quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

A carta de Ary Fontoura



O ator Ary Fontoura publicou uma carta na qual pedia a renúncia da Presidenta Dilma. Pelo menos isso foi o que pensou a maioria dos usuários das redes sociais. Sim, pois esses usuários jamais lêem qualquer texto na íntegra, apenas as chamadas, as primeiras linhas ou o título das matérias publicadas. E daí saem tecendo comentários e, pelo geral, ofendendo quem teve a ousadia de publicar algo fora da visão em branco e preto tão comum nesses dias interessantes que vivemos.
Quem leu a carta até o fim, soube que o que quer o ator é que Dilma renuncie a certas práticas. Pede Ary Fontoura que a Presidenta renuncie à corrupção, aos corruptos, aos corrompidos etc.
Eu tenho muita simpatia por Ary Fontoura e de seus trabalhos na televisão eu sempre gostei. Desde o hippie que queimava as ervas daninhas na novela “O cafona”. E depois em “Saramandaia” quando fazia um tímido e melancólico lobisomem contracenando com a linda e inesquecível Dina Sfat.
Uma vez o vi. Foi no cinema Roxy, em Copacabana. Estavam passando “O último tango em Paris” que depois de anos fora liberado pela censura. Chovia (eu ia escrever que chovia a cântaros, mas na dúvida se ponho crase ou não, digo que chovia muito e pronto). Chovia muito naquela noite e no foyer do cinema, Ary Fontoura levava um guarda-chuva.
Não me lembro de entrevistas do ator. Tampouco tenho na memória qualquer manifestação de cunho político feita por ele.
Como qualquer cidadão ele agora resolveu se manifestar e o fez através de carta pública. A manifestação, dentro do melhor espírito democrático, é um direito seu e para não me aborrecer nesse último dia do ano, não li os comentários dos leitores dos diversos sítios onde a carta foi publicada. 
Faço, dentro do mesmo espírito democrático, minhas ressalvas quanto ao que escreveu Ary Fontoura. E só o faço por que em determinado trecho da missiva ele escreveu que falava em nome de 200 milhões de brasileiros.
Eu não espero que Dilma renuncie aos companheiros do passado como quer o ator, pelo contrário, gostaria que ela renunciasse aos novos, essas aves de rapina do oportunismo. Não espero que a Presidenta renuncie ao PT e sim que possa fazê-lo voltar às suas origens. Não acho que Dilma deva renunciar à volta da CPMF, deve sim, penso eu, voltar a cobrar esse que era o único imposto justo do país e deixe de tributar  os produtos da cesta básica e bens relacionados à educação e à cultura.
Tampouco quero que a Presidenta Dilma governe com a oposição como propõe Ary Fontoura. A oposição de esquerda (leia-se Psol), colaborou com o governo quando viu em suas propostas benefícios para a população e votou com o executivo em vários temas. Mas seu papel é se opor às práticas daninhas ao interesse do povo trabalhador.  Quanto à oposição de direita não se pode esperar nada dela, apenas as picuinhas e o jogo sujo do poder a qualquer custo.
Tenho outras objeções ao que escreveu Ary Fontoura, mas não vejo em sua carta outra coisa que não seja o desejo de contribuir com o país e sua governabilidade.
O erro que comete o ator em sua carta é tentar falar em nome de todos num país dividido por classes, raças, credos e visões de mundo.


segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A listinha de Veja



Já sabemos que o que a revista Veja publica tem pouca ou nenhuma credibilidade. Seus colunistas parecem ter saído dos anos 50 com seus delírios anticomunistas, seus editoriais poderiam ter sido escritos por generais de pijama no ócio dos asilos e o tom panfletário de suas notícias não deixa dúvida sobre o direcionamento que se pretende dar aos fatos, sejam eles corriqueiros ou de grande impacto social.
Como é fim de ano, época em que a criatividade jornalística entrega os pontos, Veja publicou sua listinha. Todos publicam listinhas no fim do ano. A de Veja é um “ranking”. Com o nome de “Ranking do Progresso”, a revista listou os senadores e deputados e lhes conferiu notas. O trabalho foi confeccionado pelo Núcleo de Estudos sobre o Congresso do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do estado do Rio de Janeiro. Os critérios para a aferição (não me pergunte quais) são da própria Veja.
Liderando a lista da Câmara Alta, com nota 10, está o senador Eduardo Amorim do PSC de Sergipe. Confesso que nunca ouvi falar do senador sergipano. Apenas sei que seu partido é uma dessas excrescências do nosso quadro político e na última campanha eleitoral comprovou isso. Creio que foi o partido que mais apresentou pastores e bispos de araque como candidatos. Todos com o mesmo discurso moralista, homofóbico e fundamentalista. Se entre os critérios da revista para pontuação estivesse a defesa dos direitos humanos, nenhum político dessa legenda poderia obter a nota máxima. Mas, convenhamos, esse jamais seria um critério adotado por Veja.
 Por outro lado, Cristóvão Buarque do PDT do DF com nota de 0,33 ocupa a 72ª posição. Ora, Buarque é a única figura política que tem como prioridade a educação. Desde as mortes de Darcy Ribeiro e Brizola, sua voz soa solitária no deserto de idéias que é a nossa política partidária. Sua participação na Comissão de Educação do senado é de destaque. Buarque tem planos, projetos e os defende com ardor e inteligência. Sem embargo, só mereceu da revista Veja uma pontuação de aluno relapso e burro. Na avaliação da revista, Buarque fica atrás, por exemplo, de Magno Malta e seus coices e relinchos. A defesa da educação tampouco é critério que Veja usa em suas avaliações de políticos. Disso não há dúvidas.
No sétimo posto do “ranking” encontramos o senador do PDT de Minas Gerais, Zezé Perrela.
O nome de Perrela (dono do helicóptero que transportava 450 quilos de farinha e que foi apreendido pela Polícia Federal numa operação sem nenhum desdobramento) ocupando tão honrosa posição, já seria motivo de sobra para o riso geral e mais uma prova que a Revista Veja não merece nenhum crédito. Nem para fazer listinhas serve.
Mas o que realmente foi motivo de comentários foi a última colocação de Aécio Neves com nota zero. O único senador a não pontuar.
A própria revista tratou de explicar o zero do mineiro, mas não conseguiu convencer nem seus próprios leitores. A revista citou a campanha como motivo da nota. Ora, Lindbergh Farias, também estava em campanha e, no entanto, ficou no segundo posto do “ranking” com nota 9,53.

Agora, cá entre nós, nada seria de estranhar num “ranking” promovido por Veja. O que, sim, causa estranheza é ver e ler muita gente da esquerda usando-o para fustigar Aécio. Ora, Aécio já foi derrotado e não há quem cuide melhor de sua desmoralização política do que ele mesmo. Usar algo publicado por Veja para qualquer fim é pura bobagem. É dar milho a bode.

domingo, 28 de dezembro de 2014

O que abunda e eu não vejo



O texto de Breno Altman no sítio informativo Ópera mundi se intitula “Quando Dilma irá acalmar a esquerda?” E começa assim: “Abundam analistas e protagonistas elogiando as escolhas da presidente para o ministério, as medidas anunciadas nas últimas semanas e o discurso que tem predominado desde a reeleição”.
Já de cara aparece a pergunta que não quer calar: por que alguém iniciaria um texto com um verbo tão sujeito aos trocadilhos bobos e às piadas infames?  Bem, disso trato depois.
O artigo segue fazendo uma afirmação que quer se passar por dúvida ou conjectura: “A idéia-força que atrai estes aplausos é a da pacificação. Seria lance político de brilhantismo um conjunto de concessões destinadas a desarmar o clima de enfrentamento da disputa presidencial”.
Aqui é o verbo ser no condicional o que incomoda. Esse “seria” tem o tilintar de moeda falsa, faz o leitor pensar que está tendo uma opinião, tomando uma posição, que está entre os que acompanham os abundantes analistas e protagonistas. Nesse trecho a vontade é de abandonar a leitura e abrir o Almanaque Capivarol, a folinha Mariana ou algo que faça prognósticos mais seguros. Mas não. Não sou homem de abandonos.
O texto de Altman prossegue num tom de análise ponderada, no mesmo tilintar. Chega mesmo a citar “ferrabrás do ruralismo” sem dar o nome da nova titular da pasta da agricultura. Pudores?
Mas voltemos aos analistas e protagonistas que abundam. Quem serão? Não os tenho lido ou ouvido. Toda notícia que leio e que fala do novo ministério de Dilma reflete a mesma estupefação, a mesma incredulidade quanto ao giro repentino do governo em direção ao que há de mais conservador e reacionário no país
É bem verdade que ando fugindo daqueles colunistas que um dia defenderam a permanência de Sarney na presidência do Senado em nome da governabilidade e que apontavam como golpe de estratégia genial do Presidente Lula a conquista do apoio de Maluf à candidatura de Haddad. Talvez sejam estes os que agora defendem o novo ministério. Mas, convenhamos, não são abundantes como quer Altman.
Sei que Altman não mente, apenas exagera quanto ao número de analistas que acham que o novo ministério é parte de brilhante estratégia política, daí o uso do  verbo que sugere multidões, farturas, profusões. Não me cabe dúvida de que há gente tentando dar nó em pingo d’água para explicar a presença de Kátia Abreu, Kassab, Barbalho e outros bichos no primeiro escalão do governo. Mas daí à abundância de elogios vai uma enorme distância.
A conversa da correlação de forças no congresso e o papo da governabilidade já foram por demais usados. Este discurso, supostamente realista, já encheu pote e moringa, portanto havia que se inventar outro. Agora fala-se de isolar núcleos golpistas e de extrema direita fazendo-se concessões (e que concessões!) às classes dominantes. Esse argumento também consta no artigo de Altman.

