pecam para que nós não pequemos” como definiu o próprio autor, na crônica, Nelson se expõe como o moralista que sempre foi. Moralista no mais amplo e melhor sentido.
É na crônica rodrigueana que encontramos o homem que irá modelar os personagens teatrais, romanescos, folhetinescos que durante mais de meio século vêm mexendo com o cérebro e as tripas dos brasileiros. Nelson talvez tenha sido o autor que mais se mostrou ao público como ser humano. Longe da torre de marfim, ele foi um homem que escrevia.
Quem se perde nos aspectos formais de sua obra, perde o que há de melhor em Nelson Rodrigues.
Num desses programas de TV que tentaram homenageá-lo, umas pessoas que pareciam muito entendidas davam suas opiniões sobre o teatro de Nelson Rodrigues. Mesmo com o estilo fragmentário do programa, com muitos cortes desnecessários, deu para entender a opinião que uma senhora tinha sobre o autor. Dizia ela que, se vivesse, Nelson teria a faca e o queijo na mão com tantos assassinatos mostrados ao vivo, estupros e outras coisas mais. “Ele nadaria de braçada” concluiu. Ora, essa senhora estava confundindo Nelson Rodrigues com Datena. Estava repisando a opinião do público burguês e da censura que viam em Nelson Rodrigues um tarado, um pervertido, um lúbrico. 
Se esta “especialista” tivesse se debruçado sobre a crônica de Nelson Rodrigues, fonte fundamental para entender sua obra teatral, ela saberia que o autor de “Vestido de noiva”, longe de estar nadando de braçada, estaria sofrendo. Não que ele fosse um otimista que acreditasse na redenção do ser humano nem nada parecido, mas Nelson via os monstros que nos habitam com terror. Conviver com tais monstros não significa absolve-los ou redimi-los. Significa apenas reconhece-los.
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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Nascidos em agosto







Semana passada, fiz aniversário e mesmo avesso aos estrangeirismos, confesso que preferiria usar a forma castelhana de comunicar isso:_La semana pasada, cumpli años. A palavra aniversário me trás à mente balões, chapeuzinhos pontudos, bolo e aqueles “eh” que costumam acompanhar a horrível musiquinha  cantada por desafinado coro diante de um constrangido aniversariante.
Talvez eu devesse consultar um dicionário etimológico para desencanar do termo “aniversário”. Não vou fazê-lo. Fiz 55 anos e pretendo ficar com meus conceitos obsoletos, não tenho a menor vontade de reinventar-me, de desdizer-me, de desculpar-me com a vida.
Dias atrás, Caetano Veloso completou 70 anos mas disse ter, na verdade, 15, talvez 14 anos e que o resto eram sinais exteriores que nada lhe diziam respeito. Infelizmente não posso dizer o mesmo.
Se não chego à definição de Nelson Rodrigues, que dizia que já nascera velho, com guarda-chuvas e galochas, eu tive sempre uma ansiedade da vida adulta quando era adolescente, e na juventude já vislumbrava a velhice. Claro que entre os horrores que eu via na terrível idade, eu não incluía os martírios das doenças nem a infâmia do serviço público de saúde. Apenas achava que a vida dos velhos era uma merda Eu estava certo.
Antes não. Na adolescência eu via os adultos como que dotados de conhecimentos e outras coisas que havia de lutar para conseguir. Ao alcançar a idade da razão o único sentimento que restou do mundo adulto foi uma enorme decepção. Você acha que exagero? Pois veja outro aniversariante do mês, Fernando Collor de Merda.
Esse ser das Alagoas é um pouco mais velho que eu. Já foi presidente do Brasil, democraticamente eleito. Parece que ninguém reparou que o sujeito era, e continua sendo, um dos maiores canastrões da história desse país. Collor interpreta mal o que para ele é o ideal de adulto: voz impostada, gravata importada. Nada mais. Um vazio imenso de idéias. Um mamolengo, uma farsa. E sequer posso dizer que ele é infantilizado pois a infância não comporta as imposturas que esse homúnculo perpetra. Collor é uma espécie de Peter Pan às avessas. Sem sair da adolescência problemática, se crê homem, se vê adulto. Sua burrice, ignorância e falta de cultura, são tão patentes que só mesmo um completo imbecil não se dá conta. Ele, por exemplo.  O sujeito vive num limbo, num nada. Ele é o Ken da Barbie mas acha que é o Buzz Lightyear.                   .
Mas a vida adulta e a velhice também são moradia de tipos mais estranhos ainda.Veja o caso do Gal. Geisel que faria nesse mês de agosto 105 anos se a natureza permitisse tal desatino.
Numa das poucas entrevistas concedidas em seus 6 anos de mandato, o velho general admitiu o uso da tortura e viu justas razões para isso. Talvez os muitos anos de caserna, com seus rituais ridículos e hierarquia idem, tenham feito danos nunca reparados no cérebro do general calvinista. Até mesmo o infame Médici negava a tortura nos cárceres políticos brasileiros. Era a maldade envergonhada, ciente de sua aberração. Geisel não só admitia, como preconizava o ato abjeto.
O homem que não via a dor dos corpos jovens destroçados pela tortura, hoje é encarado pelos revisionistas apenas como alguém que deu origem à abertura política. Deveríamos cantar loas ao velho que tirou o bode da sala segundo esses preclaros historiadores de gabinete.Geisel seria quase um redentor que nos libertou da ditadura. Não, Geisel não foi isso. Geisel foi a maldade de velho em pessoa. Ele achava certo torturar meninos em nome da luta anticomunista, da família, dos valores cristãos. Sei lá em nome de que idiotice arcaica.
Geisel não envelheceu. Um dia despertou de seu sono aquartelado e viu-se enrugado com uma faixa presidencial no peito. Surpreendido pela passagem dos anos que não vivera, resolveu brincar de guerra e fazer valer todas as medalhas que carregava por nada. Na falta de inimigo externo resolveu convalidar a tortura de militantes de esquerda.
Entre os nascidos em agosto também há os que viveram cada dia de uma longa existência para deixar um testemunho de beleza e conhecimento dos homens.
Jorge Amado, que nasceu num 10 de agosto e morreu no dia 6 desse mês, foi o escritor mais popular e querido do país. Foi, acima de tudo, sincero. Sincero no seu amor pelo povo simples da Bahia, sincero quando soube dos crimes do stalinismo. Sincero quando escreveu “Os subterrâneos da liberdade”, sincero quando renegou o livro.
Jorge é sub-apreciado pela crítica nacional tão envergonhada de ser nacional. Os amantes de Proust e Joyce jamais entenderam do que trata Jorge em sua obra. Perdem-se em análises formais e não dão ao escritor bahiano os créditos que ele merece por ter sido o escriba da gente pobre da Bahia, tradutor de suas lutas e grandezas, revelador de sua religião e sensualidade. Jorge não passou pela vida, viveu-a e contou-a. Contou-a como poucos o fizeram.
Mas há quem, em breves anos, conseguiu atravessar as etapas da vida sem querer ser a eterna adolescente como Caetano nem atingir a velhice da alma como Geisel.
Clara Nunes estaria completando 70 anos nesse 12 de agosto caso a morte não viesse alcança-la aos 40 anos. Clara, a mineira guerreira, viveu a vida com seus dissabores e alegrias. Sofreu, lutou, venceu e morreu com a galhardia dos grandes. É impossível pensar em Clara sem lembrar o codinome que seu marido Paulo César Pinheiro e João Nogueira eternizaram em um lindo samba.
Clara foi uma dessas pessoas de verdade que cantou samba verdadeiro para aqueles que vivem vidas verdadeiras.  Eparrei Oyá.




