sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Polícia pacificadora


                

                Na infância, eu via cenas da guerra do Vietnan na TV. As imagens chegavam até nós   poucos dias depois de serem colhidas. Em 1969, eu vi, ao vivo, o homem pisar na lua. Anos mais tarde, assisti à primeira invasão do Iraque por tropas estadunidenses. Foi a primeira guerra mostrada ao vivo e a cores.     
                Claro, eu vi o que o governo americano permitia que víssemos. O Pentágono e a Casa Branca já estavam escaldados com o desgaste moral que as cenas do morticínio vietnamita haviam provocado junto à população de seu país. Ninguém gosta de ver gente com as tripas pra fora na hora do jantar.     
                Na transmissão da invasão do Iraque, não havia cenas de gente morta ou ferida, apenas mísseis cortando os céus de Bagdá, edifícios sendo transformados instantaneamente em escombros após a explosão das bombas de meia tonelada. Sem sangue, a guerra era como um jogo eletrônico. Ainda assim, quando os sacos pretos com cadáveres de soldados americanos começaram a desembarcar em seu país, o governo de Bush, o pai, ampliou a censura aos meios de comunicação. Nem era preciso. As grandes cadeias de TV americanas já estavam suficientemente domadas.
                O que me chamava à atenção na época era a disparidade entre as imagens que víamos na tela e as legendas e falas dos jornalistas, tanto os gringos como os nacionais. Não precisava muita imaginação para saber o resultado dos bombardeios em meio à cidade, mas os informantes presentes no campo de batalha preferiam falar de números, de tecnologia bélica, da movimentação de tropas e das possíveis estratégias de seus generais. As mortes de civis eram números. Ao mostrar um edifício destruído, falavam da bomba que o destroçara, não de seus moradores.
                A incrível capacidade de mostrar algo e falar de outra coisa, já foi descoberta há muito tempo pelos meios de comunicação de massas. E funciona muito bem. A maioria das pessoas criou o hábito de desligar o cérebro tão logo a TV é ligada. A manipulação das consciências nunca foi tão fácil. E os políticos sabem disso.
                Uma imagem, com uma legenda, por mais disparatada que seja, faz milagres. É o que temos visto nos noticiários quando o assunto é a “pacificação” das favelas no Rio. Nos telejornais, quando é dita a palavra pacificação a imagem correspondente (?) é a de um policial portando um fuzil. Claro que não se trata de pacificação e sim de ocupação. Ocupação com armas de grosso calibre para serem usadas nas vielas dos morros densamente povoados. O número de mortos e feridos por bala perdida vem aumentando na mesma medida que o plano de ocupação fracassa.
                Seria ingenuidade pensar que os traficantes abririam mão de seus lucrativos pontos de vendas só porque alguns policiais, dados à corrupção e ao desmando, ocuparam as favelas. Nem o Governador, nem seu Secretário de Segurança, nem os políticos que os apoiam são ingênuos. O mais bobinho deles é deputado estadual.
                Em seus apartamentos do asfalto, a classe média tem a falsa sensação de segurança. Essa gente vê os favelados como ameaça, como inimigos. Crê que a repressão nas favelas irá lhe trazer a paz. Crê na pacificação que os noticiários de TV afiançam enquanto mostram os soldados de fuzil. A classe média quer acreditar que os mortos e feridos nas favelas são todos perigosos bandidos. O noticiário lhes dá essa certeza.
                O governador Sérgio Cabral Filho e seu secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, conseguem sustentar essa política de hostilidade frente à população pobre graças ao medo e aos meios de comunicação que fazem eco da propaganda governamental. Até a Presidenta Dilma já teceu elogios à pacificação de Cabral e Beltrame. Falou de modelo a ser seguido em todo o país.
                Para dar crédito à política repressiva, as TVs e jornais mostram entrevistas com moradores das comunidades ocupadas apoiando a ação governamental. São sempre pessoas mais velhas. Os jovens, que são em maior número e vítimas preferenciais do arbítrio policial, jamais aparecem para dar seu parecer sobre a ocupação. Não convém. Os garotos têm a língua solta e são menos afeitos ao medo que a presença armada inspira.
                Nem a manipulação dos fatos nem o preconceito da classe média, que vê no povo pobre e favelado o gérmen da violência, são novidades. Nas eleições de 1986, o povo do Rio preferiu eleger Moreira Franco em vez de Darcy Ribeiro para comandar os destinos do estado. Durante a campanha eleitoral, Moreira Franco prometia acabar com a violência em 6 meses. Houve quem acreditasse. O povo fluminense trocou o giz pelo fuzil e deu no que deu. A violência continuou crescendo. Portanto, não é de se estranhar que tantos acreditem na polícia pacificadora de Cabral e Beltrame.






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