Se antes a equação era vencer a direita para fazer o que a direita faria, hoje, a impressão que ficou depois da escolha de parte do novo ministério é que se pretende isolar golpistas governando-se como os golpistas governariam. 

sábado, 27 de dezembro de 2014

Sei lá



Qual o significado da aproximação dos EE.UU e Cuba? _ Não faço a menor idéia. Apenas acompanho atônito o noticiário que fala do acontecimento histórico e acena para, quem sabe talvez um dia, o fim do embargo econômico a Cuba.
O fato do embargo só poder ser levantado pelo congresso americano, de maioria conservadora, só merece um ligeiro comentário em tom menor dos analistas. A intervenção de Sua Santidade, o Papa Francisco, inventor da bondade, fundador da nova igreja católica e defensor dos oprimidos, é o que domina todas as análises do jornalismo ternurinha.
Mas se fico atônito não é pelo restabelecimento das relações diplomáticas e pelo, quem sabe talvez um dia, fim do embargo. O fato é que no mesmo bloco de notícias que fala da ligação telefônica de mais de uma hora entre Obama e Raul Castro, nos contam do endurecimento do embargo imposto à Rússia e das hostilidades de toda ordem com que o governo americano afronta a Venezuela.
Mesmo antes de mostrar qualquer serviço, Obama foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz. Agora, com o gesto de, quem sabe talvez um dia, terminar com o anacrônico embargo econômico imposto a Cuba, já li um editorial que, se não afirmava, pelo menos, insinuava que o havaiano fazia jus ao prêmio. Ou seja: a Academia Sueca tivera a premonição de que daquele mato iria sair coelho.

Vai sair? Sei lá.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Jornalismo? A gente não vê por aqui



Você se lembra do jornalista que cobriu a queda do muro de Berlin para a Globo? Pois é, foi ele, o Big Brother Pedro Bial. Se fôssemos pensar apenas em termos profissionais, poderíamos dizer que o jornalista teve uma queda e tanto. Depois de presenciar e noticiar um dos fatos mais marcantes do século passado, Bial agora apresenta uma das maiores tolices que a TV brasileira já produziu.
Claro, o homem caiu pra cima. Ao abrir mão da carreira jornalística, Bial encheu a burra.  Se a televisão dos Marinho fosse algo sério, certamente ele estaria hoje dirigindo a sucursal da emissora em Nova York ou Londres ou então entrevistando algum líder do Estado Islâmico. Mas não, Bial faz caras e bocas no Big Brother.
Não é caso único. Ana Paula Padrão que deixou a Globo a peso de ouro para ancorar o jornalismo da Record, está apresentando um concurso de cozinheiros no estilo “reality show”.  E seguindo os passos de Marília Gabriela que fez propaganda de empresa de consultoria ou algo que o valha, Fátima Bernardes anda fazendo comercial de perus.
 Raquel Seherazade que, com boa vontade, pode ser chamada de jornalista e outros profissionais do noticiário do SBT levaram, há alguns dias, tortas na cara em um programa popularesco de domingo. E Percival de Souza, uma das maiores nulidades que ostenta carteirinha de jornalista no país, raspou seu bigode ao vivo durante um desses programas.

Enquanto isso, Willian Bonner recebeu o Prêmio Mário Lago. Como puderam fazer tamanha sacanagem com a memória do velho?

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Era só uma piada, Sheherazade


O nome do programa é: ”Sensacionalista, um jornal isento de verdade” e mesmo que o humorístico esteja já aí, no nome, há gente que crê tratar-se de um noticioso de verdade. Os esquetes do programa que aparecem compartilhados nas redes sociais merecem os comentários mais indignados e iracundos. O pessoal do “bandido bom é bandido morto” é o que mais opina para pedir intervenção militar, pena de morte e esterilização dos pobres a cada reportagem do Sensacionalista. Bem que, verdade seja dita, pra esses fãs do Bolsonaro e do Malafaia, até um desenho animado da Disney ou um episódio do Chaves merece o mesmo tipo de comentário.
Mas o que pode parecer apenas falta de neurônios e de senso de humor, tem explicação melhor. O fato é que fica fácil confundir um programa humorístico em forma de telejornal com os telejornais.
Se no Sensacionalista o desempenho dos apresentadores poderia denunciar o caráter cômico do negócio, o costume dos telespectadores  com o histrionismo, as caras de circunstância e a falsa indignação dos telejornais “sérios”, faz com que ele creia estar diante de mais um noticiário de TV. Mas tem pior.
Para embaralhar tudo, dessa vez foi uma profissional da imprensa que não soube diferenciar notícia de humor. E não poderia ser outra (na verdade poderia ser outra sim) senão Raquel Sheherazade a musa dos linchadores.
Todos sabemos que a moça não brilha pelo intelecto. Seu negócio são uns chiliques e comentários de cunho conservador e popularesco. Os chiliques são (mal) interpretados, mas os comentários parecem sairem-lhe d’alma, como diria o poeta.
Proibida pelo patrão de falar bobagens diante das câmeras, Sheherazade tem usado a internet para tal fim e ontem, para defender Jair Bolsonaro, seu ídolo e mentor intelectual, que agrediu a deputada Maria do Rosário com sua torpeza e boçalidade habitual, Sheherazade fez o que todos os que defendem o indefensável fazem: tentou desqualificar a vítima. Acontece que para isso a jornalista publicou como verdadeira uma notícia do blog “Joselito Müller, jornalismo destemido”. Ora, esse também é um blog de humor que brinca publicando as notícias mais estapafúrdias.

Ainda que no blog haja manchetes que dizem que o governo vai estatizar o Rivotril e que Mikail Gorbachov foi preso por fazer perestróika em público, Sheherazade não percebeu que se tratava de comicidade e reproduziu a nota que atribuía a Maria do Rosário a frase: “Quem cometer um crime contra um gay, merece a pena de morte.”. Sheherazade ainda comentou: “Mais uma vez Rosário falou sem pensar.” O mais engraçado é como termina a notícia que Sheherazade acreditou ser verdadeira. Joselito Müller conta que para fugir do assédio dos jornalistas, Maria do Rosário fingiu atender uma chamada no celular e só mais tarde percebeu que estava falando no controle remoto. Só Sheherazade (só ela não) para acreditar nisso.