terça-feira, 14 de agosto de 2012

A greve nas universidades







Não posso falar da greve dos professores universitários nem de outros funcionários públicos federais. Nunca vi um contracheque de professor nem de outra categoria que agora está em greve.
Conheço sim, os contracheques dos funcionários do Mac Donald pois esses foram exibidos em uma comissão da Câmara dos Deputados, poucos dias atrás. A remuneração mensal recebida pelos trabalhadores da rede mundial de comida rápida, variava entre os 170 e 300 e poucos reais mensais. A empresa está sendo acusada de práticas que se encaixariam no conceito de trabalho escravo.
Na última greve dos professores do ensino fundamental, também pude ver, na televisão e no face book, que seus contracheques exibiam baixíssimos números que mesmo se dobrados seguiriam sendo baixos.
No caso dos professores universitários, não vi nenhuma exibição pública de seus salários. Claro que bastaria pesquisar nos sítios de transparência do governo para conhecer tais números. Não é o caso.
O que tenho visto nas redes sociais são postagens que remetem aos salários dos políticos. Sem citar números, os professores e seus simpatizantes falam dos proventos exorbitantes recebidos por aqueles. Não cabe, a meu ver, nenhuma comparação, afinal todos sabemos dos despautérios praticados por essa gente que determina a própria remuneração.
Outro tipo de postagem que tem aparecido com freqüência, apenas demonstra oposição ao governo Dilma. Numa delas está Hitler lendo um jornal e dizendo que Dilma é uma das “minha” (as aspas são minhas). Me custa crer que algum professor possa cometer tal erro de concordância e ser tão leviano com relação à nossa Presidenta. Pensando bem, pode até ser. Hoje em dia chamar alguém de fascista ou de nazista ou mesmo dizer que no Brasil houve uma ditabranda e não uma ditadura, é comum. A vulgarização desses termos aumenta proporcionalmente ao tempo transcorrido entre os fatos e nossos dias.
Mas é só o que posso comentar, que a remuneração dos professores universitários está sendo usada pela oposição de direita sem discurso e também pela oposição de esquerda que busca apoio nos sindicatos que foram tão importantes para a ascensão do PT e que agora se sentem traídos pelo governo.
Se é justo ou não o que se paga aos professores ainda não sei. O que sei é que a categoria não expõe publicamente seus rendimentos, talvez por medo de não encontrar na opinião pública nenhum respaldo às suas reivindicações. Vivemos num país de baixos salários, no qual seus "doutores" não suportam que o fruto de seu trabalho seja equiparado ao de um soldador ou um operador de máquinas pesadas.
Por enquanto não sou nem contra nem a favor da greve. Vou continuar esperando que os professores me digam quanto ganham para poder julgar se é justa ou não sua remuneração. O mesmo vale para as outras categorias em greve. Como já disse, tampouco vou pesquisar o tema nos órgãos governamentais. Vou ficar aguardando a honestidade ideológica dos professores.

