domingo, 10 de janeiro de 2016

O filho da puta





            Ela labutou por quase trinta anos na Rua Conselheiro Pena. Naquele trecho que vai da estação ao mercado novo. Andou quilômetros entre a estação e o mercado novo. Nos primeiros anos, eram doze, quinze clientes por dia. Pagava o aluguel, o de comer e tudo mais com seu trabalho. Depois veio a barriga, o menino pequeno, as coisas da escola. O corpo padecia, os quilômetros trilhados aumentavam. A concorrência aumentava. Teve que diversificar a clientela. Nesse tempo, frequentou mais as boleias que os quartos do Hotel Aurora. Ia levando. O menino crescia e era inteligente. Quando terminou o primário no grupo escolar matriculou-o no colégio dos padres em Araciaí. Daí pra faculdade federal em Belo Horizonte foi um pulo. Estava agora livre das despesas com o rapaz que já dava aulas para  manter-se na capital. Melhor assim. Os clientes minguavam, o dinheiro minguava. Escutava desaforos e gozações de caminhoneiros boçais e meninos da escola técnica mal saídos dos cueiros. O rapaz se formou em medicina. Ela agora, pensava, poderia se consultar de verdade sem ter mais que recorrer às mezinhas e às injeções de Benzetacil, único tratamento conhecido e ministrado pelo Chico da farmácia. Um dia foi ver o filho no hospital onde o rapaz entrara por concurso público sem ajudas nem indicações, segundo ele mesmo contou em sua última carta, escrita há mais de um ano. Quase trezentos quilômetros de estrada na cabine da Mercedes de um ex-cliente. Ia com um riso bobo no rosto ensaiando frases, premeditando abraços. A última vez que vira o filho fora em Araciaí, pouco antes dele entrar pra faculdade. Ainda era um menino. O rapaz, agora doutor, recebeu-a sem dar-lhe tempo para qualquer contemplação. Tomo-a pelo braço, levou-a a um recanto do jardim do hospital onde pacientes faziam fila debaixo de um sol mortal. Pediu-lhe que não o procurasse ali, que era seu lugar de trabalho, que escreveria quando pudesse. Ela ainda quis pedir seu endereço, seu telefone. Ele repetiu que escreveria. A gravata italiana (que o Justino da JL Confecções jurou que era italiana) ficou no fundo da bolsa em sua caixinha com laço verde.


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