domingo, 7 de dezembro de 2014

O padre negro



O padre Wilson é negro e por insistência dos fiéis foi afastado de sua paróquia. Os fiéis de Adamantina (SP) escreveram para o bispo reclamando do jeito simples do padre (quanta sutileza) e do fato dele estar atraindo pessoas pobres e viciados em drogas para a igreja. Claro que o preconceito não era “apenas” contra os pobres e supostos viciados. O próprio padre ouviu uma conversa entre duas senhoras freqüentadoras de sua igreja em que uma delas dizia que se deveria retirar o galo de cima da igreja e lá botar um urubu.  
O bispo, mais que depressa, afastou padre Wilson de suas funções, mas disse que ele não foi afastado por ser negro e sim por estar dividindo os fiéis. Entendeu? Alguns paroquianos não gostaram de ter um padre negro dirigindo os serviços religiosos, certamente havia fiéis que não se importavam com a cor do padre. Daí a divisão do rebanho. A culpa é do padre e de sua cor que não produziram a unanimidade dos católicos de Adamantina. Não é um espetáculo de dialética?
Nas caixas de comentários dos sítios informativos que publicaram a notícia, os leitores mostraram indignação. Pelo menos nesse episódio não encontrei quem defendesse a atitude dos católicos de Adamantina. O teor dos comentários pouco variava. Neles lia-se que tal atitude não é própria de um cristão. Citou-se Jesus e Francisco. Falou-se de amor ao próximo.
Bem intencionados, os leitores comentadores não viram o óbvio: a igreja católica sempre foi racista. E não só a católica. Os cristãos protestantes também. A escravidão era apoiada por essas igrejas. No Brasil a igreja católica era proprietária de incontáveis escravos que labutavam em suas ricas e produtivas terras. Os cristãos nunca viram o negro, o índio, o judeu, o asiático ou o árabe como iguais. Convertidos, continuavam sendo tratados como inferiores a quem a igreja concedera a graça da salvação e o epíteto de cristão novo. Nada mais.
O colonialismo, o genocídio de povos não cristãos ao redor do mundo, o holocausto nazista, nada disso recebeu reproches dos cristãos.
A bíblia está repleta de senhores de escravos queridinhos de Deus. Vários povos e mesmo tribos judaicas foram retratados nas escrituras com o mais deslavado racismo. O verdadeiro cristão tem motivos de sobra para ser racista.
Talvez, o único erro de Padre Wilson seja o de ter abraçado a fé cristã. Ele, como descendente de pessoas que foram escravizadas, deveria ter se dado conta que não se pode confiar numa crença que sempre apoiou a escravidão, que sempre praticou todas as discriminações.




sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O grande homem, as grandes frases



Minha ignorância é vasta e profunda. E não só quanto a fatos e especificidades. Há pessoas importantes que desconheço até que seu necrológio ganhe manchetes e páginas inteiras em jornais e revistas. É só na homenagem póstuma que tomo conhecimento de vultos e mártires; de gênios e santos.
Há pouco tempo, começou a aparecer no facebook o rosto de um cara encimando frases, grandes frases, bem ao gosto dos usuários das redes sociais. Em muitas dessas frases e parágrafos eu via o que quase sempre vejo nas grandes frases dos grandes homens: o gosto pela grandiloqüência e a profundidade de um pires.
Mas vendo aquele rosto que me freqüentava quase que diariamente na rede social, me lembrei: eu o havia visto antes num programa exibido na TV pública. Na verdade assisti trechos do programa duas ou três vezes.
Eu gosto muito de ouvir pessoas falando de suas vidas, principalmente quando são pessoas velhas, mas nesse caso só o tédio da programação comercial me fez ouvir o relato do homem. O caso é que o cara era um chato de galochas e suspensórios. Sem ter idéia de quem se tratava, antipatizei com o sujeito
Ao enfadonho de suas narrativas ele juntava a auto mitificação tão própria aos burgueses que querem ocultar suas vidinhas acomodadas e mansas. Contou de sua sofrida infância como estudante do Colégio Andrews, segundo ele mesmo, um dos mais caros do Rio naquela época. Antes falara da extrema pobreza em que vivera poucos anos antes e relembrou a casa de fazenda com ratos caminhando pelas vigas. O relato não colava, não era verossímil. Num espaço de poucos anos a abastança da família fazendeira, a casa com ratos e o colégio Andrews.
Em outro trecho da longa entrevista ele falou de nosso conterrâneo (mais dele do que meu, pois ambos são da mesma cidade: Boa Esperança), Nelson Freire, que conheceu menino. E manda a grande frase que sempre se espera do grande homem: “Ele tem veludo nos dedos, outros têm martelos, ele tem veludo”. Ora, dizer que um pianista tem veludo nos dedos deve ser o maior clichê do mundo da música. Mas não ficou nisso.
Colocando um CD do pianista para tocar, o grande homem semicerrou os olhos em pose de deleite e circunspecção. Fiquei imaginando o constrangimento do entrevistador, do "câmera" e do iluminador naquele instante infindável.

Pouco tempo depois das frases no facebook e do programa de TV, o grande homem morreu. Dele muito se falou desde então. Todos (menos eu) o conheciam e enalteceram seu aporte à educação e várias outras áreas, pois o grande homem era educador, psicanalista, teólogo, doutor em filosofia (Ph.D) e escritor. O grande homem, desconhecido para mim, era Rubem Alves, o chato mais incensado dos últimos tempos.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Mora na filosofia



Sob o título “Ecos do rancor, herança do ódio” o colunista Carlos Brickmann, do Observatório da imprensa, comenta o tema dos ódios que emanaram na última eleição. Para além da fronteira política foram cometidas todas as atrocidades em nome da disputa eleitoral. Brickmann, em poucas linhas, faz uma crítica das mais sérias e necessárias. Mas não é disso que quero falar.
Depois de seu arrazoado sobre os rancores e ódios, Brickmann tráz umas “curtinhas” com muito humor. Entre outras coisas, Brickmann dá uma alfinetada numa grande revista, segundo ele, muito orgulhosa da qualidade de seu texto e que, no entanto, mandou esta: “As startups são o seguimento de maior apelo entre os jovens”. Brickmann corrige o erro comum de confundir-se seguimento (do verbo seguir) e segmento (parcela, fração), mas nada diz das “startups”. Nem ele nem meu corretor de texto. Ou melhor: meu corretor quer que startups seja masculino numa frase e deixa que seja feminino na outra. Mas não sublinha o termo em vermelho como faz até com o nome de Monsueto. Meu corretor de texto não morou na filosofia e não tem idéia de quem foi Monsueto, mas aceita startup como se fosse vernáculo.
Se você pensa que vou discordar da revista quanto a avaliação que faz do apelo das startups entre os jovens, você está profundamente enganada.E não discordo por uma simples razão: não faço a menor idéia do que seja uma (ou um) startup. Tampouco espere que eu vá pro Google pesquisar do que se trata. Não. Essa minha ignorância eu quero intacta. Me recuso terminantemente a saber o que é uma startup com problemas de gênero. Não vou sucumbir a essa esculhambação (meu zeloso corretor me aconselha a não usar esculhambação. Ele prefere desordens, desmoralizações) do idioma. Continuarei a cometer erros em português. Prefiro confundir segmento com seguimento do que chafurdar nos estrangeirismos condenados pela gramática e pelo bom senso. Pois disso se trata: bom senso.
Morou?



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Manual do Manuel: Amélia

Manual do Manuel: Amélia: Outro dia, li que alguém (não me pergunte quem, pois já esqueci o nome) gravou uma música muito tola e machista. Parece que esse alguém...

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Amélia



Outro dia, li que alguém (não me pergunte quem, pois já esqueci o nome) gravou uma música muito tola e machista. Parece que esse alguém tem algum prestígio, tanto que sua suposta tolice repercutiu nas redes sociais com gente acusando e gente defendendo o autor da “obra”.
Entre os que polemizavam surgiu o exemplo de “Amélia”. Fez-se a comparação entre a música em questão com a obra imortal de Ataulfo Alves e Mário Lago. Nesse ponto todos concordavam que Amélia era um símbolo de composição machista, ainda que uns dissessem que não se podia comparar o nível de consciência de hoje com o do tempo de Ataulfo. Nesse caso, e em muitos outros, esquece-se que o cantor ou compositor não é o letrista e, para o bem e para o mal, Ataulfo leva as críticas que deveriam ser dirigidas a Mário Lago, o autor da letra.
 Eu escuto “Amélia” desde criança e na idade adulta, quando entrei em contato com as questões de gênero, sempre ouvi e li que esta composição era machista. O problema é que não encontro o tal machismo na letra da música. Talvez você possa me ajudar afinal, se todos vêem machismo na letra e eu não, o errado devo ser eu. Aí vão os versos:

“Nunca vi fazer tanta exigência
Nem fazer o que você me faz
Você não sabe o que é consciência
Não vê que eu sou um pobre rapaz”

Até aqui não consegui ver machismo algum. São queixas de amor que  poderiam vir na voz feminina. Talvez na segunda estrofe...

“Você só pensa em luxo e riqueza
Tudo o que vê, você quer
Ai meu Deus que saudade da Amélia
Aquilo sim é que era mulher”

Nesses dias interessantes em que vivemos, quando “Sex and the city” é tida como uma série feminista e comprar muitos pares de sapatos, um ato libertário, esses versos devem mesmo incomodar. Mas ainda assim eu não vejo sequer um lampejo de machismo. Sigamos:

“As vezes passava fome ao meu lado
E achava bonito não ter o que comer
E quando me via contrariado dizia
Meu filho o que se há de fazer”

Aqui encontramos uma Amélia romântica, conformada com a pobreza ou estóica, mas nem de longe me parece uma vítima do machismo. E conclui Mário Lago num saudoso elogio à Amélia:

“Amélia não tinha a menor vaidade
Amélia é que era mulher de verdade”

Bem, eu sou do tempo em que as feministas também se recusavam a adotar vaidades fabricadas pelo mercado da beleza e outras que tais.  Amélia me parece mais com uma mulher dos anos 70 do que a mulher submissa, como querem pintá-la.
Se você puder apontar onde está o machismo nessa letra, por favor, não deixe de escreve-me.