sábado, 11 de agosto de 2012

Eu sou favela







Noca da Portela, em um samba intitulado “Eu sou favela” que teve gravação do saudoso Bezerra da Silva, diz no estribilho:_“a favela é um problema social”. Eu adoro o samba mas peço venia ao bamba da azul e branco de Madureira para discordar.
Não acho que a favela seja problema de nenhuma espécie. Ao contrário, vejo na favela uma solução. Uma solução de moradia urdida pelo povo. Solução que o poder público sempre negou aos mais pobres.
Desde a volta dos soldados que foram combater o Conselheiro em Canudos, esses aglomerados urbanos tornaram-se a solução dos desvalidos. Aqueles pobres que foram dizimar outros pobres em nome da república e dos que sempre odiaram ver o povo tomando as rédeas de seu destino, ao chegarem ao Rio foram para o ministério da guerra receber o soldo prometido e se viram diante do descaso das altas patentes. Sem ter recebido o que lhes era devido e sem ter para onde ir, ficaram sobrevivendo nos morros próximos ao ministério e dadas às péssimas condições de vida que tinham, chamaram aquele tipo de comunidade de “favela” em referência à planta espinhosa que tem esse nome e é tão abundante no sertão.
Quando Pereira Passos resolveu melhorar o aspecto da Capital Federal, dotando a cidade de largas e belas avenidas, jamais lhe passou pela cabeça conseguir de ante-mão moradia para os que habitavam as cabeças de porco, cortiços e as casas de cômodos que existiam no centro da cidade. Desalojou toda a população sem se importar que rumo tomaria aquela gente. Foi nos morros que a população desalojada foi morar criando novas favelas. É como diz Bezerra em outro samba antológico intitilado “Aqueles morros”: _”Antes aqueles morros não tinham nome, foi pra lá o elemento homem, fazendo barraco, batuque e festinha. Nasceu Mangueira, Salgueiro, São Carlos e Cachoeirinha...”
Com a migração que cresceu nos anos 50 e 60 devido à seca no nordeste e a outros fatores, mais e mais favelas foram sendo erguidas sob o olhar desdenhoso do poder público que nada fez para melhorar a condição de moradia de quem já havia feito a metade do serviço com o próprio suor.
Hoje, para quem vai à Rocinha, à Mangueira ou ao Morro dos Prazeres, fica difícil acreditar que tudo o que ali está seja fruto do espírito criativo dos próprios moradores. O pouco que o poder público ali investiu foi sobre uma realidade criada pelo engenho popular.
Aliás, o único órgão do poder público que chega às favelas é a polícia, e não para garantir a paz dos que lá moram, senão para implantar o terror. Logo nas primeiras operações que a polícia carioca fez para desalojar supostos traficantes e implantar as tais UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), esse terror se fez presente, a polícia tinha autorização para entrar em qualquer residência e revista-la num flagrante desrespeito aos direitos do cidadão que estão garantidos na constituição e nos códices infra-constitucionais. De costas para a janela e olho grudado na televisão dos Marinho, a classe média carioca aplaudia a repressão.
Essa mesma classe média fazia chacota em 1983 quando Brizola falou em construir um plano inclinado no Morro Santa Marta. Hoje, o teleférico da Penha só não é motivo de escárnio por estar longe dos olhares da zona sul e por ser um modelo importado da Colômbia.
Mesmo com as polícias pacificadoras cometendo seus crimes e sendo aplaudidas até mesmo pela Presidenta Dilma que vê na instauração dessas forças repressivas um exemplo a ser seguido por todo o país, a favela resiste com seu modo de vida, seus costumes, sua independência criadora.
Pra terminar eu vou citar dois casos que dão o tom da ação do poder público com relação às favelas.
Antes da tragédia que vitimou os moradores do Morro do Bumba em Niterói, a associação de moradores já havia mandado fazer estudos de engenharia e apresentado projeto à prefeitura pedindo a construção de um muro de arrimo para prevenir deslizamentos. Nada foi feito. O custo da obra solicitada era inferior ao de um das dezenas de pilotis que servem de suporte para um elevado destinado a melhorar as condições viárias das áreas ricas de Niterói.
Outro caso exemplar aconteceu antes dos Jogos Panamericanos do Rio.
Agentes da prefeitura andaram por favelas próximas à Barra da Tijuca pintando nas paredes externas das residências estranhos símbolos que pareciam significar quais residências estavam em local de risco ou algo parecido. Uma espécie de aval de remoção.
Um morador, que vi na televisão, sintetizou o caso: _Nosso problema não é estar em zona de risco, é estar em zona de ricos.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Técnico estrangeiro? Pra que?







