sábado, 18 de janeiro de 2014

Upgrade diferenciado


Deve ser da idade, essa idade sem razão nem propósito na qual vou adentrando com passo lépido. Só para esse fim o passo ainda é o mesmo do tempo em que eu encarava longas caminhadas: da Borroca  até o Padre Estáquio; do Méier até a Praça da Bandeira; de Botafogo até a Gávea. Meus passos hoje se apressam no rumo do fim. Já não há mais um continente a ser percorrido, nem um país, sequer uma cidadezinha. Seria algo como um chopp gelado em Copacabana, andar pela praia até o Leblon, se me permite o poeta, e fim.
Deve ser também da idade essa minha má vontade com os modismos do falar e do escrever. As frasezinhas em inglês me exasperam, os neologismos paridos a fórceps me irritam, o discurso sibilino me cansa, já não os tento descascar. Quem pode ler “dislike” e não ter um troço? Quem pode ouvir “niver”, “bike”, “vibe” e não ser acometido por um piti digno de um travesti da Augusto Severo?
Não pense que exagero. Abri hoje a página virtual de um sítio educacional do governo e a primeira palavra que me atacou foi “newsletter”. Num sítio educacional! E do governo! Diante da bobagem não me contive e escrevi na caixa de comentários uma crítica pelo uso do estrangeirismo. Fui apoiado por um rapaz que escreveu:_Adorei seu comment. Tive um ataque de riso nervoso e corri pra tomar meu Gardenal. Pois é, eu sou do tempo do Gardenal.
Mas não são apenas os comentaristas da internet e das TVs que não passam sem seu inglesinho de cais do porto. Gente que eu considero séria também aderiu a moda e manda ver o esculacho em artigos e colunas dos principais sítios informativos e jornais do país. Quer exemplos? Não dou.
E tem o pessoal acadêmico. Se por um lado essa gente não abusa dos anglicismos, por outro se vale de palavras cujo uso só se faz no âmbito das universidades quando estas resolvem explicar o mundo cá de fora. Uma palavra que não pode faltar no discurso acadêmico é “contemporaneidade”. Não se pode falar da Grécia antiga, da usina de Fukushima ou do rolezinho paulistano sem que o termo contemporaneidade esteja presente.
A terminação “dade” é uma espécie de vício dos acadêmicos. Li uma notícia sobre palestra na faculdade de letras da UFRJ: “Intertextualidades por derivação em textos verbo-visuais”. Nem faço idéia do que possa tratar, mas intuo que o bagulho é doido. E mais doido deve ter sido o seminário “Arbitrariedade, composicionalidade e o círculo vicioso”.  Imagino que isso possa ter uma tradução pro verbo corrente, mas, como disse, já não tento descascar esses abacaxis lingüísticos.
No entanto o que mais me chateia são mesmo os anglicismos, o inglês de praia que se usa como distinção de classe e nível cultural. O sujeito manda um “upgrade” e já se acha “diferenciado”.

Mas ainda verei o dia, em que o simples uso do português corrente é que irá distinguir o idiota patológico do sujeito com dois dedos de frente.

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