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Kátia Abreu, o retrocesso que não se imaginava



Havia uma discussão no Senado sobre a lei que trata do trabalho escravo. Ela ocupou a tribuna e, com argumentos que por pudor não vou tentar reproduzir, procurou de todas as formas desqualificar outros parlamentares, organizações da sociedade civil, organismos internacionais e qualquer um que não fosse latifundiário. Deixou claro que se não há grilhões, chibatas e pelourinhos, não há trabalho escravo.
Em outro momento, escrevendo para a Folha de São Paulo, resolveu dar lições de antropologia e mais uma vez desmereceu o trabalho de todos aqueles que não se dispõem a exterminar os índios e tomar suas terras. Os argumentos que usou para sustentar sua tese também não merecem ser repetidos.
Agora, essa senhora está com um pé no Ministério da Agricultura. Se ela fosse convidada para o cargo por um governo encabeçado pelo PP ou pelo DEM seria coerente. Se ela formasse parte de um governo do Aécio ou do Picolé de Chuchu tampouco causaria espanto. Mas não, dona Kátia Abreu será ministra da agricultura de um governo comandado pelo Partido dos Trabalhadores.
Como pode ser que uma pessoa que faz de tudo para que o trabalho escravo não seja combatido no país se torne ministra de um governo minimamente democrático, minimamente decente?
Como é possível que uma pessoa que defende as teses mais esdrúxulas, quando trata da questão indígena, possa fazer parte de um governo que se diz progressista?
Mas, verdade seja dita, o nome da Miss Motosserra já havia sido ventilado meses atrás, quando se cogitou de uma reforma ministerial. Vários ministros estavam deixando suas pastas para disputar cargos eletivos e para substituir o titular da agricultura apareceu o nome da latifundiária.
Parecia um balão de ensaio, uma sondagem para avaliar reações. Hoje, podemos perceber que a escolha de Kátia Abreu para a pasta da agricultura já estava resolvida, esperando apenas a vitória nas urnas para que fosse efetivada. Foi uma traição do PT. aos seus militantes e eleitores. Mais uma.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A universidade pública e o povo


A hostilidade dos médicos brasileiros para com seus colegas cubanos mostrou, entre outras coisas, o conceito que se tem no país sobre as universidades públicas.
Do argumento pífio da qualificação “duvidosa” dos médicos de Cuba, facilmente desmentida pela avaliação que faz a OMS da medicina daquele país, os ressentidos médicos brasileiros passaram a ser defensores dos profissionais cubanos argumentando que recebiam salários ínfimos ficando o governo cubano com a maior parte da remuneração paga pelo governo brasileiro. Falou-se até de trabalho escravo.
Claro, os médicos brasileiros, em sua grande maioria, jamais vão entender que têm uma dívida para com a sociedade que os formou. Nem médicos nem outras categorias profissionais formados nas universidades públicas. Obviamente que não são todos os detentores de diplomas universitários que fazem de sua habilitação profissional uma mercadoria. Há quem contribua muito com o país e com a população. Mas justamente os que representam essas profissões, através dos conselhos, sindicatos e outras entidades corporativas, são os que mais demonstram desprezo às pessoas e à sociedade.
Um cidadão cubano sabe o quanto custou sua formação. Sabe que deve prestar serviços para a sociedade que financiou seus estudos. Mesmo que esses serviços sejam fora de seu país se o governo, que é quem gere as universidades, assim determinar. O brasileiro não. O estudante universitário brasileiro pensa que tudo é fruto de seu esforço pessoal e assim sendo ele tem o direito de fazer o que bem entende depois de formado.
Diferentemente dos estadunidenses que bancam sua formação universitária, dentro do espírito do capitalismo, sendo, portanto, donos de seu cabedal de conhecimentos, os brasileiros crêem que têm o direito de freqüentar as universidades pagas por todos e depois levar os conhecimentos adquiridos a qualquer parte ou vendê-los por preços inacessíveis aos que contribuíram com sua qualificação.
Será justo que os impostos de todos financiem a realização individual de alguns sem nenhuma contrapartida social?
Será justo que todos paguem para que pessoas situadas no topo de pirâmide social estudem de graça?
Um levantamento feito na USP pela Fundação Getúlio Vargas apontou que mais de 50% dos calouros de 2014 pertencem ao grupo dos 20% mais ricos da população. Entre os outros 50% tampouco vamos encontrar pobres. Talvez uma ínfima minoria. 
Será justo que os ricos e remediados ocupem as vagas das universidades públicas e que os pobres tenham que pagar pelos seus estudos?

Eu acho que não. Penso que universidade pública e gratúita deve ser para quem é oriundo da escola pública e gratúita. Se esse não é o critério justo, que se adote outro, mas algum critério deve haver. 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O show da USP



Uma vez, fui assistir a um espetáculo no teatro Marília, em Belo Horizonte. Era uma encenação dos alunos de medicina da UFMG que encerravam festivamente o ano letivo. Havia números musicais e esquetes cômicos. Isso foi em 75 ou76 e a ditadura comia solta, mas os meninos da medicina não se intimidavam e desancavam o regime com a única ferramenta de que dispunham: o humor. Era uma coisa meio clandestina, pois naquela época todo espetáculo, mesmo sendo amador, tinha de passar pela censura. Obviamente aqueles textos não tinham o aval dos censores.
Pra quem não viveu aqueles tempos, deve ser difícil imaginar o quanto era importante poder rir da ditadura e de seus sequazes num espaço público, compartindo com outros o sentimento de estar do lado certo. Era uma válvula de escape. Um respiro em meio à asfixia que o regime impunha.
Ontem li no portal Geledés um artigo sobre uma encenação dos alunos de medicina da USP. Pois é, a USP, aquela universidade que está nas manchetes por casos de estupro, assédio e outros que tais.
Era uma festividade de encerramento de ano tal qual a que assisti em meados dos 70, em Belo Horizonte. Com uma grande diferença: o alvo da comicidade não era um regime ditatorial e opressor. Eram as mulheres que, depois de um caso de abuso ocorrido na faculdade, formaram um coletivo feminista. Os pacientes pobres do Hospital Universitário, onde os alunos do curso de medicina atendem, também eram alvo de chacota. Tampouco eram poupados ex-integrantes da instituição que testemunharam os abusos que sofreram.
Também diferentemente daquele que assisti, o espetáculo da USP não era aberto ao público. Era coisa só para alunos e familiares. Claro.

Será que os filhos das elites que estudam nas universidades públicas, que nós pagamos, só se tornam decentes durante ditaduras?

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Os escoteiros e o cheiro de golpe