Você pode achar que eu implico com o Juca Kfouri. Muito pelo contrário, muito pelo contrário. Tenho na figura do Turco um exemplo de retidão profissional, de jornalista arguto e pouco afeito às pompas do mundo. O cara não é adepto do jornalismo subserviente, nem faz composições oportunistas com os poderosos do futebol. É homem de opinião e mostra a cara.
Mas vez por outra Juca Kfouri me deixa perplexo. Não em sua última coluna ou na penúltima, mas muitas vezes ele vem defendendo a contratação de um técnico estrangeiro para nossa seleção. Ele fala “estrangeiro”, não esclarece se o sujeito deva ser Jordaniano ou Japonês, Uruguaio ou Afegão. Parece que o único requisito é não ter nascido nessa terra descoberta por Cabral. E não só para a seleção, Juca quer ver técnicos gringos também nos clubes. Creio que o decano jornalista não anda prestando a devida atenção aos fatos que deveriam ser a matéria prima de seu ofício.
Se disse que não era na sua última coluna nem na penúltima é porque nessas, Juca Kfouri deu-se ao trabalho de nos surpreender com um novo estilo. Para melhor se comunicar com você e comigo, o Turco resolveu chamar-nos de raro leitor, rara leitora. Fica até bonito estilisticamente, quase simpático. Mas não é verdade, é falso, é postiço. Juca Kfouri é um dos jornalistas esportivos mais lidos no país por quem realmente se interessa por futebol e não por fofocas esportivas.
Quando eu trato você por “você”, é que muitas vezes só conto com sua benevolência para dividir comigo uns pensamentos, umas divagações. Não é questão de estilo, é apenas a constatação de que estou conversando com uns poucos, uns raros. Mas não importa o tamanho do público e sim sua qualidade. E aqui, bajulo você para que me siga num raciocínio que começa a parecer pueril em comparação a todas as vozes que se levantam para afirmar o contrário.
A tese do Juca, de que precisamos de técnicos estrangeiros, também é defendida por muitos de seus colegas de profissão. Tostão é um deles. Nada me parece mais absurdo. Senão, vamos aos fatos: Das 19 Copas disputadas, a Seleção Brasileira ficou entre as 4 melhores por 10 vezes, 7 vezes entre as 2 melhores, 5 vezes campeã. Sempre com técnicos brasileiros. A última conquista foi em 2002, dez anos atrás, o que não é nenhuma eternidade, foram só 2 Copas. Nesse ínterim ganhamos 2 Copas das Confederações, 2 Copas América e uma medalha olímpica. Sempre com técnicos brasileiros.
Se quisermos agregar mais alguns fatos que andam esquecidos por Juca Kfouri, podemos citar que a seleção portuguesa teve seus 2 melhores desempenhos em Copas quando foi comandada por técnicos brasileiros, o mesmo aconteceu com a seleção peruana. A única vez que a Jamaica foi à Copa seu técnico era René Simões. Parreira é, ao lado de Bora Milutinovic, o técnico que mais Copas disputou, com a vantagem de ter ganho uma delas.
Amanhã disputaremos a final do torneio de futebol dos Jogos Olímpicos. Não sei se ganharemos ou não. Sei, sim, que uma medalha está garantida e que a Seleção foi uma vez mais comandada por um técnico brasileiro. Ficaram fora a seleção da Espanha, tão citada por comentaristas brasileiros como o supra sumo do futebol e também a seleção uruguaia e seu técnico tão endeusado pelo 4° lugar que conquistou na África do Sul e por ter sido campeão da Copa América. Pelo caminho também ficaram os donos da casa, e a Argentina sequer se classificou para o torneio.
Tendo por comandante um técnico brasileiro, a Seleção já botou uma medalha no peito. Amanhã saberemos de que metal.


quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Economia de tomates







Eu não entendo nada de economia, ou melhor, o que entendo de economia é que o feijão está caro pra burro, o açúcar até que baixou do ano passado pra cá e o arroz anda com preços decentes. O grande problema é o tomate que ultrapassou os 5 reais o quilo. Adeus macarronada.
A energia elétrica que consumimos, é das mais caras do mundo, assim como o telefone e o acesso à internet. Na Argentina a conta de luz é bimestral e lá, paga-se por dois meses de consumo o mesmo que pagamos aqui em um mês. Por que? Não sei.
Tampouco entendo o preço da gasolina, pois mesmo que estejamos importando  derivados, nossos preços são muito superiores aos praticados em outros países que fazem o mesmo, como a Argentina.
 Economistas, que na oposição gritavam contra esse estado de coisas, agora, no poder, nos dão explicações singelas para o fato. Explicações singelas demais.
Outros, que antes geriam as finanças públicas, se mostram indignados na oposição. Mexe e vira, vemos nos jornais da Globo News, Maílsons e Loyolas afetando grande preocupação pela gestão do governo atual no que tange à macro-economia. Claro que na telinha dos Marinho só aprece na legenda que esses senhores são economistas mas não falam dos interesses que representam por serem diretores de empresas, conselheiros de multinacionais ou, simplesmente, especuladores.
Do lado do poder, vejo, atônito, pessoas que antes pugnavam pelas privatizações do governo de FHC, avaliarem toda e qualquer medida do governo como positiva e coerente. Estarão certos? Não sei, mas coerentes não.
Quanto à nossa política monetária, nossa reservas cambiais, nosso superávit primário, eu não manjo nada. Sei sim, que me causa grande antipatia ver o Ministro Mantega, com suas mãozinhas delicadas, seu sotaque ítalo-gay e sua voz de falsete, ir à televisão e anunciar um aumento absurdo no preço do cigarro e, cinicamente, dizer que ninguém iria reclamar disso. Refere-se, creio, a questões de saúde. Mas o Ministro Mantega não é ministro da saúde e me causa espanto ver a sanha arrecadadora querer posar de Dr. Kildare.
 Existe na economia algumas coisas realmente incompreensíveis para mim. Refiro-me às taxas de juros. Bastou a Presidenta ordenar que as instituições financeiras estatais baixassem as taxas da agiotagem, para que tivéssemos uma baixa generalizada, ainda que a contra gosto dos usurários do sistema bancário privado. Então era só isso? Uma canetada presidencial e o problema está resolvido?  Então por que não fizeram antes? E por que não baixam mais? Claro que não faltaram as críticas contra a medida. Nos tele-jornais, jornalistas econômicos, Maílsons e Loyolas franziram os sobrolhos e tentaram fazer sombrios prognósticos sobre a medida. Seus patrões banqueiros, puseram em suas bocas uma série de argumentos que mais pareciam os documentários sobre o fim do mundo que passam no canal Discovery.
Dado à minha falta de conhecimento na matéria, prefiro não dar opiniões sobre o desempenho do governo no gerenciamento da economia. Mas não tenho de suportar um Ministro que faz subir o preço do cigarro entre risotas, nem posso pretender fazer minha macarronada com os tomates custando mais de 5 reais. A sazonalidade explica os tomates, a insensibilidade explica o Ministro.
Pensar que alguém vá deixar de fumar devido aos altos preços do cigarro é de uma cretinice sem fim. Eu não creio que Mantega seja um cretino, acho que o aumento extorsivo do tabaco tem como meta engordar a arrecadação esfolando milhões de brasileiros. O cigarro é o produto sobre o qual mais incidem impostos.
Parece-me que a lógica econômica do Ministro Mantega, é aproveitar-se do acesso ao consumo que muitas famílias tiveram, e esfola-las com impostos sobre produtos de seu uso cotidiano. Por que não aumentar impostos sobre produtos de luxo importados? Porque isso representaria pouco volume de arrecadação tendo em vista o pequeno número de milionários comparando-se ao imenso contingente de pessoas que vivem nas classes inferiores. O aumento no preço dos cigarros, que não voltará atrás como o do sazonal tomate, faz estragos no orçamento doméstico dos pobres. Seria mais justo extrair mais impostos no caviar, nos automóveis de luxo, no uísque nacional da Escócia. Mais quem falou que economia é para fazer justiça?


segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Simplicidade







Tem muito samba bom que eu só escutei uma ou duas vezes. Nossas TVs e nossas rádios são avaras de nosso ritmo nacional. Se às vezes tocam samba de qualidade, é como se estivessem fazendo um favor ou uma concessão. Somente quando um cantor ou uma cantora de sucesso gravam alguns desses sambas é que ficamos conhecendo seus autores. No momento é Zeca Pagodinho quem nos mostra Monarco, assim como alguns anos passados, Beth Carvalho nos fez ouvir Cartola.
Um desses sambas que pouco ouvi e do qual só gravei uns versos e sua deliciosa melodia, diz:_”Já não se samba mais à luz do lampião, nem as cabrochas vão pro terreiro de pé no chão”. Não sei quem é o autor nem o nome do samba. Tampouco sei em que época foi feito.
Não creio que o compositor queira que as pessoas andem de pés no chão e não tenham eletricidade. Parece-me, que apenas relembra dias de mais simplicidade. Imagino que o autor sinta saudades de bons momentos da vida e nesses momentos as cabrochas iam sambar no terreiro de pé no chão. O mesmo me passa.
Outro dia abrindo o face book vi uma postagem que era uma lista desses meios modernos de comunicação associando-os a classes sociais ou algo assim. A piada dessa postagem era que o Orkut era para favelados. Já nem me assusto mais com essas manifestações de preconceito contra pobres e favelados nas redes sociais, mas nesse caso a manifestação odiosa vinha até mim por intermédio de uma menina que é minha parenta. Ela é uma adolescente e não creio que haja nenhuma maldade em seu coração para discriminar ou querer humilhar alguém por sua condição social. Apenas vai na onda e esse tipo de preconceito é moda entre os que têm acesso aos meios de comunicação eletrônicos.
Essa menina talvez desconheça que nossa origem é das mais pobres. Nunca moramos numa favela mas em determinado momento de nossas vidas as coisas eram dificílimas. Vivíamos num bairro periférico de Contagem, cidade satélite de Belo Horizonte. As ruas eram de terra e 24 horas por dia caia sobre nós os resíduos que a fábrica de cimento Itaú despejava por suas chaminés. A água, que chegava às torneiras num fio ínfimo, num certo momento deixou de chegar, só tinha força para pingar no limite do quintal. Aí foi posto um tambor de duzentos litros que acumulava o líquido e depois era levado aos baldes para dentro de casa onde havia outro tambor do mesmo tamanho.
Depois de algum tempo a água deixou de pingar e tínhamos que trazê-la desde a cisterna de Dona Nelita, prestimosa vizinha. Minha prima Bebeth e eu carreávamos baldes e baldes para que minha avó pudesse lavar e cozinhar e para nosso banho antes de irmos para a escola. Mesmo com toda a dificuldade, comíamos sempre o arroz, o feijão, a farinha. Carne havia de vez em quando mas minha avó conseguia extrair do chão coberto de fuligem de cimento algum tempero e umas folhas verdes. Comíamos com prazer sua comida sempre gostosa, sempre bem temperada no melhor estilo mineiro. Nunca faltou leite para minhas primas pequenas, nem presentes de natal mesmo que por algum tempo só minha Tia trabalhasse como costureira a domicílio.
Apesar da falta d’água, tínhamos nossos uniformes sempre limpos e passados e íamos cheirosos para a escola. Íamos a pé pelas largas avenidas do bairro industrial, algumas vezes acompanhados pela Socorro que era colega de turma de minha prima e que sempre levava um grande rádio de pilhas sintonizado na rádio Atalaia.
Foi nessa casa de quarto e sala onde viviam três adultos, dois adolescentes e duas crianças, que vi o Brasil ser campeão do mundo pela terceira vez. Foi aí que assisti junto a minha tia Lourdinha e seu marido Airton, numa sessão da meia noite da Globo, o filme Casablanca pela primeira vez. Foi nessa rua de terra, que joguei muitas peladas com meus amigos Merci e Montanha.
Nosso único eletrodoméstico era um liquidificador e tínhamos também uma TV Telefunken. No entanto, relembro esses dias com grande saudade. Foram dias felizes para mim. A amizade com a prima, a escola que freqüentávamos até no domingo, os bailinhos do Grupo Escolar onde tocavam o Wandinho, namorado de minha prima, o Lobão e o Orozimbo, meus primeiros amigos mais velhos. Pode até parecer estranho, mas eu sinto saudade daquela simplicidade, daqueles dias de privações e alegrias.
Talvez por ter vivido assim, hoje eu entenda a letra de certos sambas e tenha muito respeito por quem mora em favelas e periferias.
Por ter vivido na pobreza e na simplicidade, outro samba me causa muita emoção quando o escuto. Diz assim o poeta:_ “Habitada por gente humilde e tão pobre, que só tem o céu que a todos cobre, como podes Mangueira cantar?” A resposta, o próprio poeta dá: _“Pois saiba que nós não queremos mais nada, a noite a lua prateada, ouça as nossas  canções, temos no alto um cruzeiro onde fazemos nossas orações, e temos orgulho de ser os primeiros campeões” Simplicidade.