No sábado, 15 de novembro, fui ao supermercado e trago más notícias: a batata está cara, a beterraba está cara e a cenoura está caríssima. Tinha uma oferta de peito de frango e o leite baixou de preço. Não ficou barato, baixou de preço. Comprei o que deu pra comprar.
À porta do mercado, enquanto arrumava as sacolas no bagageiro da bicicleta, comecei a escutar o som de bumbos. Não era um bumbum praticubum prugurundum, eram bumbos marciais, chatos e agourentos.
Na minha cidade faz-se o desfile de 7 de setembro com os meninos das escolas e a Polícia Militar e nada mais. Nunca havia visto os munícipes daqui comemorarem a data da Proclamação da República. Tampouco, quando me virei na direção do som dos bumbos, vi as camisas vermelhas ou brancas dos estudantes. Os que marchavam tinham camisas pardas, mas as calças eram de outra cor. Não eram os policiais militares. Tremi. Camisas pardas em desfile nessa época de golpismo explícito me fez pensar no pior.
Tomei a magrela e fui ver de perto. Eram os escoteiros. Não só os da cidade, era uma porrada de escoteiros marchando com bandeiras e muitas coisinhas penduradas nas camisas pardas. Marchavam fazendo coreografias num vai e vem sem sentido. Houve quem aplaudisse. Muitos filmavam com seus celulares. Viam-se também outros grupos com camisas de outras cores e mais medalhinhas e adereços pendurados. Um deles, homem feito, comandava o trânsito como se tivesse autoridade para isso. Os motoristas atendiam aos sinais do homem de roupinha esquisita. Não respeitam as faixas amarelas que delimitam as vagas de estacionamento nem a ciclovia nem as calçadas, mas respeitavam os sinais do homem vestido de guri.
Não carrego medos ou traumas da infância. Como diria o poeta, "o medo em minha vida nasceu muito depois." Hoje eu tenho medos. Tenho medo, por exemplo, dos escoteiros. Do que eles representam. De sua visão de sociedade. Seu lema, “Sempre alerta” me faz lembrar outro: “O preço da liberdade é a eterna vigilância” tão usado entre nós por aqueles que destruíram as liberdades nos anos de chumbo.
Na infância eu quis ser escoteiro. Alguns meninos do bairro eram. Os pequenos que ingressam no escotismo são chamados de “lobinhos” e as garotas são chamadas de “bandeirantes”. Nem os pequenos nem as meninas merecem o nome de escoteiro. Eu era pequeno, assim que o que eu queria ser era lobinho. O problema era o preço do uniforme. Caríssimo. E havia outras despesas. Não era pro meu bico.
Mais tarde li alguma coisa sobre Baden-Powell, o fundador daquela organização e lá se foi minha frustração por não ter sido escoteiro.
Baden-Powell, que foi oficial do exército colonialista inglês, participou junto a Cecil Rhodes das campanhas genocidas na África do Sul. Ajudou a destruir nações inteiras. Tudo por um diamante, por milhares deles. A empresa de Rhodes chegou a deter 90% do comércio mundial de diamantes.
Numa dessas empreitadas genocidas foi usada pela primeira vez na história, a metralhadora. Mais tarde, Rhodes, racista convicto, fundou a Rhodésia, a partir de uma concessão de exploração de diamantes, nos mesmos moldes segregacionistas da África do Sul tendo Baden-Powell a seu lado. 
Hoje, os discípulos de Baden-Powell já não descriminam por raça, ou pelo menos isso me pareceu ao assistir o desfile dos escoteiros no dia da Proclamação da República, mas ainda não aceitam gays nem ateus em seus quadros e, até onde sei, as meninas continuam não merecendo o nome de escoteiras
Os escoteiros me dão medo.



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Os neo petistas



Faz uns vinte anos, pouco mais ou pouco menos, eu estava sentado nesse mesmo lugar em que me encontro agora, mas onde está o computador havia um rádio. O assunto que mobilizava os meios de desinformação era o processo de privatização das estatais.
Para Lilian Fritebife, que na época comandava um dos telejornais da emissora dos Marinho e opinava nas rádios e jornais do grupo, tudo estava indo muito devagar e tecia os maiores elogios à Argentina que, sob a batuta de Menen, tocava a venda de suas empresas públicas como quem vendesse bananas em fim de feira.
Nesse dia de que falo, outro defensor da entrega de empresas lucrativas ao capital privado esgrimia seus argumentos numa rádio paulista. Dizia o homem que, depois de privatizadas, bastaria ao governo retomar o controle das empresas que não estivessem cumprindo com os compromissos assumidos e com seu papel social. O argumento me parecia de uma ingenuidade tão absurda que me levava a pensar em má fé. Somente alguém que ignorasse nossa legislação (feita pelos poderosos para os poderosos) e nosso sistema judiciário (que só garante o interesse dos poderosos) poderia dizer uma coisa dessas.  Esse comentarista era o Luis Nassif.
Hoje, Nassif é um dos que defendem o governo em qualquer terreno. Na época de FHC ele via o PT, que lutou contra as descabidas privatizações de empresas sólidas e lucrativas, como agente do atraso, como um empecilho para o progresso e a modernidade. Parece que mudou de idéia.
Bem, só muda de idéia quem as tem, mas um formador de opinião deveria, ao menos, explicar os motivos de tal mudança. Numa coisa Nassif continua igual: defende o indefensável. Tanto no caso das privatizações como nos escândalos do atual governo, sua postura é ignorar os fatos e defender o poder com pífios argumentos.
Mas, verdade seja dita, eu simpatizava com o Nassif. O cara toca bandolim, toca chorinho. O mesmo não posso dizer de Paulo Henrique Amorim. Nunca o suportei. Desde os tempos em que prestava seus serviços às empresas dos Marinho.
Depois ele foi pra emissora do bispo de araque. Duas reportagens que ele fez naquele programa de domingo, cópia do Fantástico, eu assisti. Numa dessas lamentáveis matérias, estava Amorim, o bispo e a senhora bispa no interior de um carro guiado pelo motorista de sua excelência reverendíssima. Era uma reportagem desagravo, pois naqueles dias se cumpria não sei quantos anos da “injusta” prisão de Macedo. O carro passava por lugares que faziam recordar o funesto episódio. Amorim, com sua irritante voz anasalada, secundava o chororô do “injustiçado” numa plácida indignação cristã.
Numa outra reportagem eram mostrados jovens americanos que haviam feito voto de virgindade. Amorim narrava a beleza daquilo. A reportagem, além do moralismo explícito, apontava a abstinência sexual como a forma mais eficaz de combate às doenças venéreas e à gravidez precoce. Uma típica idiotice de puritanos. Amorim dava seu aval.
Hoje, ele é um dos que aplaudem até desastre de trem se o trem for do Governo Federal. Foi ele quem criou a expressão PIG para designar a imprensa de direita. Talvez esta tenha sido sua maior contribuição jornalística.
 Nassif e Amorim provam que nosso jornalismo é ruim dos dois lados do balcão.


sábado, 15 de novembro de 2014

A indignação seletiva



Qual a diferença entre a corrupção nos governos do PT e a corrupção havida em governos anteriores? Me parece que nenhuma. Muitos dos malfeitos, inclusive, vêm do passado, mudando apenas os titulares dos ministérios, das estatais, das autarquias. Os corruptores são os mesmos, com pequenas variações. Para usar a linguagem dos comentadores e palpiteiros de agora, pode-se dizer que novos “players” aparecem para substituir alguns que já não podem pôr a cara. Também na corrupção, não há vácuo.
Mesmo o mensalão, o caso mais rumoroso de corrupção, ainda que menos danoso aos cofres públicos que outros, não foi criação do PT. Seu operador, Marcus Valério, já havia prestado seus serviços ao governo tucano de Minas e como mostraram suas sucessivas prisões enquanto a ação 470 era julgada, continuava pondo seu esquema em funcionamento para quem se interessasse.
A corrupção seria o calcanhar de Aquiles das administrações petistas. Pelo menos na ótica seletiva da oposição de direita. Fora isso, só as bobagens bolsonarescas que pululam nas redes sociais como as referências ao porto de Muriel, bolivarianismo  e outras patacoadas.
 A direita não pode criticar o pouco caso do governo com relação aos índios, quilombolas, “deslocados” para construção de represas e outras minorias sem voz. Isso a direita aprova com um cínico silêncio. Isso a direita fez também. Então ela se agarra à corrupção como se nos governos anteriores ela não tivesse existido. Apostam na pouca idade de uns e na burrice de outros para entoar a cantilena enfadonha. E tem gente que vai atrás.
Claro, isso que vai escrito não é mais que um exercício de ingenuidade. O que a oposição de direita e quem nela finge acreditar odeiam no PT não é a corrupção, não é o financiamento do Porto de Muriel, não é a política externa de Lula e Dilma, não é o “bolivarianismo”.  O que essa gente odeia são os pobres. A relação estreita entre os governos do PT e as classes desfavorecidas.
A indignação seletiva no caso da corrupção é uma mera fachada de ódio aos que recebem o Bolsa Família, às cotas nas universidades, ao acesso de pessoas pobres aos bens de consumo e à cultura.
O que quer a classe média indignada não é a moralização da coisa pública. Querem empregadas domésticas sem direitos nem opções de trabalho. Querem porteiros submissos e sem instrução. Querem exclusividade nos seus antros de consumo. Querem que uma viagem de avião lhes confira status social e uma ida ao Municipal, ares de refinamento.


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Existe algo pior que o 7 X 1? Sim, Dunga



O  jogo foi no Rio. Dunga, era o técnico do Inter. O adversário, se não me engano, o Botafogo. Por achar que o gandula estava retendo a bola, Dunga partiu pra cima do rapaz e quase o agrediu. Empurrou, xingou, tomou-lhe a bola das mãos.
Dias depois, no Redação Sportv, um convidado, que pelo que entendi era um comediante da Globo, disse que Dunga deveria ser banido do futebol. O comediante falava sério e não se referia apenas ao episódio do gandula. Era o conjunto da obra.
Dunga, o único capitão da Seleção que xingou a taça ao recebê-la, sempre se mostrou um grosso, um sujeito intratável e burro. Não pude mais que concordar com o comediante. A ausência de Dunga dos gramados seria um acréscimo ao futebol.
Durante sua primeira passagem pela Seleção Brasileira como técnico, os atritos com a imprensa foram quase diários. Dunga destratou, ofendeu, tentou fazer ironias e chacotas. Claro que a culpa não era dele. Culpados foram os que o chamaram para dirigir a Seleção. O sujeito não havia dirigido nem time de botão e recebeu o cargo mais importante do país, depois da Presidência da República, sem que ninguém entendesse o motivo. Já tínhamos a experiência de contratar um neófito para o cargo, mas nem mesmo o fracasso de Falcão serviu para que os dirigentes tomassem juízo com relação à escolha do técnico da Seleção.
Agora o temos de volta depois de fracassar na Copa de 2010 e no Internacional de Porto Alegre.
A seu favor havia um fato: Dunga, apesar da burrice congênita e patológica, consegue aprender algo. Assim foi como jogador. Quem o viu no Inter e no Vasco dando botinadas  e carrinhos, jamais poderia supor que ele se tornaria o jogador útil que foi na conquista de 94. Como técnico ele aprendeu a falar “conosco” substituindo o “com nós” de suas primeiras aparições e entrevistas. Já era alguma coisa.
Mas mal começou seu novo trabalho, vimos que Dunga pouco ou nada aprendeu alem do uso do pronome. No amistoso contra a Colômbia, o vimos com cara de ódio esbravejando por causa de uma suposta falta não marcada. O olhar rútilo, a boca trêmula a expelir os perdigotos de uma injustificável indignação. E  veio o jogo contra a Argentina. Os gestos que dirigiu para o banco dos rivais, já nos acréscimos ao tempo regulamentar, mostraram mais que um espírito tacanho e um homem mal educado, mostraram um descontrolado, um energúmeno que jamais entenderá a grandeza da Seleção.
Além do conhecimento de futebol, que obviamente ele não tem, o cargo de técnico da seleção exige postura, conduta adequada e um mínimo de educação. Dunga não tem nada disso. Depois do episódio no amistoso contra a seleção argentina, Dunga, provou que o comediante da Globo tinha razão.


terça-feira, 11 de novembro de 2014

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?



Agora ninguém mais assiste televisão quieto. Todos os programas informativos têm seus canais de comunicação com os telespectadores e estes não dão sossego. Basta uma frase, meia frase e os dedos nervosos começam a digitar para comentar aquilo que nem escutaram. Refletir ficou totalmente fora de moda. O negócio é interagir.  Nos programas esportivos esse hábito chega ao paroxismo. Os jornalistas passam grande parte de seu tempo repetindo coisas que foram mal interpretadas por idiotas patológicos hiper interativos.
Bem que outro dia um desses chatos falando sobre a paixão pelo futebol, fez uma comparação desta com a paixão pela mulher. O comentário do apresentador foi óbvio.  Disse o moço que o mundo está cheio de casais divorciados, mas ninguém se divorcia do seu time. Claro, isso só vale para quem tem time de verdade e não para os neo-torcedores brasileiros que deram para inventar paixões pelo Barcelona, pelo Real Madrid, pelo Manchester, pelo Arsenal. Nesses casos o divórcio não é apenas uma possibilidade, como no casamento, é algo tão certo como é certo que o futebol é cíclico e quem está lá em cima vai estar por baixo algum tempo depois.
Essas falsas paixões tendem a terminar tão logo seque o poço dos títulos e das vitórias. Esses que trocam seu time de infância por algum time estrangeiro da moda, fazem o mesmo com as amadas tão logo aparecem as primeiras rugas, as primeiras celulites.  Volúveis em tudo jamais saberão das dores e delícias de uma segunda divisão, de um jejum de títulos. Jamais verão como ela continua linda com aquelas rugas emoldurando os olhos quando ri.
Eu tenho cá minhas paixões, as mesmas desde sempre. Muitas vezes tristes, mas paixões duradouras. A primeira foi o Galo, paixão tão antiga que nem tem data. Esqueci, como no bolero de João Bosco e Aldir Blanc, nosso começo inesquecível. A segunda foi a Seleção Brasileira.
Foi aos doze anos, quase treze, que eu vi Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo;  Clodoaldo, Gerson e Rivelino; Jairzinho, Pelé e Tostão ganharem nosso terceiro título nos gramados do México. Quem os viu sabe do que estou falando. Não havia como não se apaixonar pela melhor seleção de todos os tempos jogando o mais lindo futebol jamais visto e nunca superado. Esse time passou, ficou a paixão. 
Só mais tarde é que soube que uma mulher podia fazer meu coração bater tanto.
Mas agora estou de mal. Não morreu a paixão, mas a vi nos braços de outro. De um outro qualquer.
Logo mais, minha Seleção, minha paixão de menino, vai jogar um amistoso e eu não vou assistir. A seleção vai jogar sob o comando de Dunga, um tipo qualquer.  

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Infância, trabalho e punição



O que hoje entendemos como direitos trabalhistas, foram conseqüências das lutas dos socialistas, comunistas,  anarquistas, sociais democratas e reformadores sociais em geral. A jornada de 8 horas era algo impensável para o capitalismo do século 19 e começos do século 20. Férias remuneradas, aposentadoria, licença maternidade, direito de greve e outras coisas que nem nos preocupamos mais em discutir, pareceriam aberrações para os patrões da revolução industrial.
Ao longo do tempo, após muitas lutas e incontáveis vidas perdidas nas greves e revoltas de operários e camponeses, o capitalismo foi cedendo os anéis para não perder os dedos. Como se sabe, as concessões que os patrões foram obrigados a fazer em nada diminuíram seus lucros que, pelo contrário, se tornam a cada dia mais astronômicos.
As condições de trabalho na Europa da revolução industrial e nos países colonizados pelos europeus, hoje nos parecem chocantes. Nem mesmo o mais reacionário dos capitalistas de hoje defende abrtamente aquele modo de produção e exploração do trabalho.
Mas há algo que se destaca naquele mundo de injustiça social e aberrações: o trabalho infantil. A exploração de crianças nas fábricas e no campo, largamente difundida e utilizada na Europa e EE.UU por séculos, é ainda hoje uma realidade no Brasil.
Também nesse caso temos dois brasis: um das leis e outro das práticas.
Mas mesmo no Brasil das leis, a norma jurídica que estabelece os critérios do trabalho de menores é amplamente contestada não só pelos que dele fazem uso como pela população consumidora dos programas policialescos de TV e das redes sociais, inundada de conservadores dos mais boçais.
Há uma postagem que mexe e vira aparece nos facebooks da vida. Ela afirma que no Brasil o menor de idade pode tudo: matar, assaltar, estuprar e consumir drogas, só não pode trabalhar. É a típica visão de mundo de nossa classe média. Distorcendo os fatos, advogam por mais punição. Desconhecendo os dados mais elementares, se torna massa de manobra do conservadorismo interesseiro.
Os que defendem o trabalho na infância e na adolescência são os mesmos que pregam a diminuição da maioridade penal e a pena de morte. Defendem trabalho e punição não para os seus filhos, mas para os filhos da pobreza.
Esses senhores saudosos de chibatas e pelourinhos, também se voltam contra as cotas raciais nas universidades. Para eles e seus filhos querem o monopólio dos bancos nas universidades, para os pobres e negros, o banco dos réus e o trabalho aviltante.


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Proibicionismo demagógico



Outro dia, vendo um jogo do campeonato brasileiro pela TV, ouvi do comentarista que o estádio ganhara bom público minutos antes do início da partida. O locutor, que era local, explicou que isso se tornara comum depois da proibição da venda de cerveja na praça esportiva. O pessoal fica nos bares mais distantes enchendo a cara antes de entrar. Bebe mais, mais rápido e, para economizar, troca a cerveja por uma branquinha. Uma ou duas. No máximo cinco.
A proibição, que não vigorou durante a Copa do Mundo, é uma dessas medidas demagógicas e inócuas que nossas autoridades tomam quando não querem fazer nada. Nenhum torcedor ficou mais sóbrio depois da proibição, nenhum baderneiro ficou mais civilizado, nenhuma torcida organizada deixou de espancar e matar rivais, mas quem gostava de tomar uma gelada durante as partidas ficou impedido de fazê-lo.
Proibir, num país de cunho autoritário como o nosso, sempre fez sucesso. Jânio  proibiu biquinis na televisão. A ditadura proibia filmes que hoje passam na sessão da tarde. Um promotor, ou algo que o valha, de São Paulo chegou a proibir as torcidas organizadas. Não as combateu, não mandou prender seus membros mais violentos, não puniu seus crimes, não fez nada prático; as proibiu.
As leis proibicionistas que tentam interferir na intimidade do cidadão têm mostrado ao longo da história sua ineficácia. Isso quando não geram o efeito contrário ao prometido. Em Nova York funcionavam 500 bares antes da lei seca. Todos legalizados e pagando impostos. Depois de vigorar por alguns anos, a lei puritana conseguiu que esse número chegasse a 5 mil. Todos ilegais e pagando propina à polícia e ao judiciário.
No Brasil não corremos o risco de uma lei seca. A indústria de bebidas é poderosa e movimenta muita grana. Nosso proibicionismo se volta contra outras drogas e com o mesmo resultado da lei seca americana: confere enorme poder econômico e político aos que traficam em grande escala, sujeita os consumidores aos abusos e à extorsão da policia e corrompe as autoridades que fingem combater o ilícito.
Entre os que defendem abertamente a continuação da política anti-drogas até aqui praticada, estão os pastores e bispos de araque, a bancada da bala e moralistas de todos os matizes. Outros defensores do que não dá certo são os que lucram com a proibição: os grandes traficantes e os policiais que já contam com o dinheiro da extorsão e da corrupção como parte de sua remuneração.