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Olímpicas







Por ter jogado minhas peladas e acompanhar com paixão o futebol profissional, eu me julgava um esportista, pelo menos, no sentido lato do termo. Ledo auto-engano. Na verdade eu só gosto mesmo é de futebol e lutas de boxe e MMA.
De 4 em 4 anos eu me disponho a assistir os Jogos Olímpicos. Curto algumas coisas do atletismo e do levantamento de pesos mas o resto me enche de tédio olímpico.
Existe algo mais entediante que provas de saltos ornamentais? Sim, existe, é o nado sincronizado.  
O mais chato é ouvir dos narradores, que até ontem só conheciam mal e porcamente as regras do futebol, sobre a beleza e elegância das praticantes do nado sincronizado. Ora, ver aquelas moças que se aproximam da piscina com passo de ganso e prendedores de roupa no nariz, me fazem sempre pensar que esse esporte deveria ser denominado  Mocréias aquáticas. Mocréias aquáticas em duplas ou em equipes, mas sempre mocréias, sorridentes e esquisitas, praticando essa estranha modalidade que levou Ester Williams para Hollywood para lá protagonizar os mais chatos musicais que o espírito humano pôde conceber.
Muitos outros esportes devem ser muito bons de se praticar mas para assistir não dá o menor prazer. A vela, por exemplo. Na tela da televisão ou temos uma imagem fechada num barco que não se sabe sequer para que lado está indo ou uma panorâmica de uma porção de barcos que não sabemos se estão indo ou voltando. O esporte extremamente burguês, não foi feito para ser acompanhado, muito menos pela televisão.
O que, sim, dá boas imagens é o ciclismo, mas pelo que entendi dos especialistas que comentam nos canais esportivos, a modalidade tem as regras mais estapafúrdias que já se viu. Deveria ser uma corrida e quem chegasse na frente seria o vencedor. Mas não é bem assim.
O tiro com arco, que deveria ter o nome de arco e flecha, também não é algo que cause muito entusiasmo na telinha. Num momento temos no vídeo uma cara gorducha e deformada pelo contato com a corda, no instante seguinte, um alvo atingido, haja monotonia. Além do mais o arco nada tem que nos faça lembrar a arma de guerra ou de caça que víamos nos filmes de Errol Flyn. São uns objetos que mais parecem aparelhos ortopédicos que qualquer outra coisa.
Há nos Jogos Olímpicos uma série de esportes que causam grande comoção em narradores e comentaristas mas nem por isso deixam de ser chatos ou incompreensíveis quanto ao critério de pontuação. Assim é a ginástica. Ninguém se dá ao trabalho de explicar se os 15.600 pontos obtidos por aquela moça magrinha no salto sobre o cavalo, é bom ou ruim.
A esgrima só teria graça se fosse à vera. Os competidores usariam sumário traje branco e o primeiro a sangrar perderia o combate e seria prontamente socorrido pelos médicos. Os que morressem receberiam uma linda homenagem e seriam sagrados mártires olímpicos.
Algumas modalidades mudaram suas regras para serem mais atrativas para o público. A luta greco-romana é uma delas. O esporte é até interessante mas a posição de retorno à luta depois que um dos contendores comete alguma falta, é muito constrangedora.
O vôlei de praia é que deveria mudar as regras para atrair mais atenção. Os bikinis das moças deveriam ter seu tamanho reduzido para padrões ipanemenses, guardando-se o direito das muçulmanas de usarem o véu..