Por linhas tortas (dando ênfase ao aspecto medicinal da maconha) a sociedade brasileira parece estar começando a compreender que a questão da droga e do dependente químico deve sofrer outra abordagem que não a simples proibição do uso. 
Com a nova composição do congresso, de perfil ainda mais consevador, certamente se dará um passo atrás.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Demagogia



Em fevereiro de 2013, o prefeito de Petrópolis, Rubens Bomtempo, resolveu não liberar a verba pública de 1 milhão de reais para o carnaval da cidade. Dizia o prefeito que o dinheiro seria aplicado na saúde. Houve aplausos gerais dos usuários das redes sociais e de outros bocós. A notícia voltou a circular no carnaval de 2014 como se fosse novidade. Possivelmente será requentada no carnaval de 2015 e outros doentes do pé, ruins da cabeça e evangélicos em geral aplaudirão mais uma vez o prefeito.
Para qualquer um que saiba fazer as quatro operações, fica claro que 1 milhão de reais investido na saúde de um município com mais de 300 mil habitantes é dinheiro de pinga. Se o prefeito resolvesse diminuir o número de secretarias, cortar pela metade seu salário e de seus secretários e acabasse com os cargos comissionados de sua administração, a economia para o erário do município seria muito maior. Mas isso nem deve ter passado pela cabeça do prefeito de Petrópolis. Além do mais, toda cidade que promove carnaval aufere ganhos importantes. Recife, por exemplo, fatura mais de 700 milhões nos três dias de Momo. Será que Petrópolis não arranjaria  uns 2  ou 3 milhões com a brincadeira?
Bomtempo, que ocupa pela terceira vez a prefeitura da cidade serrana, por pouco não pôde se candidatar. Sua candidatura foi vetada pelo TRE do Estado do Rio em decisão unânime (5 X 0). O homem respondia, até a data de sua inscrição para o pleito de 2012, a 107 (cento e sete) processos no TCE. O tribunal rechaçou duas de suas prestações de contas e o TER o considerou ficha suja.
O então candidato recorreu e o caso foi parar no TSE que anulou a decisão do órgão eleitoral fluminense. Não o considerou inocente, apenas concluiu que o parecer do TCE era um parecer técnico que poderia ou não ser aceito pela Câmara dos Vereadores a quem caberia a última palavra sobre a rejeição ou aprovação das contas pouco ortodoxas de Bomtempo. Acontece que todos sabemos como funcionam as câmaras de vereadores.
O TCE do Rio, não é nenhuma flor de austeridade, pelo contrário, e mesmo assim reprovou as contas de Bomtempo. Sem embargo, a população de Petrópolis deu-lhe mais um mandato e a demagogia deslavada e pueril do prefeito convenceu os mui politizados das redes sociais.






terça-feira, 28 de outubro de 2014

Rescaldo das eleições


Um colunista social do interior de São Paulo,  publicou que domésticas deveriam ser trancadas em casa no dia da eleição. O “jornalista” também destilou preconceito para com porteiros e nordestinos. O jornal onde trabalhava, querendo tirar o seu da reta, depois da repercussão negativa da “matéria”, demitiu o sujeito.
Até aí nada de mais, afinal não é o primeiro idiota que escreve coisas assim. O Mainardi, o Jabor e outros meninos levados são mestres no assunto, apenas não são tão toscos, (Minto; o Mainardi é tosco).  O engraçado do negócio foram os comentários postados nas redes sociais. Num deles, um leitor que se mostrava indignado com o “texto” do colunista, disse que o escriba tinha cara de pedreiro.  Pois é, no afã de condenar o preconceito do outro, o cara me manda uma dessas.
Mas, pelo menos para mim, a surpresa maior dessas eleições foi descobrir amigos virtuais, conhecidos e parentes simpatizantes de Malafaia, Sherazade e Bolsonaro. Não foram poucas as postagens que tinham como origem as páginas desses personagens.

O mais pitoresco, no entanto, foi o grande números de senhoras direitistas que ameaçaram deixar o país caso Dilma fosse reeleita. Mesmo se o tio do Aécio entregasse a chave do aeroporto de Cláudio, não haveria como embarcar tanta gente. Seria o caos aéreo com uns meses de atraso. Mas, claro, elas não irão. Essas pessoas não estão dispostas a mudar velhos hábitos como o de ter quem lhes lave as calcinhas e vá buscar seus brioches pela manhã. E isso só tem aqui, nessa sociedade herdeira do escravismo, que essa gente quer perpetuar.

sábado, 18 de outubro de 2014

Muita informação e pouco uso



Há meses que venho lendo um livro sobre história do Brasil. São quatro volumes e eu ainda estou na metade do terceiro. Não que a obra seja enfadonha ou de leitura difícil. Pelo contrário, é obra das mais interessantes. O motivo da demora em terminar o livro é que  ele está no computador, não é livro de papel e eu sou uma presa fácil da internet.
Todo dia faço o mesmo: abro o livro, chego na página em que havia parado e vou dar uma olhadinha no facebbok. Pronto. Me interesso pela nota sobre o seqüestro dos normalistas de Iguala, vou  ver o mapa da região, busco outro jornal para confrontar versões, vou para a wikipedia atrás de alguma biografia e duas horas depois estou lendo uns poemas de Octavio Paz. Sempre a mesma coisa. Há muita informação ao alcance da curiosidade e da ociosidade. E eu, um indisciplinado nato e contumaz, me deixo levar.
Talvez parte dessa indisciplina se deva a que eu seja, como todo mundo de minha geração, creio, um fascinado pela internet e a possibilidade de adquirir  informação instantaneamente. E todo dia tem novidade nesse mundo velho sem porteira. Quem viveu a maior parte de sua vida sem isso sabe do que estou falando. É irresistível.
Mas há algo estranho. Se há tanta informação disponível, por que há tanta ignorância sobre temas corriqueiros, sobre fatos que aconteceram num passado tão recente?
Fala-se da corrupção nos governos petistas como se ela fosse a maior de todos os tempos ou que tivesse nascido junto com a administração do PT. Esqueceram-se das privatizações? Das denúncias? Esqueceram-se do Proer? Já não lembram do 1% do PIB que foi doado ao sistema financeiro?  Da pasta rosa do ACM? Das contas CC5? Da desvalorização de real? Dos bancos que fizeram operações gigantescas na véspera do anúncio da medida?
Nada disso que digo é difícil de ser visto, está tudo na internet. Os jornais da época, as capas de Veja, que a cada semana do governo FHC trazia uma denúncia de corrupção, desvio, superfaturamento e tráfico de influência. Tá tudo lá. De fácil acesso. De mão beijada.