sábado, 4 de agosto de 2012

De meninos e livros







Eu tinha 13 anos quando fui fisgado pelos livros. Como isso aconteceu no meio das férias eu não contava com a biblioteca da escola. No meu bairro não havia uma e, pensando bem, creio que não vi nenhuma naquele Belo Horizonte dos anos 70.
Por aqueles dias, lembro de ter lido um romance cuja ação era passada no Alasca ou em outro lugar frio pra burro. Já não lembro o título mas fiquei com uma lembrança toda branca de umas poucas cenas do romance. Não é o tipo de literatura que alguém cite como fonte de formação, mas eu gostei.
Naquelas férias escolares também li Clarissa, do grande Érico Veríssimo, e até hoje, quando penso no livro, vem-me uma sensação azul e cheiro de violetas.
De outros livros daquela época pouco lembro. Lembro sim de uma vez em que estava lendo nas escadas do prédio onde morava e uma vizinha veio dar-me uma caixa de maçãs cheia de livros. Não era, nem de longe, o que se poderia chamar de uma biblioteca infanto-juvenil. A maioria dos volumes era daqueles livrinhos de bolso de espionagem, caubóis e aventuras. Havia coleções famosas desses gêneros. Entre os que não eram desse formato, estava um de Morris West que mesmo eu, leitor iniciante, achei muito ruim, mas como seguia a receita dos “best-seller”, tinha algo de sexo, e li até o fim a insulsa trama.
Outro volume da caixa de maçãs era de autoria de Ibrahim Sued e versava sobre boas maneiras. Quem me conhece deve estar pensando que pouco proveito tirei da “obra” do Ibrahim. É verdade. Minhas maneiras podem ser chamadas de tudo, menos de  boas. No entanto esse livro me ensinou que devemos usar o termo “mulher” quando da nossa se trata e “esposa” para as dos outros. Até hoje, quando escuto alguém falando “minha esposa”, lembro do livro e tenho vontade de rir. Me parece tão falso, tão postiço que tendo a qualificar logo o sujeito como mal amado e pedante. O pior é quando dizem “minha senhora”, aí, minha vontade não é de rir, mas de  esganar o camarada.
Mas no meio desse monturo havia um pequeno tesouro: “As aventuras de Tibicuera” de Érico Veríssimo. Este sim, um livro para meninos de 13 anos. Ou, pelo menos, meninos de 13 anos daquela época. Hoje teríamos de rebaixar a idade dos possíveis leitores da obra de Veríssimo em 3 ou 4 anos pois daquele tempo para cá foi criada a categoria de pré-adolescente e os meninos de 11, 12 anos estão obrigados a dar outras respostas ao meio social e, na intimidade, refugiarem-se nos jogos “on line” deixando espessa baba nos teclados dos computadores.
Mas voltando aos meus 13 anos, ou pouco mais. 
Numa noite fria belorizontina descobri Jorge Amado e sua Teresa Batista cansada de guerra. Foi um deslumbramento. A obra de Jorge, (me permito a intimidade com esse brasileiro tão amado) principalmente na fase iniciada por Gabriela, não seria aconselhada para meninos, na concepção que se tinha naqueles tempos, eu discordo. A sensualidade de Gabrielas e Teresas são um estímulo para a sexualidade sem tabus, sem mentirinhas ou frescuras, e a mocidade precisa tanto de sexo quanto de livros.
Sei que a literatura produzida hoje para os pré-adolescentes é de outra índole. Procuram concorrer com os tais joguinhos eletrônicos e muitas vezes apenas acompanham a tendência da sociedade de jogar logo os meninos no mundo chato e competitivo. Tem até literatura “gospel” para essa faixa etária. Doutrinária e careta.
Imagino que deve haver bons escritores produzindo literatura infanto-juvenil, mas a sociedade não anda produzindo bons leitores. São muitos canais de TV, muitos joguinhos, muita internet e face book. E os smartphones que fazem todo o serviço do capeta e cabem no bolso.
No entanto, o mercado editorial anda de vento em popa. Talvez sejam as compras governamentais, talvez uma reação de certa parte da sociedade que já vislumbrou um futuro sinistro sem livros nem conhecimento. Um mundo só de informação mal assimilada, mal digerida, sem elo com o passado, imediatista.
Mas se as massivas compras de livros pelo governo federal mantêm forte e pujante nosso mercado editorial, os preços dos livros não baixam, as bibliotecas não se multiplicam e quando delas se fala é para inserir nas conversas e debates os computadores e toda espécie de digitalização. Pensa-se hoje, numa biblioteca cheia de máquinas conectadas à grande rede. A isso chamam de modernidade, de inserção digital. Mas tem pior.
Depois de dormir “ciência e tecnologia”, Mercadante acordou “educação”. Numa de suas primeiras falas, o Ministro fez  apologia dos “tablets” (há que se escrever assim, em inglês, pois quem traduz o termo para tablete é ridicularizado). Falou na economia que seria feita trocando-se o livro didático de papel pelos “tablets” e mais uma porção de coisas que a noite de sono lhe metera na cabeça.
Não posso aferir se haveria ou não economia do dinheiro público nessa troca do papel pelo digital, mas fica claro que as editoras engordadas com os lucros advindos das compras governamentais, podem se dar ao luxo de lançar boa literatura tanto para os meninos quanto para os adultos. No caso dos “tablets” tenho lá minhas dúvidas se o ganho aferido pela aquisição massiva reverteria para maior número de obras literárias disponíveis nesse formato ou iria se diluir em mais tecnologia inútil e descartável.
O mundo digital torna obsoleto o que ele mesmo produz, em pouquíssimo tempo. Creio que um “tablet” lançado esse ano perderá sua utilidade em menos de 3 anos. Além do mais, qualquer pessoa que tenha em casa um aparelho digital, seja um computador ou um celular, sabe que o troço pifa. Já fico imaginando um “tablet” dentro de uma mochila escolar que está servindo de baliza para a pelada depois da aula. Se é que os meninos ainda jogam peladas depois da aula.





quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O perfeito idiota







O seu filho é chato? Faz piadas explicadinhas? Ri mais dos próprios ditos que os outros? Interrompe a fala de outras pessoas para soltar uma de suas tiradas? Tem uma auto-imagem muito distante da realidade? Ele gosta de dizer palavrinhas e frases em inglês sem nenhuma necessidade? Quando alguém diz algo engraçado ele pede que repita imediatamente? Fala com voz impostada e abatatada? Ele não tem nenhuma cultura e seu português é deplorável? É xenófilo? Enfim, seu filho é um perfeito idiota? Não se preocupe pelo futuro do moleque. Ele pode vir a ser um grande narrador esportivo.
Você acha que exagero? Pois pense. Quais são os mais populares e bem pagos narradores esportivos do Brasil? Sem dúvida Galvão Bueno e Luciano do Valle, certo? E você conhece gente mais idiota que esses dois? Duvido.
O cume da carreira de narrador esportivo está diretamente ligado ao grau de idiotice. Não que o modesto locutor de uma rádio interiorana seja quase um intelectual. Não. Sob o deslumbramento de ver o próprio nome citado e escrito é que se revela o perfeito idiota e futuro dono das tardes e noites esportivas. Dê-lhe luz e ele lhe dará mostras da mais perfeita cretinice, da mais crassa imbecilidade, da mais profunda idiotice.
Não sei como é feita a escolha dos narradores pelas emissoras de TV e rádio, fica patente que não é pela beleza da voz. Alguns são fanhos, outros rouquenhos, e há até os que falam fino. Mas histérico tem de ser. Seu grito de gol deve ser longo e de um arrebatamento muito superior ao do mais fanático torcedor e mesmo ao do autor do tento. Sua narração de Barueri X Bragantino deve ser frenética.
Mas deve haver algo científico na escolha daqueles que durante anos e anos nos farão desligar o som da TV antes que venha o desejo de quebrá-la.
Talvez sejam feitos exames médicos que detectem alguma pré-disposição genética, alguma enzima, talvez uma célula mutante. Não sei. Quem sabe, uma simples entrevista seja capaz de mostrar o grau de estupidez e apontar assim o melhor candidato à vaga de narrador esportivo.
Imagino um questionário de avaliação que perguntasse sobre gostos e preferências: “Qual sua música preferida”? _”I just fuck a lady do Kick my ass que tem como baterista o Tony Cock que foi do Black pussy e depois do Masturbacion please”. Um ponto pro candidato. O perfeito idiota nunca cita canções ou músicos brasileiros e tende a mostrar vasto conhecimento em fichas técnicas de discos estrangeiros.
Segunda pergunta. “Qual é o seu time de coração”?. _”A Lazio” Mais um ponto. O perfeito idiota, embora seja brasileiro, sempre torce por um time estrangeiro cuja torcida jamais deixaria que ele ocupasse um lugar no estádio por ser racista e xenófoba.
Mais uma questão. “Quem é seu ídolo no esporte”?  _”Airton Senna”. Mais um ponto. Um perfeito idiota sempre cita outro.
Seguindo. “Qual é a sua melhor lembrança da infância”? _”O show da Xuxa”. Ponto. “Qual seu livro favorito”: _”Memórias de um mago, do Paulo Coelho”. Ponto. “Uma qualidade”? _”A fé”? “Um defeito”? _”A falta de fé” “Uma frase” _Diga-me com quem andas e eu te direi quem és”. Ponto, ponto, ponto.
Não tem pra ninguém. O perfeito idiota já está empregado. Estréia na cobertura dos Jogos Olímpicos narrando a prova de equitação. Ele nada sabe de equitação? E daí? Quem assiste provas de equitação ou é um burguês que tem fumos de aristocrata ou um perfeito idiota. O que dá no mesmo.