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Junho acabou em outubro



Depois de abertas as urnas constatou-se o tamanho do conservadorismo dos eleitores brasileiros. É certo que os evangélicos não conseguiram ampliar sua bancada como imaginaram, mas isso foi devido, creio, à sua própria incompetência.
Os pastores, que estavam divididos por todos os partidos, como candidatos ou apoiadores, atiraram para todos os lados e pouco acertaram. Um exemplo dessa falta de estratégia, foi a postura de Malafaia que apoiava Everaldo, passou pelo colo da irmã Marina e agora está com Aécio.
Outro motivo da votação aquém das expectativas dos pastores e bispos de araque foi a apropriação do discurso homofóbico, moralista e fanático por outros candidatos não afiliados às seitas. A prova disso foi Levy Fidélix, que conseguiu superar Everaldo no quesito escrotidão durante os debates dos candidatos à presidência.
Os eleitores também acharam de dar voz nos legislativos estaduais e no Congresso Nacional aos representantes da bancada da bala. Policiais, ex-policiais civis e militares e outros aprendizes de Bolsonaro, se elegeram aos montes. O discurso do homem de bem, do bandido bom é bandido morto, do rebaixamento da idade penal e até da pena de morte, fez nas urnas o mesmo sucesso que faz nos programas policialescos da TV.
Entre os latifundiários também há motivos para comemorações. Todos os representantes das capitanias hereditárias foram reeleitos e ainda levaram alguns filhotes e afilhados para Brasília. Para abrilhantar nosso congresso, fazem sua estréia o filho de José Agripino Maia, Felipe Maia, o Júnior de Nelson Marchesam, Irajá Abreu, filho de Kátia Abreu entre outros.
 Mais uma vez as vítimas votaram nos algozes. Os trabalhadores elegeram os patrões e os camponeses deram mais poder aos ruralistas. Desde os tempos da ditadura não houve um Congresso tão conservador como o que teremos nos próximos 4 anos.
Sem inserção na sociedade, sem ouvir a voz das ruas antes de se apropriarem delas, as jornadas de protesto, que prometiam ser um divisor de águas na política brasileira, nada trouxeram de concreto.  Junho acabou em outubro.



sábado, 11 de outubro de 2014

Eu voto Dilma




Há alguns anos, li o livro “O negro no Brasil”. Creio que o sobrenome do autor é Chiavenato. Gostei do livro e recomendo. Só encontrei um senão. Na verdade, o embrião de um senão. Foi quando o autor tratou da libertação dos escravos em 1888. Diz ele que eram “apenas” 700 ou 900 mil pessoas que se encontravam naquela situação. Diante dos milhões que sofreram a escravidão durante mais de 3 séculos, o número parece pequeno. Ora, mas não são números, são pessoas. Com a intenção de destruir o mito da princesa generosa, Chiavenato (se é que esse é mesmo seu nome) diminui o impacto que a libertação teve na sociedade e, principalmente, na vida daqueles recém-libertos.
Estou longe de ver a libertação assinada pela princesa como uma benesse do poder ou das elites brasileiras. O sistema escravista do Brasil já parecia algo grotesco mesmo para as nações que se aproveitaram ao extremo da compra, venda e exploração dos negros. Ademais, as lutas travadas por quilombolas, escravos libertos e por parte da elite esclarecida, já havia posto um fim moral no escravismo do Brasil.
Mas veio a Lei Áurea e a instituição indefensável foi extinta.
Outro dia, acompanhei os comentários que Mauro Iasi, candidato à presidência pelo PCB, fazia durante os debates da Bandeirantes. Num determinado momento, Iasi fala sobre os projetos sociais e da eficácia, ou falta dela, do programa bolsa família. Diz o líder comunista que as pessoas atendidas saíram da miséria absoluta para a miséria. Reclama de políticas de longo prazo que combatam essa miséria.
Não deixa de ter razão o candidato do PCB, há que se ter políticas de longo prazo para o drama da miséria em nosso país. Mas o que é a miséria absoluta, a miséria extrema? É não ter o que comer, é comer calango e rato na caatinga, é comer o lixo das feiras e restaurantes nas grandes cidades, é mendigar todo o dia para comprar um pastel ou um pão. Miséria extrema é ver os filhos morrendo por inanição, é ter a cabeça girando pela fome, é morrer de velhice aos 40.
Não acho desprezível tirar milhões de pessoas dessa situação. Ainda que um imenso contingente de brasileiros continue a viver em condições miseráveis, sem habitação digna, sem emprego decente, sem condições de higiene, o fato de ter o que comer alimenta a esperança, dá alguma perspectiva, livra o homem, a mulher, a criança da luta por manterem-se apenas vivos.
Mauro Iasi é um sujeito dos mais corretos, um lutador, um cara que não se acomodou diante da iniqüidade existente no país. Mauro Iasi quer melhorar o Brasil para os brasileiros, para os brasileiros mais pobres, mas sua critica ao programa de governo que mata a fome é injusta. Iasi, assim como Chiavenato, se esquece que detrás dos números existem pessoas. Esquece de interrogar as pessoas que saíram da pior das condições de vida. Seu discurso é lógico, mas carece de empatia com os que passam fome.
Aqueles escravos libertos em 1888, não foram viver nenhum paraíso, pelo contrário, foram vivenciar a miséria. Mas existe maior miséria que não ser dono de si mesmo?  Hoje, os descendentes daqueles libertos e tantos outros brasileiros vivenciam a escravidão da fome e os governos do PT os tem libertado.
Ainda que não tivesse outros motivos para votar em Dilma no segundo turno, o combate à miséria extrema no país que teve início no governo Lula, e que ela dá prosseguimento, seria o suficiente.


terça-feira, 7 de outubro de 2014

O voto consciente do sul e do sudeste



Em São Paulo, Tiririca, Russomano e Marco Feliciano foram os mais votados entre os que disputavam uma cadeira na Câmara dos Deputados. O maior estado da federação também mandou para Brasília, Sérgio Reis, o missionário José Olípio e o filho do Bolsonaro. Isso sem contar que entre os que não se elegeram, estão o Dr, Rey com mais de 21 mil votos, o cantor Frank Aguiar, com mais de 26 mil e ex-BBBs que juntos levaram mais alguns milhares de votos.
Os paulistas também elegeram, no primeiro turno, o Picolé de Chuchu, cuja maior façanha no comando do executivo paulista, foi deixar os paulistanos sem água.
No Rio, o campeão de votos foi Jair Bolsonaro seguido por Clarissa Garotinho. O segundo turno que irá decidir quem ocupará o Palácio Guanabara, terá Pezão, o desconhecido filhote de Sérgio Cabral Filho e Marcelo Crivela, pastor da Igreja Universal e sobrinho do proprietário da seita. Em terceiro lugar ficou Garotinho, aquela gracinha.
Os gaúchos mandaram para o senado, Lasier Martins, jornalista que fez carreira no grupo RBS afiliado à Rede Globo. Lasier ficou conhecido através da internet num vídeo em que toma um choque elétrico. Fora isso, sua trajetória como jornalista não tem maior relevância. Pouco antes da eleição, ele recebeu uma colega e concedeu entrevista. As respostas, todas clichês, estavam escritas e ele as lia sem o menor constrangimento.
 Por falar em constrangimento, o ex-jogador de futebol, Jardel, foi eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul com mais de 40 mil votos. O cearense sequer residia no estado e transferiu para lá seu título com o intuito de disputar a eleição. Quem assistiu a entrevista que Jardel concedeu ao pessoal do “Na chincha” do click RBS pouco antes do pleito, sabe do que estou falando.
O povo do Distrito Federal preferia eleger José Roberto Arruda, um dos poucos políticos brasileiros que foi filmado metendo dinheiro de propina nas meias. (Pelo geral, usam-se cuecas para esse fim). As pesquisas feitas antes que a justiça eleitoral o considerasse inelegível, davam mais de 60% das intenções de voto para Arruda. Depois do indeferimento de sua candidatura, Arruda  ameaçou:_"Agora sou cabo eleitoral"e meteu sua mulher como vice na chapa de Jofran Frejat que vai disputar o segundo turno.
Santa Catarina elegeu como senador, Dário Berger. O político está com seus bens indisponíveis por conta dos processos que correm contra ele. Berger foi condenado por nomeação ilegal pela Fazenda Pública e terá que pagar multa que ultrapassa 330mil reais.  Ainda assim, Berger doou 100 mil reais para a própria campanha. A doação também foi bloqueada pela justiça. Contra Berger tramitam outros processos que agora devem seguir para o Supremo logo depois da diplomação do novo senador. O segundo colocado na eleição para o senado foi Paulo Bornhausen. O sobrenome fala por si.
Paulo Hartung foi eleito governador no Espírito Santo com mais de 53% dos votos úteis. É a segunda vez que Hartung  governará o estado. Na sua primeira passagem pelo Palácio Anchieta, Hartung deixou dúvidas no Tribunal de Contas do Estado. Várias empresas que prestaram serviços ao seu governo entre 2003 e 2010, fizeram repasses a Econos, uma empresa de consultoria que tinha Hartung como sócio. Foram mais de 5,8 milhões de reais. Hoje, quem representa a empresa é José Teófilo Oliveira que foi secretário da fazenda do governo Hartung. O Tribunal de Contas também apura  as 75 viagens feitas por Madame Hartung ao Rio. Os filhos do casal moram na Cidade Maravilhosa. Não os culpo, mas as viagens foram pagas com dinheiro público.
Como se vê, votar no que há de pior da política nacional não é coisa de nordestinos.